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Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana: 6x01 (Season Premiere)

Conto de Gabriel Lee
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Sinopse: Um corpo estendido no chão, um filete de sangue brilhando debaixo do sol praiano, e lembranças de uma amizade ali ceifada pela bala de um revolver.

6x01 - Diário de um Qualquer (Season Premiere)
de Gabriel Lee

          É muito triste ver um corpo estendido no chão, no meio da rua. Eu vi! Parei um pouco distante e fiquei olhando por entre as pernas do círculo de pessoas aglomeradas que o rodeava. Aproximei-me devagar mirando a camisa vermelha do morto. Parecia que conhecia aquele tom de vermelho. Não sei por que fui lá, não sou afeito a ver gente morta! Parece que o que me puxava era a cor da camisa, num vermelho vivo, aceso pelo forte sol praiano. Abri espaço entre as pessoas e fui lá, a maioria das pessoas eram conhecidas, moravam quase todas ali, exceto alguns turistas curiosos. Alguns diziam: 

          — Como pode isso ter acontecido com Assis? Era um rapaz tão bom!

          Era sim. Conhecia Assis desde menino, nascemos na mesma rua e temos a mesma idade, trinta anos. Muitas vezes vi na televisão, nesses programas sensacionalistas esse tipo de cena: A família desesperada, os amigos pedindo justiça, o morto estendido no chão com um filete de sangue jorrado, e por aí vai... Era triste ver isso e pensava que parte da humanidade estava se deteriorando, porém, nunca imaginei vê com alguém tão próximo. No geral eram jovens envolvidos com algo fora da lei ou, vítimas de assaltos ou acertos de contas por dívidas ou traições a alguma facção, a maioria desses estendidos no chão. Não o Assis… Ninguém viu quem atirou no coração de Assis, apenas ouviram o disparo e o barulho da motocicleta.

          Nunca imaginei ver Dona Maristela, sua mãe, naquela situação vendo o corpo do filho sujo de um sangue vivo que brilhava ao sol. Ela estava lá do lado dele, de joelhos, com a cabeça do seu Assis apoiada neles como se ainda fosse o seu menino ruivo - Ele tinha os cabelos ruivos, e sardas no rosto - Quando criança que íamos à praia dona Maristela besuntava a pele dele de protetor solar. Ninguém o segurava no futebol, ele escorregava. E quando subíamos o morro do careca, que na época podia, a areia grudava e o chamávamos: Assis a milanesa... Porque ele estava ali, morto com um buraco de bala no peito? O que tinha levado Assis a ter aquele fim? Ele era do bem. Na semana passada, estivemos eu e ele na barraca do Zé Cruel comendo espetinho e bebendo cerveja, “no prego”, ele estava como sempre foi, namorador. Conversou com umas cinco meninas... Furei o círculo de curiosos, coloquei a mão no ombro de Dona Maristela, depois peguei sua mão e a levantei. Conhecia-a como uma mãe e, via em seus olhos sua dor. A minha dor não era fração da dela. Era seu filho que só lhe trazia orgulho como “um qualquer”, na pista coberto agora com um lençol que algum vizinho próximo arranjou. Alguns amigos chegavam mais perto na ânsia de cumprimentar Dona Maristela e todos revelavam qualidades do meu amigo. Fiquei vendo cada um dizer algo, lembrando nossos bordejos nas noites da cidade do Natal. Morávamos na praia de Ponta Negra, um point de turismo, e como nativos tivemos oportunidade de crescer tendo contato com gente do mundo inteiro. Trabalhamos em hotéis e bares durante a primeira juventude, época de faculdade, e ele sempre era muito bem quisto pelos turistas e por quem convivia com ele. Namorava muito as gringas. 

          Ele era muito pegador e gostava das estrangeiras. Levava-as para andar de jangada na madrugada, indo curtir as praias desertas da Barreira do Inferno. Sempre contava flagrantes de algum militar. Se saia bem dessas situações. Também gostava de dançar e íamos sempre às boates da praia ou festas de forró. Éramos lisos, trabalhadores de altas temporadas do turismo, e nessas ocasiões tomávamos cada um duas doses de cachaça, o resto da noite três latinhas de cerveja cada um. Não podia sair desse orçamento. Isso uma vez por mês. Éramos jovens estudantes e felizes.

          Grande Assis! Não sei o que dizer. Ele dizia isso quando, por exemplo, me arrastava para às festas de forró da zona norte da cidade. Ele sempre foi mais desinibido do que eu, mais ativo quando o assunto era festa e mulher. Tínhamos que atravessar a cidade de ônibus, morávamos na zona sul, e só podíamos voltar quando o dia quase amanhecia e os ônibus começavam a rodar. Ficava eu no ponto do ônibus ansiando uma cama quente, cansado da noitada que sempre era boa, só distante, e eu, era preguiçoso, reclamava da demora do ônibus, reclamava novamente, ele me olhava e dizia: não sei o que dizer”.

          Tinha muita raiva nessas horas! Logo ele me convencia novamente a atravessar a cidade com ele para outra festa... Outra ocasião ele foi convidado para pousar para umas fotografias. Era como um teste numa agência de modelos de moda praia. Ele virou modelo por um tempo até que se apaixonou por Lua, uma Argentina errante que vivia mundo afora morando numa barraca de camping e num Renault. Ele era louco e foi com ela abandonando a modelagem. Duraram seis meses as aventuras; e quando voltou para Natal não quis mais ser modelo. Foi trabalhar com venda de lagosta para o exterior. Exercer sua função de administrador de empresas formado.

          Alguém botou a mão no meu ombro e cortou meus pensamentos. Era Janaina, irmã mais nova e o maior mimo de Assis. Agarrada comigo ela gritava entre soluços que não acreditava que debaixo daquele lençol estava o corpo do irmão. Percebia no olhar molhado dela uma ponta de esperança, que se levantasse a aba daquele lençol, Assis não estaria ali. Era o que também queria. Um toque de mágica. Como seria bom um toque de mágica como acontecia no Sítio do Pica-Pau Amarelo que assistíamos quando criança, eu, Assis e Janaina nas tardes quentes da praia. Como queria um pouco de pó de pirlimpimpim. Estava doendo. Janaina chorava quando a ponta do lençol foi levantada e o pálido rosto do irmão foi revelado. A esperança se esvai diante dos seus olhos e do seu coração sem consolo. O corpo foi levado espalhando a aglomeração, e a interrogação. Quem, e por que matou Assis?

***

          Atendia um cliente no meu escritório de contabilidade, quando o celular tocou. A polícia descobriu o assassino de Assis. Tinha se passado pouco mais de um mês do crime. Não houve um dia, uma noite sequer que não lembrasse aquela cena. O corpo do meu amigo estendido no chão. Havia pessoas que comentavam, hostilizavam as vítimas que morriam nessas circunstâncias, mas elas não conheciam Assis. Falavam que aqueles drogados, ladrões eram “um qualquer”, porém elas não conheciam Assis. Quem protagonizava aquele tipo de cena geralmente só alimentava estatísticas de criminalidade. Grande parte não era solucionada e famílias padeciam por anos sem que suas vítimas fossem justiçadas. Meu amigo tinha tido “sorte”. Pedi licença ao cliente, saí da sala para falar no celular. Assis foi na contramão do samba, aceitou a “bola tão descontraída e virou manchete de jornal”. Um marido traído havia se tornado feroz. Na hora da prisão, com a mesma arma que matou Assis, estourou sua cabeça com um tiro.


Conto escrito por
Gabriel Lee

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Gisela Peçanha Paulo Mendes Guerreiro Filho Pedro Panhoca Rossidê Rodrigues Machado Telma Marya

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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