Nos dias atuais…
E
a profecia da cigana se faz realidade.
Egídio
está à frente de Enrico, com a arma apontada para sua cabeça, enquanto outros
três carros cercam o local. Criminosos estão por toda parte e, como hienas em
um bando, aguardam o sinal do líder para avançarem sobre as vítimas e
estraçalhá-las.
—
IDIOTA!!! Diana é minha!!! O que pensou em fazer? O inferno está cheio de
heróis feito você!!! — os olhos do assassino avançam sobre o rapaz, que já não
consegue mais se defender. — Vou acabar com sua raça, seu verme!!! Ninguém mexe
com um dos nossos e sai ileso!!!
—
Me deixem!!! Me deixem!!! — grita a garota, sendo recolhida aos berros por
outros dois capangas. — Me deixem!!!
Quando
avista o falso motorista sob a mira de Egídio, ela percebe que aquele rapaz
queria realmente era salvá-la; se arrependimento matasse, ela já estaria a sete
palmos.
—
O que eu fiz, meu Deus? — pergunta-se, completamente arrependida. — Não faça
isso, Egídio, por favor! — passa a implorar pela vida do estranho, que ousou
tentar libertá-la das muralhas do crime. — Eu te imploro, deixe-o ir… Eu farei
tudo o que você quiser, mas o deixe ir!
O
criminoso repele os apelos da filha do general com um leve sorriso a marcar a
face:
—
Tarde demais, bebê!!!
—
Não faça isso!!! — chora em desespero.
—
Isso é para que VOCÊ — diz, fitando-a — aprenda de uma vez por todas que sua
VIDA nos pertence e que todo aquele que ousar tentar libertá-la, acabará como
este trouxa: com a boca cheia de formigas.
O
disparo da arma é ouvido a distância.
—
Está contente com o show, Egídio? Foi o que você sempre quis, não é? Pobre
alma! Passou a vida toda imaginando-se chefe da Família e terminará como o ser
mais desprezado, completamente perdido na própria ambição! — diz alguém, atrás
dos capangas que cercam o lugar.
—
QUEM DISSE ISSO??? — está desnorteado, engolindo a saliva com dificuldades,
pois havia reconhecido o dono daquela voz, apesar de negar a si mesmo. — VAMOS,
APAREÇA SE FOR HOMEM, SEU DESGRAÇADO DOS INFERNOS!!! VAAAMOS!!!
CADÊ???
— abandona o delegado e se dirige aos criminosos, arrastando a perna, com a
arma em riste. — COVARDE!!! POR QUE NÃO DIZ ISSO NA MINHA CARA???
—
Pois é o que farei! — anuncia Álvaro, revelando-se.
—
QUÊÊÊ??? CO-COMO ASSIM??? — arrepia-se. — EU MESMO O MATEI!!! NÃO PODE SER!!!
HAVIA UMA POÇA DE SANGUE!!! DEVO ESTAR VENDO COISAS… — coça os olhos,
descrente. — POIS SE VEIO DO INFERNO, PARA LÁ VOLTARÁ! — grita, disparando a
arma por duas ou três vezes, sem que pudesse feri-lo. — QUE INFERNO! O QUE ESTÁ
ACONTECENDO? SERÁ QUE ESTE PESTE TEM ALGUM PACTO COM O DEMÔNIO???
—
O mesmo burro de sempre! — zomba. — Não percebeu ainda que eu troquei a
munição? Estava tão entretido com suas maldades habituais, que não se atentou,
não é? Para alguém que almeja o posto de chefia, isso é um erro imperdoável! Em
um simples combate com a polícia, seria o primeiro a morrer, além de expor todo
o bando… Dá até vontade de rir!
—
VO-VO-VOCÊ O QUÊÊÊ???
—
Balas de festim! Já ouviu falar? — ri da expressão constrangida e decepcionada
do rival. — Como é idiota! Igual a você não há! Uma piada pronta!
Egídio
parte para cima dele, mas recua, quando o rapaz lhe aponta uma pistola.
—
Pare aí mesmo! Se der mais um passo, leva chumbo, e esse é de verdade! Quer
provar?
—
Não pode ser! Mesmo que fossem de festim, teriam lhe causado algum dano — ainda
desacredita. — Eu o vi cair! Você estava morto… Não!
—
Assim como eu estou? — levanta-se Enrico, às costas dele, para a aflição do
capanga, que não sabe a quem dar mais atenção.
—
É o levante dos mortos! Não! Eu tô pirando… eu… matei vocês dois! — berra.
—
Qual parte não entendeu que eles estão vivos, seu animal? — brada a fera,
demonstrando uma ponta de felicidade, apesar de ainda se manter sob a posse dos
demais criminosos.
—
E como sabia que eu iria apagá-lo? Diga!
—
Uma voz adocicada me avisou… — responde, com o semblante iluminado. — … e me
protegeu!
—
A cigana! — mata a charada. — Aquela miserável, filha do capeta, interrompeu de
novo meus planos.
—
Você viu apenas o que ela queria que visse… Nada mais! — Álvaro é incisivo. —
Tudo ilusão!
—
Que merda! — enche-se de ódio. — Pois me deem uma arma
—
ordena aos bandidos —, que vou exterminar de vez esta praga. Deem-me uma arma!
Vamos! O que está acontecendo com vocês??? Por que não me obedecem??? Com a
prisão de Ribeiro, o único que sobrou da Família fui eu…
—
… ou Eu! — rebate o amado de Aurora.
—
Não pode ser! — surta. — Você, o novo Patrão? Álvaro o olha com desprezo sem
dizer nenhuma palavra.
—
Não!!! Eu sou o Patrão!!! Você é um bobalhão, não tem competência para tal; já
eu, fui preparado para isso. O Português me disse, se eu seguisse sua cartilha,
o futuro a mim pertenceria e foi o que sempre fiz, então, o que diz é balela,
quer apenas me confundir… É isso, não é??? Pois vou ligar para ele e tirar essa
história a limpo! Posso obedecer a qualquer meliante, menos a você, que me
tirou Elisa ou já se esqueceu? Enfeitou-me a testa com galhos e agora me quer
como seu servo? Tô fora! Não vou aceitar! Antes lhe tiro a vida, vagabundo! —
ameaça, levando o celular ao ouvido, enquanto a saliva escorre pelos cantos da
boca, sem paradeiro. — Atenda, maldito Português! Vamos! Ei, cadê você?
—
Esqueça ! — anuncia o bandido. — Ele não vai atender!
—
E por que não? — estranha. — Tem de me ouvir, sempre lhe fui fiel.
—
Quer nos dizer o porquê, Diana? — volta-se para a garota, que continua se
contorcendo, aos berros. — Fale! O que aconteceu quando entrou no quarto 1311,
do Monte Olimpo?
—
Responda! — exige o delegado, sob disfarce, bastante impressionado com a beleza
literalmente sedutora da garota.
—
EU O MATEI!!! — ruge. — POIS NÃO PENSEI DUAS VEZES E DESPACHEI AQUELE DEMÔNIO
PARA AS PROFUNDEZAS DO INFERNO. SE PENSOU QUE IRIA ME
TOCAR,
CAIU DO CAVALO! — o olhar de fúria contrasta com o largo sorriso que se abre,
aos poucos, naquela face maquiavélica. — EU O MATEI!!! — ri como se tivesse
recebendo uma entidade. — EU O MATEI!!! — reafirma, trazendo à mente as
lembranças do que realmente ocorrera dentro dos aposentos.
“A
campainha toca. O quarto é o 1311. Como a porta não abre, ela toca outra vez.
Ninguém aparece, então roda a maçaneta e entra. Dá dois ou três passos, quando
avista o senhor de costas. Com o chiclete retirando da boca, pergunta, num
misto de raiva e ironia:
—
Então me quer? Quantos gostariam de estar no seu lugar!!! Deixei um programa
com um megaempresário só para atendê-lo… Hum! Não gosto de quebrar
compromissos!
—
Nem se fosse para atender a um pedido meu? — indaga o homem, virando-se para
ela.
—
Meu Deus!!! VO-VO-CÊ??? — assusta-se, perdendo o fôlego.
—
Então é isso que faz da vida? Foi para isso que a criei? — revolta-se Martim. —
Que horror! Que horror! Se sua mãe a visse assim…
Num
primeiro momento, a garota se retrai, mas logo se solta, e passa a enfrentá-lo,
como se estivesse diante de um inimigo.
—
Que mãe?!! — surta. — Aquela louca nunca foi minha mãe, apenas saí dela…
—
Não fale assim! — repreende-a.
—
Falo como quiser, seu velho imprestável! — mostra-lhe os dentes, mas o homem
não se deixa intimidar. — Nunca serviu para nada, a não ser para paparicar uma
tresloucada que acreditava ter parido três filhos… Tenho nojo de todos vocês!
NOOOJO! — cospe no chão. — Pra mim, já não existem mais!!!
—
Você me respeite! Sou seu pai, menina! Precisa levar uma surra…
—
Eu preciso é de AMOR! — desconcerta-o. — Sabe o que é isso, general? Sabe?
—
Insolente!!! Boca dura!!! Piranha!!! Vagabunda!!! — recupera- se, devolvendo na
mesma agressividade. — Com quem pensa estar falando? Com as putinhas com quem
compartilha os programas??? Você precisa é de uma surra bem dada — reitera,
puxando o cinturão da calça —, assim toma vergonha nessa cara! Maldita hora em
que a tivemos! — as palavras são como estacas e machucam a fera, que se cala,
desconhecendo o pai. — Parece que veio a esse mundo estragada!!!
—
CALE-SE!!! SENÃO EU TE MATO, VELHO!!! — ameaça,
cerrando
os punhos, enquanto os olhos, agigantados de cólera, perdem- se nas lágrimas. —
ESTRAGADA É A SUA MULHER!!!
—
Vai ver como recupero uma desgraçada feito você! — Martim se revela cruel. — Se
fui capaz de corrigir os maiores traidores da pátria durante o regime militar,
aplicando-lhes severas sessões de afogamento¹ ou bons momentos na Cadeira do
Dragão², não seria capaz de dar um jeito em minha própria filha? Está para
nascer quem me impedirá!
Desfere
a cintada que é imediatamente capturada ainda no ar pela bandida.
—
Sooolte-a!!! — esbraveja. — Senão sou capaz de lhe…
—
MATAR?!! — os olhos de ambos se encontram. — Não percebeu que já estou morta?
Vocês fizeram tudo isso que está vendo!
—
Isso o quê? Uma assassina, prostituta, vagabunda, ladra? Não!
Você
fez isso e sozinha! Não temos nada a ver com seus fracassos!
—
Não mesmo? Então eu me tornei uma mulher do crime por iniciativa própria?
—
É fraca demais e inclinada para o mal! — sentencia, pesando as palavras. —
Conseguiu saciar sua fome de matar? Eu sei de tudo!
—
Hã??? — surpreende-se.
—
Você me causa asco! — dispara o homem. — Uma filha rampeira! Merecia algo
melhor!
—
Sou apenas o reflexo de nossa família…
—
Um reflexo torto… — o homem permanece no ataque — … um lixo que só nos dá
vergonha! Se os meninos estivessem aqui, tudo seria diferente.
—
Diferente por quê, seu velho maldito? — pega-o pelo pescoço com toda a fúria da
besta. — Olhe para meus olhos, veja, carrego toda a dor do mundo, porque vocês,
os pais que deveriam me proteger de todos os infortúnios, preferiram manter
vivos apenas aqueles fantasminhas e matar, bem devagar, uma pobre menininha
que, como qualquer criança, só queria receber o carinho, o afeto e o amor
daqueles que a trouxeram à vida. Mas não foi o que aconteceu, vocês apenas
fingiam me enxergar. Eu não era nada! — começa a chorar de soluçar. — Como
disse, sou apenas um lixo! Um monte de lixo! Se não gostavam de mim, por que
não me doaram enquanto eu era um bebê? Talvez eu tivesse mesmo trilhado outro
caminho, não o do crime. Responda, velho! Eu nunca lhes representei nada, não
é? Respooonda, antes que o mate! Vamos! Nem que seja a última coisa que eu faça
na vida!
—
Nós… nós… — o homem está quase sem fôlego, arroxeado, mesmo assim não cede,
quer batalhar até o fim.
A
fera ruge diante do maior inimigo: o próprio pai.
E
quando menos se espera, o homem, ardiloso na essência, puxa-a com força pelas
barras do vestido, fazendo com que ela se desequilibre e caia; é o momento
certo para lhe aplicar os golpes de cinta. Enquanto bate, estraçalha suas
roupas; ela até tenta se levantar, mas ele, conhecedor nato da tortura, prevê
todos os seus atos e se antecipa, impedindo que ela se recupere. E lá se vão
um, dois, oito, doze golpes, todos certeiros, que marcam a perna da Deusa que
se intitulou de Bandida.
—
Miserável!!! — grita, procurando se defender; em vão. — Pois bata, bata mais,
mais forte, vamos, bata até matar… — desafia, mudando de estratégia. — Bata!
Bata! Bata mais!!!
E
quanto mais ela o desafia, mais apanha.
—
Nós nunca a quisemos! Nunca! — revela o homem. — Tudo isso foi uma invenção de
sua avó! Ela que a trouxe do orfanato… Você nunca foi nossa de verdade! Era
para tentar curar o buraco que havia dentro do peito de sua mãe, porque depois
que ela perdeu os bebês, os médicos diagnosticaram que ela não poderia mais ter
filhos. Era isso que queria ouvir? — o homem para, limpando o suor que lhe
mancha a roupa. — Está aí! Já sabe de tudo! Você não é nossa! Nunca foi!
Maldita hora em que concordei com essa história, mas por Leonor eu seria capaz
de qualquer loucura, ela é o maior amor de minha vida.
Caída
ao chão, Luara agora entende o motivo de tanto desprezo; passa a mão pelas
pernas, os vergões estão por toda parte, a dor é infinda.
—
O que fizeram comigo?
—
Demos um lar à filha de alguém que a deixou na porta do abrigo… Fizeram-na e a
jogaram fora! — a frieza do general é doentia e letal. — Se não fosse nossa
família, jamais teria gozado da boa vida!
Deveria
era nos agradecer, não nos tratar com tanto desdém. Hum! Filha do lixo, um dia
ao lixo retorna!
—
Por que não me devolveram?
—
E sua vó deixaria? Minha mãe ficou doida por você, assim como Matilde; e a
trouxeram para casa naquela cobertinha de chita, fedendo a perfuminho barato.
—
E como armaram tudo isso??? — pergunta, inconformada.
—
Já que a história dos trigêmeos estava de pé, seria necessário novamente
enganar Leonor, aproveitando-se de suas internações. Até exame eu falsifiquei
para que ela acreditasse que realmente estava grávida. E quando ela teve uma
recaída de meses, aproveitamos o ensejo e dissemos que você havia nascido; sem
condições de discernir a realidade da ficção, acreditou. Pegou você no colo,
deu-lhe o peito. Foi neste instante que ela – acho eu – teve um momento de
lucidez e percebeu a farsa. Não havia leite! Mas como lutar contra o que tanto
a consumia? Então ela a aceitou e foi levando a encenação como podia, ainda que
dentro dela algo a afastasse de você, como se seu coração de mulher machucada a
alertasse de que não era sua filha de verdade! Minha mãe, Matilde e eu fizemos
o possível para que Leonor se curasse, passando por cima de todos os limites…
Chegou uma hora que minha mãe, cansada de tudo isso, pretendia contar-lhe a
verdade, mas o AVC a impediu. Matilde também ensaiou, mas a impedi! Como
desfazer os nós de um passado tão cruel? Então ela se calou!
—
Tem noção do que fez comigo?
—
Tentamos apenas salvar Leonor…
—
À custa de minha desgraça? — sofre. — Passado cruel! Como é fácil falar, depois
que a merda está feita. Vocês são uns monstros!
—
Pode me chamar do que quiser, mas o que eu fiz se chama AMOR.
—
Amor por quem? — olha-o, profundamente. — Por Leonor?
—
Óbvio! — confirma, não aparentando nenhum arrependimento.
—
Que história mais surreal! Estou realmente impressionado! — aplaude o
Português, deixando as sombras com um lenço de linho às mãos. — E olhem que
tenho pouco apreço pelos dramas humanos; na verdade, eles me cansam.
—
O que está fazendo aqui??? — exige a garota, num tom extremamente agressivo.
—
Oh, minha deusa querida, não é assim que funciona este plano? — faz-se de
desentendido. — Atrai o idiota para o quarto, fotografa-o e depois o rouba?
Então, fiz o papel do meliante que faltava à cena — dá um sorriso de deboche. —
E o senhor, general, seria interessante procurar um padre para se confessar,
porque o Céu não há de perdoá-lo, disso não se há dúvida…
—
Quem é este imbecil? — vira-se para Diana. — Você iria sair com ele?
—
ELA É MINHA! — sentencia o homem, para a aflição da garota, que se arrasta no
chão, procurando manter a maior distância possível. — Toda minha! Eis que é
chegada a hora de se quitar a dívida… O mundo aos seus pés e seu corpo sobre
minha cama! Paguei um alto preço, mas tenho certeza, há de valer cada pataca
investida!
—
Está doido, velho asqueroso! Nem pense em se aproximar de minha filha…
—
Sua filha? — segura-se para não rir. — Estranho! Se eu não estiver equivocado,
ouvi dizer o contrário — os dentes, brancos e polidos, refletem o brilho de uma
lâmpada próxima. — Estou errado, filha de Vênus? — volta-se para Diana. — O
papai aí não retirou a pele de cordeiro e se revelou um lobo feroz e
incrivelmente cruel ou eu estaria, em tese, faltando com a verdade? Não me
deixe constrangido, fale alguma coisa, por favor! O seu silêncio é como uma
estaca de madeira rompendo as fibras de meu coração.
—
Eu vou acabar com esse sujeito! — ameaça Martim, ajeitando- se diante do
Português, provavelmente uma década e meia mais velho.
—
Ele é perigoso! Saia já daqui! — alerta a bandida. — Deixe que me acerto com
ele.
E
o homem se prepara para desferir um soco contra o lusitano, quando este o
surpreende com uma arma.
—
Como os brasileiros são ingênuos! Pobre povo do terceiro mundo! — o sarcasmo
escorre pelos lábios. — Claro que iria apelar à violência física… Qual a
surpresa? Caminha³ já nos alertara, são primitivos na essência! E deveriam era
levantar as mãos para o Céu, se não fôssemos nós, os lusitanos, ainda estariam
nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas, trazendo nas mãos arcos
com suas setas… Verdadeiros bichos do mato!
—
Não faça nada com ele! — pede Diana, mesmo após ouvir tanta monstruosidade. — O
seu negócio é comigo!
—
Esperta essa garota! — abre um sorriso de uma orelha a outra.
—
Por isso é a minha deusa… Minha deusa bandida! E como a desejo! Não tem ideia!
—
Deixe-o sair! — insiste.
—
Ele não sabe com quem está tratando! Se soubesse, já teria engolido esse riso
há muito — a empáfia de Martim permanece imutável, mesmo diante do perigo que
corre. — Ô, velhusco — volta-se para o Português —, sou um dos mais renomados
generais do Exército deste país…
—
E daí? Perdeu a noção como sua esposa? Ah, me perdoe
—
a desfaçatez brota como erva daninha naquele rosto pálido —, as intimidades
familiares, em que estão enterradas as maiores desavenças e as piores maldades
devem ser preservadas, ainda que custem o sofrimento de todos os seus membros.
—
Cale essa boca, seu maldito!
—
Não me provoque, a vantagem está do meu lado — indica a arma com a cabeça.
—
Deixe-o ir, é um pobre coitado, uma alma vazia, que ronda pelo mundo sem
paradeiro… E seu negócio é comigo! Vou pagá-lo do modo como sempre sonhou!
—
Hum! E terei bônus? Atravessei o oceano só para te encontrar. Não sabe quantos
policiais tive de subornar para chegar até aqui. Seu pai e o delegado dele são
bem previsíveis, bastaram alguns telefonemas e toda a operação, dita secreta,
revelou-se como o nascer do sol. E mais algumas palavras ao ouvido de Egídio
para que ele me pusesse neste quarto. Sabe, na vida nada é por acaso, até o
número deste aposento é especial, pois se trata da data de meu aniversário… 13
do 11 — gargalha. — Nossa primeira noite teria de ser em uma data especial, por
que não no dia em que Deus, todo misericordioso, me concedeu o dom da vida?
—
Você não vai fazer nada com ela!
—
E quem me impedirá? O pai, que não se diz pai, e que a marcou com cinta? Poxa!
Sinto muito! Não será o suficiente para me deter — o homem engatilha a arma. —
Mande um abraço para o capeta! — a frieza é surpreendente.
—
Você não tem coragem para atirar — Martim desconhece o perigo.
—
Não faça nada, ele é um idiota… Deixe-o partir! — tenta parar o Português, que
não lhe dá ouvidos, dispara a arma, acertando a cabeça do general, que tomba
sobre o chão, para o desespero de Diana, que procura uma maneira de escapar
daquele lugar sem que termine como uma outra vítima do velho.
—
Foi você quem pediu! — sopra o cano da arma, vendo-o se perder na poça de
sangue. — Idiota! Aonde vai? — volta-se para a garota, ao perceber seus
movimentos estranhos. — VOCÊ É MINHA E A QUERO AGORA! — puxa-a pelos trapos de
roupa.
—
Me deixe!!! — berra. — Quero sair daqui!!! Não vai me tocar!!!
—
Você não vai a lugar algum… — tenta segurá-la, mas Diana, com os olhos da cor
do fogo, vendo-se ameaçada, ruge, partindo para cima dele como uma fera
desembestada, os dentes à mostra, os cabelos esvoaçantes, o rosto franzido
tomado pelo suor. Um verdadeiro animal estava diante do Português, que não
alcança forças para pará-lo. Na primeira investida, acerta-lhe o estômago. Dono
de um físico pouco avantajado, o lusitano perde o fôlego, solta a arma e cai
sentado à cama.
Apossando-se
da pistola, aponta-a para ele. Sua sede de morte logo será saciada. No instante
em que atira, a luz apaga… Volta em seguida! O Português está estirado na cama.
Ouve-se outro disparo que vem de fora. Assustada, retira-se, descendo as
escadarias…”
—
VOCÊ O QUÊ??? — Egídio ameaça partir para cima dela, sendo contido por Enrico,
que rapidamente o imobiliza com uma gravata. — Me solte!!! Vou matar todos
vocês!!! Me sooolte!!!
O
delegado retira uma algema do bolso interno do terno e o prende.
—
Ei, o que é isso? Algemas? Um motorista com algemas? — cego pelo ódio, ele não
entende o que está acontecendo. — Isso tá com cara de armação, mas eu não caio
nessa não…
—
Ele não é motorista, idiota. É delegado! — esclarece Álvaro, para a surpresa
dos presentes.
—
DE-LE-GA-DO??? E por que não prende todos vocês??? Aqui só tem bandido,
parça!!! — volta-se para a autoridade. — Manda vê!!!
—
Álvaro e eu temos um acordo de cavalheiros — adianta-se Enrico —, que morre
aqui! Precisava chegar até Diana, a temida Deusa Bandida, para desmantelar toda
uma história e a colaboração dele foi vital.
—
Você vai me entregar, Álvaro??? Você não me ama??? — revolta-se a fera. — Não
pode ser!!! Traíra dos infernos!!! Se eu te pegar!!! — seus olhos, da cor do
sangue, demonstram toda sua fúria.
—
Amor??? Eu amava Luara… Não Diana! Aliás, nem sei mais quem você é! Depois do
que fez com aquela mãe e seus bebês, perdi o encantamento. Nunca vi uma coisa
daquelas… Pode ter lá seus motivos, mas nenhum lhe dá o direito de tirar a vida
de crianças inocentes. Eu aceito de tudo, pode disparar contra quem quiser, mas
aquilo passou dos limites!
—
Um bandido de princípios!!! — zomba a garota. — Mato e mataria de novo se fosse
preciso — relembra-se da cena —, eles acabaram com minha vida.
—
Você está variando, aquelas crianças não eram seus irmãos, nem aquela mulher,
sua mãe. Você criou uma fantasia que a levou à ruína. Ainda não entendeu,
precisa de ajuda, por isso a entreguei. Ribeiro delatou o meu contato e o
delegado Enrico me fez uma proposta, se pudesse pôr a mão em você, eu teria
algum tempo para fugir depois que fosse capturada… É óbvio que virão para cima
de mim, sou um bandido dos grandes, com muitos homicídios nas costas; de
início, rejeitei a ideia. Como me associar à polícia? Sem cabimento! Poderia
ser uma das maiores armações da história, mas ao assistir àquela cena, senti
uma dor tão grande, mas tão grande, que não coube no peito, então não tive
outra escolha. Era preciso pará-la e só eu poderia, porque sabia como todo o
esquema funcionava.
—
Inclusive plantei na delegacia a informação de que a pegaríamos no hotel, sabia
que o traidor passaria tudo adiante, chegando ao Português, que estava louco de
desejos por você. E estávamos certos, o homem agora jaz naquela cama, depois de
tantos crimes cometidos em nosso país.
—
E VOCÊS VÃO DEIXAR ESTE COXINHA VIVO??? — brada Egídio aos demais capangas. —
ELE ESTÁ SOZINHO! BASTA LHE ACERTAREM UMA BALA BEM NA TESTA. VAMOS, HOMEM! O
QUE HÁ COM VOCÊS?
—
Eles não farão nada! — determina o amado de Aurora.
—
E POR QUE OBEDIÊNCIA A ESTE VAGABUNDO??? ELE NÃO É NADA DA FAMÍLIA… SE TEM
ALGUÉM AQUI QUE TEM CORAGEM PARA TUDO, ESTE CARA SOU EU!!! ENTÃO, VAMOS PRA
FRENTE, FAÇAM O QUE ESTOU MANDANDO! — se contorce. — VAMOS!!! VOCÊS NÃO
ENTENDEM? ISSO É UMA ORDEM!!!
As
sirenes das viaturas ressoam à distância.
—
Precisamos ir, pessoal! — alerta Álvaro, sacando a arma.
—
Não posso impedi-los de agir, deem o fora já, antes que seja tarde demais!!!
Nosso acordo, reforço, a partir de agora, está rompido — comunica a autoridade.
— A Deusa volta comigo, assim como o idiota aqui — dá um tapa na cabeça de
Egídio. — Ele merece passar um tempo atrás das grades. Agora vão!
Os
brutamontes jogam Diana contra o chão, onde é algemada.
—
Vão!!! Estão vindo com fome! A partir de agora é cada um por si! — diz o
delegado, voltando-se para o bandido que o ajudou. — E se eu o encontrar de
novo, certamente o prenderei.
Álvaro
faz um leve movimento com as mãos e todos adentram os carros. Antes de partir,
encara o delegado pela última vez, dizendo:
—
Obrigado por tudo! Se não tivesse me avisado, eu estaria morto a esta hora.
—
Não me agradeça e sim a Aurora, que só resolveu cooperar com a operação se o
ajudássemos. Aquela mulher o ama demais! Ela anteviu a desgraça e, para que
pudéssemos chegar à Luara Vaz, exigiu que o protegêssemos. E assim foi feito!
Agora fuja! Não posso segurá-los! Vá!
E
toda a quadrilha desaparece na extensa paisagem urbana…
—
À revelia da lei! Mas o que se podia fazer? — lamenta-se Enrico. — Era isso ou
nada! De certa forma cumpri minha promessa com Chiara e aqueles homens. Uma
parte do bando está presa – ou morta – e a outra eu prenderei com o tempo.
Tenho certeza! — os olhos brilham em meio ao caos. — Custe o que custar, todos
acabarão atrás das grades!
Algumas
horas depois, já em Brasília…
—
Senhor, a polícia paulistana acabou de nos informar, só havia um corpo no
aposento 1311 do Hotel Monte Olimpo e, pela identificação, trata-se de Martim
Vaz, o pai de Luara — anuncia Duarte, incrédulo, de posse de um e-mail —, o que
significa que o Português, aquele bandido de sete vidas, poderá ainda estar
vivo. O gerente disse que ninguém entrou ou saiu de lá, mas como acreditar? Ele
estava envolvido no esquema. Já Álvaro, não temos qualquer informação. Até a
Federal está no seu rastro, mas o homem desapareceu feito um fantasma. Será que
a cigana, mais uma vez, entrou na história? Aquela mulher tem muito poder.
—
Não sei lhe dizer! E quanto ao lisboeta, eu já imaginava! — diz Enrico, com a
expressão carregada. — Aquele homem não morreria assim, ele é muito esperto! —
mexe nas fotografias do caso até encontrar uma da Deusa que um dia ousou
aventurar-se pelas vielas do crimes. — Pobre Luara, Diana, ou quem quer que
seja, ela se imaginou acima do bem e do mal, e terminou na Colmeia. Linda
daquele jeito, poderia ter uma vida de sucesso, mas acabou destruída por uma
trama doentia, que envolvia amor incondicional a três criaturas inexistentes e
uma adoção toda torta. Nunca, em toda minha história de vida, assisti a uma
coisa dessas…
—
O senhor está com dó dela?
—
Não seria este o sentimento correto! Mas, se observarmos bem, tudo o que ela
fez foi um modo de se defender da família que a criou. Errado? Claro! Mas como
julgar se não estávamos em seu lugar? Podemos até condená-la a muitos anos de
cadeia pelos crimes que praticara, mas, de verdade, isso pouco importará, pois
desde que ela nasceu, já estava condenada a uma vida perversa e desgraçada.
O
telefone toca, interrompendo a conversa. Duarte atende e logo desliga.
—
O que foi? — inquire Enrico, curioso, analisando a fisionomia alterada do
ajudante.
—
Luara de novo. Ao chegar à cela, partiu para cima das detentas, completamente
fora de si, e durante a disputa, acabou por cometer dois assassinatos a sangue
frio. Tentaram contê-la; em vão! Dizem que se parecia com uma caçadora,
vasculhando a selva em busca de presas com seu arco e flecha.
—
É a versão Diana. E o que fizeram?
—
Ao invés de ela tentar se esquivar, caiu em um riso perturbador, a ponto de o
juiz de plantão determinar sua transferência para o manicômio — não se
conforma. — Será possível, doutor? Tem alguma coisa estranha nisso tudo… E se
ela estiver tramando algo? É esperta demais! Lá, num descuido dos oficiais,
poderá fugir, não acha?
—
O que me intriga é o magistrado ter tomado tal decisão tão rapidamente; deveria
tê-la mandado para a solitária. De fato, você tem razão! Há mesmo algo de
errado! Eu sinto! Mas o que seria? — coça o queixo enquanto procura respostas.
— Não consigo ligar os pontos.
—
Sei lá! Mas o senhor tem toda razão, somente alguém com muita influência
conseguiria manipular a Justiça, como aconteceu.
—
Influência… poder… Justiça? — estala os dedos. — Bingo!
—
Já vi esses olhos — diz Duarte. — No que está pensando?
—
Quem teria todos esses atributos, cujo corpo permanece desaparecido?
—
Não, o senhor só pode estar brincando… Será?
—
Ele cobraria a dívida, não importasse as dificuldades!
—
Delegado, o senhor quer dizer que…
—
… Sim! O Português! — completa, convicto.
—
Nem sabemos se está vivo e, mesmo se estiver, deve estar bem machucado, segundo
o que nos relatou a filha dos Vaz.
—
E se tudo não passou de encenação? A energia escasseou!
—
Meu Deus! — Duarte leva as mãos à boca. — Seguindo sua linha de raciocínio, ele
deve estar à procura dela. Que bandido tão poderoso é este? Infiltrou-se por
toda nossa sociedade e não há quem o pare. E o que faremos agora?
—
Venha comigo! — ordena Enrico, pegando a chave da viatura. Enquanto isso, no
hospital psiquiátrico…
—
Então, louquinha, vai passar um tempo com a gente? Uhuuu! Você é bem gostosa! —
diz uma das detentas com os cabelos remexidos, os olhos esbugalhados, a saliva
escorrendo e pingando na roupa, atrás dos policiais, que conduzem Diana até a
um quarto branco, onde ela receberá a medicação e passará algum tempo, ficando
impossibilitada de atacar outros presos.
—
Me deixem — vocifera a garota, em surto —, quero sair daqui!
Me
deixem, eu já disse!
Adentram
o lugar e a arremessam contra a cama, e lá mesmo ela recebe uma dose cavalar de
tranquilizantes. Todos se retiram, a porta se fecha e reabre segundos depois.
—
Oh, minha querida deusa! Perdão pelo que lhe fizeram, mas não tinha outro
jeito, sabe como as coisas funcionam, uma dívida empenhada – não importam as
condições – deve ser liquidada. E não me sobrou outra alternativa, se não
recorrer ao Judiciário, na verdade a um juiz amigo, que me permitiu acessar as
dependências deste lugar tão horripilante — a voz está mais rouca que de
costume. — Sabe, em nosso negócio, amizades são fundamentais; assim como Euros,
abrem todas as portas. E vou lhe dizer uma verdade, como adoram Euros estes
brasileiros… — ri feito uma hiena. — Até parecem europeus! — abre os botões da
camisa bem devagar, saboreando o momento, para o desespero da bandida, que já
sobre o efeito dos medicamentos, não consegue se mover. Com os olhos crescidos
e amedrontados, tenta gritar, mas a voz não sai e, aos poucos, os músculos cedem
a uma moleza que se levanta. — Prometo que será rápido! — diz o velho,
beijando-a das mãos ao pescoço, enquanto ela se entrega vagarosamente a uma
repentina sonolência. — Dorme, bebê! Isso! Dorme mesmo! Quando acordar,
perceberá o quão maravilhoso foi ter se deitado com este lusitano.
—
Sou o delegado Enrico e tenho de entrar — mostra-lhe o distintivo, com Duarte
às costas.
—
O que acontece, senhor? — pergunta o segurança.
—
Uma das detentas corre risco de morte! Preciso entrar! Vamos, abra!
E
assim é feito. O homem invade o local, à procura de Diana,
que
um dia foi a doce Luara, e se perdeu em meio à pele tóxica de uma Deusa que
ousou ser Bandida. E quando chega ao quarto, após ser orientado por um dos
funcionários, a encontra só, despida e desfalecida.
—
Chegamos tarde! — passa a mão pelos cabelos, desacreditando.
—
As câmeras devem ter gravado tudo… Vamos ver! — sugere Duarte, horrorizado com
a cena.
—
Não adianta, meu amigo, o Português está em todo lugar, inclusive no meio de
nós! E é de onde retira seu poder!
—
Hã? — não entende.
—
Como ele há muitos, todos em peles de cordeiro, prontos para dar o bote. E isso
nos mostra o quão corrompido está o âmago deste país… Perdemos a batalha! —
lamenta. — E ele conseguiu o que sempre quis! Luara pagou caro por se envolver
com um criminoso tão hábil e perigoso. É como diz o ditado, aqui se faz, aqui
se paga!
Os
meses passam…
Álvaro
nunca foi encontrado e não se sabe ao certo se ele é ou não o novo Patrão da
Família. Egídio, contando suas lorotas, está na Papuda, à espera de julgamento,
sob forte vigilância. Sofia escapou da cadeia com a ajuda dos amigos do pai. E
Aurora foi condenada a quase dez anos de reclusão pelos crimes que praticou. Já
Luara, passa os dias em silêncio, perdida dentro de si mesma. Sua condenação
será exemplar, segundo alertam seus advogados, contratados com muito esforço
por Matilde, que ainda a visita. Já Leonor continua rindo à toa, contando
historinhas aos filhos. Jamais voltará à realidade, dizem os médicos. Eufrásio
reatou com os filhos. Cleide, por mais incrível que pareça, tornou-se produtora
de conteúdos para a Internet, e passa horas contando aos seguidores sobre como
foi ter vivido na casa dos Vaz, hoje abandonada. Terminou convidada para participar
do novo BBB. E aceitou. Se vencerá o reality? Nem as cartas são capazes de
prever.
No
cemitério…
—
Eu tentei, dona Beatriz! Mas o fardo era muito pesado! — lamuria-se Matilde,
diante do túmulo, onde estão enterrados Martim e a mãe. — Quis que dona Leonor
e Luara encarassem a realidade, acreditando que isso fosse salvá-las, mas
talvez isso tenha contribuído para que enlouquecessem ainda mais rápido.
Perdão! — acende uma vela, faz uma oração e se retira. Retornou ao interior
paulista, onde tenta recomeçar a vida.
Os
anos ganham fôlego no calendário da vida…
Em
liberdade, Aurora chega ao seu rancho. Todos estão lá para recebê-la, inclusive
o avô, que sorri, saindo de trás de uma árvore, de onde só ela vê. Estava de
volta, agora uma mulher de quarenta anos, mas com a alma de uma garota sapeca.
Todos cantam e dançam. A felicidade é imensa. A cigana que regressava estava
livre do mal que a levara e agora sentia de novo as forças oraculares, a
presença dos espíritos da Natureza, a bênção dos ancestrais. E o desejo de
viver em paz com os seus gritava dentro dela.
—
Vem cá, minha menina! — chama a avó, uma idosa de quase 90 anos, em uma cadeira
de rodas, caracterizada como manda o figurino, abraçando-a com força. — Como
esperei por este momento! Salve Santa Sara Kali, que a trouxe de volta!
—
Vozinha! — os olhos enchem-se de lágrimas.
—
Entre na tenda, há algo a lhe mostrar — cochicha-lhe aos ouvidos.
—
Como assim?
—
Vamos, querida, o tempo urge!
Sob
os olhares dos familiares, Aurora caminha devagar e, ao entrar, abre um enorme
sorriso, que vai de uma orelha a outra.
—
Não é possível — emociona-se. — Você, aqui?
—
Demorei para entender o quanto te amava! — responde Álvaro, com os olhos
reluzindo em meio a uma face amadurecida, adornada por barba e bigode bem
aparados. — Mas agora estou aqui! Tenho algumas horas apenas, pois estão atrás
de mim, mas qualquer esforço é válido para ter um momento de alegria com aquela
que me deu a chance de enxergar a vida sobre outro prisma.
—
Eu também o amo! E o tempo só fez reforçar este sentimento!
—
Em mim também! — aproxima-se dela, mexe em seus cabelos judiados, acaricia seu
semblante empalidecido, envolve-a nos braços e a beija com todas as forças do
seu coração.
E
o que estava escrito no livro do destino se faz realidade, ainda que do lado de
fora esteja Enrico, agora delegado da Polícia Federal, com sua equipe, a
postos, para prendê-lo… Será mesmo? Uma dúvida que carregaremos para sempre!
_____________
1. No Afogamento, os torturadores fechavam as narinas do preso e colocavam uma mangueira, toalha molhada ou tubo de borracha dentro da boca do acusado para obrigá-lo a engolir água. Outro método era mergulhar a cabeça do torturado num balde, tanque ou tambor cheio de água (ou até fezes), forçando sua nuca para baixo até o limite do afogamento.
2. A Cadeira do Dragão era uma espécie de cadeira elétrica, onde os presos sentavam pelados numa cadeira revestida de zinco ligada a terminais elétricos. Quando o aparelho era ligado na eletricidade, o zinco transmitia choques a todo o corpo. Muitas vezes, os torturadores enfiavam na cabeça da vítima um balde de metal, onde também eram aplicados choques.
3. Pero Vaz de Caminha foi um escrivão português, autor da carta, que relatou ao Rei de Portugal, Dom Manuel I, as notícias da chegada ao Brasil da esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral, em 1500. A carta de Caminha, com 7 folhas, foi o primeiro documento oficial sobre a história do Brasil.
com ilustrações de
Andrea Mota
trilha sonora
REALIZAÇÃO

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