
9x02 - A Luz na Janela
de Jaqueline Garbuggio Egias
A primeira coisa que Samuel percebeu ao acordar naquele 24 de dezembro foi o silêncio, anunciando que a casa não estava cheia como deveria. Fazia três meses que sua mãe partira, deixando a sala com cheiro de lembrança e o coração dele com uma porta aberta que não se fechava nunca.
A avó, Dona Clarice, batia panelas na cozinha. Não porque estivesse cozinhando; era o modo que encontrara de espantar a tristeza, fazendo barulho suficiente para que o neto não percebesse que ela também chorava às escondidas.
— Vó? A gente vai ter ceia?
Ela respirou fundo, como quem escolhe as palavras com cuidado para não ferir.
— Vamos...
Samuel não sorriu. Antes, levantou os olhos para a janela. Desde que a mãe morrera, ele fazia isso todas as manhãs. Procurava algo que ninguém via. Uma luz, uma sombra, um sinal qualquer de que o amor não tinha ido embora com ela.
A vila onde moravam preparava-se para a noite. Crianças ensaiavam pastores, a padaria assava pão trançado, e o sino da igreja ensaiava seus toques. Tudo seguia como sempre.
Tudo, menos Samuel.
Não havia brilho nos olhos dele. E, naquele Natal, Clarice decidiu que não aceitaria perder dois amores: o da filha e o da alegria do neto.
— Hoje vamos montar o presépio, Samuel.
O menino encolheu os ombros.
— Minha mãe que montava…
— Então vamos montar por ela.
Espalharam as peças sobre a mesa: o burrinho manco, o boi com uma das orelhas coladas, José com o cajado torto, mas o que mais chamava atenção era a manjedoura vazia.
O menino a tocou com cuidado.
— Ele também perdeu a mãe, não foi?
A avó empacou no ar. Como explicar o inexplicável a um coração que ainda sangra?
— Perdeu… e ganhou o mundo.
— Eu não quero ganhar o mundo, vó. Eu só queria ela de volta.
Clarice sentiu o peito sangrar. Ajoelhou-se diante dele.
— Filho… até Jesus veio ao mundo para lembrar que o amor não termina. Ele muda de lugar, mas não acaba.
Samuel não respondeu. Apenas ficou segurando a pequena manjedoura, como se ela pudesse responder por si.
A tarde caiu devagar. O céu, cor de vinho diluído, parecia segurar as nuvens pela mão para que nenhuma se perdesse. Samuel saiu para caminhar. Levou o casaco verde que a mãe lhe dera no último Natal.
No meio do caminho, parou diante de uma casa com uma estrela brilhando na janela, pequenina, acesa por um fio. Ele sentiu algo esquentar o peito.
— Mãe?
A estrela piscou. Três vezes. Como se respondesse.
Samuel correu para casa, desesperado para contar à avó. Mas, ao atravessar a porta, encontrou a sala escura, exceto por uma única vela sobre a mesa, iluminando o presépio incompleto.
— Vó?
— Estou aqui, meu amor.
Ela veio do corredor devagar, nas mãos, trazia uma caixinha de madeira.
— Guardei isto para hoje.
Samuel abriu. Dentro havia uma pequena imagem do Menino Jesus, mas diferente das outras. Era feita à mão, entalhada com imperfeições carinhosas. A mãe dele sempre dizia que aquele menino sorria “com os olhos e com o coração ao mesmo tempo”.
— Ela fez para você, Samuel.
Samuel apertou o bonequinho no peito. As lágrimas vieram, lavando o rosto e a alma.
— Vó… eu vi uma luz piscar. Três vezes.
A avó não tentou convencer o contrário. Abraçou-o por trás, apoiando o queixo no topo da cabeça dele.
A noite chegou. O sino finalmente tocou. A vila se iluminou como um coração pulsando. E, pela primeira vez desde a partida da mãe, Samuel sentiu vontade de sair.
Os dois caminharam juntos até a praça. O coral infantil desafinava com orgulho. As pessoas sorriam de um jeito leve, como se algo no ar realmente amolecesse o mundo naquela época.
Quando acenderam a grande estrela de papel no alto da igreja, Samuel fechou os olhos e fez um pedido.
Não pediu a mãe de volta. Pediu coragem para seguir.
Ao abrir os olhos, respirou fundo e viu, lá longe, no alto da rua, através da janela de outra casa, a mesma luz piscando três vezes.
Não fugiu. Não chorou. Apenas sorriu.
— Ela está bem, vó.
Clarice, com lágrimas presas no canto dos olhos, respondeu:
— E você também, meu filho. Você também.
Na volta para casa, encontraram a porta entreaberta. O menino, aflito, correu. Mas, quando entrou, parou imediatamente.
A vela havia se apagado.
E, ainda assim…
O presépio inteiro estava iluminado por uma luz suave, azulada, que parecia vir do nada. E, bem no centro, o Menino Jesus, aquele que a mãe entalhara, parecia sorrir ainda mais.
Samuel ficou imóvel, o coração batendo forte, mas sem medo.
— Vó…
— Eu estou vendo, meu filho.
Não havia explicação. E não precisava haver.
Alguns milagres não se provam. Se acolhem.
A avó colocou a mão no ombro dele.
— Este é o nosso Natal. O da família que o amor nunca abandona.
Samuel encostou a cabeça nela.
E, naquele instante, a casa que parecia vazia ganhou de volta tudo o que faltava: calor, memória, e aquela pequena — mas poderosa — sensação de que, quando o amor muda de lugar, é só para poder nos acompanhar melhor.
Tema de abertura
Jingle Bell Rock
Intérprete
Glee
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO

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