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Antologia Lendas Urbanas: E se forem reais? - 1x06: A Visagem Branca

Conto de Quilômetros-A-Pé
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Sinopse: Tem uma história que o papai e o vovó contavam quando éramos crianças. Era pra eu contar quando vocês eram crianças mas eu vou contar agora... Nós chamamos de “A Visagem Branca” porque... É uma mulher gorda. E grande. Muito grande. Cara, não sei mensurar... Quanto. Mas não, não é por isso que a gente chama... Assim.

1x06 - A Visagem Branca
de Quilômetros-A-Pé
  
 

Tem uma história bem louca que o papai e o vovô contavam quando éramos crianças. Era pra eu contar quando vocês eram crianças, mas eu vou contar agora porque não... Eu pensei que era uma brincadeira conjunta deles pra assustar a gente. Mas no fim... A história era assim... Não vou contar exatamente porque o tanto de vodka vagabunda com remédio pra dor que já tomei matou a maioria dos meus neurônios e com eles foram muitas das histórias que eu ouvia quando era criança. Na verdade, meus irmãos e eu – e os primos também... Aquelas tardes após os almoços de domingo, após as missas. Eu lembro... Principalmente quando dia santo caía dia de domingo (que utilidade tem de feriado cair no domingo?)... O ‘vô Oseas reunia a molecada e contava sempre as mesmas histórias. Eu tinha uma prima, a Telma (por algum motivo, a gente chamava de “Telmídea”, ela ficava puta, mas não lembro o motivo), que... Depois que ficamos velhos, quando a gente já reunia sem pais e avós por perto, ‘tá, sim... Depois que ficamos velhos, quando a gente já reunia sem pais e avós por perto, Telma contava as histórias de trás pra frente, o que fazia a gente rir bastante. Não, não só isso, ela contava com a mesma voz do ‘vô Oseas, isso quando não falava com a mesma voz do tio Claudemiro. Mas essa história que vou contar ela não contava. Ela não contava porque aconteceu com ela e aconteceu comigo. A gente ‘tava na mesma patotinha quando aconteceu, na verdade.

Claro que era uma história que o ‘vô e o pai do ‘vô e o pai contavam pro ‘vô e pro pai e assim vai desde... Pelo que a gente concluiu, nós, os filhos e primos – nós, os netos – concluímos que desde a época da libertação dos escravos, por ai. “Libertação”, sim, tu entendeste. Eles chamavam de... Nós chamamos de “A Visagem Branca” porque...

É uma mulher gorda. E grande. Muito grande. Cara, não sei mensurar... Quanto. Mas não, não é por isso que a gente chama... Assim. É porque ela é branca, não é branca. É BRANCA. Pálida. Transparente. A puta que pariu de branca. Mais branca que alguém morto. ‘Pera,, me dá uma dose aqui porque eu vou ter que tomar uma pra...

Ela sempre aparece com um vestido vermelho que vai até os pés descalços, ela anda descalça e, caralho, tu não vais acreditar. Os pés dela são enormes, cara, ENORMES. Parece pé de desenho animado de tão irreal que... Das formas desproporcionais que parece desenho animado e... Tem um desenhista aí que meu filho adora que desenha assim mesmo. E só se sabe que os olhos dela são verdes porque todo mundo pra quem ela levanta a cabeça pra olhar fala que os olhos dela são verdes. Aí.. Aí dá pra inferir que ela só olha pra quem vai morrer, não é à toa que o pai e o ‘vô e o pai e o ‘vô do pai e o ‘vô viveram pra contar a história.

É, sim, eu também, Telma também, tio Claudemiro também.

Ah. sim. Como a gente viu A Visagem Branca? A prima Neia foi casar, a gente foi fazer a festa da família daqui da família do pai dela. Fizeram o casamento lá na família do marido dela, lá pras bandas do... Paraná, lá pro sul do sul. Os pais dela foram pra lá, os ‘vôs dela, a gente, os sobrinhos, o escambau de gente. Ajudou marido dela ser médico da, não sei se é da Marinha ou da Aeronáutica e ela ser enfermeira do Exército. Não me pergunta de onde eles se conheceram. Sei que na festa do casamento dela aqui, que os pais dele, os avós dele, padrinhos dele, o caralho de gente veio e... Agora que começa a jericagem.

Quando a gente era criança, até quando a gente era adolescente, ensinaram a gente fazer canoa, a remar, a nadar, isso tudo. E... Tinha uma ilha que a gente ia e tal. Dificilmente a gente leva nossos filhos lá nessa ilha depois dessa...

Então que tivemos a GRANDE IDEIA de pegar as canoas e ir lá, né? Que problema teria? ‘Cabou a festa, ‘bora pegar as canoas e ir lá pra ilha, que mal teria? Sim. O.k. Eu admito. Não tinha quase ninguém sóbrio nessa...  E pegamos as canoas e remos e fomos. Tinha parente e amigo do marido da Neia, o Cleber (por alguma razão a gente chamava ele de “Carter”, não me pergunta o porquê) na parada e fomos lá e levamos tudo o que tinha de bebida que a gente podia levar. E a gente não contava que já tinha gente lá, não morando lá. Mas guardando droga lá e arma e o cacete. A gente fez tanto barulho que eles foram lá ver o que era. Mas claro, a gente pensou que ‘tava sozinho na ilha, quem ia se meter naquela ilha além da gente? E olha que a gente ‘tava mal indo lá. Não sei se a gente vai voltar lá um dia.

E os caras foram lá atrás da gente, e teve confusão. E eles iam levar a mulherada... Iam. Se não fosse A Visagem Branca aparecer.

E ela apareceu onde ‘tava escuro mesmo. E porque ela é branca, branca, branca, dava pra ver o contraste do escuro e como se ela tivesse iluminando. Iluminando mas sem estar iluminado e ainda estar escuro, saca? Atiraram nela e os tiros passaram por ela e a gente aproveitou pra correr pras canoas. Quando ela disse “PARE!” TODO MUNDO PAROU, PRATICAMENTE CAIU NO CHÃO. E ela não gritou, não falou alto, não... Não... Sabe aquela cena do Pica-Pau que ele coloca o sino na cabeça do cara e bate o sino? Quando ela falou “PARE!” foi assim mesmo com todo mundo lá e... Ela se aproximou de um cara, pegou ele pelo braço, foi um primo do marido do Carter... do Cleber, que viu e... O cara começou a gritar e ela levantou ele pelo braço e... Olhou pra ele dentro dos olhos, ela levantou a cabeça, ela usava, ela usa um chapéu de palha redondo, parece chapéu do Pavulagem, mas sem as faixas, e é chapéu de copa redonda, de fundo de cuia. E A Visagem Branca tem, ela tem cabelos vermelhos igual o vestido dela, ela é grandona e tal, mas o vestido dela não cobre os pés dela, saca?

O cara caiu duro no chão, doido. Duro. Ela olhou o cara nos olhos e o cara nem gritou, só caiu duro. Ela virou e bateu as mãos, as palmas das mãos e fez sinal pra gente levantar e ir embora. Não foi bem pra gente, foi pra mulherada que ‘tava com a gente lá levantar e ir embora. Mas era louco porque só a mulherada conseguiu ouvir batendo as palmas, a gente só via A Visagem Branca fazendo a ação de bater as palmas. Elas levantaram a gente dizendo que A Visagem Branca ‘tava mandando a gente ir embora e tals. E a gente foi, passou até o porre e a gente pegou as canoas e foi com tudo, a gente voltou com tudo, tirou força não sabe de onde e veio. Parece... Até... Que o caminho até as canoas tava mais iluminado. Era quase dia, mas não quer dizer que ‘tava iluminado como se fosse dia, foi como...

Como se fosse fácil de saber, como se... A gente já soubesse automaticamente como ir, por onde ir e não se perder e... Segundo... Uma prima nossa que tava com a gente disse, a gente deixou as canoas e os remos de qualquer jeito e quando a gente voltou lá de volta, ‘tava tudo arrumado pra gente só entrar nas canoas e ralar o peito de lá, mano. Era uns... Era uns dez minutos remando de ida e era mais de volta, por que a gente tava cansado, né? Mas dessa vez... Não sei, parece que a gente voltou mais rápido do que foi. Eu quero dizer que foi a adrenalina que fez a gente voltar mais rápido, é o que minha formação enquanto biólogo nuclear diz que aconteceu, a explicação racional. Mas... Minha... Ascendência de ribeirinho, minha criação de ribeirinho diz que foi A Visagem Branca que deu a força pra gente remar rápido pra voltar e...

Quando voltamos... Enfim ficamos esbaforidos, ‘távamos com o turbo desligado, saca? Tinha acabado o turbo, desculpa, eu não podia perder essa... Colocamos as canoas de volta e... A gente não tinha cara de um olhar pra cara pro outro e voltou. ‘Cês sabem como velho, é? Acorda com as galinhas, quando não acorda as galinhas e já ‘tava zanzando, zumbizando quando a gente chegou, e parecia fila de banco, fila de espera do hospital, os caras já ‘tavam tudo entrosado e... Só vocês sabem, vocês sabem como velho é, quando tem assunto em comum, JÁ ERA, é assunto pra acabar o mundo e eles ‘tão lá falando. A gente chegou e a tia pastora olhou pra gente de cima abaixo e soltou

– Que caras são essas já? Parece que viram A Visagem Branca.

Quem já era de lá ficou mó cara de bunda da Terra e... Quem não era, ficou “que porra é essa? Quem porra é ‘Visagem Branca’? Que porra é ‘Visagem Branca’?”

A gente explicou, fazendo mímica, Charlie Chaplin feelings, Imagem e Ação total o que era “A Visagem Branca”. Eles AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH, ‘TÁ. E um tio do... Cleber perguntou quem era, o que era. Pra quê, né? Passaram o resto do dia falando sobre, trocando história de visagem, de assombração, crrrrrrrrrrrrrrrr. E a gente ficou... “Papai, o que foi? Mamãe, o que foi?” E a gente com cara de bunda. E eu e os primos, os que fomos lá pra ilha, ficamos “Que porra, né qu’é verdade essa porra de ‘A Visagem Branca’?” “Né isso, rapá?” E toma cigarro em cima, e toma café em cima. E os Paraná, a gente chamava os caras de “Paraná” porque a família do... Cleber era de lá e... Só que os nordestinos amigos do... Cleber e da Neia, ficaram PUTOS dizendo que eram nordestinos, mas a gente nem aí. E os Paraná... E os nordestinos também... Dizendo que não tinham ido pra lá pra ver assombração. Seria muito engraçado se a gente não tivesse visto também. Pode ter certeza que seria.

O primo do Cart... Do Cleber que viu, que tava mais perto d’A Visagem Branca era o que ‘tava mais agoniado. Ficou tão agoniado que se matou depois. A gente... Não ficou provado que ele viu ou não nos olhos dela e se matou. O ‘vó e o pai disseram que só quem olhava dentro dos olhos dela morria e... Será que ele olhou pros olhos dela enquanto ela olhou pro cara? Um efeito retardado? Não sei. Não temos como saber. E... Sinceramente... Não quero e... Também não estou disposto a usar o método cientifico pra descobrir se foi assim mesmo que ele morreu. É... Vai quê...

Ah... A origem d’A Visagem Branca é que mataram uma mulher que fugiu do marido dela porque ela tinha engravidado de um escravo, aí ela entregou o filho dela pros espíritos da floresta e... Ela virou o espírito protetor de gente não-branca que se perde na floresta, de criança que se perde na floresta, de mulher que se perde na floresta. Tem história até... De mulher que ia ser... Pode falar “violentada”? Ou... Não, ‘tá, certo. Tem história de mulher que ia ser violentada na floresta e A Visagem Branca salvou ela de ser violentada e... Não é a única história disso, mas... É, pro pai, pro ‘vô, pra eu, pro tio Claudemiro, pra Neia, pra Telma, pros Paran... Pros nordestinos que ‘tavam com a gente lá na ilha vermos A Visagem Branca... Não, eu não sei a etnia das mulheres que ela salvou. Mas como ela é mulher branca, creio que ela não faça distinção de cor das mulheres que ela salva. Meio lógico, não?

Se eu soube que tem pesquisadores que foram atrás d’A Visagem Branca e não voltaram? Não, eu não sabia, de verdade. Paciência, né, cara? Os caras d’ Os Caçadores de Mitos foram e não voltaram? Pois é, né? Eu não sabia que... Bom, eles pediram, né? Ia ser mais fácil fazer uma pesquisa... Não conheço termos das Ciências Humanas, não conheço NADA de Ciências Humanas, pra dizer como ser faz coleta de relatos, mas acho que ia ser mais fácil do que ir lá atrás d’A Visagem Branca e...

Ah, sim, só isso? Pois é, é isso. Ainda tem café? ‘Tá, eu espero trazer mais.


Conto escrito por
Quilômetros-A-Pé

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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