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A Deusa Bandida: Capítulo 11

Novela de Carlos Mota
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A DEUSA BANDIDA - CAPÍTULO 11

Anoitece…

Egídio passa pela porta do escritório e a fecha, sendo acompanhado à distância pela cigana, que se mostra incomodada com a conversa privativa entre Luizinho e o capanga. Em uma poltrona giratória em estilo clássico, apoiado a uma escrivaninha em madeira maciça com tampo de vidro, tendo às costas uma cópia perfeita de O Homem Amarelo¹ e, aos pés, um tapete retangular, originário da Turquia, o patrão o aguardava. Intimidado pelo suntuoso recinto, o bandido preparava para sentar-se, quando foi advertido. Constrangido, deu duas ou três pigarradas, afastando-se bem devagar.

Ainda que não dissesse com palavras, o Patrão regozijava-se em humilhar um subalterno seu, como se aquilo o alimentasse de alguma forma; era como se, no papel de um Deus solitário, ele mostrasse a todos que sua linhagem era de uma grandeza inigualável, fazendo com que Darwin, o naturalista britânico, pusesse à prova a própria teoria da evolução, porque seres como ele já nasciam evoluídos. Seu narcisismo era de uma crueldade incomensurável!

— Quero ter uma prosa contigo há tempo… — anuncia.

— O que manda, patrão? Sou todo ouvidos.

— O que há entre Álvaro e a garota?

Com as orelhas à porta, Aurora ouve com dificuldades a conversa.

— Co-como assim? — disfarça Egídio.

— O que mais odeio na vida é gente burra ou que se faça; a estes somente o peso das cargas e das carroças, mas acredito que você seja diferente, não é?

— Bem… bem… com certeza! — sente-se provocado —… Eu acho que ele tá balançado pela pequena, senhor; seus gestos são de um completo imbecil.

— Seja mais claro! — demonstra grande interesse. 

— Perto dela, é ainda mais bobalhão… Hum! O senhor precisa ver, os olhos do cretino crescem e brilham à medida que se aproxima da moça, sem falar dos pensamentos, que parecem perder o rumo, levando-o a fazer coisas que nem imagina…

— Como matar o filho do diplomata? Confirma o bandido com a cabeça.

— E desde quando percebeu isso? — pergunta Luizinho.

— Há algum tempo, mas não tinha certeza, porém, depois do ocorrido de hoje, não me resta mais dúvidas. Para evitar que a garota partisse dessa para uma melhor, ele até chorou… E desde quando aquele “viado” chora? Nunca derrubou uma lágrima por nada e olha que o conheço de várias penitenciárias, mas perto dela, chorou como uma criança. Até achei engraçado, sabe! — dá um sorrisinho.

— E por que não me contou antes? — exige, com os olhos ágeis como os de uma águia.

— Porque… porque… sei lá, talvez porque eu não tivesse certeza…

— Burros não são só os que carregam carroça, viu?

— O que o senhor quer dizer com isso?

— EEEU??? Nada! — ironiza. — Mas como quer crescer em nossa organização se me esconde as coisas? Para se chegar ao topo, é necessário cumplicidade, respeito e lealdade com seus líderes.

— Mas eu não escondi nada — tenta consertar —, apenas tive receio, poderia soar mais como uma fofoca…

— E por conta disso, perderá a promoção que tanto almejava; continuará como um “burro de carga”, levando chicotadas, até aprender que não tem que pensar por conta própria, mas relatar tudo o que vê, deixando a pessoas de minha estirpe, que tirem as próprias conclusões. Imbecil! Burro!

— Eu não sou burro, se fosse, não teria impedido que o senhor e a dona cigana entrassem agora há pouco no quartinho, onde está a garota, porque se ela os visse, sua fama de camaleão cairia por terra. Ela conseguiria botar no papel o retrato de todos os que mandaram sequestrá-la, principalmente o seu, não é mesmo? E o que não diriam os outros membros da família? Que o camaleão, levado pela ingenuidade – ou seria burrice? –, havia caído na própria armadilha.

— COMO OUSA FALAR ASSIM COMIGO, SEU VERME?

— levanta-se, espumando de ódio.

Com a mão na arma, Egídio não responde. 

— É, de certa forma você tem razão! — concorda Luizinho, recuando. — Mas errou ao não me contar do vagabundo com a piranha… Por conta daquele infeliz, a Polícia Federal entrou no caso, é bem capaz de bater à nossa porta a qualquer momento, e nos devolver ao xilindró.

— Para a cadeia eu não volto nunca mais! — resmunga.

— Isso é você quem diz… — senta-se de novo.

— E mesmo que isso volte a acontecer, tenha certeza, antes eu dou cabo da vida daquele peste… — profetiza Egídio. — … Para quem matou a mulher e o amante com uma só bala, matar um vagabundo daquele é fichinha.

— E É ISSO O QUE FARÁ! — sentencia o Patrão, ao relembrar- se da suposta atração da cigana por Álvaro.

— POIS EU VOU METER UMA BALA NA CARA DELE

AGORA — engatilha a arma. — COMIGO É ASSIM, PISCOU, A BALA TÁ NO ZÓIO!

— Na hora certa, homem! — sinaliza para que o subalterno guarde a arma. — E lhe prometo, sentirá um enorme prazer em mandá- lo para o inferno, porque gente da laia dele, que entrega o coração a qualquer piranha que aparece, não é digno de integrar nossa família.

— Eles não podem matar o Álvaro! — a cigana diz consigo mesma, bastante preocupada. — Como posso impedir isso?

— Mas por que esperar, se eu posso lhe passar o fogo já? Aquele sonso já deveria ter vestido o paletó de madeira há muito tempo — diz Egídio.

— Tenha calma! — levanta-se da cadeira em direção à porta, gesticulando ao comparsa para que não fizesse nenhum barulho; ao abri-la, não encontra ninguém, então a fecha de novo, retomando o diálogo. — E tem algo a mais para me dizer?

— Como o quê???

— Não sei… talvez Aurora!

— A cigana? Vixe! Nada não, patrão… — ele se apavora só em pensar no que Aurora faria caso ele a delatasse. — O que o senhor quer que eu diga?

A conversa é interrompida pelo celular, que vibra em cima da mesa. Ao identificar a ligação, descarta o comparsa, enche os pulmões de ar, ajeita a roupa, e sentado à cadeira, como se nada tivesse acontecido, atende a chamada de vídeo. Do outro lado, um homem de cabelos grisalhos e barba por fazer, com cara de poucos amigos, o cumprimenta com uma das mãos, enquanto degusta uma saborosa carne de porco à alentejana, acompanhada de uma boa taça de vinho.

— Doutor! — saúda Luizinho, com um sorriso lustroso.

— Meu caro, nossa família não aceita erros, já foi um milagre não pôr fim à vida de sua amiga; porém, se houver um novo fracasso, tanto ela como você, acordarão no cemitério, compreendeu? — pergunta o homem, numa voz rouca, em que era possível perceber o sotaque anasalado, com ênfase no final das palavras.

— Por que está me dizendo isso? — alterna a expressão. — O plano segue como prometido.

— Tem certeza? — ri, de raiva. — Nossa Família orgulha-se dos nossos membros, por isso qualquer traição é imediatamente repelida à bala.

— Eu nunca o traí, doutor!

— Todo traidor, mente! — a voz intensifica a rouquidão.

— Não entendo!

— Como foi o sequestro? — o homem esmurra a mesa de jantar.

— Conte-me! Nada fugiu ao controle?

Aurora, nos aposentos do andar de cima, anda de um lado para o outro, com o destino a lhe soprar coisas terríveis aos ouvidos. Desorientada, abre a janela, cerra os olhos, e uma brisa, como que arremessada magicamente pela Natureza, toca-lhe a cútis sedosa, que resplandece, elevando-a ao mais alto plano espiritual, de onde, em profunda comunhão com os ancestrais, ela é agraciada com uma oração em romani²:

“O Del si ay ando sako vremia passa tute
Ay ande tute uou sorra ti mukel tut ay sorri ti avessa. Iel geeno,
na muk e rooli te avel baari ande tute ay muk o Deevlesko
glasso te orbil tussa kay ande tutei. Kaade sá o nassulipe jalatar
anda tiro drom ay araquessa e tchatchipe ande sá le veechi ay ande sá e manussa”.

“Deus está em toda parte ao mesmo tempo.
 
Ao seu redor e dentro de você.
Você jamais estará desamparada e nunca estará só. Não permita que a mágoa a perturbe.
Procure manter-se calma, para ouvir a voz silenciosa de Deus que está em você e assim poderá superar todas
as dificuldades que aparecerem em seu caminho e,
há de descobrir a verdade que existe em todas as coisas e pessoas.”
 

A paz de espírito é plena, até que alguém a chama; ao virar-se, encontra Álvaro, que mesmo inibido, pede:

— Po-po-posso fa-fa-falar com a se-se-senhora?

O bandido está terrivelmente lindo em toda aquela simplicidade, cuja ousadia, a faz esquecer-se, por alguns segundos que sejam, dos perigos que ele corre por estar ali.

— Sim! O que deseja? Aconteceu alguma coisa?

— E-Eu queria apenas dizer à senhora que…

— Fale… estou ouvindo — chega cada vez mais perto de Álvaro, a atração grita-lhe dentro do peito e tem uma força explosiva, que a faria ultrapassar todas as fronteiras da sanidade por um beijo, um simples beijo dele, ainda que isso lhe custasse a própria vida.

— Eu… eu só queria…

Antes que ele pudesse findar a frase, agarra-o pelo pescoço, os lábios se encontram e atiçam a brasa da paixão, que faz bambear as pernas, faltar o ar, disparar o coração. E, diferentemente do que imaginava, ele retribui, abraçando-a com a força de um homem loucamente apaixonado. E como beija bem!

Tomando-a em seus braços, joga-a na cama, de onde lhe abre os botões do vestido, um a um, como quem deseja algo há muito tempo; visivelmente atingido por uma das flechas de Eros, beija as orelhas, a tez bem desenhada, o colo, o ventre, enquanto as mãos, sorrateiramente, desbravam o desconhecido… Aurora regozija-se com a forte sensação de paz que lhe corre o espírito, preparando-se para a dança dos corpos, que logo se consumiria, para surpresa até mesmo dos oráculos.

De volta ao escritório, Luizinho discute com o homem.

— A filha do general está conosco, senhor! Logo seus quarenta e cinco milhões lhe serão devolvidos.

— E a que custo? — pergunta, bastante irritado. — Um senador, amigo de nossa Família, avisou-me da morte do filho do diplomata… 

— Como? Foi uma fatalidade! — tenta esquivar-se. — Já estou tratando disso! Confie em mim!

— Confiar? — sorri com sarcasmo. — Nem na minha sombra. Limpe a sujeira que deixou pelo caminho; dou-lhe uma semana para que este sequestro se encerre e você e sua rapariga me paguem o que é devido, senão, o que está apalavrado será cobrado com juros. E o que mais desejo, para completar este “momento de alegria” é vê-lo em um caixão, infeliz! — arremessa as palavras com uma frieza de doer na alma. — LEMBRE-SE, UMA SEMANA!!!

Alguns seres já nascem mesmo evoluídos e o Português provava isso com sua prosa desconcertante.

— Egííídio!!! — grita pelo empregado, após encerrar a ligação, sendo prontamente atendido. — Precisamos dar um fim nesta história já, a morte do filho do diplomata rodou o mundo… Vamos dar cabo do infeliz e limpar toda a sujeira que ele deixou.

— Como quiser! — põe a mão na pistola.

— Prefiro que o Custódio faça isso, enquanto você aterroriza a família do general. Capriche, bote fogo no parquinho, cometa os maiores absurdos e faça aquela gente pirar de medo e nos pagar o resgate; aliás, aproveite e envie algumas fotos com o antes e o depois da garota.

O capanga não acompanha o raciocínio do homem, que lhe explica sem muita paciência.

— Dê uma surra na filha do general de deixar marcas, fotografe tudo e as encaminhe juntamente as que tirou enquanto a seguia. Faça valer o seu nome entre os nossos. Será bem recompensado.

— É para bater nela??? — estranha. — Eu não bato em mulher, apenas mato.

— Deixe de onda, encare-a como um pacote, meta a porrada, sem qualquer tipo de remorso. Quero ver aquela gente implorando pela filhinha deles… — gargalha, com os olhos faiscando num misto de prazer e medo.

Liga para Custódio e quem atende é o delegado.

— Quem está falando??? É o patrão??? — pergunta Enrico, na delegacia, ao ler o nome dele no visor. — Quer falar com seu comandado? Pois o encontrará no caixão, na sala da casa dele, de onde está sendo velado.

Luizinho desliga, assombrado.

— O que foi, senhor? — indaga Egídio, vendo-o sem cor. 

— Custódio morreu, um cara acabou de me falar, mas… mas… co-como? O que está acontecendo? Estou perdendo o controle de tudo!

— leva as mãos à cabeça. — Como pode?

— Talvez o seu “amuleto” esteja avariado — arrisca.

— O que está me dizendo, desgraçado??? — ele entende a provocação. — Com quem pensa estar falando? Só não lhe meto uma bala nas fuças agora porque… Cadê Aurora? Preciso falar com ela. Aurooora!!!

Enquanto isso, na delegacia…

— Peça para rastrearem este número, Duarte; há de chegarmos ao mandante do sequestro, apesar de eu não acreditar muito nisso, porque, pelo pouco que disse Zangado, o tal patrão é como um camaleão e não ligaria do próprio telefone.

O oficial concorda.

— Procurou pelo Solano?

— O dia todo! E nada! — responde Duarte.

— Aquele anão nos enganou…

— … assim como o senhor o enganou… — rebate o oficial.

— Você percebeu?

— Óbvio! Assim como o senhor pôs a prêmio a cabeça de Custódio… Hum! Jamais deveria ter feito isso!

— Eu estou sentindo um “ar” de repreensão, Duarte?

— O senhor deveria tê-lo preso, não feito o que fez, isso é crime! E para piorar, ainda está com o celular dele. Por que não o devolveu à sua família?

— Ele armou uma emboscada para a gente, iríamos morrer, ainda não percebeu?

— Porque o senhor deixou se envolver…

— Como assim?

— Metido a Sherlock Holmes, não percebe quando ultrapassa o limite da lei e comete crimes assim como os criminosos que tenta prender.

— O importante é que para a família dele ele continua um herói… Coitados! Se soubessem da verdade!!!

— Mentira em cima de mentira, o senhor não tem vergonha, delegado?

— Você está me desacatando, oficial…

— … o senhor já nos desacatou! Se quiser me prender, que o faça, mas não conte mais comigo em suas investidas, a não ser que esteja de posse de uma ordem judicial… Justiça com as mãos não é Justiça; é vingança!

— Não acredito no que estou ouvindo, estaríamos mortos se eu não tivesse tomado aquela atitude, cara.

— Agradeço por me defender! Se eu morresse, minha mãe não daria conta de meus filhos… Sabe, seu delegado, sou viúvo e passo um perrengue para educar meus pequenos, já tive inúmeras propostas para mudar de lado, mas nunca aceitei… Como eu poderia olhar de novo para eles? A justiça tarda mais não falha, é isso que lhes ensino. Peça-me tudo, menos que traia meus princípios.

Enrico se cala diante do alerta do subalterno.

— E o que vai fazer? Me entregar à Corregedoria?

— Deveria! Mas agradeça, esta história morrerá comigo. O delegado fica sem reação.

— Entretanto, a partir de hoje não trabalho mais com o senhor, acabo de solicitar minha transferência, mas fique tranquilo, aleguei problemas de ordem pessoal. Os caras lá de cima gostam de meu trabalho e facilitaram tudo para mim. É melhor assim, não quero compactuar com práticas que sempre abominei. Me desculpe! — termina, deixando a sala.

— Cara, que loucura! Ainda há gente honesta neste mundo; se eu contasse, ninguém acreditaria.

Senta-se na cadeira de frente para um painel, de onde retoma a trama da filha de Martim.

— Tudo começou, vejamos, com um carro preto… opa! Será que conseguiram as imagens da rua que solicitei? — chama por Duarte, que não responde. — Oh, meu Deus, honestidade é a melhor coisa que existe, mas não no Brasil… Isso atrapalha o serviço… E como! Clóvis!!!

— Sim, senhor! O que foi? — inquire o rapaz, de estatura mediana, barriga saliente, bigode escovado, comendo uma rosquinha.

— Veja se conseguiram as imagens que solicitei…

— Coloquei em sua mesa. Está neste pen drive — aponta.

— Que bom! — coloca-o no computador e assiste aos vídeos. — Pare! Encontramos! Veja lá o carro, em um só dia, passou mais de cinco vezes em frente à mansão. Era mesmo um crime premeditado! A tal governanta tinha razão.

Aproxima a imagem e anota a placa.

— Consiga para mim os dados deste veículo — pede ao oficial, retornando ao quadro. 

Carro preto, Hedonê, morte de Nicholas, sequestro, Solano, favela do Sol Nascente, Custódio, Zangado… O que mais faltava para se chegar ao mandante? Não sabia, mas que Solano era o caminho, o único, disso tinha certeza. Mas como o encontraria? O anão se fez de rogado… Outra coisa que lhe causava estranheza era o valor do resgate, bem acima do padrão.

Alisa o próprio semblante com a tampa de uma caneta, até que lhe vem uma luz do fundo da alma. Por mais que os bandidos a seguissem, como sabiam da boate? E por que a boate? Algo ali não se fechava… Só contrataram o serviço de Solano porque tinham a informação de que ela iria para lá. Teriam grampeado o telefone? Muito complicado! Seria mais fácil se alguém os tivesse informado, mas quem? A amiga Sofia? Não! Pelas primeiras checagens, ela era limpa, nem multa de trânsito tinha. Então… Lembra-se de Cleide derrubando a xícara de café e desmaiando… Opa! Além da família dela morar em Ceilândia… Será? Muito evidente? Talvez! Levanta-se, conecta todos os fatos com um pincel, como se fizesse um verdadeiro mapa mental, e todas as perguntas morrem em Cleide.

Neste mesmo instante, na mansão dos Vaz, a cozinheira arruma suas coisas, quer é logo dar o fora dali. O relógio da sala de estar anuncia às 23 horas. Abre a porta do quarto bem devagar, passa pela cozinha escura sem fazer ruídos, quando é surpreendida por Matilde, que acende a luz.

— Aonde vai a esta hora, Cleide? — a governanta estranha a atitude da empregada, que parecia fugir da cena de um crime.

— Oh, Matilde, sabe como é, meu pai ficou muito doente e minha mãe não para de chorar. Preciso ir a Ceilândia com urgência.

— Verdade? Então Eufrásio a levará! Tenho certeza de que seu Martim não se importará.

— Imagine! Pobre é acostumado a andar de ônibus; se eu chegar com um carrão desses lá no barraco, o povo é capaz de achar que sou a nova “Gisele Bündchen da rapaziada” e não tô a fim de passar a noite toda dando autógrafo; já viu como favelado fede, minha filha?

— Meu Deus! Tem certeza de que não é filha de dona Leonor?

— pergunta, diante de tanto disparate.

— EEUUU O QUÊÊÊ??? — Leonor entra na cozinha, atraída pela conversa das empregadas. — Acharam minha filhiiinha??? Tô que não me agueeento! — faz cara de choro. — Só em pensar que ela servirá de feijoada a um bando de criminosos, já me corre um arrepio pelo corpo; ainda se fosse uma torta de frango… não, frango não, porque ela não é galinha…

— Meus Deus, abriram de novo a porta do hospício — confidencia-se Matilde.

— Que malas são eeessas? — pergunta, ao repará-las ao lado da empregada. — Vai para onde, Cleeeide??? O que tá acontecendo com ela, Matilde?

— Diz ela que…

— Minha tia morreu… — finge um choro de causar pena.

— Coitaaaada!!!

— Epa! Há algo de errado, não era seu pai que tinha ficado doente? — Matilde a confronta.

— Sim! Meu pai ficou doente porque minha mãe morreu…

— Não era tiiiaaa??? — estranha a patroa.

— Meu pai ficou doente porque minha tia e minha mãe morreram…

— Creeedo!!!! Vixe!!! Ai, ai, se essa moda pega, logo quem poderá bater as botas será minha filhiiinha… Tô me sentindo mal!!! Ahhh!!!! Que horrooor!!! Vou desmaiaaar!!!

— Tô indo, não posso perder o último ônibus, até mais, família…

— Cleide se aproveita da loucura da mulher para escapar.

— Espere, Cleide, que vou lhe ajudar — pede Matilde, socorrendo antes a mãe de Luara.

A empregada abre a porta e sai, ao passar pelo portão, é abordada pelo delegado.

— Está indo atrás do Solano? Me leve junto! — ironiza Enrico, deixando o interior do veículo, que se encontra com as luzes apagadas, para a surpresa da cozinheira, que não reconhece o delegado, levando as mãos à boca e arregalando os olhos.

— Pode levar tudo!!! Não quero morrer!!! — delira tanto quanto a patroa. — Ninguém merece ser assaltada a esta hora e logo no Lago Sul!!! Cadê a polícia quando a gente mais precisa???

_____________

1. Obra de Anita Malfatti, O Homem Amarelo, que representa um imigrante italiano pobre que posou para a artista na época em que ela estudava no exterior, sustentando “um olhar desesperado”, foi feita em carvão e pastel. Apresentada na Semana de Arte Moderna de 1922, a tela foi motivo de polêmica, por fugir do convencional.

2. O romani é o idioma dos Rom e dos Sintos, povos nômades geralmente conhecidos pela designação de ciganos. Não deve ser confundido com o romeno e o romanche, que são línguas latinas.

autor
Carlos Mota

com ilustrações de
Andrea Mota
 
elenco
Luara
Álvaro
Aurora
Diana
Martim Vaz
Leonor Moreira Vaz
Beatriz Vaz
Matilde
Cleide
Eufrásio
Sofia
Luizinho como Patrão e Camaleão
Egídio
Enrico
Português

trilha sonora
Immortal - Thomas Bergensen
 
produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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