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A Deusa Bandida: Capítulo 29

Novela de Carlos Mota
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A DEUSA BANDIDA - CAPÍTULO 29

— Que seja louvada, minha deusa inquietante! — saúda o Português, com a voz cada vez mais rouca, em uma chamada de vídeo, na tela de uma tablet, sob os cuidados do comissário de bordo, para a surpresa de todos. — O prazer que me proporciona ao despachar este infeliz para o outro lado é incomensurável. O mundo da bandidagem está aturdido com a coragem que demonstrou — abre um enorme sorriso. — Pudera! De uma garota demasiadamente linda, de modos distintos, corpo esguio, em cujas formas singulares é perceptível a mão divina de um Criador apaixonado, esperava-se o glamour das passarelas concorridas da ModaLisboa¹, em que exuberante, da altura de um salto, desfilaria com um dos mais atraentes modelitos de gala de Dino Alves² — venerado pelos cortes retos, tecidos fluidos, silhuetas bem justas e transparências que valorizam a beleza feminina; não que terminasse como uma assassina temida, dessas que saltam das telas do cinema mundano para a realidade… — não segura a gargalhada.

— Nossa! Estão todos calados. Será que cheguei em um momento inoportuno? Desculpem-me, mas este é o mal da velhice. Com o passar dos dias, dorme-se pouco, ocasionando uma perda considerável da noção do tempo! Mas não quero cansá-los com tamanha bobagem! — entorna uma taça de vinho verde, enquanto saboreia um bom peixe grelhado. — Que falta de educação a minha! Aceitam? — faz um gracejo. — Aqui já passa de uma da madrugada, mas meu estômago ainda não se deu conta, por isso fui obrigado a acordar o chef para que me fizesse esta iguaria. Deu-me uma fome enorme ao ver Luizinho caído, traído pela própria soberba, alvejado pelas mãos de uma garota tão adocicada… E o que está esperando para liquidar a cigana, minha deusa? — muda o tom. — Quero vê-la da mesma forma, assim, a janta me assenta melhor! Vamos, Diana, atendi a todos os seus caprichos até então; está na hora de me devolver parte dos favores! E um deles é assistir à queda desta insignificante criatura, advinda dos ranchos mais longínquos de uma terra maldita, dominada pela pobreza – a grande peste que aniquila os homens desde os primórdios.

“Os dois estão mesmo juntos… O que pretendem com tudo isso?” — pergunta-se Álvaro, à frente de Aurora, como um anjo imponente, de asas grandes e fortes, desconcertando Diana, que não encontra a mira. “Mal ela sabe que terminou de entregar a alma ao capeta!”

— Com esta carinha dissimulada, induziu-me a investir num assalto malogrado; o prejuízo foi para além das montes! — continua o lusitano. — Como pude ser tão tolo? É da natureza de todo cigano a esperteza; como ratos, roem a confiança, semeiam a mentira e colhem a discórdia. E homens de bem como eu são vítimas fáceis. Só em me lembrar, tenho o desejo de atravessar o oceano e eu mesmo lhe meter uma bala na cabeça — está visivelmente irritado. — Vamos, pequena, mate-a! Dê-me essa tão esperada alegria! Vamos, que a missa de sétimo dia já está encomendada!

— Não posso! — resiste. — Para isso, seria preciso matar este bobalhão também!

— Poxa! Verdade! E quem é ele mesmo? Meu Deus! — finge surpresa. — Como pude ser tão imprudente, pequena deusa? Óbvio! É o rapaz que ordenei que resgatassem. Prazer, meu jovem! Espero que esteja bem! Realmente, as acomodações de uma delegacia não são o melhor lugar para se passar uma temporada; mas saiba, se movi mundos e fundos para retirá-lo de lá, é porque sua protetora trabalha muito bem, não é mesmo, preciosa beldade?

Diana emudece, presa aos olhos de Álvaro, que se mostram ligeiros e curiosos. Por que ela o salvaria, se o tempo todo agiu para que o machucassem? – indagava-se. O que realmente ela sentia por ele? Amor, paixão, prazer, química ou dominação? Aliás, quem é que estava diante dele? A criatura insana, que de tão provocada, irrompeu do peito de uma menina fragilizada e ganhou o mundo, no corpo de uma fera selvagem, que só se saciaria ao beber do sangue dos seus opressores ou simplesmente uma rosa - sim, uma rosa -, que para se defender do rigoroso inverno, vestia-se de uma outra pele, abdicava-se da alegria, recolhendo-se ao recôncavo de seu âmago, de onde só desabrocharia ao primeiro brilho de sol primaveril? Não tinha a menor ideia! Apenas tinha uma certeza! Ainda a amava! E como! Quando mergulhou no azul infinito de seus olhos outra vez, sentiu sua natureza interior revigorar-se, pedindo o corpo dela, como quem pede por um último suspiro antes de agonizar. E isso era cruel! Como gostaria que fosse o contrário, que todo esse sentimento encontrasse guarida nos braços de uma linda cigana, que por ele tanto lutou, a ponto de se perder nos caminhos do próprio destino. Mas quem é que manda no coração? Até onde se sabe, o amor é um verme, o invade, domina, faz morada e consome. E lutar contra ele é lutar contra si mesmo, porque é um mal que não se vê, se sente. E o que sente por ela é profundo demais… Coisa de espírito! Se estava louco? Bem, se amar for loucura… Luara, Diana ou quem quer que fosse, esse ser tinha as chaves de seu coração, quer o mundo aceitasse ou não.

— ATIRE!!! ATIIIRE!!! — ordena o homem, esbravejando. — ATIIIIIIRE!!!

“Que história mais sem nexo, se o Português deixasse, eu sacaria da arma e daria um tiro logo nessa biscate, mas não, pra tudo é necessário um circo. A coisa toda é muito simples, basta apertar um gatilho. Hum! Mas deixe estar, logo serei o novo patrão desta Família e toda essa algazarra encontrará o seu fim. E meu primeiro ato, depois de sentar-me na cadeira, será o de furar o malandro do Álvaro e vê-lo sangrar até a morte; será por Elisa… E por mim!” — Egídio conversa consigo mesmo, com a arma em mãos. “Se ele pensa que me esqueci do passado, engana-se. Posso ser corno, burro, mas não desmemoriado. Fez- me o mal e há de recebê-lo em dobro. Quero saborear cada momento da desgraça daquele puto como se fosse o último de minha vida…”

— Se fizer isso, terá de me matar primeiro! — desafia o rapaz, com a cigana, angustiada, às costas, tentando invocar suas forças, mas os oráculos, outra vez, por capricho ou castigo, negavam-lhe o socorro.

— E qual o problema? — os olhos de Diana, inflamados, reluzem.

— Passo por cima de você e de todos!

— Teria coragem? — a tensão, em seu nível máximo, enrijece- lhe os músculos do pescoço e dos ombros.

— E por que não? — a arma o mantém sob a mira. — O que me impediria?

— O MEU AMOR!!! — afirma o bandido, com a imagem dela refletida em seus olhos grandes e flamejantes.

A conexão da Internet, momentaneamente instável, impermite que o Português os compreenda.

— AMOR??? — assusta-se. — Que amor, cara? Você mal me conhece! O amor não é assim, não nasce do nada… — lembra-se das palavras pesadas de Leonor, ainda no escritório, quando a ela se referiu com adjetivos repreensíveis.

A chamada de vídeo cai.

— Pois você o conhece em toda sua plenitude? — impõe o rapaz, encurralando-a. — Óbvio que não! No máximo, fingiu senti-lo; era mais confortável, não criava laços. Estou errado? Responda-me! Pois de minha parte posso afirmar que desde o primeiro momento em que a vi, lá naquele aeroporto, senti algo diferente tocar meu coração, estremecer o meu corpo, perturbar meu juízo, a ponto de só pensar em você o tempo todo… Sabe o que é acordar com uma pessoa na cabeça, passar o dia todo com ela diante dos olhos e dormir ao seu lado sem tê-la? Assim me senti! E quando a mim se entregou, percebi que o seu hálito era o ar que precisava para continuar existindo… EU… EU… EU TE AMO!!!! Entenda! EU TE AMO MUITO!!! — a entonação é perfeita e toca o íntimo da garota, que dá um passo para trás, com uma lágrima a surgir no canto esquerdo da face, de onde, num só golpe, é exterminada, servindo de exemplo para que outras, tão afoitas quanto, desistissem da empreitada.

“… por mais que eu tente, há uma barreira inquebrantável entre a gente, talvez porque eu nuuunca a quis, nuuunca!!!” — enquanto Álvaro busca convencê-la da profundidade de seus sentimentos, a fera recorda-se das palavras amaldiçoadas da mãe que a trouxe a este mundo tão terrível. “Deus poderia têêê-la levado no lugar dos meus filhiiinhos… Não me custaria sacrificá-la desde que eles me fossem devolviiidos, mas a vida não é como a geeente quer, os fruuutos que sobram nas árvores nem sempre são aqueeeles que desejamos. Que meeerda! — berra, descontrolada, atirando outro vaso contra a parede. — Levaram os que eu mais apreciava e me deixaram no lugar uma fruta estragada, pois é assim que a veeejo, Martim; aqueeela garota não é miiinha, nunca foi, jamais será…” — Diana toma um grande gole de ar, olha-o bem fundo e abaixa levemente a cabeça, permanecendo em silêncio.

— EU TE AMO!!! DÊ-ME UMA CHANCE!!! — implora. — Apesar das situações embaraçosas em que me meteu, ainda assim eu seria capaz de qualquer coisa para conquistá-la. O que sinto por você é tão doido que me cega, criatura! Ouça a voz de meu coração, ele está a lhe chamar como quem chama a sua outra metade — toca-a no ombro.

— Deixe de lado tudo isso e fuja comigo! Fuja! Ainda há uma chance para nós dois! Venha, vamos dar o fora daqui, o mundo lá fora é nosso.

— Não se pode amar alguém em tão pouco tempo assim; às vezes se passa uma vida toda — Leonor continua fazendo estrago dentro de sua cabeça — e mal se consegue uma metade de todo esse nobre sentimento. Verdade seja dita, estamos fadados ao sofrimento desde que nascemos… Se há alguma explicação para isso? Não sei lhe dizer! De certo mesmo é que quer me confundir, como eu fiz contigo tantas vezes.

— Fuja comigo!!! Vamos!!! — só falta se ajoelhar.

Ouvindo-o, Aurora entra em uma profunda crise de choro; enfim abduzida pelas forças oraculares, uma fenda no tempo se abre, de onde se avista um futuro, em que o amado, ao adentrar em um hotel, já na grande e sedutora metrópole paulistana, à procura da deusa que o envenena com seu feitiço maquiavélico, encontra a armadilha que o rifará de vez deste plano. E a cena toda se revela… “Egídio prepara a arma para disparar, o chofer fecha os olhos, Álvaro gargalha, enquanto o gerente reza. Mas como diziam os antigos, os inimigos se levantam de repente, literalmente no cair das luzes, e o que se vê a seguir é digno de nota. O falso amigo empurra o chofer para o canto e acerta a cabeça de Álvaro, que cai como cartas – quando desmoronam seus castelos –, para o desespero do gerente…”

— Nããããããããooo!!! — grita a cigana, atraindo novamente a atenção de Diana – que torna a buscar sua cabeça, como deseja o Português – e a de Álvaro, que mesmo assustado, não se vira para acolhê-la, porque se o fizesse, daria espaço para que a criatura a alvejasse. — Não faça isso! Será o seu fim!!! — alerta Aurora. — Não é hora de escutar o coração, pois a fera, no corpo de uma deusa mundana, unida a Egídio, não o poupará quando a hora chegar… Eu vi! Eu vi!

“Porra! A bruxa leu meus pensamentos, só pode… Tenho de apagá-la já, antes que ponha tudo a perder” — diz o capanga a si mesmo, sacando a pistola; só não dispara, porque o Português, como uma alma arremessada do inferno, ressurge na tela do tablet, exigindo uma explicação para o acontecido.

— O que houve? Derrubaram-me por quê? — está estressado.

— O que se passa?

— A coisa aqui tá feia, senhor — adianta-se Egídio —, a Pomba Gira baixou na vagabunda, que passou a dizer um monte de coisas sem sentido. Quer que lhe meta fogo? Tô com a mão coçando…

— Aprendeu bem rápido um de meus truques, não foi, bandido?

— Diana pergunta a Álvaro, que não entende. — Pois caiu do cavalo, às suas investidas estou plenamente vacinada. Que rufem os tambores, abram as cortinas, o show está prestes a começar e a atração principal, uma ciganinha de quinta, advém dos confins, em roupas extravagantes, trazendo consigo uma força que desafia a atenção dos mais tolos…

— Hum! Adoro espetáculos, principalmente os bizarros — alegra-se o lusitano, abrindo um sorriso insano.

— Quer sangue, lisboeta? Pois o terá! — ruge com violência.

— Como você mesmo me disse, não há coisa melhor no mundo que a sensação de matar. Quando atirei no Patrão, a adrenalina correu minhas veias, é como se eu tivesse fumado uns vinte baseados de uma só vez… Que sensação de leveza! E quero senti-la de novo! Prepare-se, feiticeira de araque!

— PARE, LUARA! — o rapaz, com o cano apontado para o peito, acompanha todos os seus movimentos, impedindo-a de encontrar Aurora, que à sombra, alterna momentos de lucidez e delírio. — PAAARE!!!

— Quem é Luara? — cobra, renegando sua origem. — Meu nome é Diana. E afaste-se de mim! Afaste-se! Todos que disseram me amar, só me fizeram o mal. A começar por minha própria mãe, que me tratou por fruta estragada – veja só!, como se eu tivesse alguma culpa pela morte de uns irmãos, que jamais existiram. Dá para acreditar? Pois fui abandonada pelo amor enlouquecido que ela alimentou por três figurinhas que moram no além… — os olhos enchem-se de lágrimas.

— Depois meu pai, que se fez de distante, negando-me colo quando eu mais precisava; já a tonta da minha avó e a feiosa de sua empregada ofertaram-me algum sentimento nobre e o fizeram, certamente, por pena… O que vê é apenas o que sobrou de alguém que nunca teve nada, além de broncas e xingamentos — e a lágrima ousada, mesmo advertida, desce-lhe o semblante, bem devagarinho. — Então, nada do que disser mudará minha opinião. Quero a cabeça desta infeliz, só assim ela aprenderá que não sou a tola que imaginou. Quem ela pensa que é para me estapear? — reassume a violência. — Estava louca ou quê? Nunca ninguém me tocou, aliás, até tentaram, e os que se atreveram, deram-se muito mal.

— Não faça isso, você não é assim! — insiste.

— Entenda, idiota, sou como está vendo… Aquela garotinha por quem se apaixonou, se ainda não percebeu, nunca existiu, era uma couraça que eu usava para me proteger das intempéries da vida… Uma vida tão desgraçada que não desejo ao meu pior inimigo! Mas isso ficou para trás, o que quero agora é sangue!

— Dê logo um tiro na lazarenta! — instiga Egídio, impaciente.

— Vamos! Muita conversa pra nada!

— “E lhe foi concedido poder para dar vida à imagem da besta, para que também a imagem da besta falasse e fizesse morrer todos os que não adorassem a imagem da besta”, Apocalipse 13:15 — o lusitano recita o versículo num sotaque terrivelmente carregado. — Uau! Que espetáculo! É só dar o primeiro estalo para que a fera, bela e incrivelmente imponente, ressurja. É maravilhoso! Bendito o dia que a conheci! — entorna outra taça, animado com o que via.

— Você não viu nada, homem! Sou maior do que isso, brilho no topo do mundo! — volta-se para o chefe da quadrilha exibindo uma onipotência letal.

— Com certeza! O que promoveu em tão pouco tempo me mostrou todo seu potencial. Quem teria a audácia de tramar o próprio sequestro, endoidecer os pais, fingir-se de refém? Só você, minha deusa encapetada! O teatro foi tão bom que convenceu até mesmo os bandidos. E o melhor, com o plano que elaborou, consegui pôr um fim à vida inútil de Luiz, aquele que se dizia o maioral, quando não passava de excremento de animal — zomba. — Pois se não sabem, foi esta criatura, deliciosamente perversa, que me fez persuadir o dito patrão a cometer o próprio “suicídio”, ao aceitar sequestrá-la assim que chegasse de Portugal. A ele contei que os Vaz — uma das famílias mais emblemáticas da elite gananciosa e apodrecida de Brasília —, gozavam de enorme prestígio político e militar e vultosa soma em aplicações financeiras, suficientes para saldarem sua dívida e a de Aurora com a Família — esmiúça os fatos com um prazer aterrorizante. — Mas bastava uma simples pesquisa para descobrir que eu havia inflado a história, propositadamente; acuado como se encontrava, Luiz concordou com cada detalhe, sem qualquer contestação, trazendo consigo a mulher, a quem também tenho contas para acertar. Poderia tê-lo prevenido de minhas pretensões — dirige-se a Aurora —, mas não o fez, porque seu coração já não estava mais com ele; o encanto havia partido, pouco se importava com o destino do boçal, apenas fazia o papel bem-feito de uma Capitu machadiana, que era o de dissimular.

— Isso não é verdade… — recolhida, a cigana sofre ao ouvir

tantos horrores, tendo sobre si os olhares de Álvaro, que estranha as palavras do velho.

— Mas não é você que possui o dom de antever o futuro? Como está esquecida! Poxa! — dá uma risadinha. — Certamente precisava se livrar dele, pois era quem o impedia de retornar a sua tribo ou seja lá o que for aquele bando de desocupados, não é isso?

— Eu sempre o respeitei, senhor! — defende-se.

— Amando outro homem? — o Português é direto. — Oh, minha querida, sinto em lhe dizer, mas a história está cheia de criminosos que agem como vítimas; enganam suas presas e as conduzem à própria morte… E com você não seria diferente, não é? Desde o momento em que viu este bandido — aponta para Álvaro —, sentiu-se atraída, foi o que facilitou a emboscada. Com um coração apaixonado, os olhos ficam cegos, não é mesmo, minha bela fera? — volta-se para Diana, que abre um sorriso malicioso de uma orelha a outra. — A cigana fez como você, caríssima Diana, que agiu à espreita, orquestrando o próprio sequestro e terminando nos braços do capanga, que desde o primeiro encontro sentiu forte atração por você, como me revelou Egídio…

— EGÍÍÍDIO??? — surpreendem-se, ao mesmo tempo, Aurora e seu amado.

— E quem vocês acham que me entregaria cada detalhe desta trama? Não pensaram que eu também fazia bruxarias, não é? — desdenha. — Ele é o meu observador em tempo real.

— EU VOU MATAR VOCÊ, SEU DESGRAÇADO!!! —

ameaça, aos berros, o bandido, que só não o esmurra, porque se abandonasse o lugar, Diana espedaçaria a cigana.

— SERÁ??? — provoca. — ESTOU DESEJOSO HÁ TEMPOS POR ESTE MOMENTO… QUE VENHA!!! — desafia.

— Silêncio!!! Não interrompam meu raciocínio!!! — esbraveja o lusitano, sorvendo outra taça. — Sabe, Aurora, por amor a Álvaro, você foi capaz de trair o homem que a retirara da lama e imaginar-se regressando às origens, na intenção de se purificar, como se pudesse apagar todos os males que praticara… Uma mulher apaixonada é mesmo previsível! Tão previsível que você invocou todas as forças que moram em sua alma para calar um revólver… Estava terrivelmente envolvida, não é? Aliás, está! Por isso se perdeu, esquecendo-se da própria dívida, ainda que isso custasse a vida de Luiz, que se ofereceu como garantia em uma transação que já estava premeditadamente fadada ao fracasso. O amor faz destas coisas!

— Pare, por favor! — implora a mulher, incomodada.

— “Eu não sei senão amar-te, Nasci para te querer.
Ó quem me dera beijar-te,
E beijar-te até morrer”. — recita o Português, com a ironia escorrendo pelos lábios.

— Pare!!! — verte-se em lágrimas.

— Emocionante, não? Fernando Pessoa é assim mesmo, invade nossa alma e a faz delirar. Seus versos, como o néctar das flores, atraem, revigoram, incitam e despertam o que há de mais belo no âmago dos apaixonados. E você, querida seguidora do reino de Sara Kali — espezinha —, está literalmente entregue a uma paixão bandida.

Álvaro fica atônito com as revelações.

— Teve até a oportunidade de acabar com tudo — continua o homem —, quando, ao tocar minha deusa, pressentiu o perigo. E o que fez? Nada! Acovardou-se. Mas não a culpo, algumas pessoas, diante do medo, sucumbem-se, é a maneira que encontram para se preservarem, ainda que isso custe a vida do parceiro.

— Não é verdade — insiste —, fiz de tudo para que Luiz mudasse de rota durante nossa vinda a este aeródromo, mas não consegui impedir, ele estava obcecado, tomado pelo ciúme.

— Um ciúme que eu fiz questão de regar ou acha que perderia a oportunidade de vê-lo caído, todo ensanguentado, sendo preparado para ser o banquete principal dos bichos, como agora? Óbvio que o manipulei. E como foi fácil! Bastava usar o seu nome para que o homem mudasse de planos e fizesse o que eu tinha em mente. E quando o impediu de matar o meliante — aponta para Álvaro —, ele teve a certeza de que você não o servia mais, tratando-a por avariada. Porém, por mais que quisesse, não a deixaria, pois era a joia mais valiosa que já possuiu em vida, segundo ele mesmo me relatou. Um asno! — é enfático. — Se fosse minha, levaria a primeira bala assim que descobrisse que tinha olhos para outro puto, não é mesmo Egídio?

— Certamente, senhor! Tem toda razão!

— JUDAS! — chama-o a cigana. — Aonde queria chegar com tudo isso?

— E preciso responder??? — mostra-lhe Luizinho aos seus pés.

— Quando um cai, outro se levanta! É a lei da selva!

— CANALHA! VOCÊ QUERIA O LUGAR DELE…

— E pelo que mais seria, ciganiiinha? — infantiliza a voz. — Tão esperta para umas coisas e tão bobinha para outras… Na vida, cada um usa as armas que tem.

— O lugar dele? — estranha o Português, fazendo-se de desentendido. — O que quer dizer?

— Ué, o senhor não vai me anunciar como o novo patrão? — Egídio o interrompe.

— Você??? Não me faça rir!!! É privado de inteligência, meu caro! — troça.

— O SENHOR ME PROMETEU!!! — eleva o tom de voz.

— Prometi-lhe um lugar ascendente na organização, só isso, até porque, figuras de sua envergadura não têm a proeza de refletir as maravilhas mais peculiares da natureza humana; são emocionalmente vazias, carregadas de ira, um verdadeiro tormento na terra aos filhos de Deus e dos homens.

— QUE PORRA É ESSA? — brada. — EU O AJUDEI, SEU ANIMAL!!! VENDI MINHA ALMA AO CAPETA SÓ PARA PODER TER O GOSTINHO DE MANDAR E DESMANDAR NESSA FAMÍLIA E AGORA ME VEM COM ESSA HISTÓRIA? POIS EU MANDO TUDO ISSO AQUI PARA OS ARES!

— “Nunca discuta com um ignorante. Ele te rebaixará até o nível dele e te vencerá por experiência.”³ — humilha-o.

— POIS VOCÊ VAI VER DO QUE ESTE IGNORANTE É CAPAZ…

— E o que pretende fazer? — indaga, sendo acompanhado atentamente pelos envolvidos.

— SOU O SEU HOMEM DE CONFIANÇA, CAPAZ DE EXECUTAR TODAS AS ORDENS, NÃO IMPORTANDO AS

CONSEQUÊNCIAS… — aponta a arma para Aurora. — SE A VAGABA — refere-se a Diana — NÃO CONSEGUE TERMINAR O SERVIÇO, DEIXE QUE EU O FAÇO.

A fera ruge e só não parte para cima dele porque o Português sinaliza para que se abstenha.

— Uau!!! Gostei!!! — gargalha. — Todo asno tem seu momento de glória!!!

“Asno? Este velho está me tirando… Eu ainda hei de esfolá-lo vivo!” — diz a si mesmo, preparando-se para disparar.

Álvaro se vira para o malandro e permanece a protegê-la; o que não se pode negar é que o lisboeta é um excelente enxadrista e o xeque- mate é seu, como se era de esperar. Instigado pelo homem, Ribeiro sobe na aeronave e, num movimento certeiro, nocauteia-o com uma coronhada.

— Quer que eu o apague? — pergunta Diana. — Teria o maior prazer!

— Não, minha deusa, é tão desprezível quanto o judeu e seu bode, de O Auto da Barca do Inferno⁴. Nem o Diabo o quer! — desdenha.

— Deixe que um dos capangas dê-lhe um bom corretivo, porque este eu conheço, basta lhe ofertar umas boas notas de Euro para mudar de comportamento… Bem, vamos direto ao ato final. Estou exausto! Atire na cigana, pois, como combinado, é você que findará o serviço.

Ela não consegue. Para atender ao desejo do lusitano, seria necessário desvencilhar-se de Álvaro, a quem sente, por mais que não demonstre, algum sentimento, apesar de ele ainda permanecer guardado em algum canto desconhecido de seu interior.

— Não consegue, não é, Diana? — o Português tira suas próprias conclusões.

— Está equivocado!

— Então atire! O que está esperando?

— Que ele saia da frente!

— Mate-o também ou…

— … ou…? — exige uma resposta.

— Ou você também está apaixonada por ele?

— EEEU? NUUUNCA!!!

— Então atire!!! É uma ordem!!!

— Saia da frente, Álvaro!!! — mostra-lhe os dentes. — Saia!!!

— Não! Já disse, para acertá-la, terá de passar por cima de mim!

— Não vou pedir mais!!! Saaaaaaia!!! Ele permanece à frente da cigana.

— ATIIIIIIRE!!! — grita o homem.

— Aurora, o mundo está a lhe cobrar pelos erros que cometeras. Tenhas fé! Tu não estás a sós! — o avô sopra-lhe aos ouvidos, encorajando-a. — Faças o que tiver de fazer e retome o seu caminho.

— SAAAAAAAAAAAAAIA!!!!!!!!!!!!!! — Diana perde o controle.

— NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOO!!!!!!!!!!!! — rebate o rapaz, numa coragem surpreendente.

— Chegaste a hora! Não tenhas medo!!! Um cordeiro imolado não encontra o anjo da morte — continua o avô a lhe falar com propriedade.

— ATIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIRE!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!  — surta o lisboeta.

Atiçada, Diana dispara, é quando Aurora se levanta e o empurra, recebendo o tiro que já era seu. E a caneta da Vida põe no papel o que lhe pede o destino…

_____________

1. A ModaLisboa é o maior evento de moda de Lisboa, em Portugal, fundado por Eduarda Abbondanza e Mário Matos Ribeiro em 1991.

2. Dino Alves formou-se em Pintura na Escola Superior Artística do Porto. Fez um curso profissional de fotografia no INEF e depois de uma passagem pela Cinemateca Portuguesa, acabou por seguir a área da moda, conquistando o título de “Enfant- terrible da Moda Portuguesa”.

3. Frase de autoria de Samuel Langhorne Clemens (1835-1910), mais conhecido pelo pseudônimo de Mark Twain. Foi um escritor e humorista estadunidense crítico do racismo. É considerado um dos autores mais importantes da literatura daquele país.

4. Obra de dramaturgia que foi escrita em 1517 pelo escritor humanista português Gil Vicente, considerado o “pai do teatro português”. Nela, os pecadores se veem obrigados a embarcar na barca do inferno, apesar de acreditarem que merecem um lugar no céu. O diabo é o condutor dessa barca, enquanto um anjo está encarregado da barca da glória.

autor
Carlos Mota

com ilustrações de
Andrea Mota
 
elenco
Luara
Álvaro
Aurora
Diana
Martim Vaz
Leonor Moreira Vaz
Beatriz Vaz
Matilde
Cleide
Eufrásio
Sofia
Luizinho como Patrão e Camaleão
Egídio
Enrico
Português

trilha sonora
Immortal - Thomas Bergensen
 
produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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