— Verdaaade??? Nooossa!!! — leva
as mãos à boca. — E por que será que uma notícia dessas não me caaausa
surpreeesa??? Talvez porque a ladra seja você!
— EEEEEU? — pergunta, simulando
um susto. — Nunca, dona Leonor, eu juro pelos meus pais mortos que jamais
pegaria uma moeda que fosse dos cinquenta mil…
— Uuuhhh! Cinqueeenta mil? —
arregala os olhos. — Então a bufunfa toda era bem maior que os nove reais e quinze
centavos? Até que enfim falou a verdade!!! Pois cadê o dinheeeiro? Quero-o
todo!!!
— To-to-todo??? — treme.
— Claaaro, minha fiiilha!!!
Pensou que iria me levar no biiico??? Coitada!!! Tomou no “zóio”!!! Hum! Deve
me achar uma tola, só pode! Pois vou lhe mostrar com quantos paus se faz uma
canoa… Vamos! Dê- me a graaana! Estou esperando, Cleeeide!!! — espalma a mão
direita e bate sobre ela o dedo indicador da esquerda. — Vamos, quero tuuudo
bem aqui!!! Ande, ande, não tenho o dia todo!
— Bem… é que… — perde a cor.
— Deixe dessa conversa fiada e
fale logo!!! Vamos!!! Cadê meu dinheeeiro, Cleeeide??? — cobra Leonor, com
veemência; percebendo que a cozinheira lhe tramou pelas costas, chega à
seguinte conclusão: — Você o pegou, não foi??? Já vi tudo, sua cara não deeeixa
dúvidas. E o que fez com ele??? Faaale!!! Se continuar mentiiindo, entrego-a às
feeeras, que rugem diante da polícia — está inconformada. — Hum! Quando
soubeeerem que você usou a grana que doaram para ajudar no resgate de minha
fiiilha, a casa há de cair e o que lhe sobrará será a forca. Duvida?
— Já disse, dona Leonor, não fui
eu… O dinheiro realmente sumiu.
— Cleeeide, ó Cleeeide, não me
desafie… O cascalho não é lá muita coisa para mim, aliás, sequer pagariiia um
dos vestidos de gala às festas do Alvorada que frequento; já para você, diante
de toda a pobreza em que está mergulhaaada, é uma fortuna, e sei que não
pensariiia duas vezes em botar a mão, porque é uma pessoa interesseira, cheia
de conversa fiada, que adooora inventar histórias para levar vantagem em cima
dos trouxas e eu estou entre eles… Sei muito bem do que estou falando!
— Nossa! Como pode pensar uma
coisa dessas de mim? Tudo o que fiz pela senhora foi por amor, nunca visei um
centavinho que fosse; se esta gente afronta a polícia diante de sua casa, é
porque eles, assim como eu, acreditamos que seja capaz de mudar o mundo e para
melhor… — limpa o suor que lhe desce da testa. — Pessoas como a senhora são
iluminadas, carregam no peito uma bondade que não tem tamanho; em nome dos mais
pobres, são capazes dos maiores atos de grandeza. Santa dona Leonor, gritava o
povo de Ceilândia, quando ouvia seu nome. Aleluia, diziam outros! Só faltava a
cruz para ser pregada…
— A cruuuz eu vou é dar na sua
cabeça, sua infeliz! — perde a paciência. — Pois vai ver do que sou capaz…
— Do-do-dona Leonor… —
desespera-se a empregada, roendo as unhas, sendo interrompida pela patroa.
— Chega deste teatriiinho, já não
aguento mais tanta mentiiira, tanta insanidaaade, logo eu, que sou a pessoa
mais ajuizaaada desta casa!
— O… o… que a senhora vai
fa-fa-fazer?
— Você já vai ver!!! — a dondoca
se dirige à cozinha, de onde retorna com uma vassoura.
— Mulher, o que pretende? O povo
tá ensandecido! — alerta Martim, tentando segurá-la pelo braço. — Você não
seria capaz… — empalidece ao perceber que ela deixaria o povo entrar.
— Me deixe, Melanciiia…
Obstinada, retira o cadeado de
uma caixa que fica a alguns metros, aperta um botão, acionando o portão, que
sobe lentamente.
— Não faça isso, dona Leonor —
grita Cleide, sabendo que seu fim estava próximo.
— E há outra maneira de se matar
os raaatos??? — provoca, completamente dominada pela revolta. — O veneno aqui é
o próóóprio povo! — volta-se para a multidão. — Vocês vão ver do que esta
“saaanta” é capaz de fazer para salvááá-los de uma ladra de quinta.
— EU CONTO, EU CONTO, MAS FECHE
ISSO, PELO AMOR DE DEUS, O POVO ESTÁ SEM CONTROLE, VAI INVADIR TUDO, QUEBRAR
SEUS MÓVEIS, SAQUEAR SUAS PRATARIAS…
— Que se daaane, se eles me amam,
como você diz, antes me ouvirão… E não pensarei duuuas vezes em lançá-la aos
cães, sua vadiiia metida a esperta.
E o portão continuava a subir,
lentamente, atraindo a atenção da turba e da própria polícia, que não entendia
o que estava acontecendo.
— Cara, o que aquela mulher
pretende? — pergunta um oficial ao outro. — Isso vai acabar em sangue, melhor
pedir reforços.
— Nãããããããão! — entra em crise de
choro. — Eu conto toda a verdade, mas feche aí, feche, se o povo souber, vou
ter de me esconder pelos próximos mil anos. Piedade, dona Leonor! — implora,
com as duas mãos unidas. — Piedade!
O portão para e inicia o
movimento contrário. Os que se atrevem a passar por baixo dele, são afastados à
vassourada.
— Tem mais um ali — grita Martim,
vendo um rapaz com metade do corpo dentro da propriedade.
— Pois tooome, meu fiiilho! —
acerta-lhe as costas. — O que tá pensaaando? Que aqui é a casa da mãe Joaaana?
Nem no sonho!!!
— Você vai machucá-lo, dona
Leonor! É um de seus seguidores — alerta a fofoqueira, limpando as lágrimas com
o avental.
— Pois eu não sou santa, como
disse? Antes do milagre, exijo sacrifícios!
O portão se fecha.
— E então, minha fiiilha, comece
a abrir o biiico, viu que não sou de brincadeeeira! Comigo é assiiim, mato a
cobra e mostro o paaau; melhor, estrangulo o raaato e mostro a ratoeira…
— Que barulho é esse? Meu Deus!!!
— assusta-se Matilde, vendo a multidão diante do portão. — Esse povo não desiste???
— Pronto! Só faltava a feiiinha
de salto alto para o ciiirco ficar completo… — escarnece.
— A senhora me respeite! — exige,
vendo-a novamente encurralar a cozinheira contra a parede.
— Só sabe falar iiisso, troque o
disco, minha fiiilha…
— Deixe, Matilde, está fora de
controle — pede o general, estafado com tanta confusão.
— E quando é que não esteve?
— Com quem peeensa que está
falando, sua… sua… sua va- ga-ba? — volta-se para a governanta, quase não se
segurando. — Vai querer levar umas vassouraaadas também? Vai? — desfere alguns
golpes contra o chão. — Vai?
— É isso aí, dona Leonor, mostre
quem manda aqui! — aplaude Cleide, tentando desviar o foco.
— E você cale a boooca, infeliz,
senão não respooondo por mim — retorna à cozinheira, que se cala, com os olhos
esbugalhados.
— Não sei mais o que fazer, tá
todo mundo pirado nesta casa! — afirma o homem.
— Agora fale, Cleeeide, o que fez
com a grana? Se me enrolar de nooovo, a coisa não vai prestar… Já viu do que
sou capaz!
— Eu… eu… eu usei o dinheiro para
fazer as faixas e os cartazes daquela manifestação que pedia a sua participação
no BBB…
— CLEEEEEEEIDE!!!! — dá um berro,
percebendo a mentira.
— Tá… tá… eu conto… Eu usei o
dinheiro!
— Disso já eu sei, não preciiisa
ser nenhuma expert para perceber que de uns diiias para cá tem andado com roupa
nova, booolsa de marca, calça da moda…
— A senhora gostou? Uh! Então é
mesmo coisa fina, como me disse a vendedora, porque se há alguém nesta vida que
entende de grife é a senhora… Nossa! Quando vestia aquele tubinho, naquele
salto de quase dois metros, toda Brasília parava só para vê-la; parecia a
Gisele Bündchen naquelas passarelas do estrangeiro. A galera aplaudia!
Ceilândia então, nem te conto, a mulherada tinha o pôster da senhora colado na
porta do guarda-roupa e sempre que se arrumavam para uma festa, inspiravam-se
no seu glamour…
— CHEEEEGA!!! O que pretende, sua
lambisgoooia?
— Lam-bis-goi-a??? EUUUU????
Assim não dá, sou pobre, mas honrada!
Leva uma vassourada de leve na
cabeça.
— Você está me desafiaaando,
cri-a-da??? Estou a um paaasso de lhe arrebentar o pau na cabeça; posso ser
preeesa, mas irei feliz, terei livrado o mundo de um… um… um ser tão abjeeeto
feito você! É a última vez que pergunto: O QUE FEZ COM A GRAAANA DESTES
PÉS-RAPADOS?
— Eu… eu… bem… — dá uma arranhada
na garganta — … eu arrumei meu barraco, que tava quase caindo; não fosse o Zé
Bigode amarrar as colunas com arames, já estaria tudo no chão… E comprei umas
roupas e uns calçados – como a senhora mesmo notou –, porque com o que recebo,
mal consigo pagar o busão até a casa de meus pais. Pois tá aí, não queria
saber? Hum! Quando vi aquele dinheirão pingando na conta, não pensei duas
vezes, meti a mão sem dó! Pra senhora pode ser uma mixaria; pra mim é coisa
grande. De verdade, nunca vi tanto dinheiro assim na vida! Ui! Deu até para
levar uns bofes ao motel, acredita? E pagar tudo! Uh! A carne aqui tremeu até
perder a cor! Só de lembrar, já me dá um tremelique…
— Foi bom? — os olhos,
inflamados, refletem o cinismo da empregada, que ainda tenta se safar.
— Se foi… fiquei dois dias
andando torta, de perna aberta, a senhora não percebeu???
— Preciso lhe falar, senhor!!! É
urgente!!! — pede Matilde a Martim, que a encara com curiosidade, em meio a
toda aquela sandice.
— E o que seria mais urgente que
isso? — aponta para as duas, que permanecem discutindo.
— LUARA! — seus olhos, aflitos,
prendem-se aos do general, que percebe a gravidade do caso.
— O que aconteceu com minha
filha??? — desespera-se. — Fale!
— Precisamos de um lugar mais
tranquilo, porque aqui, em meio a toda esta loucura, não há cabeça que resista.
— Venha, vamos ao escritório. Minutos
depois…
— O que está me dizendo, Matilde?
— escandaliza-se, levantando- se da cadeira. — Não pode ser! Luara jamais faria
isso! Jamais! É pura, sensível, de um coração angelical, incapaz de ferir um
semelhante — movimenta a cabeça de um lado para o outro em sinal de negação. —
Você deve estar falando de outra garota, não de minha filha!
— Quisera Deus que eu estivesse
enganada! Mas de uma coisa o senhor tem razão, a Luara que conhecíamos
realmente não seria capaz de tamanha maldade, já a que está lá em cima, e que
se autointitula Diana, sim. E para saciar sua sede por sangue até mataria, se
necessário — abaixa a cabeça, demonstrando a dor que lhe atormenta a alma. —
Quando a ouvi dizer aquelas barbaridades, pensei que estivesse brincando,
pregando uma peça, sabe, a juventude é cheia de traquinagens de gosto duvidoso;
com o passar da conversa e do modo como contava os detalhes, tive a certeza de
que a menina que criamos perdeu-se no caminho da vida, dando lugar a um monstro
que se alimentou da mentira que ainda sustentamos para que dona Leonor não se
afunde de vez no lamaçal de suas próprias dores.
— Não! Não pode ser! Você deve
ter ouvido tudo errado — nega- se a acreditar. — Minha menina não!
— Sua menina não existe mais,
senhor! — constata.
— Matilde, você está louca! Luara
me abraçou no hospital e se mostrou a mesma, com aquela doçura irradiante de
sempre… Acha que não teria percebido se ela tivesse feito todas essas coisas?
Posso estar velho, mas ainda sei discernir os fatos, reparar nos detalhes, ler
nas entrelinhas…
— Os pais só enxergam o que
querem, é a maneira que eles têm de se defenderem daquilo que mais os
amedronta.
— Como o quê?
— O receio de que os filhos se
percam no mundo.
— Você está me dizendo que Luara…
— Não está mais entre nós, aliás,
talvez nunca esteve! — completa.
— Como assim? — leva uma das mãos
à fronte. — Não estou entendendo!
— Ela forjou uma criatura para
que amássemos…
— Isso é loucura! — dá um tapa na
mesa. — Minha filha não faria isso! Você quer me confundir, ainda que eu
desconheça o propósito.
— Senhor, Dona Beatriz me fez
prometer que defenderia Luara das coisas ruins deste mundo…
— Hã? — está confuso. — E por que
ela lhe pediu isso?
— De algum modo ela sabia do
perigo que a neta corria, talvez já tivesse percebido o monstro que nela habita
e nunca teve a coragem para nos contar, por isso me pediu que a salvasse. Suas
palavras rondam o tempo todo minha mente e não me deixam descansar um só
minuto…
— Que conversa é essa? — o homem
se exalta ainda mais. — Defender minha filha de quê?
— Eu nunca soube direito, mas
agora entendo, Luara deve ser protegida de si mesma.
Martim, estático, se cala, com os
olhos presos aos da governanta, que lhe revela o teor dos pedidos:
— “… tenha-a por perto, seja a
sua consciência, antes que o mundo a roube de nós. Luara não é uma criatura
capaz de se defender; frágil como é, ruirá à primeira tempestade e isso não
poderemos permitir.”, dizia sua mãe, seu Martim, como se antevisse a desgraça.
— “… os desafios que virão não
serão páreos apenas para um anjo, é necessário que você vá além dos próprios
limites, vista-se de fera e ruja, ruja, ruja o mais alto que puder, afastando
dela todos aqueles que insistirem em lhe fazer o mal. E serão muitos.”
— Minha mãe estava lesada para
lhe dizer essas coisas…
— Confesso que no início eu
também achei, até o momento que ouvi aquela conversa. Luara foi clara,
participou ativamente da morte de Nicholas e anseia por mais desgraças, porque
o seu desejo é o de MATAR.
— CHEEEEEGA!!! O que pretende com
esta sessão de tortura??? Quer mesmo que eu acredite que minha filha, aquele
anjo de candura, tenha cometido todos estes crimes??? Não pode ser!!! — está
fora de si. — E não contente, ainda vilipendia a imagem da coitada da Sofia?
— Senhor, eu sei que é difícil,
mas é a verdade…
— Então quer dizer que Sofia
morre de amores por minha pequena, a ponto de lhe dar cobertura em suas
práticas nada legais? Você anda assistindo a muita novela, querida!
— Senhor… — uma lágrima solitária
desce-lhe a face.
— Quero que pegue suas roupas e
saia já daqui. Ninguém ofende um ente de minha família e fica impune! Hei de
levá-la aos tribunais para que seja julgada e condenada pelas calúnias que
atira contra a honra de minha filha. E, saiba, não medirei esforços, quero
vê-la chorando, caída à sarjeta, implorando por piedade — o ar de superioridade
do homem, além de impressioná-la, a amedronta. — Pena não estarmos mais nos
tempos da Ditadura, porque naquela época a coisa era diferente, bastava um
telefonema meu para que lhe aplicassem um bom corretivo. Alguns minutos no
pau-de-arara¹ seriam suficientes para que jamais se esquecesse de que somos os
Vaz, uma família de elite, respeitada em todo D.F., recebida a qualquer tempo
por deputados, ministros, membros da mais alta corte e pelo próprio presidente
da República, diferente de você e dos seus, cuja origem, ao que me consta, é
ignorada ou incerta.
— O senhor está me ofendendo —
humilhada, entrega-se a um pranto doloroso.
— É você quem me ofende com este
assunto sem nexo. Acredita mesmo que cairia nessa conversa fiada, dona Matilde?
Nunca! Você tem algum plano em mente, talvez acabar com minha família, ou algo
do tipo…
— E o que eu ganharia com isso?
Responda, seu Martim!
— É isso que eu gostaria de
saber! Talvez quisesse fazer fortuna com a intimidade de minha casa.
— O senhor não está raciocinando
direito…
— Então o louco aqui sou eu??? —
dá uma gargalhada de raiva.
— Faça-me o favor!!!
— Não! Eu apenas quis dizer que
sempre honrei sua família e a tratei como sendo minha.
— Mas não é! Enxergue-se,
CRI-A-DA! Jamais teríamos o seu sangue correndo em nossas veias… Chega a ser
ridícula essa conversa! Você nunca passou de uma serviçal intrometida,
semeadora de intrigas, e a culpa é de minha mãe, que lhe deu asas… E agora será
necessário cortá-las!
— O senhor não entende —
descontrola-se —, a criatura que está lá em cima é um produto nosso.
— O que quer dizer?
— Que nós a construímos, seu
Martim! Todos nós! — limpa as lágrimas. — A mentira que contamos está ruindo…
O homem se cala.
— O senhor sabe do que estou
falando ou já se esqueceu? Permanece em silêncio, com o semblante tocado pelo
medo.
— Jamais deveríamos ter inventado
aquela história…
— De que história está falando? —
age como se não soubesse.
— A dos trigêmeos. Na frente da
casa…
A multidão se dispersa enquanto
Leonor continua a conversa com a cozinheira:
— Você não tem vergooonha,
Cleeeide??? Depois de tuuudo que lhe fiz??? Ah, não, isso não vai ficar assim…
— Aonde a senhora vai? —
pergunta, ao vê-la adentrando a mansão. — Dona Leonor, ei, ei, espere, aí é meu
quartinho, não pode entrar, sou uma trabalhadora com carteira assinada, que tem
direito à privacidade…
Ao abrir a porta, Leonor leva um
susto. Havia dezenas de sacolas com nomes de lojas de grife sobre a cama.
— Aqui estão as bugigaaangas que
comprou com o sofrimento de minha filhiiinha!!! Como eu me arrepeeendo de tê-la
contratado, sua empregadiiinha de quinta. Mas deixe estar, a faaarra do boi
acabou.
— O que a senhora vai fazer???? —
grita a mulher, levando as mãos à cabeça. — Não, deixe estas roupas aí… Não…
pare, não rasgue minha tanguinha nem meu babydoll, custaram os olhos da cara…
Pare! Pare, por favor!
— Eu vou acabar com tudo!
E assim ela esfrangalha cada
peça, quebra os frascos de perfume, arrebenta o salto dos sapatos, mesmo com
Cleide às costas, que tenta, em vão, segurá-la. A gritaria é geral.
Longe dali…
— Está tudo arranjado! — anuncia
Luizinho, ainda ressabiado com o que vira no lago, à cigana, que da área da
casa, contempla a bela paisagem bucólica da região. — Zangado, mesmo
contrariado, fará o que determinou o Português. Sabe que se esquivasse,
acabaria em algum beco da Sol Nascente, com outra perna aleijada, além da boca
cheia de buracos de bala. Ei, você está me ouvindo? Estou falando contigo!
— Luiz, me liberte! — pede, com
os olhos entristecidos, virando- se para ele. — Preciso partir!
Ele resiste.
— Não posso mais fazer parte
disso! Meu povo grita o meu nome, ouça o vento que bate nos galhos, ele me traz
o recado, querem-me de volta, é preciso regressar…
— Sem chance! Já disse, você é
minha! — sentencia, carrancudo.
— Você sabe que isso não é
verdade! Pertenço ao meu povo, de onde jamais deveria ter partido, mas dominada
pela ambição, não percebi que o fazia era me entregar à sorte e aprisionar o
meu futuro. Sou como um pássaro, preciso de liberdade, e o que faz é me cortar
as asas, o que me enfraquece. A cada minuto que passo ao seu lado, é um grão da
ampulheta que se perde no espaço. Por favor! Me deixe partir! Eu preciso
reconectar-me às minhas origens, reaprender meus costumes, purificar minha
alma, reaver meus poderes…
— Você jamais retornará, não
importa quanto feitiço tenha de invocar, é minha e só sairá daqui num caixão,
entendeu?
— E por que me seguras assim? Por
quê? Como você mesmo disse, estou avariada e, dificilmente, conseguirei
protegê-lo das emboscadas do destino. Deixe-me ir, eu imploro, os oráculos
clamam por mim; devo voltar à tenda, reencontrar-me com as forças da Natureza.
Tenho medo de que não haja muito tempo!
— Como assim? — desconfia.
— Como uma pétala de rosas, assim
me sinto, com as folhas desprendendo-se uma a uma… Não quero terminar absorvida
pelo inverno — enche os olhos de lágrimas, passando a mão sobre a face dele. —
Por favor! Tenha piedade de mim!
— Não vou deixá-la partir! Está
decidido! E tem mais, como saldará sua dívida com o Português? Pensa que é
assim, quero sair, abro a porta, dou tchau e bênção?
“A bruxa não vai parar enquanto
não der no pé; deixe o Português saber, logo estará com os miolos espalhados
pelos campos…” — diz Egídio, consigo mesmo, à espreita, após ouvir a conversa.
“Se ela pensa que sairá livre dessa, está enganada, antes de eu tomar o poder,
quero a cabeça dela fincada num varão, no monte mais alto, para que todos vejam
o que acontece com quem ousa desafiar a Família. Somos todos um! E quem
resolver nos deixar sem o consentimento de nossos líderes, terá a vida ceifada
para que sirva de exemplo”.
— Fale com o Português, você é
esperto, encontrará uma saída…
— Você sabe que não funciona
assim, estamos nas mãos dele, e se ainda não partimos para o outro lado, é por
uma questão exclusivamente de sorte, porque a dívida permanece aberta, a não
ser que o paguemos… Mas com o quê? Foram muitos fracassos, cada um pior que o
outro, a margem de negociação está estreita, basta um movimento errado, para
que mergulhemos nas trevas, de onde jamais sairemos.
— Luiz…, ó Luiz, por que faz isso
comigo? Responda, meu querido, por quê? — acaricia os cabelos dele bem devagar.
— Por quê?
— Você não ouviu? Não há como!
— Para tudo há uma saída.
— E mesmo que quisesse, eu não
poderia.
— E por quê? Diga! Por favor!
— Porque a AMO! — responde,
encontrando os olhos dela. — É a única pessoa que… que… amei de verdade nesta
vida!
“Como é burro!” — irrita-se o
comparsa.
— Se me ama tanto, deixe-me
partir…
— NÃO! — limita-se.
— Você sabe que não posso
retribuir esse sentimento, meu coração não lhe pertence.
— Não importa! Tê-la por perto já
me basta. Meu amor é grande o suficiente para nos manter!
“Mas é um corno mesmo! Como pode
liderar nosso bando? Se fosse eu, passava o fogo…” — o capanga está
inconformado.
— Oh, Luiz, não me deixes neste
escuro em que estou; preciso da luz para sobreviver.
— Todos nós precisamos! — rebate.
— E nada do que disser mudará minha opinião, entendeu? Agora se prepare, logo
mais sairemos daqui, precisamos recuperar o seu A-MA-DO… Talvez com ele por
perto, sinta-se melhor — ironiza. — Taí uma coisa de que não me conformo!
“Nem eu! Por que resgatar aquele imbecil? De uma coisa tenho certeza, o Português está a lhe tramar uma boa emboscada, senão não o submeteria a tamanho vexame, porque, se pensarmos bem, salvar o amante da própria mulher é a maior humilhação que alguém pode impor a um semelhante”.
— Amado… — sussurra a mulher, com os olhos grandes e vazios perdidos na imensidão dos campos. — Como pude deixar me envolver? Só de pensar em Álvaro, um arrepio corre minha espinha. É o castigo por ter abandonado minha essência! Não há outra explicação.
— Senhor, não encontrei sua arma
— diz Ribeiro, ao se aproximar, retirando um cigarro do maço. — Já olhei em
tudo! — acende-o. — Tem certeza de que a deixou mesmo cair perto do lago? — dá
uma tragada. — Esquisito demais!
— Nem me fale, homem! Certamente
uma “cobra” a engoliu, não é mesmo, querida? — vira-se para a mulher, que o
ignora.
— Eita! Uma cobra? — engasga-se
com a fumaça. — Nunca vi uma coisa dessas! Então deve ser uma sucuri! Só pode!
Ô bicho traiçoeiro! Melhor ficar esperto, numa dessas, a gente pode acabar
também na barriga dela.
De volta à delegacia…
— Então o senhor confirma que
dona Luara fez uma estranha ligação no caminho do aeroporto para casa? —
pergunta Enrico, com as ideias cada vez mais clareadas.
— Responda, pai! — pede Pedro,
num misto de inquietação e revolta.
— Sim, confirmo! É isso mesmo!
Ela pegou o celular e conversou com alguém.
— E quem seria? Consegue se
lembrar? Faça uma força, é muito importante!
— Hum, me parece que um tal de…
— Patrão? — adianta-se o delegado.
— Não! Ela o mencionou apenas uma
vez… Deixe-me ver!
Era… era… a palavra está na ponta
da língua… era…
— Não seria Português? —
arrisca-se a autoridade.
— Isso mesmo! — estala os dedos.
— O senhor acertou! Enrico sorri, havia matado parte da charada.
— E, pelo jeito, estava muito
feliz — continua o motorista. — Foi como se virasse a chave, de uma tristeza de
causar dó a uma alegria irradiante. Ela só dizia que havia visto o carro, que
tudo estava saindo conforme o combinado, mas que precisava ser mais objetiva;
quando se deu conta de que eu estava ouvindo a conversa, disfarçou, voltando à
mesma pessoa de antes.
— Como assim?
— Não sei lhe dizer, mas parecia
que eu carregava duas pessoas… uma bem frágil, esnobe sim, mas adocicada, que
tinha constantes crises de ansiedade, e uma outra, fora da casinha, que ria com
deboche e dizia coisas fora de contexto, pelo menos eu acho.
— Seja mais claro! — determina o
delegado.
— Ela falou sobre ter alugado uma
casa, que a amiga a ajudava.
— Que amiga?
— Sei não! Mas como ela é de
pouca intimidade, imagino que seja dona Sofia, pois era a única que sempre
estava por perto.
— Sofia? Sofia… — o delegado não
se lembra.
— Foi a garota que esteve aqui,
denunciando o bandido do Álvaro como assassino de Nicholas — responde Chiara.
— Ei, espere aí… — recorda-se — …
É a moça que esteve também na Hedonê!
— Essa mesma! — confirma a
oficial da lei.
— Como pude não ter percebido? —
pergunta Enrico a si mesmo. — Só pode! E o que mais dona Luara falou? —
volta-se para Eufrásio.
— Como já lhe disse, de um carro…
— … Um preto? — interrompe-o.
— Exato! Como o senhor sabe?
— Apenas dedução! — sorri. — E
depois? Diga! O que ela fez?
— Sempre olhava para trás, rindo
muito, até que, ao lhe contar do estado de saúde de sua avó, teve uma de suas
crises, que me obrigou a parar; a coisa foi tão feia que pensei que ela
partiria desta para uma melhor… Desesperado, pedi ajuda! E um carro parou…
Imagine a cor? Preto! Um cara até veio falar comigo, mas não consegui dar
atenção, logo chegaram os Vaz numa viatura da polícia.
— Viatura da polícia? Como assim?
— Foi um rolo da dona Leonor, não
sei bem direito…
— Continue! — determina o
delegado, juntando as peças.
— Fomos para a mansão. Lá
chegando, antes de entrar, chamou- me de lado.
— E onde estavam os pais dela?
— Já não estavam mais lá fora,
tinham medo de como a garota reagiria ao estado da avó.
— E o que ela lhe disse? Vamos!
— Ela… ela… bem… — apreensivo, se
cala.
— Por que parou? O que foi? Ela o
ameaçou?
— Diga tudo, pai! Por favor!
— Foi por isso que disse que ela
não prestava, não foi? — inquire Enrico, faminto de informação.
— Isso mesmo, senhor! — confessa,
encontrando forças na presença do filho, que se mantém ao seu lado, apesar de
toda a mágoa.
— Dona Luara me disse que se eu
abrisse o bico e contasse a alguém o que tinha ouvido no carro, revelaria todo
meu passado aos pais dela – como ela o descobriu, ah, eu não tenho a menor
ideia –; e mais, se eu não colaborasse, além de ficar desempregado, perderia
também a própria liberdade, porque faria o que fosse preciso para que eu
mofasse na cadeia, acusado sabe lá de quê. Ela não estava brincando, seus olhos
cuspiam fogo, bastaria um erro de minha parte para que tudo fosse para os ares.
Percebendo minha cara de assustado, retirou da bolsa uma nota de duzentas pilas
e a colocou no bolso do meu terno, dizendo que muitas dessas viriam, desde que
eu desse uma forcinha. Estranhando a conversa, perguntei no que poderia ajudar
e ela foi direta; era preciso simular um sequestro, mas que nada ficasse
registrado, porque tudo não passaria de uma brincadeira, como se eu fosse bobo.
Pediu que eu encontrasse alguém que mexesse em câmeras e sugeri Solano. Então
sorriu e, assim que sua mãe se aproximou, ela virou a chave de novo, retornando
àquela pessoa boazinha… Acredita que me deu até um beijo no rosto? Que menina
adorável! Só que não! A bicha era cruel, parecia até um demônio — faz o sinal
da cruz —, que não desejo ao meu pior inimigo.
Após o depoimento, Eufrásio e o
filho deixam a sala. Depois de se despedirem, o motorista retorna à cela.
— Clóvis — chama o delegado, com
as ideias aflorando —, peça já à Justiça a quebra do sigilo telemático destas
duas moças e cópia do contrato de locação daquele imóvel em que dona Luara
esteve presa. Alguma coisa me diz que logo findaremos este caso.
— No que está pensando, Enrico? —
interpela Chiara, tentando acompanhar o raciocínio dele.
— Em breve saberá, mas de uma coisa
pode ter certeza, estamos a um passo de pôr as mãos em uma das maiores
quadrilhas deste país…
— Fala de quem, especificamente?
— Da corja que se alimenta dos
ratos.
— Enrico, não entendo…
— Refiro-me ao Português, ao
Patrão e ao seu bando. É questão de tempo! Aliás, com o que temos em mãos, já é
possível deter as duas moças para averiguação dos fatos; que há uma conexão
entre todos eles, não há dúvida!
— E com base em quê? Nas palavras
daquele homem? O próprio filho afirmou que ele é um mentiroso contumaz. Não é
melhor aguardar o material que solicitou?
— Não! Sinto que dona Luara vai
fugir… quer apostar?
— Ah, Enrico, e baseado só em
sentimentos, determina uma ação policial? Está fora de cogitação! Você sabe
muito bem como agem os tubarões com quem está mexendo e não quer acabar na boca
de um deles… Quer?
— Chame os guardas, vamos,
Chiara, estamos perdendo tempo.
— O senhor não sabe do que
aconteceu há pouco? — pergunta Duarte, entrando na sala, com um envelope
debaixo dos braços.
— Você, aqui? — estranha Enrico.
— Quem é vivo sempre aparece!
— O povo de Ceilândia baixou na
casa dos Vaz e só não fez um estrago maior porque nossos homens agiram
rapidamente.
— E por qual motivo?
— Loucura, paixão, fanatismo ou
algo do tipo, não sabemos ao certo, dizem que só queriam prestar solidariedade
à matriarca da família, a tal da dona Leonor, a quem veneram como uma dessas
estrelas da televisão. A coisa foi feia! Uma meia dúzia acabou no camburão,
após atacarem nossos homens com pedras e paus.
— Santo Deus! Dona Leonor, a
louca, age novamente! Pudera a filha ser daquele jeito! — tem um estalo. —
Então nossos homens estão ainda por lá?
— Certamente!
— Peça para que prendam já dona
Luara — determina, não contendo a ansiedade.
— Não! — o oficial é taxativo.
— Como não? Isso é uma ordem!
— Não pertenço mais a esta
delegacia e, mesmo que aqui ainda estivesse, também não poderia cumpri-la,
delegado!
— Como assim? — interfere Chiara.
— A Corregedoria infelizmente o
afastou de suas funções até o julgamento de seu caso — entrega-lhe o envelope.
— Fui incumbido de lhe dar a notícia! Sinto muito, mas ordens são ordens. E se
as descumprir, poderá nunca mais atuar em nossa equipe.
— Delegado, o senhor não
acredita, a transferência de Álvaro à Papuda acontecerá esta noite — anuncia
Clóvis, com o mandado em mãos.
No quartinho de Cleide…
— Gostou??? — Leonor termina de
quebrar a última pulseira que havia encontrado. — Pois agooora pegue suas
tralhas e dêêê o fora desta casa.
— A senhora vai me pagar pelo que
fez, eu prometo, sua… sua… sua pirada dos infernos — ameaça a empregada, no
chão, juntando todas as peças destruídas pela patroa. — Nem que seja a última
coisa que eu faço nesta vida!
— Ah, sim! Pode deixar, estaaarei
à sua espera, queridiiinha!!! — dá uma risada sarcástica.
— Continue caçoando, não sabe o
que te espera, sua porra- louca… — diz, enquanto coloca suas coisas em uma
bolsa velha.
— É meeesmo? Tô com um mediiinho!
Uhhhh! E o que pretende fazer, favelaaada? Me matar? Tá fora de moda, não acha?
Me bater? Antes eu a degooolo. Me difamar? Ninguém acreditaria nas palaaavras
de uma ladra de resgate alheio, aliás, o que não farão os desnutridos de minha
“beeela” Ceilândia quando souberem do que você fez com o dinheeeiro deles?
Serão tão bonzinhos, como estou sendo? — provoca.
— Ah, com certeza não, por isso,
minha queridiiinha, melhor engolir as palavras, antes que eu resolva botar a
boooca no trombone. E vamos looogo com isso! Sua presença me dá urticááária…
Hum! Deve é estar cheia de puuulgas esta praga, só pode!
— Peguei na sua casa! — rebate.
— Ainda é desaforaaada!!! Não tem
mesmo é vergooonha na cara… E sabe o que é pior? O mundo está cheeeio de gente
feito você, que se aproveeeita da boa-fé das pessoas.
— Aprendi com a senhora!
— É bom calar essa boooca, antes que lhe quebre os dentes, sua… sua… sua cozinheirazinha de fundo de quintal. Vamos, chispa, quero-a fooora daqui o quanto antes. Só o seu cheeeiro já me causa náuseas! Uuuh!!!! — aperta o nariz e faz uma cara de nojo. — Fooora!!! Com a mala em mãos e de chinelas, a empregada atravessa a cozinha, passa pela sala e chega até a frente da casa, sendo acompanhada por Leonor, que diferentemente do que demonstra, tem pena dela e sabe que sentirá a sua falta; apesar dos pesares, era sua amiga. A única que tinha.
— Não pegou naaada, né? —
pergunta, revistando-a antes que deixasse a mansão. — Pois está certo! Agora
pooode chispar daqui!
O portão se abre.
Cleide dá-lhe uma olhada
fulminante, no fundo, queria era lhe pedir perdão pelo que fizera, mas ela
jamais entenderia. Quando viu todo aquele dinheiro, até pensou em entregá-lo à
patroa, mas depois pensou, para dona Leonor e seu Martim aquela quantia era
insignificante, uma quirera, pois no máximo, compraria um ou dois vestidos da
mulher; já para ela, era dinheiro que não acabava mais, daria para comprar tudo
o que sempre sonhou. Entre a honestidade e o crime, óbvio, optou pelo segundo,
até porque, quando é que veria tal quantia outra vez? Nunca mais! Se era certo
o que fez? Claro que não, pensa ela. Mas quantas outras coisas também não são
consideradas corretas e muitos praticam, sem receber qualquer punição? Os
políticos são um exemplo. Em época de eleição enganam o povo, prometem mundos e
fundos, vendem até a mãe se for o caso, porque o importante é serem eleitos em
defesa dos mais pobres, pelo menos é o que dizem; depois que ganham,
desaparecem, esquecendo-se daqueles que os elegeram. E o que fazem? Usam o
dinheiro da plebe para se enriquecerem e manter no poder toda uma casta
miserável que desconhece, na prática, o sofrimento daqueles que lhe garantem o
poder. E o que lhes acontece? Nada! E sabem por quê? As leis, para eles,
inexistem; em último caso, são mais brandas. Seria mais fácil ela ser condenada
por ter se apropriado de uma doação a um rico que desviasse milhões da merenda
escolar. Na balança da Justiça, o crime dela teria maior peso e obteria a maior
pena. Estava decidido.
E se vai pela rua finalmente
vazia, desviando-se dos entulhos deixados pelo confronto entre a polícia e os
adoradores insanos da esposa de Martim.
A patroa até pensa em lhe chamar
de volta, dar-lhe outra chance, mas quando se lembra do que fez usando a imagem
da filha que tem, logo se segura, fecha o portão e retorna à mansão.
— E o que tem os trigêmeos??? —
pergunta o general a Matilde, completamente alterado, no escritório.
— Trigêmeos??? Que trigêmeos, seu
Martim??? Bateu a cabeça ou se esqueceu de que também participei desta
história??? Sou tão culpada quanto o senhor e dona Beatriz!!!
— Não quero falar sobre isso! —
resiste o homem.
— É mesmo? Não diga! Mas foi por
isso que a menina se acabou, sabia? Ela carrega nos ombros uma mentira que
parece não ter fim.
— Do que você está falando,
criatura? — dissimula.
— O que acontece com o senhor?
Não o estou reconhecendo!
Não é assim!
— Matilde…
— Pare! Pare! Até onde pretende
carregar este mal? Até Luara encontrar a morte? É isso mesmo que deseja? Não
percebe que se não fizermos nada agora, ela se perderá e para sempre? Veja,
ainda temos uma chance, será necessário coragem, mas há como pará-la…
— Já disse, mulher, você está
louca!!! — brada.
— É melhor se enganar a enfrentar
a verdade, não é? Pois vou procurar Luara e lhe contar tudo.
— Você não vai fazer nada!!! —
segura-a pelo braço com violência.
— Vou sim, ainda que seja a
última coisa que tenho de fazer em vida…
— EU A MATO ANTES! — ameaça.
— Então que o faça já, porque se
eu deixar este lugar com vida, a primeira coisa que farei é revelar à garota
que seus irmão nunca existiram; foram frutos de uma família doente, que para
preservar a integridade de uma mãe, apoiaram-se em uma mentira que já não se
sustenta mais.
— CO-CO-COMO ASSIM??? — pergunta
Leonor, horrorizada, entrando no escritório, após ser atraída pela discussão. —
DO QUE ESSA FEIIINHA TÁ FALANDO, MELANCIIIA??? MEUS FIIILHOS NUUUNCA EXISTIIIRAM???
QUE BRINCADEEEIRA DE MAU GOSTO É EEESTA??? RESPONDA!!! EU… EU… REALMENTE NÃO
ENTENDO!!!
_____________
1. O pau-de-Arara consistia numa
barra de ferro que era atravessada entre os punhos amarrados e a dobra do
joelho, sendo o conjunto colocado entre duas mesas, ficando o corpo do
torturado pendurado a cerca de 20 ou 30 centímetros do solo. Este método quase
nunca era utilizado isoladamente, seus complementos normais eram eletrochoques,
a palmatória e o afogamento.
com ilustrações de
Andrea Mota
trilha sonora
REALIZAÇÃO

Copyright © 2025 - WebTV
www.redewtv.com
Comentários:
0 comentários: