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A Deusa Bandida: Capítulo 23

Novela de Carlos Mota
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A DEUSA BANDIDA - CAPÍTULO 23

— Me deixem! — resiste às investidas policiais, que tentam empurrá-lo para dentro da sala. — Eu não quero entrar!

É arrastado contra a vontade até uma cadeira, ao lado de uma mesa de madeira, no canto esquerdo da sala, para a alegria de Luara, que permanece exibindo uma face carente, triste, cheia de dor. Algemado, tem diante de si a garota, que o especula com os olhos grandes e atormentados.

— Eu sei de meus direitos, não preciso ficar aqui!!! — berra. — Me levem de volta para a cela!!!

— Cale a boca, vagabundo! — determina um dos oficiais, sorrindo, após lhe dar um tapa na cabeça. — Respeite a moça.

— Estamos de olho! — alerta o outro. — Se pensar em aprontar, a coisa pode ficar feia, sabe como é, de repente sua cela, por falta de espaço na delegacia, pode ser ocupada por mais dois ou três malandros e não teríamos como garantir a sua segurança — coça a barbicha. — Quem fode com uma mulher não é bem-visto pela bandidagem… E morrer, dependendo das condições em que estiver, pode ser uma dádiva, não um castigo, se é que entende. Senhorita — volta-se para a garota—, qualquer coisa, basta nos chamar! Acompanharemos tudo pelo vidro. E fique tranquila! Ele vai se portar bem, nossa conversa costuma dar resultados… — retiram-se, fechando a porta de ferro, em que há um visor à altura dos olhos.

— É assim que você trata quem te deseja tanto? — pergunta, dissimulada, com um sorriso desabrochando, ao vê-lo cabisbaixo, com hematomas por todo o corpo… — Não sabe o que tive de fazer para estar aqui.

— Certamente, mentiu, não é? — levanta a cabeça, evitando os olhos dela, que se mostram afoitos por encontrá-los. — O que quer comigo?

— Tudo! Só penso em você! Se pudesse, tiraria sua roupa aqui e o pegaria de jeito, mas tenho de manter o papel, ser a boa moça que a sociedade exige…

— Você é louca! — constata, irritadiço.

— POR VOCÊ!!! — completa, com uma desfaçatez surpreendente. — Sou louca por você e capaz dos maiores absurdos para tê-lo de novo em meus braços…

— Que conversa é essa? Estou enjaulado e logo serei levado para a Papuda, onde passarei grande parte de minha vida, após ser condenado por sequestro e ESTUPRO — dá uma risada de raiva, não se conformando. — Dá pra acreditar? Pode me acusar do que quiser, menos de tê-la obrigado a transar comigo… Isso nunca! Aliás, de onde tirou isso? — exige transtornado, não a encarando. — De onde tirou isso? Eu não fiz nada do que não quisesse; curtimos juntos, não se lembra? Foi uma coisa mágica, linda, arrebatadora, mas sabe- se lá o porquê, decidiu pôr um fim em tudo, inventando um monte de mentiras. Se quisesse acabar comigo, poderia ter dito que eu a estapeei, mantive em cárcere privado, não que a violentei… A lei da cela é pior que a da selva… Se me pegassem, eu poderia não estar tendo esta conversa contigo agora! Entende?

— Eu sinto muito!!! — lamenta, numa voz mole, frágil, de causar comoção em qualquer coração, pelo menos nos desavisados. — Não fiz por mal, é que tudo aconteceu tão de repente, quando percebi, já tinha sido traída pelos meus próprios sentimentos — lágrimas escorrem. — Na verdade, não sabia o que estava fazendo!

— Mais mentiras??? Pensa que cairei??? Nunca mais!!!

— Olhe para mim… — pede, observando a movimentação do lado de fora — … Olhe!

— Eu não quero! Vá-se embora! Já não basta o que fez?

— Eu… eu não fiz nada!!!

— Como não? Acabou comigo, veja meu corpo — levanta uma parte da camisa —, está cheia de machucados… Bateram em mim sem dó! E minha única culpa foi ter participado do sequestro de uma garota riquinha, mimada, cheia de frescuras…

— Não fale assim… eu… eu te quero…

— QUER O CARALHO!!! VOCÊ ME FODEU, VADIA!!! O QUE SERÁ DE MIM AGORA COM A PECHA DE ESTUPRADOR NA TESTA? RESPONDA? — exige com veemência; para sua sorte, os guardas tinham abandonado o posto para atender a uma ocorrência na recepção.

— O que é que está acontecendo, Sofia? Isso são gritos? Ele está desacatando minha filha? É isso mesmo? Pois vai ver com quem está se metendo. Não bastasse tê-la molestado, ainda tem a pachorra de ofendê-la??? — inquire o general, levantando-se do banco, numa saleta um pouco distante, sendo contido pela jovem, que tenta acalmá-lo.

— Seu Martim, esse barulho vem das celas…

— Não! O barulho está próximo!

— O senhor fique calmo, não há nada com que se preocupar, há policiais por todas as partes, além do mais, o cara está algemado. O que pode fazer nestas condições?

— É… tem razão! — o homem volta a se sentar.

“Luara tá mais louca do que imaginei… Se descobrirem o que ela realmente faz aqui, é bem capaz de terminar atrás das grades ou, na pior das hipóteses, no leito de um manicômio. A mina tá bem não!” — pensa a amiga, preocupada.

— Desde o momento que a vi — Álvaro abre o coração —, senti algo diferente, sei lá, que me deixou sem rumo, perdido no tempo, um perfeito idiota. Eu me apaixonei… Como fui tolo! E logo por uma patricinha, capaz das maiores loucuras em nome de uma vingança maldita, porque o que fez, foi se vingar. Pensa que não sei? Eu não armei esse crime; apenas participei. Se devo ser condenado? Claro! Mas não posso pagar por todos, cada um tem sua parcela de culpa. E compete à Justiça tomar as rédeas deste caso, não você… Sei que está com muito ódio, mas não invente coisas. Só toquei em você porque deixou! Sou bandido, mas tenho caráter, com mulher eu não fodo se ela não quiser — permanece fugindo dos olhos dela.

— Você foi meu primeiro homem… — arma o bote.

— Como? Primeiro homem? — zomba. — Quem disse? Você está de sacanagem, garota! Acha?

— Não estou mentindo! Você foi o primeiro e, se depender de mim, será o único.

— Hã! Cara, você fumou o quê? Seu primeiro…? Até parece! Você…

Ela põe a mão no queixo dele e levanta sua cabeça até encontrar seus olhos, para a agonia do rapaz, que reluta em um primeiro momento, mas acaba por ceder aos encantos daquela criatura diabólica, cujos poros extravasavam um perfume adocicado, perturbando-lhe o juízo. O corpo, arrepiado, pedia o dela com a mesma intensidade de quem precisa do ar para respirar e do alimento para se saciar. Por mais que negasse, a garota tinha as chaves de seu coração; bastasse um simples movimento dela para que ele esquecesse tudo e se entregasse aos seus braços, com a mesma alegria de quando a tocou pela primeira vez. Era o seu escravo e ela, a sua senhora, a quem devia obediência! Meu Deus! Como resistir àquele amor tão louco? Ele não sabia.

— EU TE AMO!!! — os olhos reluzem feito estrelas no céu. — E estou aqui por você! — Luara dá o bote.

— Nã-nã-não faça isso comigo… eu… eu…

— Eu te quero de novo… — toca os lábios dele com intenso desejo. — Você é meu, só meu, entendeu??? Só meu!!!

— Não faça isso, garota… Você… que droga!!! Saia daqui!!! — pede, desorientado, apesar das palavras denunciarem o contrário. — Você não pode brincar assim com os meus sentimentos…

— Quero que me leve ao céu de novo, entendeu? — sussurra-lhe aos ouvidos. — Quer que eu tire a roupa? — começa a abaixar a blusa até mostrar a alça do sutiã.

— Pare!!! Pare!!! Paaare!!! — implora. — Não faça isso!!!

— Sou louca! — dá uma risadinha. — E capaz de esquecer que estou numa delegacia, deixá-lo nu, e transar com você bem no meio desta sala… Sabe, desde o momento que o revi, e ainda mais com estas algemas, senti um tesão cruel, incontrolável; sou como fera, não me ofereça o sangue, que me lambuzo; não me dê carne fresca, que devoro; não me permita tocar, que me aposso…

— Eu… eu… eu… EU TE AMO! — confessa, não suportando mais. — EU TE AMO! EU TE AAAAMO!!! — era o que ela queria ouvir. — Me beije, me beije, dê-me aqui sua boca carnuda, quero-a só para mim! Venha!

Luara sorri com gosto, com o tolo caído aos seus pés.

— Dê-me sua boca, venha, menina minha, quero lhe sentir… — suplica, mas ela se afasta, de olho na porta.

— Tenha calma! Se nos virem, tudo estará acabado! O importante agora é que você recupere logo suas forças, porque em breve estará bem longe daqui…

— Hã??? Como assim? — estranha. — Só se for na Papuda…

— Virão te buscar.

— Quem? O patrão? Nunca! Ele me odeia, tudo por conta da cigana; acha que eu a quero…

— VOCÊ E A CIGANA??? COMO ASSIM??? VOCÊS…???

— perturba-se.

— Não, meu anjo, não tivemos nada, apesar de ela querer e muito! Mas meu coração sempre foi seu!

“Maldição! Eu tinha certeza! Nem imagina o que lhe aguarda, vagabunda dos infernos!” — pensa, demonstrando grande irritação. “Não queria estar na sua pele, vou tirá-la com os dentes, como se estivesse rasgando o couro de uma cascavel… Prepare-se!”

— O que foi? — pergunta o malandro, completamente seduzido, vendo-a enrubescida de cólera. — Já disse, não tivemos nada! Mas devo-lhe minha vida!

— COMO ASSIM?

— Se não fosse por ela, eu estaria morto. Não sei bem o que aconteceu, eu estava muito nervoso, mas ela conseguiu impedir que a arma disparasse…

— Estava sem bala, na certa!

— Aí que se engana, a mulher possui dons…

— Que tipo de dons?

— Não sei direito, pode até ser bruxaria, mas ela faz coisas que nunca havia visto, como falar dentro da nossa mente, alertar do perigo, e muitas outras coisas que não sei explicar.

“Ele invadiu o meu ser!” — confirma a suspeita. “E é mais perigosa do que eu imaginava. Que inferno! Vou ter de agir rápido!” — comenta consigo mesma.

— Prepare-se! Logo estará de volta à ativa… — desvia-se do assunto; está contrariada, apesar de não demonstrar.

— Como pode dizer estas coisas? Não responde.

— Você está brincando comigo? Por que faz isso?

— Você não me conhece…

— Realmente! E quando lhe perguntei, você não respondeu! Pois insisto, quem você é de verdade e por que está aqui?

Respira fundo, levanta a cabeça, ajeita o corpo, corre os dedos pelo cabelo e ao reencontrá-lo, responde, sem pestanejar, numa voz doce e firme, de quem está decidida:

— Sou DIANA e estou aqui por você. Quero-o ao meu lado, porque é nas ruas, cometendo os maiores crimes, que me vejo.

Ele não acredita, mas ela continua, sem deixar qualquer dúvida.

— Eu sempre desejei assaltar um banco, enganar um idoso, aplicar um grande golpe na praça, disparar uma arma, enfrentar a polícia de igual, e MATAR. MATAR SEM PIEDADE! — os olhos agigantam-se naquela face angelical, revelando todo o mal que há dentro de si. — E qual deve ser a sensação de se matar alguém? — um sorriso surge no rosto. — Não tenho a menor ideia, mas quero conhecer e você há de me ajudar! Ah, se há! Só em imaginar, sinto-me em êxtase.

— Cara, você… quem é Diana? Seu nome não é Luara? — está confuso.

— Luara nunca existiu, foi o disfarce que usei para esconder quem de fato sou: uma menina má, que ama um bandido, que adora violar a lei, que faria de tudo para estar nos braços de seu macho, que não perderá a oportunidade de tomar as ruas, como num arrastão, e delas sorver todo o desespero que encontrar pela frente… Isso me completa e me traz um sentimento intenso de felicidade.

— Você não sabe do que está dizendo… — está impressionado.

— Eu pagaria o que fosse para não fazer parte deste mundo!

— E eu pagaria o dobro para que você se mantivesse ao meu lado. 

O cara dá um sorriso acanhado.

— Você só pode estar de sacanagem. Ninguém, em sã consciência, há de desejar o crime, a não ser que tenha um parafuso a menos ou esteja em dificuldades, o que não parece ser o seu caso. Por acaso você está com uma escuta? Está armando pra cima de mim? Se quer saber algo sobre o patrão, o Português e sua trupe, posso lhe garantir, não sei de nada. Sei lá, tudo muito estranho! Nunca vi alguém montado na grana querer se destruir como faz você e sem motivo que o justifique.

— Você acha que estou a lhe armar uma arapuca?

— E o que mais? Eu só entrei nesta merda porque perdi minha mãe muito cedo, fui tratado que nem um cachorro por minha tia; não é uma vida fácil, estamos sempre na mira de um revólver, esquivando-se das balas, fugindo dos coxinhas ou das facções rivais, escondendo-se da sociedade, adotando nomes e documentos falsos. Não temos morada. Não temos família. Não temos ninguém! Não temos a nós mesmos! E é isso que quer para você?

— Já está decidido!

— Convença-me! Você era frágil – eu sei, eu a segui –, toda tristonha, contida, com poucos amigos; lembro-me de quando me aproximei, lá no cemitério, você sofria demais pela morte de sua avó; no Jardim Botânico, entregue aos pensamentos, viajava bela paisagem como alguém que procura um lugar para descansar; quando aquele moleque tentou abusar de você na boate, desesperou-se; ao se ver presa naquele quartinho da mansão, pediu ajuda… E, a partir daí, como por obra de um feitiço, mudou todas as peças do xadrez e passou a agir estranhamente, como se fosse outra pessoa. Eu mesmo não a reconheci quando me puxou para a cama; de início imaginei que procurasse uma forma de se libertar, mas aos poucos percebi que gostava daquilo, que me queria de verdade, porque tinha muita paixão no que dizia e, nossa química, na cama, era explosiva. E quando pensei em fugir, pediu para que eu ficasse, prometeu me ajudar e o que fez quando a polícia chegou? Entregou-me de bandeja. Fui espancado e só não morri porque Deus não deixou. Trazido para esta delegacia, o povo tentou me linchar, não bastasse, na cela tive uma convulsão, segundo o que me disseram, e tudo por quê? Por ousar acreditar em uma menina, que agora, à minha frente, deseja fazer parte do crime, do mesmo crime que me arrependo todos os dias de ter entrado. Ou você está me armando algo ou…

— … ou…? Complete!

— Quer se vingar de alguém! Não é possível que não dê valor no que tenha; se do nada surgisse um feiticeiro e me concedesse um desejo, voltaria no tempo e salvaria minha mãe, certamente eu estaria numa faculdade, assim como você, estudando muito, talvez casado, com filhos, não nas ruas, cometendo tantos crimes, com tantas mortes nas costas. Pense no que está fazendo, linda como é, terminará no topo da cadeia do crime ou debaixo da terra, com o corpo furado por balas. E uma vez dentro, não há saída!

— Você é o meu motivo, para estar ao seu lado, é preciso fazer parte do seu mundo e estou disposta a isso…

— Seja sincera, por que faz isso?

“Como é chato, meu Deus! Se eu lhe contasse a verdade…” — pensa. 

— TE AMO DEMAIS!

— VOCÊ ME AMA? — ele não se aguenta.

— DEMAIS! Como nunca amei outra pessoa! Quero ter muitos filhos seus — é persuasiva —; se pudesse, faria um agora mesmo!

— Você… você me arrepia, meu… Não brinque comigo! Já lhe pedi isso!

— Álvaro, se quiser, vou-me embora agora e nunca mais voltarei, basta pedir! — usa de toda sua sedução. — Sofrerei demais, tenha certeza, mas fazer o quê? Se está escrito, que seja lido pelo destino.

Ele se surpreende com a objetividade dela.

— Não! Eu não quero que suma de minha vida… Você trouxe luz onde só existia treva! Devolveu-me a vontade de viver! 

“Hã? Como? Nunca tinha ouvido algo parecido… Talvez não seja tão idiota assim…” — diz, em pensamentos, mexida com as palavras dele.

— Eu farei tudo o que pedir, mas não me deixe! — pede o apaixonado.

— Eu vou esperar por você. Não se perca no mundo sem me levar junto.

A porta se abre, interrompendo a conversa.

— Filha, oh, minha filha, o que este monstro está fazendo com você? — pergunta Martim, acompanhado de Sofia e de um agente. — Ouvi gritos. Foram daqui?

— Pai… que dor estou sentindo — cai em prantos. — Ele não se arrepende de nada que fez a mim. Como fui tola! Dei ouvido ao meu coração, pensando que ele fosse se desculpar; o senhor tinha razão, que o mandem à guilhotina. Não tenho mais pena!

— Ei… ei… o que você está falando aí??? — sente-se traído. — Eu… eu…

— Cale a boca, marginal! Aqui você não se cria, entendeu? — o oficial lhe dá um tapa na cara. — Se disser mais alguma coisa, lhe quebro os dentes.

— Você nunca mais vai tocar na minha filha. Antes, eu o mato! — ameaça.

— Ele disse que se pudesse, faria tudo de novo, pai! Que horror! Como pode existir gente desse tipo? Que pague por todos os seus erros… — pisca para Álvaro, ao perceber que ele a entregaria. — Que Deus tenha piedade desta alma!

— Vamos sair daqui, vamos, filha!

— Sim, pai, vamos! — um relance de olho bastou para encontrar a amiga, a quem abriu um sorrisinho cínico.

Algumas horas depois, no hospital…

— A vítima pediu para conversar com o sequestrador? Mas… mas… com qual intenção? — pergunta Enrico a Chiara, a delegada substituta, no auge da meia-idade, com os cabelos longos, lisos e castanhos adornando o corpo esguio.

— O general me disse que ela gostaria de lhe dizer algumas coisas; até tentei negar, mas me deu uma carteirada, dizendo que ligaria para o Secretário da Segurança Pública. Não tenho medo, mas não quero encrenca com esses poderosos, ainda mais num período turbulento como o que estamos vivendo, em que a Democracia parece carecer de sustentação — tenta se justificar. — Numa só canetada, eles podem acabar com nossas vidas! Infelizmente, manda quem pode, obedece quem tem juízo. E a corporação está cheia de exemplos! Oficiais que ousaram desafiar os maiorais, terminaram atrás de escrivaninhas, desmoralizados, arquivando documentos mofados em salinhas, no subsolo, onde ninguém se lembra de que existem. Não quero acabar assim, logo agora que minha aposentadoria está próxima… Tenho filhos e netos, genros e noras e prezo por eles.

— Isso não me assusta, prezo apenas pela Justiça…

— … que justiça, Enrico? Deixe de sonhar, vivemos tempos difíceis em que os pobres pagam para que os ricos curtam suas tardes à beira de piscinas olímpicas, em clubes de elite.

— Não posso me abater por isso…

— Logo vão te pegar, você já sabe, né? A Corregedoria abriu um processo para apurar sua conduta durante o tiroteio, estão procurando pelo em ovo, porque o querem distante, também enterrado em algum almoxarifado embolorado, arquivando documentos de 50 anos atrás.

— Não vou ceder, Chiara! Sou um policial!

— Também sou e daí?

— Vou continuar minhas investigações, algo me diz que há mais coisa por trás desta história de sequestro… Não sei! — Eufrásio lhe surge de repente. — Ué?

— O que foi?

— O motorista da casa… por um momento tive a impressão de que ele estava mentindo.

— Como assim? Que motorista? Do que você está falando, Enrico?

Ele não responde, regredindo os pensamentos ao dia em que interrogou o ex-funcionário dos Vaz.

— Então o senhor informou o lugar em que estaria dona Luara ao tal Solano?

— Sim! E o fiz pelos motivos alegados — confirma, desolado, com a cabeça abaixada.

— E como está seu filho?

— Filho? Que filho? — percebe a mancada, assim como Enrico, que cresce os olhos sobre ele. — Ah, sim, meu pequeno Rodriguinho, ele está mal… muito mal… segundo os médicos, está com os dias contados.

— Rodriguinho? — inquire, dando um sorrisinho de lado. — O senhor se esqueceu de como se chama o próprio filho? Há pouco me disse que era Tiquinho!

— É que… — dá um sorriso amarelo — … estou muito nervoso, nunca prestei depoimento em uma delegacia.

— Sempre há uma primeira vez para tudo! — responde, cada vez mais desconfiado. — O senhor se arrepende pelo que fez? — observa-o com desvelo.

Eufrásio está amedrontado e mal ouve a pergunta.

— Arrepende-se ou não? — é incisivo.

— Claro! A pobre garota não merecia o que lhe fizeram, apesar de…

— … de…? Complete, homem! O que está me escondendo?

— Não é nada, senhor! Não é nada!

— DIGA!!! — bate a mão na mesa, para o susto do motorista, que quase cai da cadeira. — O que me esconde??? Fale! Ou quer passar o resto de sua vida atrás das grades? — exagera de propósito.

— Tenho medo de dizer, doutor!!! Mas… mas… aquela garota… não presta!!! Ela é… é…

— É…? É o quê?

Martim chega com Leonor e Cleide e interrompe a conversa.

— Enrico? Ei! Estou aqui! No que está pensando? — pergunta Chiara, resgatando-o das lembranças.

— Como pude ter me esquecido? — não se conforma. — Diante das circunstâncias, pensei que ele estivesse inventando tudo aquilo para se safar, mas agora faz todo o sentido… Sim!

— Não consigo acompanhar seu raciocínio.

— Eufrásio montou toda aquela história de filho adoentado para encobertar uma trama ainda mais sórdida. E a visita desta garota ao sequestrador é apenas uma ponta solta, se eu a puxar, todos os podres virão à superfície, inclusive os reais motivos que a levaram de volta à presença do bandido.

— Quem é Eufrásio? Não entendo!

— O motorista da família. Preciso revê-lo.

— Como? Está com a perna imobilizada.

— Isso não me impede de cumprir com o meu dever.

— Você não vai me dizer que…

— Me ajude, pegue as muletas — aponta-as —, preciso regressar ao meu posto, estou com as ideias borbulhando, a visita desta garota não foi por acaso, nenhuma vítima, independente do motivo, iria à delegacia assim que deixasse o hospital, a não ser que… Como pude ser tão idiota, Chiara? Este sequestro foi uma armação.

— Com base em que diz isso? É uma acusação muito grave! Tem alguma prova?

— Ainda não, mais logo a terei.

— Olha, a família dela é muito poderosa… Quer brincar com fogo…?

— … E me chamuscar, se necessário! — completa.

— Tenha certeza do que pretende fazer, o tiro pode sair pela culatra, caso algo dê errado.

— Verdade! — está ansioso. — Preciso organizar as ideias, reunir possíveis provas, mas não há como negar, uma voz grita dentro de mim, dizendo que fomos enganados.

— Meu Deus! Agora virou Mãe Dináh?

— Não! Pai Enrico de Oxalá — dá uma risada. — E olhe que meu faro não falha… Se eu estiver certo, muita gente acabará na jaula. E não estou falando apenas dos miúdos, mas dos graúdos também. Brasília vai tremer, quer apostar? Agora vamos, me ajude, tenho de sair daqui já!

Longe dali, em frente à mansão dos Vaz…

LEONOR, CADÊ VOCÊ??? TAMOS AQUI SÓ PRA TE VER!!!

— Que baruuulho é esse, Cleeeide??? — interpela Leonor, atemorizada. — EEEEEEEEEEEEEEEEEEEITA!!! É ARRASTÃÃÃO!!! QUE HORROOOR!!! E LOGO NO LAGO

SUL!!! — diz, vendo pela janela uma multidão com faixas e cartazes às mãos, gritando por seu nome. — Vããão invadiiir!!! Pegue o baaalde com água fria!!! Aquiii eles não entram!!! 

VAMOS FALAR, VAMOS CANTAR,
CEILÂNDIA EXISTE PRA TE AMAR!!! 

— Dona Leonooor!!! Que Máximo!!! O povo veio lhe prestar solidariedade… Veja! Hã? — espanta-se. — Não pode ser, até o Zé Bigode está aqui! — assanha-se toda ao ver homem. — Uhuuu!!! Ei, sou eu, sua Cleidinha, mô!!! — abana com o guardanapo.

— Vou chamar a polícia e acabar logo com essa quizumba — anuncia Matilde, sendo imediatamente repreendida pela cozinheira.

— Que chamar polícia o quê! Todo mundo quer ver dona Leonor, ela é o símbolo-mor da capital deste país. Nem Collor, Itamar ou Fernando Henrique, muito menos Lula, Dilma ou Bolsonaro, o que o povo quer é aplaudir esta mulher, a quem consideram a mãe dos pobres.

— Pirou de vez! — diz Matilde, com o dedo indicador circulando a orelha.

— MÃÃÃE DOS POOOBRES??? EEEU??? Está de sacanagem, né, Cleeeide??? Eu odeio pooobre!!! — exaspera. — Hum! Parece maldição!!! Esta Ceilândia pegooou e grudooou. Sai pra lá, chulé!!!

— Como pode dizer isso, dona Leonor? Os pobres te amam… veja… veja… é gente a dar com pau!!! Venha comigo, a senhora precisa cumprimentar todo mundo — quer puxar a mulher para fora da casa.

— EEEEEU??? No meio desse bando de mendiiigos??? Tô fooora!!! Se bobear, querem é invadir a casa pra roubaaarem minhas pratariiias. Mato um, mas que daqui não sai uma bandeeeja, ah, isso não sai.

autor
Carlos Mota

com ilustrações de
Andrea Mota
 
elenco
Luara
Álvaro
Aurora
Diana
Martim Vaz
Leonor Moreira Vaz
Beatriz Vaz
Matilde
Cleide
Eufrásio
Sofia
Luizinho como Patrão e Camaleão
Egídio
Enrico
Português

trilha sonora
Immortal - Thomas Bergensen
 
produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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