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Antologia A Magia do Natal: 5x07 - O Hóspede da Véspera

Conto de Fábio Ritter
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Sinopse: Um jovem passa o Natal trabalhando na recepção de um hotel, mas é surpreendido por um estranho hóspede que, assim como ele, está fugindo da solidão da época de fim de ano.



5x07 - O Hóspede da Véspera
de Fábio Ritter


É bem verdade que eu havia me oferecido para trabalhar naquela noite. Ninguém queria passar o Natal com a barriga detrás do balcão da portaria. Ainda mais daquele hotel que nem ar-condicionado tinha na recepção, apenas os hóspedes eram premiados com o ar fresco para amenizar o calor de dezembro no sul. Mas é bem verdade também que eu jamais imaginei que seria posto à prova da forma como fui, nem de que chegariam a duvidar até mesmo de minha saúde mental.

Havia somente dois casais hospedados naquela noite. Ao menos isso eu pensava. Eles não tinham relação entre si e saíram para passar as festas natalinas na casa de parentes que tinham na cidade. Deram-me um “Feliz Natal” burocrático e foram cada um para o seu lado. Eu estava enfim sozinho, pensava em encostar a porta não chegaria mais ninguém naquela noite santa e dormir depois de tomar um tranquilizante para chamar o sono.

Para minha surpresa, não pude fazer o planejado de imediato, pois ouvi um ruído de café saindo da térmica ao lado do elevador. Era um hóspede que eu não tinha me dado conta de que estava no hotel. Ele era um senhor gorducho de bigodes brancos e finos, mas sem barba, também tinha enormes entradas de careca, apenas ladeado pelo pouco cabelo grisalho. O hóspede vestia uma camisa florida, parecida com o clichê do turista americano, e uma bermuda de uma cor pastel. Aproximou-se de mim, comentei que ele havia me assustado involuntariamente, não sabia que tinha mais algum hóspede. O homem sorriu e disse:

Realmente é estranho alguém hospedado sozinho na noite de Natal.

Eu não fiz nenhum comentário. Não me cabia especular sobre a vida de hóspedes, ele prosseguiu:

E você, por que está aqui?

Estou trabalhando respondi, minha vontade era emendar um “não está vendo?”, mas seria demasiado rude.

Mas por quê? insistiu o velho bonachão.

Eu preciso trabalhar. Alguém precisa estar aqui no hotel hoje à noite.

Sim, mas por que você? insistiu. Parecia querer testar minha paciência.

Bom, como ninguém queria, fizemos um sorteio para ver quem ficaria no Natal e quem ficaria no Ano Novo e coube a mim a tarefa de estar aqui hoje menti, na verdade eu havia pedido para trabalhar.

O homem olhou para o chão e deu um suspiro desiludido. Pegou o copo de plástico que tinha largado no balcão e sorveu o restante do seu café. Então ergueu o olhar e disse:

Minha esposa faleceu este ano. Por isso estou aqui. Não quis estar com ninguém nesta data. E você?

A sua insistência quanto a haver alguma razão, além do trabalho, para que eu estivesse ali já me causava irritação. Mas, não me perguntem por quê, senti uma irresistível vontade de me abrir quando ele me olhou de volta com os olhos profundos e tristes pela dor que carregava da perda da esposa.

Eu não tenho com quem passar o Natal.

Como não? surpreendeu-se meu interlocutor.

Eu sou órfão, meu senhor. Cresci num orfanato, estudei, tive qualificação profissional, e os donos do hotel, que são também benfeitores do orfanato, conseguiram esse trabalho para mim, mas eu não tenho para onde ir numa ocasião assim. Eu vivo numa kitnet. Quando namorava, até o ano passado, ainda tinha a família da namorada aonde ir, mas agora não mais. Achei melhor estar aqui. Realmente não houve sorteio algum, como evidentemente o senhor já desconfiava. Eu mesmo disse aos chefes que gostaria de trabalhar esta noite.

Entendo. O Natal não é como o Ano Novo em que os amigos saem para fazer festa, não é? É uma data familiar. Há o tal espírito natalino que ronda por todos os ventos, norte e sul.

Eu não sabia o que ele esperava que eu dissesse, então não disse nada. Ambos tínhamos os olhos embargados. Eu estava emocionado em me lembrar do quanto só estava neste mundo, mas também por estar naquele momento com alguém que, à sua maneira, vivia também uma dor e uma solidão. Talvez todo aquele clima emotivo e choroso fosse culpa desse tal de clima natalino do qual o velho falara.

Posso te abraçar? perguntou o homem.

Eu não consegui responder, minha voz embargou, então fiz sinal positivo com a cabeça. Ele resmungou, emocionado, “Feliz Natal, garoto”. Então disse que ia dar uma volta na rua para ver se esquecia da vida. Eu limpei minhas lágrimas e, quando ele saiu, encostei a porta. Deixei o ambiente à meia luz, deitei-me no sofá da recepção e dormi.

Às oito da manhã do dia 25, meu colega que começava o seu turno naquele horário me acordou aos cutucões. Comentou algo sobre  os chefes me matarem se me vissem dormindo ainda àquela hora, mas os chefes estavam de viagem, então nem liguei.

Então temos esses dois casais hospedados apenas comentou meu colega olhando a tabela dos quartos ocupados e dos vagos no computador.

Tem um senhor sozinho também, um viúvo.

Meu colega mexia no computador procurando ver em qual quarto estaria o tal senhor do qual eu lhe falava.

Não tem senhor nenhum registrado aqui, cara comentou ele.

Como não, se conversamos boa parte da noite antes de eu dormir?

Pois você deve estar delirando, não consta nenhum senhor aqui, apenas dois casais. Melhor você ir para casa descansar que já está ficando maluco de tanto estar nesse lugar.

Fui ao banheiro, lavei a cara, me despedi do colega com um “Feliz Natal” e saí do trabalho intrigado. Quem havia me dado aquele afetuoso abraço de Natal? O Papai Noel? Mas ele nem tinha barba. Ri de meu pensamento ridículo e infantil, cogitei haver sonhado, mas não, tudo havia sido demasiado real. Alguém tinha salvado o meu Natal com aquele abraço afetuoso que encheu o meu coração e minha alma de um amor fraterno. Não importava quem fosse aquele hóspede misterioso, em meu coração, seria para sempre meu Noel.

 

Conto escrito por
Fábio Ritter

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Francisco Caetano Gisela Lopes Peçanha Liah Pego Lígia Diniz Donega Mercia Viana Pedro Panhoca Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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