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A Deusa Bandida: Capítulo 30

Novela de Carlos Mota
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A DEUSA BANDIDA - CAPÍTULO 30

— NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! — desespera-se Álvaro, indo ao socorro da cigana, que aparenta não mais respirar. — AUROOORA!!! AUROOORA — dá-lhe tapinhas na face —, EI, VOLTE, POR FAVOR!!! POR FAVOOOR!!! FIQUE

COMIGO!!! FIIIQUE!!! — corre as mãos pelo colo dela, manchando-as com o sangue, que jorra de um furo próximo do coração. — VOLTE!!! VOLTE!!! NÃO SE VÁ!!! — cada palavra é pronunciada em um tom mais elevado, como se perdesse um grande amor. — VOOOLTE!!!

“O QUE É ISSO??? ELE A AMA???” — questiona-se Diana, admirada com o sofrimento do bandido. “ENTÃO AQUELA HISTÓRIA DE EU FUGIR COM ELE ERA TUDO MENTIRA!!!” — deduz, quase fora de si. “COMO FUI IDIOTA!!! QUASE ACREDITEI!!! ERA UMA EMBOSCADA, NA CERTA!!! MAS O

QUE GANHARIA COM ISSO??? O QUÊ???” — não encontra uma resposta plausível.

— AUROOOOOORA!!! — remexe-a, na esperança de que inspire, abra os olhos e lhe dê um sorriso, por mais franzino que seja. Mas a mulher não reage. Então se levanta, encara a fera, que à frente, aponta-lhe a arma, como se quisesse também acertá-lo, mas não consegue puxar o gatilho, por mais desatinada que estivesse. — VOCÊ NÃO DEVIA TER FEITO ISSO, ELA NÃO MERECIA!!! — os

olhos agigantam-se à medida que se injetam de um vermelho rubro.

— A MULHER QUE VOCÊ ACABOU DE MATAR ME SALVOU DIVERSAS VEZES DOS PERIGOS DA VIDA E SABE POR QUÊ??? PORQUE ME AMAVA, DIANA… OU SEJA LÁ QUEM VOCÊ FOR!!! — as lágrimas que descem se mesclam à baba, que corre pelos cantos da boca. — ELA ME AMAVA!!! ME AMAVA COMO NENHUMA OUTRA!!! PORQUE SÓ QUEM AMA É CAPAZ DE ABDICAR DA PRÓPRIA EXISTÊNCIA PARA SALVAR AQUELE A QUEM ESCOLHEU PARA MORAR NO TRONO DE SEU CORAÇÃO…

— Poético!!! — ironiza. — E você a amava??? — atira a isca, temendo a resposta.

— INFELIZMENTE, NÃO!!! — grita. — QUEM EU AMO… — enche os pulmões de ar e o solta em meio a uma risada de nervoso.

— … ESTÁ À MINHA FRENTE, COM UMA ARMA APONTADA PARA MIM!!!

— Mentira!!! — não consegue acreditar. — Você estava apenas brincando comigo, assim como fizeram todos os outros.

— Do que você está falando? Apesar de tudo que me aprontou, tratando-me inclusive por estuprador, se precisar, morro por ti!

“Ele mente! Mente muito! Portanto, não perca a oportunidade e mate-o já!” — aconselha-a uma voz interior, que não se cala, desejosa de sangue e desgraça. “Mate-o, Diana! O que espera? Vamos! Ele está na mira! Será rápido! Faça o disparo!”

— Não vê que se perdeu? — continua o bandido. — Se tinha alguma honra, esta, infelizmente, desfez-se… E a troco de quê? A vida do crime é cruel, só está nela quem não teve outro caminho, diferente de você, que parece apreciá-la com a nítida intenção de cicatrizar as feridas de um passado dolorido… Não precisa ser nenhum vidente para saber aonde tudo isso vai parar!

— Exatamente! — interrompe o Português, contrariado com as palavras do rapaz. — Não precisa ser nenhum vidente para saber que, a partir deste momento, você é a nova Mandatária desta Família, aquela que dá as cartas, coordena as ações, determina quem vive ou morre… Conseguiu o que tanto queria, minha Deusa Bandida. O mundo é seu! Curta-o como quiser!

— O… o que ele… ele… está dizendo??? — questiona-se Egídio, recobrando os sentidos, enquanto pressiona a cabeça, que dói demais.

— Ele não po-pode estar falando sério… Canalha! Me enganou direitinho! — tenta se levantar, mas não consegue; tudo gira ao seu redor. — Filho da puta! O que está fazendo com a garota é o mesmo que fez comigo… De início ele é a melhor pessoa do mundo, oferece mundos e fundos, concorda com tudo, aceita cada proposta como se realmente se importasse e, quando menos se espera, a rasteira vem e é fatal — está revoltado. — O cara usa, abusa e joga fora! E do topo prometido da Família, resta-me apenas o chão, onde estou. Mafioso desgraçado! Mas deixe estar, ele acabou de assinar a própria sentença de morte.

— O que cê tá falando, truta? — indaga Ribeiro, não compreendendo nada. — Esse peste deve tá variando, também, depois da pancada que levou, não era pra menos… Hum! Fique esperto, malandro! Desta vez foi por pouco! — chuta-lhe uma das pernas e se afasta.

— O QUE ELE ESTÁ DIZENDO??? — assusta-se Álvaro. — NÃO ACEITE!!! POR FAVOR!!! VAMOS DAR O FORA DAQUI, REFAZER NOSSAS VIDAS EM OUTRO CANTO — insiste na proposta —, ENQUANTO HÁ TEMPO!

— Querida, faça-me uma gentileza! — chama-a o lisboeta. — Para o bem de toda a Família, o extermine! Não permita que ele aja como um gafanhoto, a oitava das dez pragas do Egito, e devaste seu bondoso e singelo coração… É persuasivo e terrivelmente passional… um perigo! — constata. — E o que quer, se ainda não percebeu, é vingar a morte da ciganinha de Sousa, uma mulher sem estirpe, que usou dos maiores truques para enganar um bando de criminosos abobalhados e supersticiosos. Parar uma arma? — gargalha. — Só se estivesse com defeito ou sem munição, porque nem o Cordeiro, no auge de seu poder, conseguiria tal proeza.

Com o dedo no gatilho e Álvaro na mira, Diana prepara-se para o disparo; em silêncio, ele apenas a encara com os olhos de quem se decepcionou, não temendo a bala que lhe tiraria a vida. Já a fera respira bem fundo, sua frio pelas mãos e pela fronte, enquanto mordica uma ponta dos lábios, de onde saltitam algumas gotículas de sangue.

— Vamos, minha Deusa, agora tu és BANDIDA e conheces muito bem o gosto maravilhoso de se tirar uma vida… Até hoje não me esqueço das 80 mortes que carrego nas costas e tenho guardadas comigo a sensação irradiante e peculiar que cada uma delas me proporcionou — abre outra garrafa, enche a taça e a entorna de uma só vez. — “Eu adoro ouvir o som de cabeças estourando, isso realmente me deixa em êxtase e faz minha vida ter sentido!”¹ — é de uma frieza demoníaca.

— O que está esperando? Mate-o!

Não bastassem as investidas do Português, dentro da garota havia uma guerra. Se uma voz pedia que o assassinasse, outra, mais sóbria e talvez tocada por um sentimento que jamais teve a oportunidade de vivenciar, como é o AMOR, pregava o contrário; que ela desistisse dessa loucura, e o deixasse partir, pois como ela mesma ouvira, ele a amava como nenhum outro e por ela seria capaz dos maiores absurdos, como renunciar à própria vida.

— MAAAAAATE-O!!! — ordena, quase partindo a mesa de vidro com um murro.

— Des-desculpe!!! — diz ela ao homem que tanto a ama, numa voz quase inaudível. — A vida nem sempre é como a gente imagina!

Álvaro fecha os olhos.

— Senhor, senhor… — interrompe o piloto, em surto, procurando pelo lusitano, para o alívio de uma deusa empalidecida, cujos cabelos encontram-se parcialmente encharcados -, a polícia está vindo! Acabaram de me passar pelo celular.

— E como nos descobriram? — estranha.

“Você não tem mesmo imaginação, Portuga. Prepare-se! Isso é apenas o começo” — Egídio dá uma risadinha, após passar uma mensagem a Zangado, informando que Luizinho havia dado cabo da vida do velhote. Preso, inconformado por ter perdido o amigo e sentindo-se traído, delata todo o esquema.

— Não sei! Precisamos partir ou seremos capturados.

— E o que faremos com os corpos? — pergunta Ribeiro, chutando o Camaleão. — Não podemos carregá-los! E que serventia dois mortos teriam? Ainda se fôssemos canibais…

— Qual é a sua primeira ordem, minha querida e ousada senhora do crime? — exige o temível lusíada. — Estou curioso para conhecer!

Os olhos sem reação de Diana correm pela cigana até encontrarem o Patrão, um pouco mais atrás; ao invés de arriscar uma decisão, opta pelo silêncio.

— Minha deusa, o que eles devem fazer? — reitera, irritado. — Aguardam seu comando!

— Que os queimem! — devolve, como se realmente não se importasse.

— Isso não será possível! — alerta o piloto, que havia recebido outra mensagem. — Os oficiais estão a sete quilômetros, é o tempo que temos para nos livrar dos “presuntos” e preparar a aeronave para a decolagem. Senhor, o caso é grave — tenta convencê-lo —, temos de ser cirúrgicos agora, uma falha e todos nós terminaremos atrás das grades.

— Jogue-os na pista e passe por cima — brada o lusitano.

— Não! Não farão isso com Aurora — diz Álvaro, completamente fora de si, pegando-a nos braços. — Eu a deixarei acomodada em algum canto. É o mínimo que posso fazer para retribuir tanta dedicação. E ninguém me impedirá, ouviram? A não ser que me matem antes! Então vamos!

— Liquide-o! — determina o lisboeta.

— Deixe-o ir!!! — Diana não demonstra, mas no fundo está impressionada com o coração do bandido, que se revela uma joia rara, dessas que se adquire apenas para admirar.

— Isso terá consequências, minha pequena princesa do crime! E o valor a ser cobrado terá de ser pago na mesma moeda adotada às demais pendências ou se esqueceu de nosso acordo? Tenho certeza que não! Mas calma, a fatura está dentro do vencimento, portanto, será empenhada oportunamente. E lembre-se, sou um homem que zela pelos termos contratuais; assim como os respeito, também os executo com o mesmo vigor!

Álvaro desce a escadaria, sendo acompanhado pelos olhares confusos da fera, e acomoda o corpo a alguns metros do avião, ao lado de um poste de luz circundado por um pequeno gramado.

— Desculpe, mulher! Eu tentei, mas não consegui! Era para eu estar em seu lugar, mas você, outra vez, me salvou… Que amor era este? — enche os olhos de lágrimas. — Se eu pudesse retribui-lo, certamente, seríamos felizes, mas minha alma pertence a outra pessoa, de índole perversa e mente desgraçada — arfa. — É óbvio que se eu tivesse a oportunidade de mudar as coisas, escolheria ter-me nos teus braços, porque você era diferente, tinha uma pureza de espírito, um sorriso reluzente, uma feição carregada de bons sentimentos. Mas quem é que manda no coração? Se alguém encontrar a fórmula, que a distribua, muitas maldades seriam evitadas… — duas lágrimas partem de seus olhos em direção à cigana; a primeira é colhida ainda no ar enquanto a outra cai sobre sua face.

— “… Um cordeiro imolado não encontra o anjo da morte.” — a voz do avô de Aurora é ouvida por Álvaro, que se vira, assustado, com os pelos dos braços arrepiados, pensando ser a polícia.

— Quem está aí? — levanta-se.

— Sou eu, seu burro, vamos zarpar — avisa Ribeiro.

— E o que fez com o Patrão?

— Você quer dizer ex-patrão, correto?

— Você entendeu! — responde, observando todos os lados, na intenção de encontrar mais alguém.

— Eu o deixei de ponta-cabeça na privada dos mecânicos das aeronaves — dá uma forte risada —, vai pingar a noite toda e quando o encontrarem, estará mais inchado que um porco abatido.

— Quanta maldade! — aterroriza-se.

— Isso é pouco pelo que ele fez pra tanta gente… A esta hora deve estar cozinhando no caldeirão do inferno, recebendo garfadas do próprio demo.

— Tu realmente escolheste um bom moço, minha querida menina! — diz o avô, contornado por um forte lampejo, ao lado da neta, fixando-se em Álvaro, que adentrava a aeronave, demonstrando forte inquietação. — Os caminhos dele foram muito dolorosos, assim como estão sendo os teus. Mas diferente dele, tu não estás sozinha. Nunca estiveste. E os ancestrais estão enobrecidos pelo grande gesto de coragem que demonstraste; ao invés de deixá-lo levar o tiro, sacrificaste a si mesma. É isso que se esperas de um cigano: que leias o destino e se prepares, porque o que estás escrito, não se apagas… Mas graças ao livre arbítrio, pode ser alterado. E foi o que fizeste! Alguém tinha de receber o disparo e não pensaste duas vezes.

O homem ajoelha-se, abre os braços e estende sobre ela as mãos, que alvas e tranquilas, emitem feixes de luz de todos os tamanhos, formas e cores. Com os olhos fechados, abaixa a cabeça, em oração, enquanto ao fundo, anjos, muitos deles, talvez um exército inteiro, em filas indianas que não encontravam fim, com trombetas à boca, aguardavam uma espécie de sinal para poderem entrar em ação.

— Chegaste a hora de ser recompensada! — anuncia o velho, com o semblante vívido e sereno, percorrendo o corpo da mulher, que apresenta os primeiros sinais de que a vida se esvaiu.

E investido por uma autoridade celestial, invoca o poder de sua protetora, que escoltado pela aragem, deixa o ponto mais alto do céu, onde brilha a estrela mais bela, indo ao encontro do homem, que implora pela vida da neta, com todas as forças de um coração iluminado:

“Farol do nosso caminho!
Facho de Luz!
Paz!
Proteção!
Suave conforto.
Amor!
Hino de Alegria!
Abertura dos nossos caminhos! Harmonia!
Eu te imploro, livra minha neta dos cortes, afaste-a das perdas.
Dai-lhe a sorte!
Faça de tua vida um hino de alegria,
Por isso, aos teus pés a coloco, minha Sara, minha Virgem Cigana…
Tome-a como oferenda e a faça de flor profana o mais puro lírio, que orna e traz bons presságios à Tenda.

Um relâmpago corta o céu, que se fecha; uma garoa fina cai, purificando a terra e espantando os maus espíritos.

Santa Sara, nós, filhos dos ventos, das estrelas, da Lua cheia e do Pai,
pedimos a tua proteção contra os inimigos.
Ilumine a vida de AURORA para que tenha um presente e um
futuro tão brilhantes,
como são os brilhos dos cristais.
Que dê a ela luz para que deixe a escuridão, Fé para que atravesse o mar das desgraças, Força para que vença o medo,
Coragem para que regresse a este corpo tão machucado,
E assim como fizeste o Cordeiro com Lázaro, por misericórdia, Que lhe devolva a Vida!
Devolva! Devolva, Senhora!
Eis que te imploras o coração de um avô apaixonado pela neta”.²

A chuva vira uma tempestade, para o desespero do piloto, que já se prepara para decolar.

— Que estranho, o céu se fechou e de repente! A previsão do tempo estava furada! Dá até medo!

— Medo de quê? — pergunta Diana, desconfiada.

— Não sei lhe explicar, mas meu coração está pesado…

— Muitos pecados! — gargalha a garota. — E pare logo de conversa, a polícia está a alguns minutos daqui, se nos pegarem, iremos todos à guilhotina.

— Não pode ser!!! — diz Álvaro, da janela, com os olhos espantados presos à cigana. — O que é aquilo?

A ele é consentido o poder de enxergar além das muralhas do tempo… E lá está o avô, compenetrado, clamando pela protetora.

— O que você está vendo aí??? É a polícia??? — indaga a filha dos Vaz, vendo-o perdido nos pensamentos. — Mas não há nada lá fora, a não ser o corpo daquele lixo… Que apodreça!

— Não! — responde.

— Não o quê? — ela não entende.

— Há um exército ao lado dela!

— Exército? Onde? Tem lido muito a Bíblia como o Português, porque lá não há mais ninguém… Por falar no infeliz, foi só ouvir que a polícia estava a caminho para dar o fora. O bicho é rasteiro feito uma raposa!

Um trovão treme a terra, amedrontando os tripulantes, menos Álvaro, que extasiado, vê os anjos entoarem suas trombetas enquanto o sopro do Criador, advindo do trono, por intercessão da padroeira dos ciganos, reassumia o corpo da pobre cigana, resgatando-a das profundezas do esquecimento e lhe devolvendo o que tanto almejava um avô tão apaixonado. Mas o milagre não se fazia pelo pedido dele; decorria-se do grande gesto que ela teve. Havia compreendido o recado. Um cordeiro imolado jamais encontra o anjo da morte!

— O que é isso? Tá acontecendo alguma coisa lá em cima — diz o piloto, tapando os ouvidos. — O tempo, misteriosamente, virou. Se continuarmos, poderemos ser atingidos por um raio.

— Deixe de histórias e levante voo imediatamente — ordena a nova mandatária, temendo as forças policiais, que já se avizinhavam.

— Mas, senhora…

— É isso ou vai conversar com os demônios — aponta-lhe a arma.

O barulho das sirenes ressoa, denunciando as viaturas, que invadem o aeródromo; uma delas avista o corpo da cigana e para ao seu lado, enquanto as outras atiram, tentando abater o avião, que corre pela pista, até ganhar o espaço e desaparecer na imensidão.

— Ela está muito ferida, respira com dificuldades — alerta Duarte, o responsável pela operação, tentando se defender da chuva

—, e os batimentos cardíacos estão muito fracos! Olhem isso — aponta para o colo da cigana —, é a perfuração de uma bala, mas… como pode? Ela está cicatrizada!

— Deve ser alguma marca antiga — arrisca outro agente.

— E então o que é todo este sangue fresco em suas vestes? Tenho certeza, veio desta ferida, que estranhamente, passou por uma cauterização. Mas deixemos de suposições, ela tem de ser socorrida imediatamente. Chamem uma ambulância!!! — ordena.

— Senhor, estão todos ocupados com o inferno que se tornou a Sol Nascente.

— Então teremos de levá-la na viatura. Vamos! Me ajudem! Está chovendo demais!

— E quanto aos outros bandidos, senhor?

— Acabei de encontrar o corpo de um deles na privada dos mecânicos — anuncia um jovem soldado, bastante ofegante, achegando- se. — E pelas descrições do Zangado, ele deve ser o tal do Patrão. O que fizeram com ele é bizarro! Deve ter sido queima de arquivo! Só pode!

— Mataram o Patrão, também conhecido como Camaleão? — espanta-se Duarte. — Fizeram todo aquele espetáculo para recuperar o tal do Álvaro e matam logo o mandante da quadrilha?

— Mandante em partes, senhor; acima dele está o Português — corrige o jovem.

— Toda esta história está muito confusa! Preciso de ajuda e só há uma pessoa capaz de me dar o norte… Agora vamos, a moça não vai aguentar por muito tempo!

— E quanto ao Patrão?

— A Polícia Civil recolherá o infeliz! E assim é feito…

E o avô ali permanece até a neta deixar o lugar.

— A vida tem a duração ideal, então paciência, minha pequena, logo nos encontraremos. Agora continues a tua jornada sem olhar para trás, porque há muito o que reparar… Teu caminho até a redenção é estreito e ardil, mas lembre-se, nunca estarás sozinha!

Minutos depois, no hospital…

Duarte está no leito de Enrico, quer acordar o delegado afastado e lhe pedir conselhos, pois os criminosos, com uma audácia incomum, praticaram ataques coordenados à Capital do país, com o intuito de espalhar o caos e a desordem, enquanto promoviam o resgate de um dos membros da quadrilha. Mas lhe falta coragem, então abaixa a cabeça e retorna à porta de saída, quando é interceptado pela própria autoridade, que o interpela:

— Então desiste tão fácil assim? Eu o estava acompanhando para ver até onde iria. E olhe, surpreendeu-me pela falta de ousadia!

— Desculpe, senhor! Volto outra hora! — está desconcertado.

— Deixe de rodeios, se veio me ver, é porque está encurralado, não é isso? Ouvi há pouco que estava liderando a força-tarefa responsável por capturar a quadrilha do Camaleão; confesso, enchi-me de orgulho, afinal, trabalhamos juntos.

— Estou muito perdido! Preciso de sua ajuda!

— Percebi desde o momento em que entrou aqui, mas acontece que estou suspenso temporariamente de meu cargo.

— Dê-me um norte! O Patrão foi assassinado.

— Como assim? — se interessa.

Conta-lhe tudo o que sabe, desde os primeiros ataques à delação de Zangado.

— Fizeram tudo isso para resgatar o bandidinho, disso eu já sabia, até tentei salvar Chiara e a equipe, mas, diante da ofensiva, se viram rendidas e parcialmente assassinadas. Entretanto, a história não fecha. O que tinha de tão importante aquele meliante? Parecia- me um bobalhão, apesar de que as aparências enganam… Talvez ele guarde algum segredo, mas eu não acredito nisso! E quanto ao Patrão, certamente armaram-lhe uma emboscada, mas por quê? De uma coisa tenho certeza, foram inteligentes demais, atraíram a atenção das Forças e da imprensa, simulando uma possível guerra entre facções rivais pelo controle do tráfico de drogas na Sol Nascente. Se eu estivesse lá, poderia ter ajudado — diz Enrico.

— E como? Com essa perna assim? Esqueça! E por falar em equipe, Clóvis foi o único que se salvou!

— Eu sei e tenho dó do coitado! Deve estar em transe.

— Aí que se engana! Está obstinado em desvendar o sumiço dessa bandidagem, até me pediu para avisá-lo de que conseguiu a quebra dos sigilos que solicitou e a cópia do contrato de locação do imóvel que serviu de cativeiro à filha dos Vaz. Toda a documentação será entregue amanhã cedo.

— E para quem? A delegacia está em ruína.

— Fique tranquilo! Darei um jeito de pegar o material.

— Se realmente conseguir, estaremos a um passo de prender esta gente… Confie!

— Mas quem é que prende o Português? O malandro domina parte dos criminosos deste lado do oceano… Dizem que atira com uma mão e dá sopa aos necessitados com a outra. Um gangster! Não temos força para vencê-lo e o tal Camaleão é o maior exemplo disso, deve tê-lo posto à prova e terminou com a cabeça dentro de uma privada.

— Algo me diz que a filha dos Vaz tem muito a nos explicar, em outras palavras, é a chave de todos estes mistérios.

— O senhor se refere a Luara? Não está sabendo da última? O pai dela deu queixa há pouco de seu novo sumiço…

— O quê? Outro sequestro? — balança a cabeça. — Tá que eu acredito! Ela fugiu, como eu havia dito a Chiara. Se especular, descobrirá que ela está por trás de tudo isso.

— Também está envolvida com a quadrilha?

— Dê-me um pedaço de papel e uma caneta… Peça à enfermagem, vamos!

— Aqui! — entrega-lhe.

Enrico faz diversas anotações, acompanhado de perto pelos olhares curiosos do oficial, que não alcança o raciocínio preciso do delegado afastado.

— Não tenho mais dúvidas — liga os fatos aos seus respectivos autores, rasgando a folha em pedaços —, amanhã, quando estiver de posse das informações, daremos o xeque-mate. Veja bem, um sequestro que terminou sem o pagamento do resgate, com a vida da vítima ilesa e com um dos bandidos que a sequestrou preso, acusado inclusive de estupro… — dá um estalo —, taí, onde estão os exames que ela fizera depois de ser resgatada?

— Não sei, senhor!

— Tente consegui-los…

— O que tem em mente?

— Olhando por outro prisma, armaram uma emboscada para o Camaleão sim, usando o sequestro como isca. Está na cara!

— Senhor, não só mataram o vagabundo, como tentaram fazer o mesmo com a piriguete dele.

— De quem está falando?

— Da cigana Aurora, uma das foragidas da Justiça, acusada de participação em diversos assaltos, inclusive no malsucedido de Piracaia, na região de Bragança Paulista, no Estado de São Paulo. Puxei tudo pelo sistema, a mulher é procurada há um bom tempo.

— Cigana??? Hum!!! — Enrico lembra-se do dia do tiroteio. — Verdade! Ela estava lá! Agora me lembrei! — coça a cabeça, enquanto organiza as ideias. — Duarte, se os quiseram mortos, é porque outra pessoa tomaria o lugar deles… mas quem? O Português é quem manda, abaixo dele, estão marionetes que obedecem a todas as suas ordens, no caso, o Patrão e a cigana, que, a julgar pela delação do Anão, vacilaram feio no tal assalto, em que todo o grupo terminou morto, exceto a mulher. O sequestro foi armado com a ajuda da filha de Leonor Vaz, isso é fato consumado, porque precisavam compensar a quadrilha pelos fracassos, supondo que o general da reserva, o tal de Martim, tivesse a grana…

— Mas o que ganharia dona Luara?

— E ela não está “desaparecida”?

— Até onde sei, sim!

— Está aí a resposta…

— Que resposta, senhor?

— Ela é a nova camaleoa — os olhos brilham.

— Me desculpe, mas o senhor está variando… Como aquela garota poderia gerir a organização? E por que ela faria isso?

— Consegue explicação melhor? Ela tramou tudo isso junto ao Português para assumir o poder da quadrilha. De bobinha não tem nada.

— Uma menina de família abastada buscando associar-se ao mundo do crime? Não tem sentido! Só se fosse louca como a mãe…

Enrico sorri.

— Entendeu? Filha de quem é… — o delegado é certeiro.

— Não! Se fosse assim, todo maluco seria bandido!

— Entenda, meu caro, no último curso que participei sobre doenças mentais, inteirei-me do Transtorno Dissociativo de Identidade. Já ouviu falar? Posso estar divagando, mas alguém que planeja o próprio sequestro e não se preocupa com o sofrimento da própria família, ou padece de mau-caratismo ou…

— … ou…? Complete, doutor!

— Ou apresenta uma grande probabilidade de guardar uma outra personalidade, muitas vezes perversa… É mais ou menos assim, uma pessoa com TDI sente como se tivesse duas ou mais identidades, cada uma com um modo diferente de pensar, ainda que manifestadas a partir do mesmo ser. Enquanto uma goza da bondade extrema, do acolhimento social, apresentando-se como a figura mais perfeita ou a mais carente possível - a depender do contexto em que estiver inserida; a outra é o reverso, atuando no submundo em busca de algo que a satisfaça e lhe permita se vingar do mundo… Na cabeça dessa gente, tudo é muito turvo e imprevisível!

— O senhor está exagerando! Ser criminosa é uma coisa, ter dupla identidade é outra. Ela precisaria ter sofrido muito para que isso fosse desencadeado e a possibilidade de se desenvolver a doença, ainda assim, seria muito baixa.

— Mas foi assim que o tal do Eufrásio a descreveu em seu último depoimento, quando ela o ameaçou. Falou até em mudança de chave. Bastava alguém surgir para que ela alterasse a personalidade. Da criatura adocicada à megera endemoniada. E vindo dos membros daquela família, eu não duvido. Sinto que eles escondem algo, como se estivessem o tempo todo de prontidão para se evitar que uma bomba atômica explodisse.

Duarte se cala.

— Entendeu o que estou dizendo? Precisamos falar com todos que vivem ou viveram ao lado desta garota, entender como a mente dela funciona… Já comece por convocar a governanta, ela será a primeira a ser interrogada e depois dona Sofia, a comparsa no esquema.

— Sofia Ricci? Só gente graúda!

— Quer apostar que o contrato da casa está no nome dela? Só preciso do documento para pedir a sua prisão, aliás, será você o autor do pedido. Prepare-se para tudo, inclusive para enfrentar os poderosos que dão cobertura à família dela.

— E por que o senhor não começa com a cigana? — sugere. — Se pressionar, ela lhe entregará alguma coisa, ainda mais agora, que só não morreu por sorte do acaso.

— Hã? E onde ela está?

— No C.T.I. deste hospital. Se Luara estiver mesmo envolvida, acredita mesmo que não será delatada?

Enrico coça o queixo e termina por concordar com o amigo, porém, algo o detém.

— Não posso!

— E por que não?

— Estou afastado! Se souberem, serei definitivamente expulso.

— Dou-lhe cobertura!

— Logo você que é todo certinho?

— Hoje entendo o que fez… Às vezes é preciso ir além das letras frias da lei para que a Justiça cumpra o seu papel.

— Sabe, meu amigo, prometi a mim mesmo que colocaria toda esta corja atrás das grades e vingaria a morte de Chiara e de toda a equipe, e é o que farei. Então vamos lá! –desce da cama com a ajuda de Duarte e segue apoiado nele até o leito em que se encontra a cigana, que está algemada à cama, tendo à porta um policial, que a vigia durante todo o tempo.

— Aurora! — chama-a o delegado.

_____________

1. Frase adaptada de Edmund Emil Kemper III, assassino em série e necrófilo americano que assassinou dez pessoas, incluindo membros de sua própria família, como seus avós paternos e mãe. Ele chamava a atenção por seu tamanho, com seus 2,06 m de altura e seu intelecto avançado, possuindo um QI de 145. Cumpre pena de oito prisões perpétuas em um hospital psiquiátrico nos Estados Unidos. Teve parte de sua vida contada na série Mindhunter.

2. Oração cigana adaptada.

autor
Carlos Mota

com ilustrações de
Andrea Mota
 
elenco
Luara
Álvaro
Aurora
Diana
Martim Vaz
Leonor Moreira Vaz
Beatriz Vaz
Matilde
Cleide
Eufrásio
Sofia
Luizinho como Patrão e Camaleão
Egídio
Enrico
Português

trilha sonora
Immortal - Thomas Bergensen
 
produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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