O silêncio é sepulcral. Álvaro
vai até a porta, quer subir a escadaria, mas Luara o segura, está com muito
medo de perdê-lo, logo agora que a ele entregou sua pureza. O bandido insiste,
é preciso ver o que está acontecendo; ela resiste e, para convencê-lo, beija-o
de novo, atirando-se à cama, de onde o aguarda. Confuso, coça a cabeça, olha
para o lados, está angustiado, com um pressentimento ruim, como se a qualquer
momento alguém fosse invadir o lugar e prendê-lo. Ele sente. Mas ao olhar a
garota que o espera, o desejo, em sua forma mais letal, devolve-o aos braços
dela. Seria o seu último erro.
Muito longe dali, Aurora quer
alertá-lo do perigo que corre; com ele às suas vistas, suplica para que fuja,
ainda dá tempo, a polícia está chegando e ele pagará caro por não a ouvir.
— O que há? — pergunta a garota,
numa voz suave, quase inaudível, de quem prepara a presa para ser abatida. —
Você vai mesmo me deixar?
— Saia daí, Álvaro!!! Saia!!!
Saaaaia!!! Ainda dá tempo!!! Suba os degraus, passe pela varanda, pegue o carro
preto, ele está à calçada, basta acessá-lo para cair no mundo — sussurra-lhe a
cigana nos ouvidos, bastante aflita. — Vamos, me ouça!!! Por favor!!! Vamos!!!
— O que tem a mulher, patrão??? —
pergunta Egídio a Luizinho, que também está no banco da frente, enquanto dirige
em alta velocidade, vendo-a pelo retrovisor quase desfalecida, com as duas mãos
sobre as têmporas.
— Não é possível! Deve estar
fazendo outra de suas bruxarias. Inferno! — abre o porta-luvas, retira uma
pistola, abaixa o vidro e dá um disparo, cujo ruído, intenso, resgata-a com
violência do estado hipnótico. — Voltou? Acho melhor! Minha paciência está curta!
Com quem estava se comunicando? Ah, nem preciso perguntar, deve ser com aquele
pangaré… Eu devia ter acabado com ele quando tive a oportunidade.
— Oportunidade o senhor teve, mas
ela não deixou — relembra o capanga.
— Quer merda é essa? Você está
caidinha por ele? É isso mesmo? Custo-me a acreditar! A não ser que eu possa
ouvir de sua própria boca.
“Como corno gosta de se enganar” — pensa Egídio. — “Eu era assim… E por culpa daquele vagabundo, dei fim ao cara errado. Como pude ter sido tão bocó? Pior é que ele agora me tem nas mãos… Mas hei de arranjar um jeito de matá-lo! No momento certo, uma bala fará um buraco na nuca dele… Ah, se fará, e vê-lo esvaindo em sangue será o maior prazer que terei em vida.”
— Nossa Família não abandona os
seus — justifica a mulher.
— Não me diga! — ironiza, com um
sorriso diabólico nos cantos da boca. — Então estava disposta a morrer por ele?
É muito otária! A não ser que esteja mesmo…
— … complete a frase, Luiz,
vamos! Ao menos uma vez tenha iniciativa própria! — desafia.
— O que você está dizendo? Eu vou
te matar, sua infeliz! — aponta-lhe a arma. — Com quem pensa estar falando?
— Senhor, pare, estamos próximos
do aeródromo, onde o assessor do Senador está à nossa espera. Deixe esse acerto
de contas para depois, imagine chegar lá com mais um cadáver, o Português nos
esfolará vivos. Agora é hora de se concentrar na fuga.
— E tem ainda aquele maldito
Português — abaixa a arma. — Você tem razão! O cara é doido, virá pra cima como
um leão faminto, e desta vez não nos perdoará, entendeu, “coisinha fofa”? Vai
querer a minha e a sua cabeça, como prometido — ajeita a roupa. — Vá se
preparando, meu cão de guarda avariado, daqui a pouco tomaremos um drink com o
capeta; nem seu poder será capaz de impedir tal feito. Nem seu poder!
— Com ele me acerto! — responde a
mulher, retraída.
— Como? Levantará as mãos para
ele? Coitada! É bem capaz dele cortá-las com um só golpe de facão. Tome tento
e, se quiser mesmo safar sua pele, entregue-lhe o que tem de mais suculento, se
é que me entende, putinha… — dá uma gargalhada.
Enquanto isso, na mansão dos Vaz…
— Eeeeita!!!! A rua tá cheia, tem
policiais pra todo gosto, até parece a Sol Nascente, mas aqui, diferentemente
de lá, não tem um Zangado, com arma em punho, para expulsá-los — diz a
cozinheira, à sacada do quarto da patroa, procurando o melhor ângulo para a
live.
— SOCOOOORRO!!! — berra Leonor,
não reconhecendo a sombra da empregada próxima à porta de vidro. — SOCOOORRO!!!
Vou desmaiaaar!!!
— Calma, Dona Leonor, sou eu, a Cleide… — corre acudi-la.
— O que está acontecendo? —
pergunta o general, vindo em sua direção, com Matilde às costas.
— Teeem um raaato aquiii!!!!
— Ra-rato? Que história é essa?
Sou eu, dona Leonor? Até parece que não me conhece! Aff! Ratos? Se fosse em
Ceilândia, até poderia, porque lá tem uns bem gordões, do tamanho de gatos, que
nos dias de chuva, invadem os barracos e acabam no forno, bem torradinhos… Ah,
há até quem diga que eles têm o gosto da maminha com aquela gordurinha,
acredita?
— Eles comem rato? — horroriza-se
a governanta. — Não é possível! — ameaça vomitar.
— E qual o problema? Oh povo
cheio de nove-horas! Se tem gente que come calango, preá, o que tem de mais
comer um ratinho rechonchudo no espeto?
— CHEEEGA!!! — ordena Leonor. —
QUANTA LOUCUUURA!!!
— Isso é verdade! — concorda a
empregada. — Comer calango e preá não é coisa de Deus! — faz o sinal da cruz.
— E o que faz na varaaanda de
minha caaasa? Não percebeeeu o tiroteeeio? Se cair daí, não vou lhe
indenizaaar, entendeu? Hum! Pobre é tudo iguaaal! Não pode ouvir um tiro para
ficar tooodo saliente! Geeente de pouco esmeeero!
— Es… es… o quê??? E isso mata???
— Oh, minha fiiilha, é bom você
ficar na suuua, hoje não tô boooa!
— Saia já daqui, Cleide! — ordena
Matilde. — Não percebe que nós estamos vivendo um momento delicado?
— Nós? Nós… quem? Que eu saiba,
nem da família você é, né, não, dona Leonor?
— Com certeeeza! Caiam fora as
duas, antes que eu as expuuulse a vassouradas. Hum! Essa gentinha me estressa!
Em outra encarnação só contratareeei funcionários machos, daqueles bem
musculosos, com o peito estufado, boca carnuda, ui — dá um arrepio —, de preferência,
que sejam mudos! Fora daqui, suas “metralhas”!
— Ei, como assim? Está me
chamando de quê? Isso é o cúmulo!
— protesta a governanta, sendo
acalmada pelo general. — Isso não pode, seu Martim, é dano moral, na certa.
— Como ela é cuuulta… — debocha a mulher — … e o que lhe deu tanto conhecimento? Uma casa pra faxinaaar? Um banheiro pra lavaaar??? Ah, me esqueci, um chão pra limpaaar… — cospe. — Agora liiimpe, sua atrevida! Faça seu trabalho com esmero!
— Eu vou bater nesta cobra… —
Martim a segura, limpando com os pés a sujeira da mulher. — Acalme-se, Matilde,
ela é lelé da cuca, lembra-se? Delete tudo o que ela diz!
— Não quero ser enxerida, dona
Leonor, mas já sendo, eu não deixava barato, tão chamando a senhora de “poucas
porcas”, “parafuso frouxo”, “zuretinha da silva”…
— Pare de instigar, Cleide, senão
a demito! — ameaça o patriarca.
— Tem problema não, seu Martim,
dona Leonor me readmite e com novo aumento de salário, né, não chefa? —
desaforada, abre um largo sorriso e pisca os olhos.
— E por que eu fariiia isso???
Cada um com seus probleeemas, minha fiiilha???
— Não acredito que a senhora iria
fazer isso comigo, logo a senhora, a quem o Datena quer entrevistar.
— DA-DATENA??? ONDE???? —
interessa-se.
— Lá vem ela com outro golpe, seu
Martim! A mulher é mesmo uma ratazana — comenta a governanta.
— A senhora acredita que consegui
transmitir parte do tiroteio de meu celularzinho de quinta? Sabe, tô precisando
de um novo, se a senhora puder colaborar… — finge emocionar-se.
— … tá, tá, depois te dou um
novo, agora termiiine, o que teeem o Datena?
— Não precisava, mas já que a
senhora insiste — limpa as lágrimas fajutas com as pontas do avental —, pois o
Datena viu o vídeo e o retransmitiu na tevê, acredita? O povo de Ceilândia foi
ao delírio. O Mirtão, um chegado meu de birita, até encontrou em contato, com
aquela voz aveludada, mas boba que não sou, percebi logo o que ele queria…
— E o que ele queriiia, conte-me,
logo?
— O Mirtão?
— Não, minha fiiilha, o Datena!!!
— Ah, sim, quer uma entrevista,
nunca viu produção de tão alto nível… Pois bem, a senhora estará na tela da
tevê e eu ao seu lado, como uma boa assessora.
— Mas… mas… por que ele quer
falar comiiigo, se foi você quem gravou tuuudo?
— Porque o meu celular pifou bem no começo, então peguei o da senhora — entrega-lhe o aparelho.
— O QUÊÊÊ??? E DESDE QUANDO EU A
AUTORIZEI A BOTAR ESTAS MÃOS FEDENDO A CEBOLA EM MINHAS COISAS?
— Ainda se ela cozinhasse… —
provoca a governanta.
— Cale a boca aí, cri-a-da, a
conversa ainda está no chiqueeeiro… ops, quer dizer, ainda não chegou — dá um
sorrisinho sem graça.
— Com certeza! — rebate, para a
incredulidade do general, que assiste a tudo sem se manifestar.
— Foi sem querer, mas eu
precisava terminar a gravação, tanto que deu certo, amanhã à tarde, quem será a
entrevistada do Brasil Urgente será a senhora, e com todo mérito.
— BRA-BRASIIIL URGEEENTE,
E-EUUU???
— Sim! E é bom avisar as amigas
invejosas, são poucos os que conseguem esta façanha.
— OH, CLEEEIDE, NÃO PODIA TER
SIDO O JORNAL DA GLOOOBO??? ALÉM DE UMA AUDIÊÊÊNCIA MAIS QUALIFICAAADA, ADORO A
RENATA LO PRETE.
— Foi o que deu para arranjar,
mas se a senhora quiser desmarcar…
— NUUUNCA!!! Aparecer na tevê não
é para qualquer uma… Ai, como está minha pele? — olha-se para o espelho. —
Creeedo! Pegue o esfoliante, a coisa tá braaaba. Quero que me vejam
impecááável. E para vestir — pensa um pouco —, já sei, cadê aquele Versace que trouxe
de minha úúúltima viagem a Roma? Onde está?
— Saia imediatamente desta casa,
Cleide! — determina o homem, impressionado com a esperteza da cozinheira.
— QUÊÊÊ??? Cleeeide fica!!! E
terá um novo aumeeento, porque nesta casa, é a única que pensa em mim.
— Ela vai embora sim! — resiste.
— Pode deixar, dona Leonor, não
quero criar uma desavença entre vocês… — simula um choro. — Aquele barraco, com
o telhado todo furado, o vaso do banheiro quase despencando e a pia que não
para de pingar me espera. Esta é a sina de quem mora numa favela. À noite,
vultos passam por minha porta, são traficantes, com fuzis às mãos, prestes a
fazer maldades com suas vítimas e, eu, sozinha — as lágrimas escorrem —, nada
posso fazer para ajudar elas… Sniff! Se ainda tivesse uma dona Leonor lá!
— Sai de retro, Satanás! Não vamos exageraaar!!! Dar-lhe guariiida é uma coisa, defender a pobretada da bandidagem é oooutra.
— Eu a quero fora desta casa,
Leonor! Agora! — reafirma o general.
— Que saaaaia você, meu fiiilho!
Tô cheia de homem de pouco hormônio! E se insistiiir nessa palhaçada, meto-lhe
o chifre em três tempos, entendeu?
— Eu estou mandando! — o homem
deixa a passividade característica de lado e a desafia.
— O QUÊÊÊ??? GRITAAAANDO COMIGO, MELANCIIIA??? NÃO!!! NÃÃÃO!!! NÃO PODE SER!!! UI, VOU DESMAIAR!!! — finge, caindo sobre os braços dele.
— Leonor, ei… Alguém me ajude!
— Acalme-se, seu Martim, vou
ajudá-lo — responde Matilde, de olho em Cleide, que sorri, ao perceber a
piscadela da patroa.
— Ela vai morrer, Matilde!
Coitada! Depois de tudo que passou? Não! — abana a esposa com um lenço retirado
do bolso. — Leonor, Leonor, deixe para lá, Cleide fica.
E assim a mulher recobra os
sentidos, milagrosamente.
— Hã…? Queeem? Onde estooou?
Vo-você é São Pedro??? Tá meio acabado, mas faz parte, muito serviiiço, né ,
meu filho???
— Que São Pedro o quê? Sou eu,
Martim, seu esposo.
— Você também morreu, Melanciiia?
— finge uma fraqueza de causar dó.
— Ninguém morreu aqui. Cleide
fica, se é isso que deseja — coloca-a na cama.
— Beleeeza!!! — comemora a
futriqueira, fazendo-lhe um joinha.
— Uuufa!!! Dessa vez foi por
pooouco! — diz à empregada, assim que o marido e a governanta se retiram.
— Como o senhor aguenta, seu
Martim? — pergunta Matilde.
— Pela culpa que carrego pela
morte dos trigêmeos…
— Mas… mas… foi uma fatalidade! O
senhor não tem o porquê de se culpar.
— Naquele dia, alguma coisa incomodava Leonor para que ficássemos em casa, não sei explicar bem o que era, talvez essas coisas que só as mães sentem, mas eu a convenci para que fôssemos, estava tão eufórico, que nada mudaria minha opinião. Deu no que deu! Certamente hoje eu estaria com muitos netos correndo pela casa… Agora não tenho ninguém, nem mesmo Luara!!! Por falar em Luara, onde estará esta menina??? Quando os bandidos souberem que não consegui o dinheiro do resgate, também a mandarão para longe de mim. Não aguento mais tanta dor — leva a mão ao coração.
A imprensa chega à mansão de
Luizinho e transmite, na íntegra, a invasão policial.
— O que aconteceu aqui? —
assusta-se um dos agentes. — Parece que jogaram uma bomba atômica. Está tudo
destruído! Só vendo para crer!
— Aqui está o delegado!!! — grita
outro soldado. — Chame os paramédicos. Ele está ferido, sangrando muito. Vamos,
homens, corram, o caso é sério.
— Vão… vão… a-a-achem a
ga-garota, ela es-está aqui!!!EEEu sei!!! — diz Enrico, antes de perder a
consciência.
Com escudos e alinhados em dois
grupos, avançam pela casa, desta vez, devidamente precavidos. Parte da força
sobe ao segundo andar, enquanto a outra, em menor número, desce à lavanderia,
onde encontram as caixas que armazenavam o arsenal. Regressam ao piso superior,
encontrando-se com os homens que vinham do andar de cima.
— Tudo limpo! Não há ninguém!
Falta o fundo! Vamos lá!
— Ouça, eles estão vindo… —
desespera-se Álvaro, com o fuzil nas mãos. — Eu deveria ter ido embora… Agora
vou voltar para a cadeia, se permanecer vivo!
— Tenha calma, quando eles
chegarem, direi que me defendeu com toda a bravura; de vilão a mocinho, assim
será tratado — os olhos dela dizem o contrário. — Segure em mim e levante a
arma.
— Mas, mas não estou entendendo,
eles vão pensar que…
— Eu lhes direi a verdade, você
só queria me proteger.
Os policiais, em fila indiana,
com escudos e pistolas às mãos, caminham, preparados para reagirem a qualquer
ofensiva. Pelas frestas da janela, um deles sinaliza que a garota está no
quartinho, sob a mira do bandido. É hora de agir com cautela, qualquer falha,
perdê-la-iam para sempre.
— Venham comigo! — pede o
comandante, rumo à escadaria. E lá, de degrau em degrau, posicionam-se,
próximos à porta, que está entreaberta, prontos para uma reação imediata.
— Lá está a garota… — alerta um
dos soldados, após avistar, de relance, a silhueta de Luara. — E só há mesmo um
meliante.
— Estão cada vez mais pertos e em
grande número — treme Álvaro, ouvindo os passos. — E agora? O que será de mim?
— Tenha calma, hei de protegê-lo.
— Como fará isso?
— Dizendo que é o príncipe que me
retirou da escuridão em que vivia…
Álvaro não parece se dar conta do
risco que está correndo; enfeitiçado pelas palavras da garota, tenta acalmar o
coração, que palpita acelerado, despertando o suor, que molha os cabelos,
mancha a fronte e desce pela lateral, até marcar a camiseta.
— Eles vão me matar… vão! Estou
sentindo! A cigana tentou me avisar quando esteve aqui, e eu não lhe dei
ouvidos…
— Cigana? Como assim? — estranha
a filha dos Vaz. — Ninguém mais esteve aqui além de nós.
— Ela esteve e me alertou para o
pior, mas… mas…
“Além de louca é macumbeira? Que
criatura horrorosa!” — pensa Luara, enchendo-se de ódio.
— Vou morrer! — desespera-se.
— E por que ela viria ao seu
socorro? Por acaso…
— Não! Não, minha gatinha
selvagem, ela… eu… nunca!
— Então por quê?
— Não sei! Talvez porque me ame,
acho!
— AMA??? — explode de ciúme. —
COMO ASSIM???
— Mas nunca tivemos nada!
Acalme-se! — pede o rapaz, estranhando a reação dela.
— ESTOU CALMA!!! — levanta a voz,
em gestos agressivos, para a surpresa do rapaz, que tenta contê-la, antes que a
polícia invada de vez o local e imagine que a vida dela corra mesmo perigo.
— Pare! Pare! Eles vão invadir!
— Você não devia ter brincado
comigo, seu… seu… VAGABUNDO! Agora pagará um alto preço por isso!
— O que você pretende fazer? —
assusta-se.
— Você verá!!! — prende-se ao corpo dele com força e passa a gritar.
— SOCOOOOOOORRO!!! SOCOOOOORRO!!! ELE QUER ME MATAR!!! SOCOOOORRRO!!! ME AJUDEM!!!
— Ele está com a moça rente ao
corpo, com o fuzil apontado para ela — comunica um dos oficiais pelo rádio, ao
comandante da operação. — O que faremos, senhor?
De volta à casa da Família Vaz…
— Veja, dona Leonor, a cobra tá
fumando!!! — alerta Cleide, na sacada, de onde continuava a transmitir a live.
— Que horrooor!!! — aproxima-se
do guarda-corpo. — O que será que está aconteceeendo naquela casa??? Ui, dá até
um frioziiinho na espinha.
— E se Luara estiver lá? —
provoca a fofoqueira, para o aflição da mulher, que perde a consciência e só
não despenca, porque ela a segura.
— Dona Leonor… ei… acorde!!! A
senhora é magra, mas os ossos pesam; não consigo aguentar por muito tempo. Seu
Martim, acuda!
— Leonor… — grita o homem,
entrando no aposento, ao vê-la presa pelos braços da empregada. — Meus Deus!
Não, não! Espere! Estou indo!
— Corre, seu Martim, não vou
aguentar por muito tempo.
Consegue ser resgatada. Colocada
à cama pelo marido, ela volta a si, dizendo:
— Lu-Lu-Luaaara…
— Nossa filha? Onde, mulher?
— Naquela casa…
No andar debaixo, Matilde liga a
tevê, que transmite tudo ao vivo, com a seguinte legenda:
“Bandido armado com fuzil mantém
filha dos Vaz sob a mira… O desfecho de um sequestro que movimentou a Capital
do Brasil”
— NÃÃÃÃOOO!!! — segura-se nos
móveis. No cativeiro…
— Pare de gritar, por favor, eles
vão acreditar!
Os homens, mobilizados,
preparam-se para invadir o local.
— Alvo na mira, senhor! — diz um
dos soldados, com o cano da arma ajustado à fresta da janela. — Basta ordenar!
Dano colateral quase nulo!
— Atire! — vem a ordem.
A bala sai do cano, atinge de
raspão o braço de Álvaro, que solta o fuzil; ao bater no chão, a arma dispara,
como se fosse um revide. Lançada ao chão, Luara simula uma intensa fraqueza.
— Nossa filhiiinha, Martim!!! Eu
estou sentindo a mesma coisa daquele dia… — chora a mulher, na mansão dos Vaz,
relembrando-se dos trigêmeos. — Não posso perdê-la também!!!
— Matilde desmaiou! — grita Cleide ao encontrá-los. — Está em tudo que é canal, é mesmo Luara quem está lá — depois de dar a notícia, retorna à cozinha, para socorrer a governanta.
— Nãããão!!! Ela nããão!!! — Martim
a abraça com força, chorando muito.
— Vamos perder mais um
filhiiinho??? Vamos??? Não podemos!!!
Eu não vou aguentaaar!!!
A polícia invade o local, rende o
bandido, que tenta se esquivar, mas não consegue, terminando algemado.
— Dona Luara, dona Luara… Como a
senhora está?
— Hã? Onde estou? Quem são vocês?
— Somos da polícia, senhora, e
viemos aqui para libertá-la
— responde o policial,
impressionado com a sua beleza, apesar de machucada e bem abatida.
— Diga a verdade, Luara, diga, eu
não tive culpa; eu a defendi o quanto pôde — grita Álvaro. — Me ajude, pequena,
por favor!
— Cale a boca, malandro! — o
comandante acerta-lhe um soco no rosto.
— Diga a verdade… por favor! —
implora, enquanto o sangue escorre pelo nariz, encontra a boca e marca os
dentes grandes e bem- feitos. — Fale a verdade!
— A senhorita está solta, logo
estará em casa — diz, levantando-a.
— Fale, por favor, não me deixe!
Diga que a verdade! — clama Álvaro, fora de si.
— Prendam este homem, além de me
sequestrar, ele… ele… me espancou. Vejam como deixou meu rosto! — responde, com
um misto de prazer e ódio no olhar. — E não foi só isso…
— Isso não é verdade!!! — o
bandido entra em surto. — Não! Ela está mentindo!!!
— E o que mais ele fez?
— Ele… ele… — simula um choro de
amolecer qualquer coração
— … tenho até vergonha de dizer…
— Pois diga, senhorita, não tenha
medo, estamos aqui para ajudá-la!
— Ele… ele…
— Ele o quê? — exige o
comandante.
— ELE ME VIOLENTOU!!! — cobre o
rosto com as mãos.
— Não! Nãão!! Nãããão!!! Isso não é verdade!!! — a reação é violenta; para contê-lo são necessários cinco policiais. — Pare, pare, por favor, não diga isso, não é verdade, Luara… Por que está fazendo isso comigo? Por quê? Por quê? Por que machuca tanto quem te ama??? Por quê??? Por quê????????????
Ela é carregada no colo enquanto
Álvaro é espancado pelos policiais, que longe das lentes das câmeras e à margem
da lei, agem como justiceiros.
Longe dali…
Aurora, nos fundos da aeronave, com a cabeça encostada à janela, chora, com a imagem de Álvaro sofrendo… A caixa de Pandora, enfim se abrira, para o temor da Humanidade, que reviveria suas piores desgraças. Guerras, mortes, doenças do corpo e da alma, discórdia em família, desespero… o mundo reduzido a pó. E seria questão de tempo para que Luara, instigada pela vingança, pelo prazer, pela vontade de dominar e de MATAR assumisse definitivamente a forma de Diana, a predadora voraz, que às ruas sairia, em busca da adrenalina que lhe aliviaria a dor que se avulta da gigantesca cratera que leva no peito. Restava a esperança, o único dom que estava guardado dentro da caixa, mas ela teria força para pará-la antes que o mal fizesse morada no coração dos homens? Somente o tempo dirá!
com ilustrações de
Andrea Mota
trilha sonora
REALIZAÇÃO

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