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Antologia Minhas Primeiras Linhas: 1x05 - Casar

Conto de Alex D'água
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Sinopse: Em um estado do nosso país que não consta no mapa, uma jovem deve tomar uma difícil decisão que pode afetar não só o seu destino, mas também o de toda sua família.


1x05 - Casar
de Alex D'água

Há um canto escondido do nosso país onde o casamento é um rito de passagem e não uma festa para celebrar o amor. Neste lugar místico, há portais que abrem para o inferno, para o céu e para o mundo infantil, especialmente nos casamentos. Quando alguém se casa, anjos, demônios e os amigos imaginários dos noivos saem de seus mundos para abençoar essa grande cerimônia. E é aí que eu vivo.

Vou começar explicando essa coisa de rito de passagem. Nessa cidade, cremos que é um pouco difícil se virar sem uma ajudinha, e é para isso que serve o casamento. Ele pode ser feito entre duas pessoas que estão apaixonadas uma pela outra, entre dois amigos que querem morar juntos ou simplesmente entre duas pessoas que pretendem se ajudar financeiramente, mas o mais comum mesmo é a primeira opção.

Outro elemento importante são os noivos reserva. Caso um dos noivos não apareça para a cerimônia, a pessoa maior de idade solteira que seja parente do faltante deve se casar com o noivo que está presente, já que a cerimônia não vai ser cancelada por um imprevisto de um dos lados.

E agora que temos tudo esclarecido vamos para as apresentações.

Os anjos, pelo menos nesse local, não são seres semelhantes aos humanos, com asinhas com penas brancas e aros dourados em suas cabeças. Os anjos são semelhantes aos deuses: seres sem forma definida, com um brilho que cega até o mais bravo dos heróis, com poderes inigualáveis. Porém são mortais, por isso eles se permitem chegar perto dos humanos. São um pouco arrogantes e às vezes agem como se fossem superiores às demais criaturas, mas no fundo todos eles sabem que dependem de nós, assim como nós dependemos deles. Os anjos são responsáveis por casar as pessoas, por dar a bênção da união e anunciar a passagem dos noivos da vida jovem para a vida adulta.

Os demônios têm um papel fundamental nos casamentos. Essas criaturas têm como propósito de vida assombrar os pesadelos das nossas crianças e apavorar as nossas vidas. Porém, quando casamos e passamos para a vida adulta, esses medos e aflições encontram um fim, e os demônios são testemunhas de que você está livre deles. Geralmente, esses seres são os mais emocionados do casamento, justamente por que eles estão com você desde os seus primeiros dias de vida. Eu particularmente já participei de muitos casamentos e conversei com muitos demônios, e cheguei a uma conclusão: mais da metade dos deles não gostam do próprio trabalho. A maioria tem sonhos como nós, humanos. Eu já conheci um que queria muito ser padeiro, e outra que queria cursar arquitetura. No final das contas, eles só fazem o que lhes é mandado; mas se dependesse deles, os demônios não seriam os responsáveis por assombrar os nossos pesadelos.

E finalmente chegamos nos amigos imaginários, que nesse caso são bem reais e nada amigáveis. Esses são os piores, na minha opinião. Todos sabemos que crianças são sinceras demais às vezes, certo? Pois bem, essas criaturas do mundo infantil são sinceras o tempo todo e não tem nenhuma espécie de filtro ou algo assim. Para piorar, se acham incríveis por serem retratados como os “ protetores das crianças” e diminuem os demônios; afinal, de acordo com os moradores do mundo de algodão doce e diversão, “ os demônios só servem para atazanar as nossas vidas.” Se vangloriam por fazerem o mínimo nos casamentos, como dar presentes, abençoar os noivos e se comportarem como seres decentes. Por sorte, os amigos imaginários, por serem esquecidos no meio da infância, acabam abaixando a cabeça e admitindo que não são perfeitos no final. Mas até chegarmos nesse ponto, temos que andar muito.

Certo, agora que tudo está no lugar, vocês se lembram daquela história de noivos reserva? Então, eu era a noiva reserva da minha prima. Todos diziam que aquele casamento seria perfeito, porque minha prima é uma mulher muito inteligente e bonita, e seu noivo tinha fama de ser carinhoso e responsável. Mas no caso dele, era só fama mesmo. Minha prima já tinha me falado do quanto ele era preguiçoso, como ele não ajudava em nada e como chegava a xingá-la algumas vezes. Porém na frente de todos, aquele homem se fazia de santo. Para ser sincera, eu já desconfiava dele no momento em que minha prima apresentou ele para a família. E por que será que ela não termina com ele?

Nossas famílias estão passando por problemas financeiros e com esse casamento tudo estaria resolvido, portanto minha prima não pode simplesmente terminar com ele, já que muitos parentes nossos estão dependendo desse casamento. Eu particularmente acho isso um absurdo, afinal o casamento é da minha prima e se ela quer terminar, isso é uma decisão dela e do seu noivo, sem contar que esse negócio da família inteira está dependendo dela está deixando a vida da minha prima de pernas pro ar.

Foi por esses e outros motivos que eu não me surpreendi quando foi anunciado que ela não havia aparecido para o casamento. O problema é que sem ela como noiva, quem iria se casar com aquele esquisito seria eu.

Neste exato momento eu estou na porta da igreja, mas já consigo ouvir daqui os cochichos dos amigos imaginários da minha prima fofocando e dizendo que provavelmente eu fiz alguma coisa com ela para que a coitada não pudesse aparecer e eu ficar em seu lugar.

-       Seja honesta, estamos sozinhos e ninguém vai ficar sabendo. O que você fez com Melissa?

            Eu me viro e dou de cara com o noivo, quero dizer, ex-noivo da minha prima, Melissa. Só pode ser algum tipo de piada. José sabe o quanto eu o odeio, e eu sei o quanto ele me odeia. Nós sempre deixamos isso bem claro.

     -       Eu não fiz nada com ela. É compreensível o motivo dela ter te deixado no altar sozinho.

Ele estava prestes a responder quando um anjo o chamou para resolver alguma coisa. Ótimo, não preciso mais ficar vendo a cara dele. Pelo menos não pelos próximos 30 minutos, que vai ser o tempo da troca entre os demônios e amigos imaginários da minha prima pelos meus. Os portais já estão abertos dentro da igreja, e tem criaturas e pessoas caminhando de um lado para o outro naquele grande salão. Eu é que não entro no meio dessa bagunça toda. Acho que vou usar esse tempo para dar uma passeada ao redor da igreja.

Começo a minha caminhada observando as flores e arbustos que crescem junto a parede da construção. Estou tão concentrada que nem vejo uma senhora sentada em um banco perto dos muros da igreja.

-       Oi, minha jovem. Nervosa para o seu casamento? - ela falou.

-       Oi? Oi! Perdão, não tinha te visto. Na verdade, sim, mas na realidade eu já estava esperando isso. Minha prima é esperta. Ela nunca iria se casar com aquele cara. 

-       Eu entendo. Já fui uma noiva também.

-       E como foi o seu casamento? - eu pergunto.

-       No final o casamento nem foi meu. Fiz igualzinho a sua prima. Eu nunca quis me casar. Meu sonho de criança sempre foi morar sozinha para sempre e ser fotógrafa - ela fez uma pausa, respirou fundo e continuou- Aí, antes do casamento começar eu conversei com uma velha amiga imaginária minha, que me lembrou desse sonho. Isso me incentivou a desistir daquilo tudo. Posso ter passado por dificuldades estando sozinha, mas pelo menos eu segui o meu coração.

-       Mas como você lida com os seus demônios? Você vai ficar com eles pelo resto da sua vida.

-       Não vejo problema em conviver com eles pelo resto da minha vida. Eles nos deixam mais fortes, de certa forma.

            Nossa! Eu nunca tinha ouvido falar de alguém que não tenha se casado. Fiquei tão animada com a ideia que fiz um monte de perguntas sobre a vida da mulher. Conversamos por uns 10 minutos antes de uma jovem que aparentava ter a minha idade chamar a mulher.

-       Tia, eu te procurei por todo o terreno. Por que você está aqui fora?

-       Desculpe, minha querida. Eu só queria tomar um ar.

-       Tudo bem, mas nós temos que ir. Nossos lugares não vão ficar reservados para sempre.

-       Você tem razão - e virando para mim, a mulher disse- Eu entendo o que você está sentindo. Não deixe que os outros tomem decisões difíceis como essa por você.

As duas saíram do jardim, mas aquela conversa ficou o que pareciam horas na minha cabeça. Será que eu deveria ir embora dali e viver sozinha, ou ficar e terminar o que minha prima começou. Muitos parentes vão cair na miséria se eu for embora agora, mas eu vou viver no inferno pelo resto da minha vida, sem contar que eu posso ajudar esses parentes mesmo não estando casada. Óbvio que não vai ser uma grande ajuda, mas se minha prima teve a chance dela de escolher, eu também quero ter a minha.

Quando os sinos da igreja tocaram anunciando a minha entrada, todos estavam nervosos, já que a noiva de verdade não tinha aparecido, então essa seria a última chance desse casamento acontecer. Pelo menos eu acho que eles estavam nervosos. Para ser sincera, eu nem estava lá. Eu já tinha entrado em um táxi. Eu não vou me casar com ele. Eu vou para casa continuar pintando o meu quadro, tomar um banho relaxante para desestressar e alimentar meus gatos. 

Conto escrito por
Alex D'água

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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