
Ventava úmido, naquele início de entardecer. O cheiro das águas turvas do rio Negro se impregnavam nas narinas de Natanael. O jovem de corpo franzino e temperamento acanhado dizia adeus para a pequena comunidade de Ribeirinho da Mata. No cais do porto improvisado, o barco Estrela de Belém se preparava para partir.
Na embarcação havia poucos passageiros. Era véspera de Natal, de um dezembro amazônico. A tripulação enrubescida, pouco parecia se importar. Mas Natanael, não se combalia com a falta de recíproca. Aproveitou o convés quase vazio e armou sua rede. Dentro do coração residiam ilhas que precisavam ser habitadas, pelos seus sonhos.
Chegar a Manaus era o maior desejo e tal expectativa, causava banzeiros em seus mais íntimos sentimentos. Natanael pensou em pedir ajuda a Deus, pois sabia que a vida em Manaus seria de severa estiagem, como no verão. A capital do Mormaço estava à sua espera, pronta para lhe fazer flamejar as têmporas.
A divagar entre tantos pensamentos, sua distração foi sendo dissipada pelas insistentes ferroadas dos carapanãs. Natanael só queria uma vida melhor, distante das limitações do interior e da escassez de oportunidades. Seu destino se iniciava ali, em meio à solidão da floresta e a bordo do Estrela de Belém.
O barco sulcava o Negro, que se irmanava com a escuridão da noite. O Estrela de Belém trilhava os caminhos das águas, enquanto Natanael recebia no rosto de poucos pelos, a brisa fluvial. Para se evadir, do lado mais esquivo de toda sua viagem, Natanael resolveu caminhar pelos corredores da embarcação, numa breve tentativa de ludibriar as horas e os seus próprios desenganos.
Recostou-se contra um dos parapeitos e esquadrinhou toda a arquitetura do navio. O que Natanael não sabia, é que ele próprio também estava sendo observado. Sentado sobre o assoalho de madeira, um casal repousou seus olhos no rapaz. Natanael estranhou a atitude e sem jeito, buscou desviar seu olhar. O homem segurava a mão da esposa — que apresentava alguns meses de gravidez.
Natanael não sabia da proveniência daquela família. Não se recordava de tê-la visto no embarque e muito menos em sua comunidade. Seus traços lembravam serem oriundos de alguma terra estrangeira — retirantes em busca das boas novas, em solo manauara.
A viagem prosseguia e a madrugada se aproximava com sua mudez. Natanael voltou para sua rede, embriagado pelo sono, que resolvera lhe visitar. Adormeceu sereno e, após algumas horas, despertou.
Para o espanto de Natanael, os motores do Estrela de Belém estavam todos paralisados. O barco se tornou um objeto solto e vago, sobre as profundas águas do Negro. Natanael tentava compreender o que estava acontecendo, mas um intenso breu decaiu diante de seus olhos. Examinando o chão, tomou sua única bagagem e a colocou sobre suas costas. Nessa ocasião, o luar, embora inibido, contornava as silhuetas das árvores, enraizadas do outro lado da margem.
O Estrela de Belém oscilava, marolinhas iam e vinham na sinfonia daquele momento. Nessa altura, as mãos de Natanael buscavam se segurar, entre os baluartes do navio. Com o estômago revirado, caminhava contrito, a sentir o desconforto do abandono. Não havia mais a tripulação, passageiros, ou seja lá quem fosse. Natanael era o único indivíduo restante.
Naquele átimo, ele pouco conseguia raciocinar. Existia apenas o manto do assombro… Na sua desesperança, quando seu corpo se inclinava ao iminente fim. Natanael avistou o piscar de uma luz dourada, presente na proa do Estrela de Belém.
“Luz para meus caminhos...”, refletiu Natanael.
O jovem não pensou duas vezes, na sua insistência, perseguiu os feixes de luz, que clareavam o chão. Natanael tateava em cautela, o peitoril da varanda do navio. Qualquer descuido e o encontro com o Negro seria inevitável.
Porém, o medo se fragmentava, parecia ser imergido pelo lado mais obscuro das águas. A luz áurea aumentava seu fulgor, à medida que Natanael ritmava seus passos. Um calor extremo começou a possuir seus poros, Natanael transpirava e o suor batizava sua fronte. Com o coração em chamas, ajoelhou-se diante de um bebê, envolvido em folhas de bananeiras. Natanael pouco podia ver sua feição, uma cintilância o impedia disso. Comovido, deitou sua bagagem e de lá retirou um pacote de pães e o ofertou ao pequeno ser...
O Estrela de Belém acionou sua buzina. Natanael se assustou e viu seu corpo cair da rede, feito um saco de adubo. Um marinheiro se compadeceu e correu para ajudá-lo. Zonzo, Natanael perguntou pela criança, vista na última noite. “ Senhor, não havia qualquer criança a bordo, na verdade, essa viagem foi bem tranquila...Sem grávidas e com poucas mulheres. Feliz Natal para você! ” O tripulante sorriu e seguiu para arrumar os salva-vidas.
Rente à plataforma do porto de Manaus, a metrópole se mostrava, no alvorecer que regia os primeiros cantos dos pássaros. Ao desembarcar, Natanael procurou pela família, que tanto lhe vigiou durante a viagem. Já no cais, contemplou o Estrela de Belém, ancorado em sua soberania. Em passos curtos e faminto, sentou-se num banco, próximo ao Mercado Municipal.
Da sua bagagem, buscou retirar seu pacote de pães, mas ele já não estava lá. Todavia, seu susto não duraria tanto, um estivador de cabelos cheios e barba cerrada, aconchegou-se diante de Natanael e lhe entregou uma sacola de mantimentos. Abismado, Natanael não soube como lhe recompensar. Apenas viu o homem desaparecer, entre as escadarias do píer.
Natanael deixou a sacola sobre o banco e se colocou a admirar o Negro. No céu, o crepúsculo ainda abrigava o cintilar de uma estrela. Ela não era de Belém, muito menos do Oriente, mas estava ali, pronta para guiar todos os Josés e Marias do mundo.
Tema de abertura
Jingle Bell Rock
Intérprete
Glee
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO

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