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Antologia A Magia do Natal: 9x05

Conto de Eliane Rodrigues de Sousa Javarini
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Sinopse: Na véspera de Natal no litoral capixaba, o pescador Raul encontra no mar mais que peixes: laços que renascem e feridas que cicatrizam. Ao lado de Marina, que busca recomeço, e de Jonas, que encontra coragem para ser quem é, sua própria vida também se transforma. Entre as luzes refletidas no encontro do mar com o Rio Doce, destinos perdidos.

9x05 - Mar é Luz, Rio é Natal
dEliane Rodrigues de Sousa Javarini

Quando anoitece no litoral do Espírito Santo, o cheiro de mar mistura-se ao aroma de panetones que chegam das casas decoradas com pinheiros e pequenos presépios. Era véspera de Natal, e o pescador Raul arrumava seus últimos equipamentos: a caixa de pesca reforçada, a vara telescópica, o molinete resistente, o porta-anzol organizado, a rede de arremesso, o alicate multifuncional, o kit de linhas variadas, o boné com proteção UV e a bolsa térmica portátil, esperando que a noite trouxesse mais que peixes — talvez um milagre.

Raul nunca ligou muito para datas, mas naquele ano havia algo diferente no ar. Talvez fosse a chuva anunciando renascimento. Talvez fosse a mensagem deixada pela irmã — sua única família próxima — que prometera uma visita, trazendo consigo lembranças da infância, das brincadeiras nas águas do Rio Doce, quando ainda acreditavam que anjos passavam rindo entre as árvores.

Ele seguiu até o barco, empurrando-o pelo pasto úmido da maré baixa. Não estava sozinho. Marina, uma garota turista que ele conhecera por acaso num dos parques da cidade, aproximou-se usando chinelos, um sorriso tímido e uma caixa de chocolates nas mãos.

— Vim te desejar um feliz Natal — disse ela. — E… se deixar, queria aprender a pescar. Sempre foi um sonho meu.

Raul riu, envergonhado. Marina tinha aquele jeito de olhar direto para a alma, como se pudesse acessar todas as suas dores e ainda assim sorrir com bondade.

— Pescar na véspera de Natal? — Ele brincou. — Isso sim é fé.

Ambos entraram no barco e seguiram para o encontro entre o oceano Atlântico e a entrada do Rio Doce, onde a água salgada se mistura à água doce num espetáculo que ele nunca cansava de ver. As luzes das casas refletiam no mar como estrelas douradas, criando um clima de magia que não se explicava — apenas se sentia.

Marina olhava tudo com admiração, segurando a vara telescópica com a firmeza desajeitada de quem aprende rindo.

— Sabe… — ela disse — eu sempre esperei viver um Natal com menos multidão e mais verdade. Mais carinho, mais gestos, mais aconchegos. Acho que é isso que eu vim aguardar hoje.

Raul sentiu algo diferente no peito. Havia muito tempo que não compartilhava a noite com alguém. A solidão era antiga, mas a presença dela trazia um renovo, uma serenidade que ele não soube explicar.

De repente, uma pequena rena de enfeite apareceu boiando pela maré — daquelas baratinhas que crianças jogam de brincadeira. Marina a pegou rindo.

— Um sinal natalino! — disse ela. — Festejos abençoados vindo do mar.

Mas o destino gosta de reviravoltas: uma correnteza forte fez o barco girar, quase derrubando Marina. Raul a segurou pelos braços e, no susto, os dois caíram um sobre o outro numa confusão divertida, cheia de riso, abraços atrapalhados e um clima tão leve que parecia uma celebração.

No entanto, a noite guardava sua parte de drama. Quando se ajeitaram, Raul percebeu algo brilhando na superfície da água — um presente lacrado, com laço vermelho. Ele pegou, curioso. O nome escrito era dele, com a assinatura da irmã.

Dentro, havia apenas um bilhete:

“Que a magia do Natal te encontre, irmão. Você merece. E talvez… o amor também. ”

Raul sentiu o coração apertar com uma mistura de saudade, fogo e esperança.

Marina tocou sua mão.

— Às vezes, a gente acha que navega sozinho, Raul. Mas ninguém precisa passar o Natal sem companhia.

A lareira distante de uma casa piscou. Os sinos da igreja começaram um canto suave, como um coral acolhedor. A noite ficou mais fria, mas o peito de Raul ficou quente.

No céu, uma estrela cadente riscou o horizonte — um daqueles raros momentos em que até adultos sentem que Jesus passa pelos ventos, deixando bênçãos que tocam onde mais dói.

Marina respirou fundo.

— Sabe, Raul… acho que encontrei o que vim buscar. Talvez seja só o começo. Talvez seja só amizade. Talvez… algo mais.

Ele sorriu. Não precisava de resposta naquele instante.

Ali, entre o mar e o rio, entre o passado e o possível, entre o medo e a coragem, algo nascia. Uma história pequena, mas bonita. Um reencontro com si mesmo. Um convite para doar amor, não apenas receber.

E enquanto o barco balançava suavemente, envolvido por perfumes de sal, folhas úmidas e a luz da vela que Marina acendeu, Raul percebeu:

A mágica do Natal não está nas ceias, nem nos pacotes, muito menos nos planos perfeitos.

Ela mora nos instantes em que a vida surpreende, nas amizades inesperadas, nas mensagens que chegam do nada, nos encontros improváveis — e na coragem de deixar o coração remar para onde a maré aponta.

E naquela noite, com o mar iluminado e uma nova companhia ao seu lado, Raul não pediu nada ao céu. Apenas agradeceu.

Porque, enfim, o Natal havia chegado para ele.

A maré começou a subir lentamente, balançando o barco como um carinho do destino. Raul e Marina conversavam sobre a vida quando um farol ao longe piscou insistentemente. Não era comum. Raul franziu o cenho.

— Acho que tem alguém lá no recife — disse ele, sério.

A poucos metros da entrada do oceano Atlântico, uma pequena embarcação estava à deriva, sem motor e sem remos. A lua iluminava uma figura sentada, abraçando os próprios joelhos.

— Tem alguém ali! — Marina exclamou, pondo-se de pé — Cuidado com a correnteza!

Raul aproximou o barco devagar, usando o molinete resistente para jogar uma corda e puxar a embarcação menor. Quando chegaram perto, reconheceram a pessoa: era Jonas, o filho do velho pescador Zé Miguel. Um rapaz calado, discreto, sempre distante… mas conhecido por todos no cais.

Jonas tremia — não de frio, mas de angústia.

— O que houve? — Raul perguntou.

Jonas hesitou. Respirou fundo. Sentiu o peso da própria verdade.

— Eu… eu ia fugir hoje — confessou, com a voz embargada. — Não aguentava mais esconder quem eu sou. Meu pai quer que eu seja igual a ele, mas… eu não consigo ser o que ele espera. Não… desse jeito.

Silêncio.

Marina o envolveu com uma toalha da bolsa térmica portátil, enquanto Raul ancorava os barcos.

— Quem você é, Jonas? — Raul perguntou, sem julgamento.

Os olhos do rapaz se encheram de lágrimas, refletindo as luzes douradas da cidade ao fundo.

— Eu sou gay, Raul. E estou cansado de viver com medo. Meu pai me chamou de fraqueza, de vergonha… disse que eu desonrava a pesca, a família, tudo. Eu vim para o mar porque queria sumir… até a coragem voltar.

Marina apertou a mão dele.

Raul sentiu o coração apertar como nunca.

— Jonas — disse ele, firme — ninguém desonra o mar por ser quem é. O oceano carrega todos nós. E o Natal… o Natal é renovo. É perdão. É coragem.

Jonas chorou. Não de dor, mas de alívio. Como se, pela primeira vez, alguém realmente o enxergasse.

Mas a reviravolta ainda viria.

Ao longe, um barco maior se aproximava. O velho Zé Miguel estava na proa, gritando pelo filho com desespero.

Jonas empalideceu.

— Ele me encontrou… — sussurrou.

— Calma — Raul disse. — Letra por letra… ninguém mais te machuca.

Quando o barco encostou, Zé Miguel pulou a bordo sem pedir permissão. Os olhos estavam vermelhos. Ele abriu a boca para gritar… mas congelou ao ver o filho encolhido, protegido entre Raul e Marina.

— Pai… — Jonas tentou dizer, mas travou — eu…

O velho respirou fundo. O mar batia forte no casco, como se o oceano aguardasse aquela decisão.

— Jonas… — Zé Miguel murmurou, a voz trêmula — eu pensei que tinha te perdido.

O que veio a seguir foi inesperado.

O velho ajoelhou-se diante do filho.

— Eu tenho medo — confessou, pela primeira vez em sua vida dura. — Medo de não saber te amar direito. Medo de te machucar tentando te proteger. Eu não entendo tudo… mas… você é meu menino. E eu não quero que você fuja de mim.

As palavras caíram como milagres, mais fortes que qualquer tempestade.

Jonas desabou nos braços do pai.

Raul sentiu a garganta apertar.

Marina chorou sem vergonha.

A lua brilhou mais forte, como uma estrela natalina abençoando aquele reencontro, enquanto sinos distantes começavam a tocar.

De volta à costa, já perto da madrugada, Raul caminhou com Marina pela areia. Pareciam dois sobreviventes de uma aventura que tinha mudado três vidas.

— Obrigada por hoje — Marina disse, com a voz baixa. — Nem no meu maior sonho eu imaginaria um Natal assim.

Raul sorriu. A água beijava os pés deles com delicadeza.

— Natal é isso — respondeu. — É quando a vida surpreende a gente. É quando o mar devolve o que parecia perdido.

Pararam perto de uma fogueira improvisada por jovens na praia.

Jonas estava ali, ao lado do pai, rindo pela primeira vez em muito tempo.

Raul sentiu um calor nascer dentro de si — a certeza de que tudo estava exatamente onde deveria estar.

Marina segurou sua mão.

— Deixa eu te contar uma coisa, Raul — ela sussurrou — Eu não vim só aprender a pescar. Eu vim tentar… recomeçar. E acho que encontrei um bom lugar pra isso.

— Aqui? Comigo? — Ele perguntou, tímido.

Ela sorriu.

— Com quem me fizer sentir que a vida pode ser leve. Acho que você conseguiu isso hoje.

Foi então que Raul percebeu: entre o mar, o rio e as constelações, havia surgido um novo laço. Não apenas de romance, mas de humanidade.

A magia natalina não estava apenas nos presentes, nos panetones, nas ceias, nas famílias, ou nos chalés iluminados.

Ela estava ali:

Na coragem de Jonas;

No perdão de Zé Miguel;

No coração que Marina entregava com cuidado;

E no próprio Raul, que finalmente permitia que algo novo nascesse dentro de si.

A cidade inteira parecia respirar em harmonia, como se o Natal tivesse descido pelas ondas e tocado cada alma naquela noite.

E assim, com o mar sussurrando histórias antigas e o Rio Doce correndo como um abraço entre mundos, Raul entendeu:

O amor sempre encontra um porto seguro — especialmente quando é guiado pela luz de um Natal que aceita todas as formas de ser e amar.

Nos dias que se seguiram, Raul percebeu que o Natal não era apenas um feriado marcado por luzes e tradições, mas um convite à reconstrução. Ele se pegava olhando para as janelas iluminadas da vizinhança e refletindo sobre quantas histórias como a dele existiam por trás de cada parede. Histórias de amor que voltavam, de identidades que floresciam, de famílias que aprendiam. E, no silêncio suave das noites quentes de dezembro, ele entendia algo que nunca havia percebido: crescer também significa aceitar que a verdade às vezes dói, mas liberta.

Em muitos momentos, ele questionava se a vida teria sido diferente se a sinceridade viesse antes, se o medo não tivesse moldado tantos passos do pai, se o mundo fosse mais acolhedor desde o começo. Mas, ao observar Miguel e o pai conversando na sala, rindo de coisas simples, ele percebeu que algumas respostas não são dadas — são sentidas. Talvez a verdadeira magia fosse exatamente essa: permitir-se amar de novo, permitir-se ser visto, permitir-se existir com plenitude. O Natal, naquele ano, parecia ensinar a todos que autenticidade também é presente.

E assim, ao caminhar pela Rua das Andorinhas, Raul respirou fundo e deixou o coração falar mais alto que os velhos fantasmas. Ele compreendeu que família não é feita apenas de sangue, mas de coragem, afeto e respeito. Que amar alguém — seja pai, mãe, amigo, parceiro — é um ato de esperança. E que viver a própria verdade, como o pai finalmente vivia, é o maior presente que qualquer pessoa pode dar a si mesma. No brilho suave das luzes refletidas nas poças da chuva passageira, Raul sorriu. Pela primeira vez em muito tempo, o futuro não assustava. Ele apenas chamava.

Talvez você, assim como Raul ou como o pai dele, também carregue dores antigas, dúvidas profundas ou medos que ainda não encontrou coragem para enfrentar. Não existe um momento perfeito para recomeçar — existe o momento em que o coração pede. E quando esse pedido chega, por mais tímido que pareça, vale a pena escutar. A vida costuma abrir caminhos justamente quando você decide dar o primeiro passo, mesmo com receio, mesmo sem garantias.

Lembre-se de que ninguém precisa enfrentar tudo sozinho. Há braços dispostos a acolher, amigos silenciosamente torcendo por você, oportunidades escondidas em lugares onde você menos imagina. A vulnerabilidade não é fraqueza; é a prova viva de que você ainda sente, ainda sonha, ainda deseja algo melhor. Permita-se pedir ajuda, permitir-se sentir, permitir-se mudar — tudo isso é um ato de força. Você não precisa ser perfeito; você só precisa ser verdadeiro consigo mesmo.

E se o mundo já te fez acreditar que não há espaço para quem você é, respire fundo: existe, sim. E esse espaço começa dentro de você. O Natal, ou qualquer momento simbólico de virada, pode ser a chance de olhar para dentro e reconhecer que sua história é única, preciosa e digna de luz. Não importa onde você esteja agora — no seu próprio tempo, no seu próprio ritmo, você também pode encontrar cura, reconstrução e alegria. A vida, como as luzes de dezembro, sempre oferece uma nova chance de brilhar.                

Conto escrito por
Eliane Rodrigues de Sousa Javarini

Tema de abertura
Jingle Bell Rock

Intérprete
Glee

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Gisela Lopes Peçanha Paulo Mendes Guerreiro Filho Rossidê Rodrigues Machado Telma Marya

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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