O cemitério está lotado, como há muito não se via. Praticamente a cidade toda está ali, para a despedida de Odílio. Odilon está desolado, ao lado do prefeito Eurico Prates. Alfredinho se aproxima e coloca seu braço sobre os ombros de Odilon. Os funcionários do cemitério começam a jogar terra na cova, logo que o caixão é colocado no fundo dela. As pás passam de mãos em mãos. Odilon pega a pá e joga terra algumas vezes, mas numa crise de choro, a deixa cair. Antes que ele caia, Alfredinho o segura. Alguém aparece com uma cadeira, onde colocam Odilon sentado. Muitas pessoas choram.
Enquanto várias outras pessoas atiram terra sobre o caixão de Odílio, Eurico se posiciona num local, onde ele fica um pouco mais alto e começa a falar:
– Hoje é um dia muito triste para todos nós. Estamos enterrando não um filho natural de São Pedro da Cachoeira, mas a quem podemos considerar como um filho adotivo. Estamos nos despedindo de um homem que aprendeu a amar esta cidade e a todos os habitantes dela. Odílio é um exemplo de homem trabalhador, de um vencedor, de como uma pessoa pode ser bem sucedida trabalhando muito. Nós, que aprendemos a amar o Odílio, como se fosse alguém da nossa família, neste momento, precisamos abraçar e cuidar do Odilon. Ele vai precisar muito de nós todos. De mim, de você, de você, de você também – diz Eurico, apontando para as pessoas.
Eurico caminha até a cadeira onde Odilon está sentado. Ele se abaixa.
– Odilon.
Ele ergue a cabeça.
– Você pode contar com a gente, viu. Nós todos estamos com você.
Odilon apenas balança a cabeça, tendo os olhos vermelhos.
Enfim, a cova de Odílio está completamente coberta. Branca e Aurora, que também estão presentes, choram muito; ambas estão desoladas. Branca se vira para uma mulher que está ao seu lado e fala baixinho:
– E ele tinha se decrarado pra minha fia esses dias. Eu tinha certeza que eles iam se casar – diz Branca, sem conter o choro.
A mulher aperta a sua mão e lhe abraça. Depois Branca se vira para Aurora e abraça a filha. Ela acaricia o rosto triste da dela.
– Viu, fia. A mãe tá cocê, meu amor.
As pessoas começam a deixar o local. Odilon sai acompanhado pelo delegado Ferreira. No percurso até o portão do cemitério, várias pessoas o cumprimentam. Creuza se aproxima e o abraça, chorando muito.
– Odilon, perdoa meu filho, pelo amor de Deus.
Odilon não responde nada. Abraçado com Creuza, apenas mantém a sua cabeça sobre o ombro dela. Pereira, choroso, também chega até Odilon. Ele passa a mão na cabeça dele.
– Ô, Odilon. Eu num tenho nem palavras pra dizer o quanto que eu tô triste. Queria ter uma palavra pra te confortar. Me lembro do dia que ocêis dois chegaram aqui em São Pedro...
Pereira cai no choro e é abraçado por alguns amigos, que o retiram de lá. Ele chora muito.
– Ô, meu amigo. Coitado do meu amigo Odílio – chora Pereira, auxiliado pelos amigos.
Ferreira, Odilon e Creuza retomam a caminhada rumo ao portão do cemitério.
– Dona Creuza. Eu queria ter uma conversa em particular com o Odilon, se ele tiver em condições. Cê tá em condições, Odilon? – diz Ferreira.
Odilon balança levemente a cabeça, demonstrando estar em condições de conversar com Ferreira. Creuza dá um beijo no rosto de Odilon, pedindo-lhe para que perdoe o seu filho. Ela, enfim, se afasta e Odilon e Ferreira estão distantes de todos.
– Odilon, eu interroguei todos os rapazes. Todos disseram a mesma coisa. O Pedro disse que ouviu alguém gritar que tinha uma onça e, depois, ouviu dois tiros. Eu concordo com os rapazes: eu também acho que alguém tava caçando por ali e confundiu o seu irmão com a suçuarana no escuro e deu dois tiros. Não sei se essa pessoa vai aparecer, assumir, chegar na delegacia e dizer que fez isso, mas posso lhe afirmar com certeza: o Pedro não atirou por mal. Ele disse que atirou no impulso. E a merda é que ele tava bêbado.
– Eu sei, seu Ferreira. O Pedro é um rapaz muito bão – responde Odilon, diante da argumentação do delegado.
– Cê viu como a dona Creuza tá, né? Ela precisa do seu perdão, ainda mais que o que aconteceu foi uma trágica confusão. Depende de você ir lá na delegacia e registrar o ocorrido como acidente. Você quer fazer isso? – pergunta Ferreira.
Odilon balança positivamente a cabeça.
– Certo. Então eu vou liberar ele hoje mesmo. E faz o seguinte, conselho de amigo: conversa com ele, diz que perdoa ele por tudo que aconteceu, que você tem certeza que foi um acidente. Depois disso tudo, dele trabalhando bêbado, não sei nem se o Irineu vai querer continuar com o coitado lá na fazenda.
– Eu vô fazer isso, seu Ferreira. Conviver com uma morte nas costa já vai ser um peso muito grande pro Pedro – diz Odilon.
– Ô, Odilon, mas o que o seu irmão tava fazendo só de cueca na trilha naquela hora?
– Eu não sei, seu Ferreira. A gente bebeu junto no bar do Pereira e depois fomo pra casa. Nós dois tava bêbado. Eu peguei logo no sono. Tarvez ele tenha resorvido ir tomar banho na cachoeira.
– Mas naquele frio? – pergunta Ferreira, espantado.
– Sei lá. Ele pode ter bebido mais ainda em casa e, bêbado demais, saiu praquelas bandas, sem juízo, com a cabeça cheia de pinga.
– Certo, certo. Faz o seguinte: vai pra casa e tenta descansar um pouco. Daqui uns três dias eu apareço lá na sua casa pra gente conversar umas coisas, tá? Coisas minhas e do Odílio, que seria interessante a gente manter.
Odilon e Ferreira apertam as mãos. Ambos saem por lados opostos, já fora do cemitério. Odilon é interpelado por Eurico Prates, que lhe aperta a mão.
– Eu queria agradecer pela homenagem que o senhor fez pro meu irmão, seu Eurico.
– Que isso, meu filho. Odílio terminou sendo como um irmão pra mim, um grande amigo, amigo íntimo. E um genuíno cachoeirense.
Odilon sorri.
– Vamos deixar passar uns dias, daí você aparece lá na prefeitura pra gente conversar. Eu tinha umas coisas acertadas com o Odílio e acho que é bom acertar com você a partir de agora.
– Meu irmão era um homem de confiança, seu Eurico. Quarqué coisa que ele tenha combinado co senhor, eu assino embaixo. Tudo o que ocêis combinaram, continua da mesma forma – diz Odilon.
– Certo, certo. Mas aparece lá pra gente tomar um cafezinho.
– Eu num vô estabelecer uma data, mas apareço daqui uns dias. Brigado por tudo, seu Eurico.
Eurico entra em seu Fusca, liga o veículo e sai. Odilon vai caminhando pela calçada que beira o cemitério.
Tereza
direção
Carlos Mota
Cristina Ravela
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