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A Deusa Bandida: Capítulo 17

Novela de Carlos Mota
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A DEUSA BANDIDA - CAPÍTULO 17

Álvaro não reage à provocação da garota e se mantém inerte, diante dela, com o fuzil em riste.

— Veeenha, quero você, seja meu homem; venha, venha, beba de minha essência, prove de minha carne, vagabundo… Vamos, desfaça esses nós, arranque tudo, que serei sua, somente sua!!!

Não a reconhecia, como se à sua frente estivesse uma usurpadora, incrivelmente letal, que por motivo ainda desconhecido, quisesse enterrar a imagem daquela frágil menina, que chorou a perda da avó como quem perde a própria vida; que enfrentou a sanha de Nicholas como um bichinho indefeso, ou que, em seus braços, em uma daquelas crises emocionais, quase o abandonou para sempre.

E como aquela criatura adocicada, de olhar meigo, feição hipnótica, pose distinta e quase mítica, pôde ter concedido passagem a esta outra, cuja vulgaridade – suscitada da enorme cratera que se abrira em seu espírito – revelava-se forte, pelo vocabulário mundano, sorriso pouco atraente, alegria fingida?

Aquela não era a deusa que há muito cultuava; talvez o tivesse sido em algum momento, não agora. E isso o machucava profundamente! Queria-a de volta, do jeito como a conheceu, cuja tez, reluzente, espelhava o paraíso, porque era nela que avistava o caminho da redenção. E isso era possível? Não se sabia, mas era no colo dela que se imaginava, sendo agraciado por seus beijos, tocado por suas lindas mãos, como se a vida, a mesma que lhe roubou a mãe e o expulsou do caminho dos bem-aventurados, desse-lhe outra chance de ser feliz! Era um sonhador!

— Venha, cara, não tá a fim? Sei não, deve não ser chegado à fruta, como desconfiei; com aquele jeito todo delicado, agora entendi tudo, curte outra parada, não é? — muda de estratégia. — Por favor, me solte, meu corpo dói, preciso andar um pouco! Por favor, meu lindo!

Visivelmente apaixonado, Álvaro não resiste; com o fuzil apoiado à parede, desamarra-a com a mesma delicadeza de quem toca uma rosa e dela extrai o perfume.

— Quem fez isso? — aponta-lhe o rosto.

— … a cigana… — cobre as marcas com as mãos, levantando-se.

— E por quê? — não compreende.

— Porque ela… ela… ah, vai se foder, não é da sua conta… — ofende-o, ainda que uma lasca de seu coração se desprenda ao encontrar os olhos apaixonantes do bandido. — Por que me encara assim? PÔ, TÔ DE SACO CHEIO, VAI QUEREEER OU NÃO VAI? — contorna o corpo. — O PRODUTO É DE QUALIDADE!!! — está de olho na arma. — Responda!!! Não vai? Que me mate então, estou cheia desta vida cretina… VAMOS, ATIRE JÁ E ME MANDE PARA BEM LONGE DAQUI; JÁ ME TIRARAM TUDO MESMO!

— QUEM É VOCÊ? — pergunta, confuso, após dar um passo em sua direção.

— Quem sou eu? — irrita-se, cada vez mais perto da arma. — Eu… eu… eu sou… Vá à merda, cara! — explode.

— Quem é você, menina linda? — insiste, pegando-a pelo braço.

— QUEM É VOCÊ? — está tão envolvido que não percebe o perigo que está correndo.

— Eu… eu… sou… me deixe! Me deixe!

Álvaro parece vasculhá-la em busca de uma outra criatura que se perdeu nos próprios medos.

— PARE DE ME OLHAR ASSIM!!! QUEM PENSA QUE

É??? — irritada, o empurra; com a astúcia de uma raposa, saca do fuzil e o aponta para o rapaz, que dá um salto para trás.

— Largue essa arma, você não sabe do que ela é capaz, vá, deixe disso, eu não quero machucá-la…

— É mesmo? — sorri, com deboche, apesar das lágrimas lhe correrem as pálpebras. — Veio aqui para me matar, pensa que não sei? Como é idiota! Quando não pagam o resgate, a vítima é esfolada viva e seus restos entregue aos animais. Comigo seria diferente? Óbvio que não! Posso ser magricela, de causar pena, mas de burrice não sofro! Ninguém vai pôr as mãos em mim; e ainda que consiga, será depois de muita luta. Entendeu? — aponta-lhe.

— Cadê o vagabundo??? Ainda não deu conta da pirralha??? É muito burro mesmo!!! — brada Luizinho, no andar de cima, irritado com a sua demora.

— Devem estar de sacanagem! — provoca Egídio, acompanhando os movimentos de Aurora, que enciumada, não encontra paradeiro.

— Será? O bicho é parado demais; se tivesse o meu gene, certamente tiraria uns proveitos, como eu fiz com a cigana, em nosso primeiro encontro, porque se não sabe, maluco, antes de eu ter esta mulher como sombra, devorei-a com o apetite de um animal e, só depois de me lambuzar, saciado até o último gemido, é que lhe concedi o direito de ser a minha companhia. Sou “quente”, caralho, entende o que é isso? Se Aurora fosse frígida, por mais que tenha me resguardado, teria o mesmo destino de Joana Darc¹ — humilha-a, enquanto coça a ponta do nariz com o cano do fuzil.

— Você é repugnante, meu querido! — declara, enojada. — Como pode falar uma coisa dessas? Então sou sua puta?

— É bem por aí… — pisa, com um sorriso demoníaco rasgando a face.

Egídio cai na risada, para a ira da mulher, que o ameaça:

— Se eu fosse você, engoliria este riso agora, porque sua boca,

como num passe de mágica — movimenta os dedos com agilidade, para o assombro do bandido, que se retrai —, poderia ser invadida por filhotes de serpentes, que o rasgariam da garganta ao estômago. Como seria triste vê-lo caído, contorcendo-se em desespero, sendo devorado vivo.

— Senhor, o delegado e sua equipe estão armados, duas viaturas fecham a via, a coisa vai feder — alerta o segurança, amedrontado, ao encontrar o patrão.

— Que venham!!! Estamos preparados!!! Daqui sairemos e com vida, não é mesmo, meu amuleto?

A cigana não responde.

— Posso jogar a primeira granada? — pede Egídio com a mesma alegria de uma criança diante de um brinquedo novo. — Quero ver esses coxinhas com os braços e as pernas estourados, sangrando feito porcos antes do sacrifício final.

Luizinho sorri da valentia do subalterno, enquanto Aurora, preocupada com os movimentos externos, refugia-se atrás da escadaria. O que a preocupa, por incrível que pareça, não é o perigo que corre, mas a dor que logo invadirá a alma do amado. E será cruel, quase insuportável! E não se tratava da batalha campal que se levantava, a dor tinha outra origem e ia além, como se o mal, vestido de cordeiro, guardasse um grande lobo dentro de si e, no momento certo, atacasse, impossibilitando qualquer reação. Mas o que seria? Os oráculos, por castigo ou mero capricho, desta vez, negavam-lhe o futuro.

De volta ao quartinho…

Álvaro tenta dissuadir Luara de suas pretensões.

— Abaixe essa arma, vamos, você não sabe o que está fazendo; isso pode lhe custar a liberdade, entendeu?

— Por matar quem me sequestrou? Nunca ouviu falar em legítima defesa? — sentia-se forte como a águia, que calmamente vaga pelo espaço, à espera de uma presa, com o mundo reduzido aos seus pés. E como sentia. De uma tola garota a senhora do destino; era assim que ela se via. A onipotência era quase real, não fosse por um detalhe, tirassem-lhe a arma por um segundo, o mundo que agora imaginava perderia o esteio e sobre sua cabeça desabaria.

— Me dê isso… — avança, tentando recuperar. — Vamos, desista!

— QUER QUE EU TE MATE AQUI??? NÃO TENHO MEDO DE NADA! MUITO MENOS DE VOCÊ, OTÁRIO! ESTOU BEM SERVIDA — mostra-lhe a arma —, NÃO PERCEBEU? AGORA SAIA DE MINHA FRENTE, VOU ENFRENTAR AQUELE BANDO, MATAR UM A UM, PRINCIPALMENTE AQUELA CIGANA, QUE OUSOU ME TOCAR… — esbraveja. — COMO EU PUDE TER PERMITIDO??? — não se conforma. — QUERO VER O SANGUE DELA E DOS OUTROS ESPALHADOS, FORMANDO UM LONGO TAPETE, POR ONDE EU PASSAREI APÓS ACABAR COM TODOS!

— O que você está dizendo? Eles vão acabar com você!

— CALE-SE!!! — o choro vem-lhe à boca, sinalizando para o bandido que a menina por quem se apaixonou ainda existia, bastava instigar para que ela aflorasse, ganhando o seu sorriso de novo.

— Vo-você não é assim… eu não vou matá-la… Confie em mim!

— dá mais um passo; com o cano da arma em seu peito, desafia: — Me mate então, mas não duvide de mim, de… de…

— … de o quê? Fale logo! — berra ao mesmo tempo que tenta conter as lágrimas.

— … de… de… — não tem coragem de dizer — … de… de…

— Fale, antes que eu o mate! — ameaça, com o dedo no gatilho.

— De… de… meu AMOR!!! — as palavras, envoltas por sentimentos tão nobres, custam a sair. E quando conseguem, balançam a garota, que treme, diante de tanta beleza.

— A-A-AMOR??? HÃ!!! CARA, CÊ TÁ DOIDO???

— EU TE AMO!!! EU TE AMO!!! — chora. — DESDE O DIA EM QUE FALEI COM VOCÊ PELA PRIMEIRA VEZ… LEMBRA- SE? FOI NO CEMITÉRIO! E OS MORTOS, POR IRONIA DO DESTINO, FORAM AS TESTEMUNHAS DESTE SENTIMENTO TÃO GRANDE, QUE ME CONSOME DIA E NOITE…

— Pare de brincar com os meus sentimentos, seu desgraçado!!! Pare!!! Pare!!!

— EU TE AMO COMO NUNCA AMEI NINGUÉM NESTA VIDA!!!

— PAAARE!!! — implora, vendo-se refletida nos olhos dele. — EU VOU TE MATAR!!!

Com a agilidade de um homem apaixonado, Álvaro empurra a arma para o lado e, num movimento inesperado, agarra-a pela cintura e se funde aos lábios dela com toda a força de seu coração marginal. Ela resiste, batendo-lhe com a arma; mas aos poucos, de dentro dela, irrompe uma chama, que de tão viva, encanta, seduz e atrai… É o fogo da paixão em toda sua plenitude! E como uma flor que desabrocha à chegada da primavera, assim está a menina, caída nos braços de seu algoz, vivendo um sentimento único, desconhecido por ela. E quanto mais beijava, mais chorava, mais o abraçava, como se estivesse abandonando toda a dor que carregava nos ombros desde muito jovem. Luara nunca foi feliz. Nem conseguiria! Sua origem foi um acaso, quando os pais já não mais se entendiam. E desde pequena viveu uma relação de conflito com a mãe, a quem jurou, certa vez, após ela a envergonhar em público, odiar para sempre, como se isso fosse possível. Leonor não era má; exagerava nas brincadeiras, fazia comentários insanos, gostava de ostentar o luxo que a família possuía – talvez como uma forma de proteção, não de mero exibicionismo –, mas má ela não era.

Mas até compreender as dores da mãe, Luara sofreu demais. E como sofreu! Na escola era alvo de todo tipo de chacota; se revidasse, apanhava das outras alunas, que a chamavam, em coro, de a “filha da louca do Lago Sul”. Que culpa ela tinha que a mãe não possuía os parafusos? Não entendia o porquê de tanta maldade. Certa vez a prenderam no banheiro, no porão do Colégio, com os braços amarrados por uma blusa, simulando uma camisa de força. Encontrada horas depois, soluçava de causar dó. Dona Beatriz até ameaçou tomar providências contra as famílias dos opressores, mas contida pela própria garota, que tinha medo de outras formas de tortura, recuou. Luara percebia que a avó se sentia culpada por tudo o que acontecia, apesar de nunca assumir. Como poderia? Ela era tão boa! Mas todo ser comete erros e os dela custaram o juízo da mãe.

Em uma noite estrelada, com fogos de artifícios a cortarem o céu, Leonor e Martim, em roupas de gala, eram a própria expressão do mais fino bom gosto. Ele a beijava às palmas das mãos sempre que possível e ela, de movimentos recatados, contida nas palavras, de uma exuberância ímpar, destilava carinho e afeto. Não havia quem não a quisesse fotografar, ter com ela alguns minutos que fossem, pedir seus conselhos… Em Brasília era sinônimo de elegância. O retrato fiel de uma aristocracia habituada a muito caviar e champagne francês.

Preparavam-se para curtirem um dos eventos mais badalados da Capital: o aniversário da primeira-dama. Mas com quem deixar os trigêmeos? Dona Beatriz se ofereceu, após Matilde passar o dia acamada por uma enxaqueca. Poderiam ter contratado uma babá, mas a bondosa senhora rejeitou a ideia; foi a pólvora que faltava para que uma tragédia explodisse.

João, Afonso e Francisco, com seus três anos de idade, corriam pela enorme casa, subiam as escadas, pulavam no sofá, escondiam-se atrás dos móveis, imaginavam-se super-heróis em batalhas épicas contra os piores vilões do planeta; desenhavam a família, os amigos, a professora, a natureza, alegrando a avó, que não se cansava de paparicá-los. Mas aquela noite não seria igual às outras… O caseiro não havia fechado corretamente o portão que dava acesso a um corredor estreito que ladeava a piscina. E o destino, impiedoso, não perderia a oportunidade! As horas avançavam… Cada vez mais exausta, a senhora sentou-

se em uma cadeira de balanço, ao lado da janela, na varanda da casa, de onde era agraciada com a aura da noite. E, aos poucos, entregou-se aos braços sedutores de Hipnos², abrindo passagem para que a Morte fizesse sua colheita. Acordou com a nora em surto, diante das crianças, estendidas no chão, completamente sem vida, após Martim retirá-las da piscina. A mulher tentou agredir a sogra, mas foi contida pelo marido, que a abraçou com toda a força, também chorando muito. O mundo da família e, principalmente daquela mãe, órfã dos filhos, havia ruído. Sua dor atravessou fronteiras… Não havia quem não se comovesse. Se perder um filho é cruel, imagine três… Dona Beatriz não se perdoava. Como podia ter dormido, permitindo que os netos, anjos que visitavam a terra, fossem atraídos e ceifados pelo acaso? Queria também morrer, só não o fez, porque Matilde estendeu-lhe as mãos, como retribuição pelo que fizera, anos atrás. E a partir daquele dia, Leonor nunca mais foi a mesma.

Trancafiada em uma masmorra invisível, sem paredes ou portas, conversava com seres que só existiam em sua mente; dizia coisas sem nexo, gargalhava de repente, como se abduzida a uma realidade paralela. Uma cena triste de se ver. Até que se viu grávida novamente. Foi uma gestação indesejada, envolta ao desespero e à revolta. E o mesmo Deus que lhe tirara as crianças, agora lhe agraciava com uma nova vida. Era possível? Jamais, dizia ela, que via no ato uma forma de provocação. E como não concordar?

Assim nasceu Luara, trazendo às costas um fardo muito pesado para um bebê. Leonor não a quis ver quando nasceu, negou-lhe o leite, não lhe trocou a primeira fralda e a evitou o quanto pôde; e quando pensava em baixar a guarda, a imagem dos três meninos mortos ressurgia-lhe diante dos olhos, tornando-a refém de sentimentos antagônicos, capazes de tensionar o frágil fio que separa a loucura da lucidez.

E a pobre menina cresceu sem mãe, recebendo apenas o amor do pai, da avó - que permanecia se torturando -, e de Matilde, que a via como a filha que não tinha. Mas o amor de uma mãe é mesmo divino e inquebrantável; posto à prova, mostra a que veio. Bastou a pequena sofrer uma queda que lhe cortou o supercílio no primeiro dia de aula, para que a mulher, resgatada de seu estranho mundo interior, corresse ao seu socorro. E na primeira vez que a abraçou, sentiu como se uma parte sua regressasse. Mesmo tão ferida, uma mãe jamais abandona sua cria. E a profecia se fez realidade. Leonor voltou a socializar-se com a filha, ainda que dentro de limitações, porque entre elas havia um muro. Era a forma que encontrou para que a dor de sua alma permanecesse adormecida.

Luara adolesceu, sentindo na pele a rejeição; e como alguém que não se encontra, permanecia a maior parte do tempo sozinha, quieta, vendo o mundo correr devagar pela janela. Nada lhe atraía. Era como se habitasse um corpo sem destino. Morrer? Pensou várias vezes, mas desistia ao lembrar-se dos irmãos. Por mais distante que estivesse sua mãe, ela não merecia reviver a perda de um filho. Isso seria cruel demais! Nunca teve um namorado que fosse; não que o desejo não lhe brotasse no coração, mas como enfrentar as armadilhas do amor? Se fossem as da dor, ela as conhecia em todas as suas formas. Infelizmente. Mas quem pode com o destino? A mesma coragem que lhe retirava, doava-lhe em beleza. Não havia quem não a desejasse, era uma princesa, reluzente na escuridão, aguardando um príncipe encantado que jamais chegaria, pelo menos imaginava, porque na selva da vida, jamais alguém disse que a amava… bem, pelo menos, até então. Porque naquele quartinho escuro, sujo e fétido, um bandido – imagine só! – ousou lhe contar que seu coração, transbordando de crimes de toda espécie, era dela. DELA. E isso a balançou tanto, que nem pensou nas consequências.

Álvaro era o seu príncipe. Estava decidido. Mas era Torto na essência. E daí? Ele conseguiu dela extrair uma vontade louca de beijar, de abraçar, de arranhar, de bater, de se envolver, de se entregar a um homem.

E assim acontece o inesperado… Ele encosta o fuzil à parede, pega-a no colo e a deita na cama, onde os dois se beijam ardentemente, como namorados apaixonados. Primeiro a camisa dele, depois o vestido dela… A língua dança afoita pelo pescoço dela, contorna os seios, toca suavemente o ventre e avança sobre a coxa trêmula e suculenta; no entrelaçamento dos corpos, cada gemido é um chamariz à lascívia. E numa virada brusca, ela o tem sob a mira, sorvendo-lhe toda a essência, enquanto as mãos, astutas como a naja, roçam os pelos do peito, apalpam o tórax, escorregam pelo abdômen, apertam o quadril e os músculos das pernas. E os movimentos se repetem, cada vez mais intensos, mais vorazes, incontidos, selvagens, até que as almas, sedentas uma das outras, se unem. E a flor, que não tinha viço, por obra do amor, desabrochou.

Na parte superior, Aurora não se contém e vai às lágrimas, ao sentir que seu amado havia marcado a própria alma com o sinal da besta. Algo que lhe custaria a própria existência.

As luzes da mansão se apagam…

— A polícia está entrando — berra Luizinho, em transe. — Arrebentaram a porta da frente! Vamos pra cima deles! É morrer ou morrer! — entoa o grito de guerra. — À Família e aos seus!

Liderando um grupo com oito soldados, Enrico invade a residência, sem um plano minuciosamente planejado, que contivesse danos, em caso de possível represália, o que não estava descartado; qualquer reação para além do previsto, colocaria em risco a vida da refém. Tentaram alertá-lo do erro, mas não deu ouvidos. E o resultado de tal arrogância não tardaria a lhe ser apresentado.

Ensandecido, Luizinho atira a primeira granada, que explode ainda no ar, atingindo dois agentes, que arremessados, colidem contra a parede, sangrando muito. Gritos de dor se mesclam à correria.

O delegado berra para que se defendam, o armamento é pesado e poderia lhes custar a vida. Logo vem a segunda granada, que bate no pé de um soldado e o dilacera. Tiros voam para todos os lados, furam paredes, destroem janelas, derrubam lustres, explodem portas. A metralhadora ressoa e, em uma só rajada, abate parte do batalhão, que se vê fragilizado com suas pistolas.

— Vamos recuar… — suplica um dos oficiais a Enrico, que iludido pela possibilidade cada vez mais remota de vitória, o ignora.

— Não! Quero todos presos.

— Delegado, eles estão armados até os dentes, será um banho de sangue…

— Adiante homens!!! — está irredutível.

— Senhor, eles têm até armas de guerra, como conseguiram é um mistério. Se permanecermos aqui, seremos mortos.

— Não se preocupem — tenta contornar a crise que se instaurava —, estou pedindo reforços… Logo estarão aqui.

— E dará tempo? — questiona outro soldado, bastante tenso, desviando-se das balas.

Outra granada. E mais três corpos são atingidos, para a felicidade de Luizinho, que senhor do crime, respeitado por bandidos de facções até mesmo rivais, mostrava a que estava disposto. E se não pudesse fugir, que morresse com honra, sendo um exemplo à corja que o venera nos muitos presídios pelo país afora. Os fuzis cospem fogo, raspam o braço de Enrico, que lança a pistola à mão esquerda e continua a atirar.

— Cadê os reforços, DELEGADO???? CADÊ??? — berra um dos subalternos, fora de si, aterrorizado com o arsenal bélico em posse dos criminosos. — Nãããããããããããããão!!!! — a explosão de uma quarta granada o derruba para sempre.

Duas viaturas permaneciam fechando a rua, impedindo que os moradores das residências vizinhas pudessem fugir; houve até quem quisesse deixar o lugar a pé, mas diante da possibilidade de ser abatido por uma bala perdida, recuou. Completamente apavorados, defendem- se como podem. A cena é de terra arrasada. Enrico havia subestimado o poderio de destruição do Patrão e o preço desta operação desastrosa seria a morte de todo o seu esquadrão.

— Meu Deus!!! Os tiros não param… — desespera-se a governanta, na mansão dos Vaz.

— O que está acontecendo? — pergunta Martim, ressabiado. — Nunca vi nada igual!!! O que aquele delegado pretende com tudo isso? Parece mais uma chacina… Se eu não estivesse aqui, não acreditaria.

— Nossa menina, senhor… — diz a mulher, com o coração apertado.

— Como assim??? Luara está aqui??? Tão perto assim??? Não, não é verdade!!! Não pode ser!!! — desespera-se o homem.

— Minha filhiiinha, Martim!!! Não a deixe morrer… — implora a mulher, recobrando a lucidez, após ouvir a conversa.

— Crendiospai!!! Aqui tá pior que Ceilândia!!! — comenta a cozinheira, cobrindo a cabeça com o avental. — Depois falam que os pobres é que são violentos. Hum! Sabe de uma coisa — tem uma ideia

—, vou é fazer uma live, se bobear, acabo no Cidade Alerta e com uma boa graninha no bolso!!! — dá um sorrisinho carregado de interesse. — Dor de alguns, alegria de outros. Fazer o quê? Isso é a vida!

De volta ao quartinho…

A garota está recolhida ao chão, coberta pelos braços de Álvaro, que tenta protegê-la dos tiros.

— O que está acon-con-te-te-cendo??? — treme.

— Estão quebrando o cativeiro. Só pode!!! — responde o rapaz, tapando os ouvidos.

— Abra o carro… vamos… — ordena o Patrão a Egídio, com Aurora sob suas asas, ao constatar que os policiais tinham sido abatidos

—, a hora é essa!

— Não sobrou nem um para contar história — gargalha o capanga. — Com a gente ninguém pode! — comemora, disparando o fuzil, que ilumina o céu, como fogos de artifícios lançados do mar em plena virada do ano.

— E o Álvaro??? — preocupa-se a cigana, tentando se desvencilhar de Luizinho. — Não pode deixá-lo!!! Logo chegarão mais policiais, e ele poderá terminar morto. Deixe-me ajudá-lo!

— Você não vai a lugar algum! — dá-lhe um safanão. — Mulher minha não fica atrás de outros machos!!! Que morra aquele infeliz!!!

“É duro ser corno… E tenho propriedade no assunto” — comenta Egídio consigo mesmo.

— Não faça isso! — suplica a mulher.

— E por que não? — seu ciúme é letal. — Que se foda aquele otário!

Antes que ela pudesse invocar as forças da natureza, é surpreendida pelo cano da arma do rapaz, que está rente à sua nuca.

— Nem tente chamar o capeta; antes, eu acabo com você, morô? Entram no carro preto.

— Nããããããããooo!!!!! Me deixe sair!!! Me deixe… — reluta.

— Cale essa matraca antes que eu lhe meta bala, sua vagabunda.

— Você não teria coragem — desafia.

— Duvida??? — leva os dedos ao gatilho.

Egídio dá a partida, espantado com a coragem da mulher, que tentava deixar o veículo, mesmo com a arma apontada para ela.

— ÁÁÁÁÁÁÁLVARO!!! — grita ela. — FUUUUUUUJA!!!

ELES ESTÃO VINDO!!! ÁAÁÁÁÁLVAROOO!!! ÁÁÁÁLVARO!!!

Ele ouve.

— É… é… a cigana! Tenho de ajudá-la!

— Não me abandone!!! — pede Luara, com o semblante assustado, enquanto o segura.

— Mas… mas… — não podia deixá-la.

— SAIA DAÍ, VÃO TE MATAR!!! — continua a gritar, para a fúria de Luizinho, que a esbofeteia.

O veículo avança sobre o portão. Ao lado da guarita está o corpo do segurança, todo ensanguentado. As forças policiais estão reduzidas a Enrico, que ferido, não consegue detê-los.

— As ruas estão fechadas, senhor — diz Egídio, avistando as viaturas vazias.

— Não é possível! Venham comigo! — dirigem-se a uma delas.

— Vamos fugir com um carro da polícia? Somos ladrões de honra! O que não dirão nosso parças quando souberem?

— Que sou o gênio do crime! — responde, cheio de soberba, puxando a mulher pelo braço. — Ligue essa merda e nos tire logo daqui, antes que cheguem os reforços.

Aos poucos desaparecem em meio à paisagem urbana.

Caído ao chão, com a perna perfurada por uma bala, Enrico corre os olhos sobre os agentes mortos e sente um profundo remorso, de envenenar a alma.

— O que foi que eu fiz, meu Deus??? Por que não os ouvi??? Por quê??? — pergunta, enquanto pressiona o ferimento.

_____________

1. Joana D’Arc foi queimada numa fogueira em praça pública a 30 de maio de 1431, na cidade francesa de Rouen. A jovem filha de camponeses liderou a luta contra a ocupação inglesa em 1429, na Guerra dos Cem Anos.

2. Deus do sono na mitologia grega.

autor
Carlos Mota

com ilustrações de
Andrea Mota
 
elenco
Luara
Álvaro
Aurora
Diana
Martim Vaz
Leonor Moreira Vaz
Beatriz Vaz
Matilde
Cleide
Eufrásio
Sofia
Luizinho como Patrão e Camaleão
Egídio
Enrico
Português

trilha sonora
Immortal - Thomas Bergensen
 
produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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