Antologia Nosso Amor: 2x06 - Vou Amá-la para Sempre - WebTV - Compartilhar leitura está em nosso DNA

O que Procura?

HOT 3!

Antologia Nosso Amor: 2x06 - Vou Amá-la para Sempre

Conto de Amanda Kraft
Compartilhe:

 

 



Sinopse: Uma enfermeira, antes de deixar seu turno na casa de repouso, depara-se com uma senhora sentada com o olhar perdido. Havia uma lágrima em seus olhos. Condoída, a moça interpela a vovó, perguntando porque encontrava-se triste. Segurando um lenço amarfanhado nas mãos, ela conta à moça sua estória de amor impossível.


2x06 - Vou Amá-la para Sempre
de Amanda Kraft
 

Sempre que chegava ao trabalho ela estava sentada, quietinha, na mesma cadeira fitando o vazio. De tempos em tempos dava para perceber um sorriso discreto nos lábios, como que perdida em velhas lembranças. Não era uma das senhoras difíceis de lidar. Aceitava sua condição de interna na casa de repouso, sem questionar o fato. Sua única filha vinha sempre visitá-la. Numa tarde de folga, quando eu estava prestes a deixar o lugar, acenou para mim e sorriu com candura. Aproximei-me e ela pegou minha mão. Não achei estranho, já que a maioria agia da mesma forma, entretanto, algo em seu olhar tocou meu coração. Na mão livre, percebi um lenço amarfanhado. Seus olhos mostravam-se marejados, o que me fez indagar:

— A senhora está bem, vó? Aconteceu alguma coisa?

— Não, minha filha. Às vezes o passado volta a me assombrar e fico pensando se minha vida poderia ter sido diferente. — Sorriu com olhos luzidios.

— Mas a senhora teve uma vida boa, não teve? — Perguntei, sentando-me ao seu lado.

— Não posso me queixar. Meus pais me deram de tudo, mas não pude ter o que mais quis e nem tive força para brigar por ele. Você tem a sorte de poder ser e fazer o que quer. No meu tempo não era assim. A gente obedecia ao pai.

— Do que a senhora está falando, exatamente? — Mirei seus olhos, agora perdidos no passado, pensando que talvez estivesse delirando.

— Fui adotada. Não sei por que me abandonaram e nunca quis saber. Penso que tiveram um motivo. Sempre há um motivo. Às vezes não temos escolhas ou somos fracos demais para fazê-las. Meus pais adotivos me acolheram quando bebê e me amaram em demasia. Moravam em uma fazenda próspera, onde cresci e fui feliz, até certa idade. Até que descobri o amor.

— Ah, vó! Quem era ele? Algum peão musculoso, desses que a gente vê em filme? — perguntei, arrancando um sorriso dos seus olhos cansados.

Ela me encarou por alguns segundos, perscrutando-me. Lembro-me que cheguei a pensar se ela estava buscando confiar em mim.

— Desculpa, vó. Não quis interromper. Por favor, continue.

Ela assentiu, e voltou a sorrir daquela maneira que os idosos sempre fazem. Mais com o olhar do que com os lábios.

— Havia uma menina, Alda, filha de um dos empregados de meu pai, que foi minha grande amiga. Eu a considerava como uma irmã. Fizemos o primário juntas, ali mesmo na fazenda. Então, quando já estava mocinha, papai me matriculou em um colégio de uma cidade vizinha. Alda não quis ir comigo, pois só voltaríamos à fazenda nos finais de semana. Ela detestava a cidade. Sempre que voltava para casa, dormia no meu quarto e então conversávamos até a madrugada. Sonhávamos com os rapazes quando íamos assistir à partida de futebol aos domingos. Mas eles não eram para nós. Alda adorava flertar, mas quando a pediam em namoro, não aceitava. Seu coração era livre. O meu também era, até que foi tomado por algo que jamais sentira em toda a minha vida, quando voltei da escola. A adrenalina tomou conta de mim, arrepiando-me inteira quando mirei aqueles olhos. Senti como se um raio tivesse transpassado meu corpo. Sorriu, de forma acanhada e eu abaixei os meus, envergonhada, no momento em que um dos empregados dizia alguma coisa em seu ouvido. Procurei saber quem era, já que nunca esteve na fazenda até aquele dia. Naquela noite arranquei todas as informações de Alda, sem que ela percebesse meu interesse. Soltava observações no ar e, ela sonolenta, dizia o que eu queria ouvir. Descobri seu nome.

— Começou a trabalhar logo que você foi para São Carlos. Falei para você não ir — disse Alda, com um sorriso matreiro nos lábios — Nós três podemos aprontar muito nessa fazenda. Assistir ao futebol no domingo, andar à cavalo, pregar peças nessa gentarada medrosa. Sabe o que aprontei outro dia? — perguntou ela, fazendo-me rir.

— Não tenho a mínima ideia, mas desconfio.

— Saque aquele rapaz que te falei? O tal que é noivo de uma moça da cidade? A irmã dele é muito medrosa. Coloquei as roupas do meu pai, um chapéu e fiquei escondida no meio do mato. Quando ela saiu na varanda, eu caminhei de fininho e disse com voz fantasmagórica: Boa nooiiteee. Escondi-me correndo. Ela gritou e quase desmaiou de susto.

— Alda, você é terrível — disse-lhe, gargalhando com ela. Porém, meus pensamentos estavam naqueles olhos claros que pareciam um pedaço de céu. Naquela noite sonhei com eles. Nunca havia me sentido tão fascinada em minha vida. De certa forma não, entendia o que estava acontecendo comigo. Por que todo aquele turbilhão de sensações. Recriminei-me por tais pensamentos impuros. Sentia-me um ser desprezível. Uma moça bem criada como eu, praticante das leis de Deus, não deveria se comportar daquela forma. Durante o dia, longe do olhar dos pais, fui andar a cavalo.

Bastou olhar para seu rosto, enquanto andava por aqueles campos, para que eu passasse a tremer toda. Aproximou-se de mim. Encarei aquela face límpida e tão clara. Fazíamos um contraste gritante. Conversamos por alguns minutos, enquanto caminhamos para a baia dos cavalos. Ajudou-me a arriar o Trovão e nossas mãos se tocaram. Foi como se o tempo parasse. Seu sorriso iluminou o rosto e tive a certeza que sentia o mesmo que eu. Não sei como soube. Tudo aquilo era novo para mim. Não passava de uma menina. Sequer imaginava que um coração pudesse bater tanto. Passei a desejar que a semana passasse rápido, só para chegar o sábado e poder passar algum tempo com minha nova amizade.

As coisas fluíram entre a gente. Sentia medo dos meus pensamentos. Aquele frio na barriga, um desejo pungente de tocar aquela pele cada vez que estávamos a sós. A necessidade de querer estar sempre junto, me assombrava. A ideia de estar fazendo algo errado me torturava, porém o desejo que sentia suplantava o medo. Começamos a namorar às escondidas. Nem mesmo Alda sabia. Não contaria ainda. Talvez minha amiga não entendesse. Como sempre fazíamos quando eu voltava do colégio, Alda vinha dormir no meu quarto, tornando-se meu álibi. Sentia por usá-la daquela maneira, mas a necessidade de estar junto com o que acreditava ser o amor da minha vida, fazia-me esquecer do perigo de perder sua amizade, ou mesmo de ser descoberta. Conversávamos por um tempo e então, dizia a ela que estava cansada. Alda se virava para o lado e dormia pesado, já que o trabalho na roça era extremamente cansativo. Assim que ouvia seu ronronar, saía pé ante pé do quarto e ia à procura daquela paixão desenfreada. Dormia em seus braços depois de conversarmos e nos beijarmos a noite toda. Tantas promessas e eu me encontrava cada vez mais fascinada. Quem se importa em sonhar quando se ama? Mesmo eu sabendo que se nos descobrissem, nosso amor jamais seria permitido. Papai jamais daria seu consentimento.

— Ah, vó! Que amor lindo! — Interrompi-a quando uma lágrima caiu no seu rosto enrugado.

— Foi lindo, minha filha. Mas acho que você já desconfia que minhas escapadelas não acabaram bem.

— Posso imaginar — disse, constrangida — Por favor, continue vó.

— Meu pai descobriu. Alguém contou para ele que nos encontrávamos na calada da noite. Possivelmente o capataz de papai que, escandalizado, tramou contra nosso amor. Eu sabia do risco que corria, mas meu desejo foi mais forte. O amor havia me enredado em suas teias e jamais o esqueceria enquanto eu vivesse. Apanhei de meu pai, que jamais havia encostado a mão em mim. Mamãe mal olhava em meu rosto. A vergonha estava estampada em sua face. Criaram-me para ser uma boa moça, temente a Deus e às leis dos homens. Quase morri quando Clarice foi escorraçada da fazenda junto com sua família.

Trancaram-me no quarto com minha dor e vergonha. Fui proibida de voltar à escola e de ver Alda, já que a acharam responsável por me acobertar. Mamãe chorava sem parar. Mal falava comigo. Tornei-me prisioneira em minha própria casa. Tudo o que pensava era nela. Naqueles olhos de céu, gritando meu nome quando nos separaram para sempre. Gritei, chorei, ameacei fugir de casa, implorei para meu pai trazê-la de volta, mas ele foi implacável. Disse que me preferia morta a ter uma filha doente e desonesta como eu. Ameaçou-me internar numa casa de lunáticos a menos que me casasse rapidamente com um parente distante seu que estava vindo para fazenda.

— Eu sinto muito, vó. Que tristeza. — encarei aqueles olhos morenos, cheios de lágrima. Jamais pensei que estava diante de uma mulher tão doce e tão sofrida. Se os tempos fossem outros, ela teria ficado com seu grande amor, entretanto, entendo que naquela época, descobrir-se amando outra mulher, era motivo de vergonha e também de morte.

— Também sinto, minha filha. Clarice tentou entrar em contato comigo por carta, usando um nome masculino. Alda deu um jeito de me enviar as correspondências, através de seu irmão caçula, mas não pude lê-las. Papai desconfiou e as abriu. Ameaçou mandar acabar com ela caso a visse ali. Enchi-me de terror. Então escrevi um bilhete e paguei para a filha da cozinheira entregar a Alda para que enviasse a ela. Não a queria morta. Eu a amava mais do que a mim mesma. Pedi-lhe que não viesse mais. Disse que não queria vê-la. Logo me casaria e estava muito feliz. Teria uma casa linda na cidade e viveria feliz com meu marido. Pedi-lhe que me esquecesse. Morri nas palavras daquele bilhete. Depois de muito tempo, quando pude retornar a amizade com Alda, já que ficara esclarecido que de nada sabia, ela me disse que o semblante de Clarice ficou pálido quando leu minhas palavras. Ergueu os olhos, fitando o horizonte e disse as palavras que até hoje cortam meu coração: Ela pode não me querer mais. Diga a ela, Alda, que vou amá-la para sempre. Sempre. Então fiz a vontade de meu pai. Casei-me com um homem bem mais velho do que eu.

— Que tristeza, vó – disse, enxugando minha própria lágrima – A senhora nunca mais a viu?

— Nunca mais. Anos depois, ao reencontrar Alda, conversamos sobre o passado, sentindo-nos meio constrangidas. Soube por ela que Clarice também se casou. Seus pais a trataram da mesma forma que os meus. Ela teve duas filhas, entretanto, seu casamento não foi feliz. Passou a beber. Seu marido era um bom homem, mas viviam numa situação difícil, quase de extrema pobreza. Ele o convenceu a ir morar no Paraná onde tinha parentes que poderiam ajudá-los. Mas ela não ficou lá. Abandonou-os. Voltou sozinha e, antes de desaparecer no mundo, procurou por Alda uma última vez. Queria saber de mim. Conversaram e, o que acaba com esse coração velho, é saber que durante todas essas idas e vindas de nossas vidas, ela manteve o lenço que lhe dei, com minhas iniciais bordadas, em sua bolsa. Mostrou a Alda quando lhe procurou, que lhe pediu para me esquecer. Aconselhou-a pensar em sua família, nas meninas que precisavam da mãe, mas ela não quis saber. Disse-lhe que nunca me esqueceu e que jamais esqueceria. Que beberia até encontrar a morte, pois sua natureza não era aquela a que fora imposta.

— Ah, vó! Que tristeza! Nunca na minha vida iria imaginar um amor assim. — Disse-lhe com tamanho pesar.

— Ela cumpriu a promessa. Senti em meu coração quando Clarice se foi. Simplesmente soube. Tive uma boa vida com meu marido, mas nunca o amei. Não como a amei. Cumpri meu papel de boa filha, acolhendo meus pais em minha casa, principalmente quando papai perdeu a fazenda e tudo o que nela havia pouco tempo depois que nos separou. Parece que, de certa forma, o céu conspirou lamentando nosso destino. Às vezes fico pensando, como hoje, se eu tivesse batido o pé e lutado por ela, minha vida não teria sido diferente. O que me acalanta é que, mesmo por um breve período, eu soube o que é amar de verdade e ser amada.

— Nem sei o que dizer, vó — seus olhos brilhavam na luz tênue do fim de tarde.

— Não diga nada, minha filha. Viva, apenas. Viva de verdade.

Deixei a velhinha com o coração pesado. Se fosse comigo teria feito diferente, levando em consideração as condições daquela época? Talvez também não tivesse força para lutar. Quantas estórias como aquela não teriam acontecido, antes que nós, mulheres, pudéssemos ter voz? Quantas não foram massacradas, aprisionadas, para que hoje pudéssemos continuar ansiando por um lugar melhor na sociedade?

Voltei no dia seguinte, louca para vê-la. Entretanto, soube que naquela noite ela havia partido. Encontrei embaixo de sua cama o lenço amarfanhado que a velhinha segurava nas mãos, enquanto narrava seu desvalido. Abri-o com mãos trêmulas. Lá havia as iniciais da velhinha e sobre ela, para meu espanto e incredulidade, a impressão de lábios na forma de um beijo. Não faço ideia de como esse lenço encontrava-se em suas mãos, uma vez que ela confessara que nunca mais a vira depois de tê-lo dado a Clarice. Penso que de alguma forma ela veio buscá-la. Meu coração deseja que as duas finalmente tenham se encontrado. 

Conto escrito por
Amanda Kraft

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
André Garcia
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Peçanha
Lígia Diniz Donega
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca da Silva
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



Copyright 
© 2022 - WebTV
www.redewtv.com
Todos os direitos reservados
Proibida a cópia ou a reprodução


Compartilhe:

Antologia

Antologia Nosso Amor

Episódios da Antologia Nosso Amor

No Ar

Comentários:

0 comentários: