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A Deusa Bandida: Capítulo 22

Novela de Carlos Mota
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A DEUSA BANDIDA - CAPÍTULO 22

Martim deixa o quarto e vai à procura da esposa, abandonando Luara e Sofia, que antes de iniciarem o diálogo, fecham a porta.

— Cara, o que foi aquilo, meu? Eu quase chorei de verdade. Sua atuação foi digna de um Óscar… “Mamãezinha”? De onde tirou isso?

— Gostou? — levanta uma das sobrancelhas. — Ela sempre dizia que um dos trigêmeos, o tal do Afonso, a chamava assim, e pelo que senti, ele era o seu filho mais amado, então resolvi provocá-la. E como provoquei! Toda vez que a chamava assim, ela era golpeada por imagens e vozes do passado, que a machucavam intensamente até abrirem um buraco negro dentro de sua alma… Hum! Parecia uma estátua, com o semblante enrijecido e os olhos perdidos, sem entender nada.

— Coitada, Luara! É sua mãe! Não tem dó?

— Coitada? Coitada de mim! Quem cresceu praticamente abandonada fui eu; pensa que foi fácil? Quantos dias das mães, lá naquele colégio, tive de entregar o botão de rosas a Matilde ou à insossa de minha avó, porque a doida, alegando alguma desculpa esfarrapada, não comparecia? Eu cantava e dançava para o vazio, enquanto as outras crianças, todas elas, tinham suas mães aos seus pés, com lágrimas nos olhos e máquina fotográfica nas mãos. Sabe quantas fotos eu tenho com aquela cretina? Nenhuma! Ela sempre me faltou! Sempre! E tudo por conta daqueles moleques — demonstra muita raiva. — Não tenho dó, aliás, estou te estranhando, você sempre me apoiou, Sofia… O que está acontecendo?

— Não posso ter pena de alguém? — inquire, com o rosto confuso.

— Quem tem pena é galinha!

— Não está mais aqui quem falou.

— Acho melhor! Amanhã, a esta hora, se tudo correr como planejado, Álvaro estará do meu lado, beijando-me muito e acreditando numa criatura que jamais existiu — sorri. — Como será prazeroso vê-lo caído aos meus pés! — ajusta a camisola. — Tolo, fará tudo o que eu mandar, sem pestanejar… Como os homens são bobos, né? Basta-lhes abrir a perna para que se rendam aos nossos desejos e o meu, com certeza, será ter com aquela cigana, que ousou invadir minha alma e ler meus pensamentos.

— Que obsessão! Deixe a circense em paz!

— Nunca! É uma questão de honra! Ninguém bagunça minhas memórias e sai ilesa… Ela há de pagar com sangue! E se tudo estiver conforme o script, onde estiver, deverá estar sofrendo muito… Muito! Muito mesmo! Mas o tiro de misericórdia será meu!

Sofia se assusta com tanta maldade.

— Você não deve estar falando sério, amiga! Não tem medo de que a desmascarem antes?

— Quem? A louca de pedra? Só pensa nela. O trouxa do general? Bobo demais, não é à toa que o chamam de melancia… Não foi capaz nem de apoiar o presidente no possível golpe de Estado. Frouxo até o último fio de cabelo! — ajeita-se na cama. — Matilde? Coitada! Aquela precisa de um cirurgião plástico primeiro… Viu como a pele dela está despencando? — a língua está afiada. — Cleide? Vendeu-se por algumas cestas básicas. Eufrásio? O idiota entregou quem praticou o crime, não o mandante; acabou enjaulado. Você? Bem, é a única que conhece minhas intenções, por acaso pretende me trair? Sabe o que faço com traidores, né? O único que ousou tal feito, acabou empurrado do quarto andar daquela faculdade… Tadinho! Queria entregar meu caso com o professor… mexeu com a pessoa errada!

— Ele estava com ciúme, mulher!

— Óbvio! Do meu macho, porque o cara era uma florzinha enrustida. E teve a audácia de me ameaçar! Levei-o no bico e o atraí a uma emboscada, no andar do prédio em que ninguém usava no período noturno e, com a ajuda de dois “gorilas”, mandei-o para as profundezas do inferno. O melhor foi a história que inventei para me safar… O cara deu em cima de mim, estava cheio de pó e num movimento de fúria, perdeu o controle e caiu… caiu… Caiu! Fiz a faculdade toda ficar do meu lado! Coitada, diziam, aquela é a moça que sofreu um ataque… Nossa! Ela sobreviveu! Glória a Deus!

— Você caça suas vítimas, não é? Sente um prazer sádico nisso, eu sei!

— Agora que percebeu? É por esta adrenalina que ainda vivo.

Quando saio à procura de alguém, só me aquieto quando uma forte sensação de êxtase toma meu corpo, saciando-o com o prazer mais mundano… É como se dentro de mim irrompesse uma fera, daquelas bem selvagens, que estremecendo a terra com o seu rugido demoníaco, às ruas devorasse quem encontrasse, bebendo até a última gota de sangue. Com meu faro aguçado, sou capaz de sentir o cheiro do medo, o desespero da vítima, o medo da morte… — os olhos vibram. — E na pele desta criatura, minhas forças multiplicam-se, minhas unhas viram armas e meus dentes, afiados, são capazes de estraçalhar um corpo e com sua carne me alimentar. É como se eu me tornasse uma caçadora determinada, cruel e infatigável!

— Diana… — anuncia Sofia, tensa com a conversa. — Só pode!

— Quem? — atrai-lhe a atenção.

— Diana! — confirma. — Você é Diana! Não vá me dizer que perdeu as aulas de mitologia…

Luara não acompanha seu raciocínio.

— A deusa da caça! — completa. — Não tem outra explicação. Tu és Diana. Mas com outra roupagem.

— DI-A-NA??? — o nome surge-lhe forte. — DIANA! Hum! Interessante! Me conte mais…

Sofia se vê nos olhos da amiga e teme ser sua próxima vítima, afinal, as feras agem por instinto.

— Me conte mais…

— Segundo a mitologia romana, Diana é arisca e selvagem, seguida de perto por feras indomáveis, como os leões. Ela carrega um arco dourado, nos ombros um coldre de setas, e pode ser vista trajando uma túnica de tamanho curto. Os antigos dizem que, ainda criança, Zeus a perguntou sobre seu maior desejo, e ela, sem hesitar, pediu para que pudesse circular livremente pelas matas, ao lado dos animais ferozes. Foi atendida!

— DIANA!!! — repete por duas ou três vezes, para a curiosidade da amiga, que a interpela.

— No que está pensando?

— DIANA!!! — sorri, absorta. — AÍ ESTÁ A RESPOSTA QUE SEMPRE PROCUREI!!!

— Ei, Luara! Você está me assustando… O que há?

Não responde. Encaminha-se até a janela de onde avista a selva urbana, dando uma gargalhada de estremecer o lugar.

— É lá que me saciarei! Enquanto isso…

— NÃÃÃÃÃOOO!!! — grita a cigana, longe dali, na limusine, ao lado de Luizinho, cuja arma não dispara por falta de bala.

— Cale essa boca!!! — abre o estojo. — Está vazio! Como pode uma coisa dessas?

— E aí, meu amigo querido, já posso acender uma vela? — cobra o Português, sorridente, ao ouvir o grito.

“Nem percebeu que eu as tirei enquanto cochilava, na aeronave… Burro!” — comenta Egídio, consigo mesmo, sentindo a munição no bolso da calça.

— Não sei o que aconteceu, doutor!

— A arma falhou? — pergunta o homem, tentando segurar a risada. — Como pode? Imaginei que fosse mais atento aos detalhes.

— Deve ser esta… esta… bruxa! — dá-lhe uma coronhada, para o choro desesperado da mulher, que se encolhe no banco. — Esta vagabunda — continua ele — tem pacto com o demo! Mas vou dar um fim em tudo isso e é pra já, senão não me chamo Luizinho, o terror dos inimigos e das autoridades — está fora de si, temendo que o Português pedisse a sua vida como pagamento pelos fracassos. — Eu hei de encontrar uma bala… — procura por todos os cantos; desiste. Volta-se ao capanga, que está à frente: — Egídio, me passe sua arma… Vamos, caralho! Tenho de terminar o servicinho! Vamos! — a saliva, parecendo uma gosma, marca os dentes, que estão parcialmente encobertos por uma camada esbranquiçada.

Com a arma do infeliz às mãos, reinicia a operação. E quando ia puxar o gatilho, o Português intervém:

— Pare! É uma ordem! Ele não entende.

— Mas… mas… este é o preço! A cabeça dela em uma bandeja de prata, adornada por frutas silvestres — reitera.

— Mudei de ideia, meu caro! Filme reprisado com atores de pouca expressão não me agrada!

— O que o doutor quer dizer?

— Que a promissória continua sob meu poder e que a dívida será cobrada em breve; por ora, há que se debruçar sobre um outro serviço; se desta vez o fizer a contento, talvez eu lhe reduza a intensidade da pena… O que acha de, ao invés de uma cabeça, uma perna, um braço, um dedo ou mesmo um olho? A dívida também seria paga, mas com um bom desconto, não acha? — zomba.

— O doutor pensa em…

— Não tenho paciência para repetições! — o sotaque do homem está mais acentuado. — Entenda como quiser! E caminhemos logo ao epílogo desta conversa, logo iniciar-se-á a missa do padre Antônio Vieira, que transmitida para todo país, é uma pérola aos católicos de boa-fé. E como sou devoto de Fátima, toda manhã, com um terço em mãos, rezo pelos mais humildes, para que Deus os veja em sua santa miséria — é convincente. — Saiba, Luiz, nosso trabalho, como qualquer outro, exige muito sacrifício e coragem, e onde encontrá-los, quando tudo parece à deriva? Na fé! Por isso, curvo-me ao Senhor e faço, diariamente, minhas oferendas.

— Quem iria imaginar! — o ar é de deboche.

— Tu és um mancebo de pouca fé, como gosta de dizer o “imperador da língua portuguesa”, como é conhecido o padre, cujos sermões estremecem os corações dos homens mais endurecidos, assim como você.

— O que deseja? Fale! Não tenho tempo para doutrinações. Que o doutor e seu padreco abram uma igreja e se agraciem da ingenuidade dos tolos.

— Deveria castigá-lo por sua incredulidade, mas prefiro me abdicar, sua ausência de conhecimento é o suficiente para me fartar, Idiota! — caçoa.

— Do que está falando? Sou uma pessoa esclarecida.

— Verdade! — limpa o veneno dos lábios. — Até certo ponto!

— Não entendo! — está encolerizado.

— Antônio Vieira, o padre a que me referi, morreu em 1697, meu querido boçal; assisti-lo, só se fosse no inferno — desdenha. — Mas não se preocupe, homens brutos como você desconhecem a História, são movidos por pólvora, cadáveres e bordéis, porque isso, no íntimo, os torna mais fortes do que são. Pelo menos pensam! Lembre-se, Luiz, “tudo o que vive nesta vida, não é o que é, é o que foi, é o que há-se ser”¹ — as palavras do Português são como cobras à espreita, prestes a dar o bote.

— Pare com estas charadas e vá logo ao que deseja.

Aurora também não compreende o lusitano. Aflita, pensa em abrir a porta, mesmo com o carro em movimento, e pular, mas algo a impede; é uma força que grita dentro de seu âmago, cujo estrondo, mil vezes mais forte que o coro dos anjos, a faz resistir, antes que uma tragédia aconteça. Com as partes do pingente em mãos, busca reencontrar a força de outrora, o que lhe é negado outra vez pela Natureza. Resta-lhe apenas saber o que os dois tramavam, tendo o celular como testemunha.

— Como bom cristão, sempre prezei pelo fortalecimento da família, Luiz. Nada como um pai e uma mãe bem-dispostos para cuidarem de seus pequenos… E nenhum membro, durante a caminhada da Vida, deverá ser abandonado, sob pena de não se ter uma família, mas um outro organismo, bem distante disso. Não seremos como certos peixes que, esfomeados, praticam o canibalismo e devoram seus próprios filhotes…

— Não estou entendendo nada! O que quer dizer com este papo de “devorar filhotes”…?

— Sêneca² tinha razão, “a natureza nos uniu em uma imensa Família, e devemos viver nossas vidas unidos, ajudando uns aos outros”.

— Seja mais claro!

“O que o Português está tramando? Eu tirei as balas como me pediu, já era pra ter dado a ordem pra fuzilar estes dois! Que bosta! Será que Luizinho o está levando no bico de novo? Ah, não pode ser! Se isso acontecer, mato os dois por conta própria. O Português, desta vez, há de me dar o trono, senão, vão todos para o espaço… Minha pistola está pronta para cuspir fogo… Me provoquem pra ver!” — pensa Egídio, perdendo a paciência.

— Nossa Família não está completa… falta um! — afirma o homem.

— Como assim?

— Como pode ser tão insensível, caro mentecapto? Não percebeu a falta de um de nossos “filhos”?

— Você se refere a… — cai em si. — Não! Não pode ser!

— Sim! Avisaram-me há pouco, um dos nossos foi capturado e é dever da Família recuperá-lo imediatamente.

— NUNCA! PREFIRO MORRER!

— Já que insiste… — o Português não se intimida e o desafia. — Quer mesmo isso? Olha, doerá mais em mim que em você! Basta um estalo para que o carro seja abatido e apenas alguns minutos para que esteja junto à sua senhora sete palmos abaixo da terra, com a boca cheia de bichos… — engrossa a voz até quase não ser compreendida.

— ES-PE-RE!!! — grita, atraindo a atenção dos demais, que não entendem o que se passa. — Farei qualquer coisa que me pedir, mas isso não, aquele cara…

— … só não trepou com sua putinha, porque não quis, não é?

— dispara, impiedoso. — E Álvaro é o nome dele. Sei de tudo! E o que mais me chamou a atenção: ele tem caráter! Algo elementar aos membros de qualquer Família.

— Não, doutor! Isso é perigoso! Como vou regressar? Poderemos acabar todos mortos!

— Um por todos e todos por um! Está sentenciado! Ou o salva ou irão todos para o vale da sombra da Morte… É uma escolha difícil, pelo menos para você, um ladrão que se diz o maioral, quando – na verdade – não consegue cuidar da própria casa, tendo sobre a cabeça dois galhos grandes e firmes, para que todos saibam o Corno que se tornou — o sarcasmo é violento. — Vamos! Decida-se já! O dia está nascendo em Lisboa, tenho minhas obrigações com a igreja e com os menos abastados. Vamos! Decida-se!

— Posso fazer o que o doutor quiser… — é interrompido.

— … E o que eu quero, já disse! Traga-me Álvaro são e salvo; se falhar, prepare-se para o pior, porque nem meu lado cristão há de se apiedar de ti.

Luizinho encontra os olhos amedrontados de Aurora, que intimidada, mantém-se recolhida; a vontade dele é de matá-la, mas se o fizesse sem o consentimento do Português, estaria selando o próprio destino. Desliga a chamada, coça a cabeça, engole o ódio, volta-se para o motorista, dizendo:

— Retorne ao aeroporto, rapaz!

— O que pretende fazer, patrão? — inquire Egídio, estranhando.

— Vamos regressar a Brasília.

— Vão nos pegar! — alerta.

— Somos uma Família! Devemos cuidar uns dos outros.

— Que porra é essa, patrão?

— Assim determinou o lusitano, teremos de resgatar o vagabundo do bobalhão, senão…

— Álvaro??? — adianta-se a mulher, com um brilho ressurgindo na face toda machucada. — Vamos salvá-lo??? É isso???

— Para sua alegria, piranha!

— Que loucura é essa? O cara é um vagabundo, deixe-o lá, entregue às hienas — revolta-se. — Não vou fazer isso! — reluta Egídio.

— Não é a mim que está desacatando, malandro, mas ao Português… Terá coragem de ir em frente? Alerto-o de que o último que o desobedeceu, passou três dias sangrando até dar o último suspiro.

No hospital…

O telefone de Sofia toca.

— Como? Quem quer falar?

— Dê-me logo aqui… é ele! — Luara toma-lhe o aparelho. — Certo! Tudo arranjado? Ótimo! Boa noite para você também e durma com os anjinhos… melhor, com os diabinhos. — desliga, sorrindo.

— Você passou meu telefone para um macho seu?

— Lave essa boca, garota, está diante do maioral.

— O que está tramando?

— Um plot twist de deixar a todos de boca aberta.

— Cê tá mesmo doida, Luara!

— Luara morreu esta noite! — sentencia.

— Hã? Como assim? Do que você está falando? Gargalha.

— Não estou entendendo nada!

— Venha comigo… venha!

Leva-a até o banheiro e, diante do espelho, confirma:

— Veja! Luara morreu!

— Hã! E quem é esta?

— DIANA!

— Cê bateu a cabeça??? — arrepia-se toda. — Meu, o que lhe contei foi apenas mitologia, ninguém sabe se é verdade ou não!

— Prepare-se para o pior, Diana brilhará no topo do mundo…

— … do crime, só se for! — completa.

— Bingo! Está aí sua resposta — volta para o quarto.

— Luara, sua louca, o que pensa estar fazendo? Uma coisa é cometer uns delitos, outra é adentrar a este mundo, dominado por seres de todos os tamanhos, cores e maldades. Uma vez lá, não terá retorno. Pense bem! Sabe, acho que você está com os parafusos mais frouxos que os de sua mãe. Aff!!!

— Eu me encontrei amiga… Agora sei de verdade quem sou!!!

— abre a janela, de onde avista a lua repleta de si, enquanto o vento, rebelde, entra e lhe agita os cabelos com força. — Luara não existe mais!!! — reafirma. — Em seu lugar, nasce DIAAAANA, a caçadora impiedosa, que atormentará a vida daqueles que ousarem cruzar o seu caminho, nas grandes e infinitas ruelas que correm desatinadas até o coração adoentado da selva de pedra. Prepare-se! O show está apenas no início.

— Sangue de Jesus! Bateu a biela mesmo! — a garota faz o sinal da cruz.

Aurora, mesmo distante, pressente a criatura e se preocupa com Álvaro, pois é contra ele que ela fará a primeira investida. Mas como defendê-lo? Os oráculos se negam a lhe estender as mãos, a Natureza permanece em silêncio, os anjos se escondem, Santa Kali não pode ser mais alcançada… Seus poderes, para seu desalento, se esvaziaram. E como reverter esta situação? Não tinha a menor ideia! Mas era preciso insistir, o homem que ama precisava dela e não se furtaria a lhe jogar as tranças, ainda que isso lhe custasse a pobre vida terrena.

O sol emerge tímido no horizonte…

— Filha, vamos para casa, os médicos a liberaram — anuncia o pai, a quem ela encenava dormir.

— Pai… oh, pai, vou voltar para casa? Que maravilha! Vamos, me ajude aqui, meu corpo ainda dói.

O homem a ajuda a se arrumar.

— Agora vou acordar Sofia, filha. Esse sofá vai lhe deixar descadeirada. Coitada!

— Cadê a “mamãezinha”? — sorri por dentro.

— Ela foi para casa junto a Matilde… Sua mãe é muito frágil, minha filha.

— Ela não gostou de me ver?

— Quem te falou isso? Ela te ama!

— Não quis me abraçar, pai!

— É porque… bem… ela tem uns momentos de conflito interno… É algo que, tratado há anos, apenas ameniza; não cura!

— Por conta dos meus irmãos??? — mexe na ferida.

— Sua mãe, como já lhe disse, é frágil demais! Dê tempo ao tempo, mas de uma coisa tenha certeza, ela te ama muuuito! — dá-lhe um beijo. — Sofiiia!!! — chama pela garota.

Alguns minutos depois…

Passam pela recepção e se dirigem ao estacionamento. Antes que o homem pudesse ligar o carro, Luara diz:

— Pai, não vamos ainda para casa, é preciso fazer uma coisa antes… 

— Que coisa, menina?

— Preciso rever o cara que me deixou neste estado!

— CO-CO-COMO??? — assim como Sofia, o homem também se assusta. — Não! Isso não tem o menor cabimento.

— É preciso, papai, só vou conseguir dormir de novo se encarar este canalha de frente e lhe dizer umas poucas e boas. Por favor, paizinho!

— a voz é fina e doce, se posta à prova, em nada se diferenciaria do canto hipnótico de uma sereia. — Por favor!

— Luara…

— Por favor! — finge chorar de novo. O general cede.

— Ela quer ver o meliante? — indaga, curiosa, a delegada substituta. — Mas por quê? Logo será levado para a Papuda, é questão de horas.

Ele a convence.

E lá está Luara, aguardando o bandido, que vem carregado pelos policiais, preso por algemas, com o corpo todo dolorido. Ele não conseguia andar direito, ora se escorava em um, ora no outro, como se o pequeno trajeto até a salinha não tivesse fim. Fizeram dele o bode expiatório e nele descarregaram toda a ira por não conseguirem apreender o Camaleão e sua trupe. E pelo depoimento da garota, ele já era um monstro e como tal havia sido tratado. Ninguém se preocupou em checar se as palavras dela tinham lastro; o importante era fazer justiça com as próprias mãos e exibi-lo à imprensa como um troféu, para que todos acreditassem que o Bem sempre vence no final. Pura ilusão! Luizinho permanece solto e cada vez mais letal em suas ações.

Assim que abre a porta, Álvaro se contorce em desespero ao ver Luara, que por fora exibia uma feição entristecida; por dentro, regozijava-se do sofrimento do infeliz, como um caçador quando abate sua presa.

— Me tirem daqui! — implora. — O que estão esperando? Me tirem daqui!

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1. Embasado no livro bíblico Gênesis 3:19, Pe. Antônio Vieira, no 1º Sermão de Cinzas, fala da finitude humana; do pó viemos e ao pó retornaremos, traçando esse caminho para a morte, enquanto Deus é infinito e imutável, sempre idêntico ao seu próprio ser, enquanto a existência humana é circular.

2. Lúcio Aneu Sêneca foi um filósofo estoico e um dos mais célebres advogados, escritores e intelectuais do Império Romano.

autor
Carlos Mota

com ilustrações de
Andrea Mota
 
elenco
Luara
Álvaro
Aurora
Diana
Martim Vaz
Leonor Moreira Vaz
Beatriz Vaz
Matilde
Cleide
Eufrásio
Sofia
Luizinho como Patrão e Camaleão
Egídio
Enrico
Português

trilha sonora
Immortal - Thomas Bergensen
 
produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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