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A Deusa Bandida: Capítulo 16

Novela de Carlos Mota
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A DEUSA BANDIDA - CAPÍTULO 16

Os policiais embrenham-se no mato, que lhes cobre completamente o corpo, à procura do fugitivo, que aparenta conhecer bem o lugar. Divididos em frentes, vasculham cada canto, numa correria insana. Passam por árvores, defendem-se de insetos e cobras, tropeçam em pedras, ladeiam carcaças de animais em putrefação - tapando o nariz com as mãos -, escorregam na parte mais íngreme, em que se é possível ouvir o som de uma cachoeira; levantam-se, tendo sob a cabeça, um sol de rachar. De repente um disparo ao alto, é o aviso de que uma das equipes está bem próxima do meliante, que à ponta de um despenhadeiro, analisa o lugar antes de pular. A queda d’água é traiçoeira e dança efusiva sobre os rochedos, até encontrar paradeiro em algum riacho distante. Se efetivasse o plano, as chances de sobrevivência seriam mínimas.

— ACABOU!!! ACABOU!!! — constata um policial, o primeiro a chegar, apontando-lhe a arma. — ENTREGUE-SE!!!

Com as algemas em mãos, avança para detê-lo, sendo imediatamente surpreendido pela agilidade do bandido, que num só golpe, aplica-lhe uma chave de braço, desarma-o e o mantém sob a mira de uma calibre 22, retirada da cintura.

— O que está acontecendo aqui??? — perguntam outros três agentes, achegando-se.

— Solte-o, vagabundo! Vamos! — grita um deles, com o bandido na mira, pressionando para que o libertasse; o plano era arriscado, bastasse uma simples ponta solta, para que o marginal eliminasse o homem da lei ou com ele se atirasse às pedras, que lhe chamavam, como sereias que seduzem seus parceiros.

— Vo-vo-vocês não vão me prender! Não vão, antes, levo junto este coxinha; tentem pra ver… Tentem! — engatilha.

— Ei, pare, ninguém vai te machucar, estamos apenas fazendo nosso trabalho… Entenda! Uma garota está desaparecida e precisamos que nos ajude a encontrá-la.

— Que garota? — berra, desconfiado. — Não sei de nada! Não sei!

— Solano, sabemos o que você fez, e estamos dispostos a ajudá- lo, desde que solte o nosso companheiro. Vamos! — um deles assume as negociações, e avança, devagar, em direção aos dois.

— Eu não sou a pessoa que procuram… Não sei de nada! PARE! PARE AÍ JÁ! — determina, percebendo os movimentos do oficial.

— Mais um passo e estouro a cachola deste puto. Acham que estou brincando, né? — faz umas caretas estranhas. — Para quem cheirou uma carreira há pouco, tudo isso aqui parece mais coisa da minha cabeça… É! Vocês nem devem existir! — solta um riso endemoniado.

— … mas não é!!! Veja, veja, somos reais e se não cooperar, ficará difícil de ajudá-lo… Tenha calma, solte o cara, se entregue, vai ser bom para todo mundo, Solano!

— Eu não sou este cara.

— Temos uma foto sua e o depoimento do Eufrásio.

— Eufrásio? — o homem o interrompe. — O que fez aquele idiota?

— Contou-nos tudo, não adianta mais fugir, para onde quer que vá, alguém estará na sua cola; então, que se entregue e enfrente um julgamento justo.

— Julgamento justo? Cês estão é de brincadeira, estamos no Brasil, e quem sempre paga o pato são os mais pobres, seus merdas.

Posicionado a uma boa distância, o quarto policial se prepara para pôr fim à vida do marginal, mas desiste, após o comando do negociador, que tenta manter a calma, dando mais um passo à frente, desta vez, ignorado pelo meliante, que segura firme o pescoço do agente, com a arma rente à sua nuca.

— Entregue-se! Vamos, cara, prometo, não lhe faremos mal algum…

— Não confio em polícia! — vozeia.

— Pois vou lhe dar uma demonstração de confiança, baixarei minha arma e assim você também fará, soltando nosso amigo…

— E aí vão fazer o quê comigo? Vão me enjaular naquele camburão? Nunca! — repele a ideia. — Preciso de outra carreira… não tô de boa, não tô!

— Quem lhe pagou para ajudar no sequestro da filha dos Vaz? Vamos, cara, o tempo tá passando, logo vai escurecer e as coisas vão ficar piores para você. Ande, tome coragem e proteja sua pele, como fez Eufrásio, que o entregou de bandeja!

— Filho da puta! O que disse aquele corno?

— Que você deu a linha da pipa aos malandros e apagou também o jovem Nicholas, filho do diplomata… — manipula os fatos a fim de que ele se renda.

— EU NÃO MATEI NINGUÉM!!! ELE MENTE!!! FILHO DE UMA PORCA NO CIO!!! MISERÁVEL DOS INFERNOS!!!

— Então se renda e acabe com ele na frente do juiz, porque o motorista está pagando de bom moço, jogando toda a culpa em você; não bastasse, ainda disse que você pertence à quadrilha do Patrão…

— QUÊ??? — o cara explode de raiva.

— Isso é mentira!!! Vocês estão inventando tudo isso, só pode, Eufrásio não sabia dessas coisas, nunca lhe contei — acaba se entregando, para a satisfação do agente, que invade a mente do criminoso, dando um verdadeiro nó.

— Então você faz parte mesmo da quadrilha do… do… — arrisca, esperando uma resposta positiva.

— Vocês não sabem com quem estão mexendo, o cara é foda, se quiser, aniquila todos vocês num só estalo; o único que quis se rebelar, acabou de muleta, cuidando da Sol Nascente, porque o Português, o grande chefão, impediu que o matassem… — sentindo os primeiros sinais de abstinência, Solano acaba falando mais do que deveria. — Luizinho e o Português não se bicam. Desde o assalto frustrado em Sousa, estão em pé de guerra, e quem se puser entre eles, acabará num buraco, com a boca cheia de bicho.

— E por que você entrou nessa, cara? Cê parece gente boa, diferente de Eufrásio, que fugiu da reta, pondo toda a culpa sobre seus ombros.

— Aquele puto me paga, deixe ele comigo… — um fio de baba desce de sua boca — … eu sempre fui uma boa pessoa, maluco, e só entrei nessa depois que o último toró derrubou meu barraco e destruiu meus equipamentos de filmagem. De uma hora para outra fiquei sem casa, sem trabalho, sem o que comer, restando-me apegar às mãos do patrão, que bem generoso, pagou-me para desligar o sistema de câmeras da Hedonê, facilitar a entrada do cara, além de lhes entregar uma cópia da planta do lugar, porque tinham medo de que, diante de tanta gente, a fuga fosse dificultada. Mas ninguém esperava que o malandro fosse matar o filho do diplomata…

— Então não foi você que matou o Nicholas?

— PÔ, VOCÊ TÁ ME ENCHENDO, MEU; JÁ DISSE QUE NÃO! FOI O LOUCO DO ÁLVARO…

— ÁLVARO???

— É, um bandidinho da Família, dado a galanteador, pelo menos dizem…

— … e onde está este Álvaro???

— Com o patrão!

— E onde o encontro?

— O PATRÃO?

À surdina, um dos policiais dá alguns passos para trás, e sob a proteção do matagal, saca-se de um celular, de onde escreve:

“Foge daí, Solano deu com a língua nos dentes”.

Egídio recebe a mensagem e a repassa a Luizinho, que encurralado, ordena que se munam do arsenal que se encontra dentro de caixas, num quartinho, na lavanderia, pois iriam para cima dos policiais, que agora batiam à sua porta, mas antes, lhes agraciariam com o corpo da moleca. Isso mesmo, se ele não podia levar o dinheiro; que levassem o corpo dela, cheio de furos, escorrendo o sangue que lhe corria às veias pela última vez. E, para se vingar do bandido galanteador, que ousou mexer com os sentimentos mais profundos de seu amuleto, atribuía-lhe esta última tarefa. Álvaro seria o algoz de Luara. Que fim doloroso para um tolo apaixonado!

— Pegue a arma e vá lá dar um fim àquela puta!

— Senhor, vamos, daqui a pouco isso aqui terá tira saindo pelo ladrão — berra Egídio, atraindo a atenção do homem.

— Eu quero a garota morta, entendeu?

Aurora não tem forças para intervir; está exausta, caída ao chão, com a pele gélida e empalidecida, como se tivesse visitado a mansão dos mortos. O poder que invocou para proteger o amado era mais forte do que podia resistir e, sua vida, agora, mostrava-se frágil como os fios que tecem uma teia de aranha. Mal conseguia respirar e Álvaro, o pivô de todo aquele cenário místico, era o único que lhe oferecia as mãos, completamente comovido, com os olhos perdidos.

— Senhora, não parta… — pede, engasgando-se com as palavras… — Não parta!

Com ela nos braços, procura um lugar seguro onde possa colocá-la; como não há, sobe até o outro andar, enquanto Luizinho, aos pés de um tanque, dentro do quartinho guardado por uma porta de aço, desembala o gigantesco armamento, repleto de granadas, pistolas 9mm, fuzis calibre 5,56, carregadores e munições, além de metralhadoras surrupiadas do próprio Exército Brasileiro.

Colocada sobre a cama com todo o carinho, Aurora dá um sorrisinho tímido como agradecimento.

— Por que a senhora fez aquilo por mim? — pergunta o homem, assustado por vê-la naquele estado, temendo o pior. — Eu não merecia. O que estava em xeque não era o merecimento, mas o que as pessoas são capazes de fazer por aqueles a quem entregam suas almas. Perdem o juízo, se necessário, mas não se arrependem, porque morrer por quem se ama é uma dádiva, não um castigo, como pregam os dramas populares. E ela sabia, um dia mostraria toda a sua essência, só não sabia a quem, até conhecê-lo. De uma coisa tinha certeza, estava feliz, com uma sensação incrível de liberdade. E que liberdade! Como nunca havia sentido!

— Por favor, não me deixe, senhora! — implora o homem, sentado ao seu lado, enquanto lhe acaricia a fronte. — O que será de… de… mim?

Foi esta a última pergunta que ela fez ao avô, antes que ele deixasse este mundo. Aurora sempre foi uma boa menina, daquelas bem sapecas, que escondia a boneca da irmã, pintava o rosto com as maquiagens da avó, dançava no meio do bando com as pulseiras e os colares da mãe, imitava o jeito grosseiro do pai comer, numa alegria que encantava. Não havia quem não se envolvesse com seus gracejos.

E seus poderes a acompanhavam, sempre tímidos, até que, ao ver um passarinho cair, após ser atingido por uma estilingada, entrou em prantos e, com a ajuda do avô, invadiu um matagal à sua procura e só parou quando o encontrou. E o que fez ao pegá-lo nas mãos? Correu os dedos pela ferida do coitado, que tinha uma das asas completamente destruída. Fechou os olhos e orou… orou… orou tanto que uma claridade irrompeu do centro da terra e a contornou, como há pouco, e de suas mãos saltou uma forte energia, com a cor do fogo, mas que não queimava. E a olhos nus, o machucado começou a se fechar, o bichinho ganhou força e passou a piar, para o espanto do homem, que estendeu as mãos aos céus, dizendo que sua neta era uma mulher abençoada pelos deuses. Recuperado, bateu as asas e voou e, a certa altura, parou, fixou-se nela, como se estivesse sorrindo e, antes da partida, cantou, para que o mundo soubesse que ali se encontrava uma serva de Santa Sara Kali.

Temendo as maldades do mundo, o avô a ensinou a domar o que guardava dentro de si; nunca deveria ir além dos próprios limites, temia que, numa dessas, como os grãos que atravessam a ampulheta, o tempo se acelerasse e levasse para sempre o lindo sorriso que exibia. Disse ainda, como líder do povo, que um cigano deve sempre ouvir seu coração, praticar o bem, prezar pelos mais próximos, cultivar suas raízes, elevar o pensamento à mãe natureza e jamais se abdicar de ajudar o próximo. Por mais preconceito que sofressem da sociedade, não lhes competia revidar o tapa que recebiam. Estava nas escrituras. E assim os tempos passaram e, na entrada da adolescência, perdera o seu esteio.

Ficou reclusa à tenda por dias, onde chorou todas as dores do mundo, recebendo o afago dos familiares. A tristeza havia agasalhado seu coração. E esta dor perdurou até o dia em que a brisa, oriunda de alguma fresta do palácio dos anjos, a acordou em plena noite e a pegou pelas mãos, levando-a até o lugar onde curou o passarinho. Lá chegando, sentiu um arrepio lhe correr a espinha e quando se virou, a surpresa. O avô estava diante de si, envolto a uma luzerna, que abria fendas no meio da escuridão, em trajes branquinhos, tão branquinhos, que lembravam a neve e, antes que ela pudesse cobrá-lo de algo, ele rebateu:

— É por isso que choras, minha menina? — mostra-lhe o círculo. — Não vês? Estou feliz! E quero vê-la assim também a partir de agora… Não deves mais chorar! A terra está encharcada e, se persistir, os brotos não vingarão. Lembre-se, viemos da natureza e a ela seremos devolvidos… É o maravilhoso ciclo da vida! Então arrumes o corpo, levantes a cabeça e sorrias… O destino te espera! Vá! E faças de teu dom, o teu guia.

Antes que ela pudesse perguntar alguma coisa, o homem desapareceu, sem deixar vestígios. E desde então, ela fez o que o avô pediu, até que, levada pela cobiça, caiu nos braços de Luizinho. Se pudesse regredir os ponteiros do relógio…, mas uma vez escrito, não havia como se apagar; o que aconteceu está registrado no livro da Vida. O que virá, só conheceremos com o tempo, quando nosso autor puser no papel… Somos as criaturas, não o Criador, a quem devemos venerar pela vida que nos concede!

— Senhora… — o bandido chora, abraçando-a, ao perceber que partia. E sem se dar conta do perigo, beija sutilmente seus lábios, retribuindo-lhe todo o carinho. E antes que pudesse ser flagrado, deixa o local.

E a flor que definhava, após o beijo, se agita… Com o coração acelerado, o pulso se normaliza, a tez resgata o brilho e, assim como o passarinho, agora ela canta, completamente recuperada. Obra do amor? Alguns diriam que sim; outros que não. Talvez uma peça do acaso!

Ao vê-lo descer as escadarias, Luizinho avança sobre o bandido, perguntando:

— ONDE VOCÊ ESTAVA, SEU LAZARENTO? JÁ MATOU

A GAROTA, COMO ORDENEI? — corre os olhos pelo lugar e nota a ausência da cigana. — E CADÊ AURORA? O QUE FEZ COM ELA?

— Nada, senhor! Eu a levei até o quarto de cima. Ela estava muito mal! Até achei que não fosse resistir.

— Você avariou meu amuleto, seu desgraçado… Eu vou é lhe passar fogo!

— Chega desta história! — determina a mulher, no alto da escadaria, plenamente restabelecida, para a alegria de Álvaro, que deixa escapar um suspiro de felicidade. — Se continuar nesta guerrinha, não irá além desta porta. A polícia o aguarda e fará o que for necessário para vê-lo enjaulado.

— É, você tem razão! — coça a cabeça de preocupação. — Mas o que fazer? O infiltrado me disse que a casa caiu… Como vamos fugir?

— Como sempre fizemos, enfrentando…

— E quanto a você, dê um fim logo à pirralha — entrega-lhe o fuzil.

— Deixe-a, meu querido! Que diferença faz? — Aurora intercede. “A vingança não tem preço, ele danificou meu amuleto, chegou

a hora de eu fazer o mesmo com o dele, se é que a menina já ocupa tal posição no coração do infeliz… Com o tempo saberemos!” — pensa o patrão, decidido.

— Eu não posso matá-la, senhor.

— E por quê? Sente algo por ela, não é?

— Claro que sente! — confirma Egídio, em tom de deboche, entrando na sala.

— Cale a boca, senão… — ameaça-o com o olhar afiado, elevando a voz.

— Senão o quê??? — estranha Luizinho. — Tem alguma coisa que eu ainda não saiba?

— Não é nada, senhor! — responde o bandido bonzinho.

— Então faça o que eu ordenei: a vida dela pela sua! — sentencia. — Vá!

Com a arma nas mãos, Álvaro se encaminha à escadaria e, antes de descê-la, reencontra a cigana, que o observa sem poder fazer nada; e mesmo que quisesse, não faria. Luara era sua oponente e, com ela fora do caminho, o homem que agora lhe suplica ajuda com os olhos grandes e arregalados, seria apenas seu.

A porta se abre, Luara levanta a cabeça e se depara com o rapaz, a alguns metros, com o rosto cortado por lágrimas, com um potente armamento apontado para ela. E, diferentemente do que imaginava, a garota não reage, apenas o encara com uma frieza espinhosa, como se entrasse na mente dele e fizesse morada.

— Me desculpe, não faço isso por querer…

Ela mexe a cabeça sinalizando para que retire sua mordaça, e assim ele o faz.

— Você vai mesmo me matar? Pois estou pronta! — diz, numa voz aveludada, como se fosse outra pessoa.

— Como assim? Você não pode estar falando sério! — assusta-se.

— Claro que estou! Mas antes de me despachar, vamos curtir um pouco, eu adoraria beijar esta sua boca gostosa. Venha! Estou em brasa

— seus olhos crescem à medida que apimenta ainda mais a conversa —, nunca desejei tanto um homem como você. Venha, caralho, ou vai recusar este banquete?

De volta ao matagal…

— O Patrão??? — gargalha em meio à saliva que agora desce pelo pescoço. — Ele está em todo lugar, até entre vocês.

— Entre nós? Como assim? — não entende o negociador.

— Pergunte para ele… — responde Solano, apontando para o policial que estava a alguns metros atrás, dentro do matagal, com apenas parte da cabeça visível, de onde repassava as informações a Luizinho.

Todos se viram; é quando o inesperado acontece. Uma bala solta-se do cano do traidor e atinge a cabeça do bandido, que dá um pulo para trás, caindo no despenhadeiro, levando junto a vítima, que não consegue se desvencilhar.

— O QUE VOCÊ FEZ??? VOCÊ MATOU SOLANO E O NOSSO AGENTE… POR QUÊ??? — berra o negociador, com as mãos à cabeça, vendo-os sem vida entre as pedras. POR QUE FEZ ISSO??? POR QUÊ??? — recua, indo em sua direção. — ESTAVA TUDO SOB CONTROLE!

— Eu pensei que ele iria… — procura uma desculpa convincente.

— FALE A VERDADE, DO QUE NÃO SABEMOS? FALE! 

— Eu… eu…

— PRENDA-O! — ordena o negociador ao outro oficial.

Vendo-se acuado, o traidor não pensa duas vezes e dispara contra a própria cabeça.

— POOOORA!!! O CARA SE MATOU!!! QUE INFERNO!!!

O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI??? — indaga ao parceiro, que retira o celular das mãos do homem, e após a leitura de algumas mensagens, chega à conclusão de que ele era um desertor.

— QUEM DIRIA!!! — impressiona-se o negociador. — Temos de avisar o delegado! É emboscada das brabas.

Regressando à mansão de Luizinho…

— Cadê seu patrão? Estou aqui há um bom tempo, preciso falar com ele — cobra Enrico ao segurança, ainda na calçada, ao lado da guarita.

— Ele… ele já vem, senhor… muito trabalho! Pediu mais alguns minutinhos!

— Olha lá o delegado gostosão, dona Leonor — alerta Cleide, no banco de trás do carro.

— É meeesmo, Melancia! Será que ele errou nossa casa???

Moramos na rua de cima…

— Ele deve estar fazendo algum serviço, mulher.

— Procurar nossa filhiiinha, nada, né? Mas ficar de siricutico com alguma sirigaita, disso ele gosta. Aliás, meu fiiilho, quem mora ali??? — aponta para a casa. — Serão os Roussef, os Cardoso ou os Lira??? Hum! Não sei! Mas não deve ser gente de nosso cííírculo de amizade, senão já teriam nos convidado para o chá das cinco.

— Chá??? Quem bebe isso é doente!!! Credo, dá até uma coisa ruim no corpo!!! Prefiro uma breja ao som de um pagode… Muito mais animado!!!

— Caaale a boca, Cleeeide!!! Você não entende naaada de aristocracia.

— Mas entendo de coisa boa — rebate.

— Como o quêêê? Favelado??? Melhor, churrasquiiinho de gato??? — ri com vontade. — Vocês, pobres, me divertem! Ei, espere, Melanciiia… — abre o vidro do carro — … uhuuu, “delegaaato”, digo, delegaaado!!! Sou eu, a Leonooorrrrr… como está essa fooorça??? E que fooorça… “Benzadeus”!!! — dá uns tremeliques, sendo prontamente repreendida pelo marido.

— Ah, não, seu Martim com as duas loucas. Ninguém merece! — faz um gesto tímido com a cabeça. — Será que estão chegando agora? É, o general dirige mesmo mal.

— Imagina um desses no meu barraco, dona Leonor? Tô até suando de nervoso. Nem o telhado resistiria com o terremoto.

— Olha o respeito! — adverte-lhe Martim.

— Deeeixe ela, Melancia! Pobre é tudo igual, sonha com o que não pode consumir.

— E por que não? — estranha.

— Olhe para vocêêê, criatuuura!!! Gorda como a Jojo Todynho, feia como o Marquito, acha que um homem daqueles lhe daria trela???

— esnoba. — Enxergue-se!!! E se contente com os restos.

“Pelo menos não sou doida de pedra” — pensa Cleide, enfezada.

— Mulheeer! O que é isso? Gordofobia, não! Dê-se ao respeito!

— Eu não estou daaando mais nada, Martim, quanto mais ao respeito. Hum! — volta-se para a empregada. — E tem mais, Cleeeide, com esse perfume vagabundo que está usando, não atrairá nem as moscas, quem dirá homens daquele calibre — vinga-se da última ofensa da empregada. — A fedentina está cruel, se bobear, teremos de mandar desinfectar o carro. Aff!

— Credo, dona Leonor, a senhora anda pegando pesado comigo, tô até magoada.

— Azar o seu! Quem manda mexer com quem não pooode!

— A senhora diz isso a quem está lhe preparando uma grande homenagem?

— HO-HOMENAGEM??? QUE TIPO DE HOMENAGEM???

— Deixe pra lá, estou sem clima…

— Dou-lhe mais um aumento…

— O clima voltou, que estranho!

— Seeei! — a mulher vira a boca, antenando-se às espertezas da empregada. — Agora que começou, termine.

— O povo de Ceilândia quer dar seu nome à nova creche que será inaugurada daqui a algumas semanas, vai ser um festão daqueles, com a presença de um bando de artistas, inclusive - segure o coração -, do Chitãozinho e Xororó. E eles disseram que só cantam, se a senhora subir no palco com eles… O povo foi ao delírio! De um lado a musa deles, do outro, artistas que cantam o AMOR! Ui! Será um “showzaço”! Tô que nem me aguento de tanto esperar.

— Mas…, mas… só se homenageia um lugar com o nome de uma pessoa morta, né, não, Melancia? E eu tô mais viva que suas lorotas, Cleeeide!

— Pois lhe juro, que morram meus filhos se eu estiver mentindo…

— Você não tem filhos…

— Modo de dizer, dona Leonor — a enxerida estranha a astúcia da mulher, como se ela tivesse acordado para seus golpes —, o povo fez uma enquete e seu nome ganhou disparado.

— E quem ficou em segundo? — pergunta Martim, rindo-se.

— O deputado Tiririca — responde, tentando conter o riso.

— EEEU GANHEI DO TIRIRIIICA??? QUE HORROOOOR!!! Esse paííís virou mesmo um ciiirco!!! — constata.

— Mas não gostei muito dos cantores, prefiro o Daniel, aí sim, o bicho ia pegar, era bem capaz de eu deixar este velho gagá só para estar ao lado daqueeele homem uma úúúnica noite.

— Sangue de Jesus tem poder!

— Caaale a boca, Melancia!!! Ninguém tá falando de igreja.

— A falta de respeito é gritante! Ainda me separo de você, Leonor! — rebate o general.

— E quem disse que ele não estará? O Daniel também virá! — completa a fofoqueira.

— DANIEEEL, AQUIII??? HUUURRA!!! AGORA GOSTEI!!! TÔ LOUCA PARA BOTAR UNS GALHOS NESSE HOMEM, CLARO, COM TODO RESPEITO, NÉ??? PORQUE SOU UMA MULHER DE BEM, RECATADA E DO LAR!!!

— E digo mais, ele quer cantar com a senhora aquela canção que o povão adora.

— QUAL??? QUAL??? QUAL, MINHA FILHA??? TÔ ATÉ ME COÇANDO!!! FALE LOGO!!!

— “Adoro amar você”!!!

— EEEEEEEEEEEEEEEITA!!!!!!!! ADORO AMAR VOCÊ???

Pois é pra já, que comecem os ensaios: “Ah, eu adoro amar você (amar você); Como eu te quero, eu jamais quis; Você me faz sonhar, me faz realizar; Me faz crescer, me faz feliz…” — a desafinação machuca os ouvidos, mas Cleide, dissimulada, aplaude, fazendo a mulher sentir-se uma estrela.

Enquanto isso…

Enrico corre o portão da mansão, tentando ver do lado de dentro, quando avista, por uma fresta, o carro preto, levando a mão ao coldre.

— Bingo! Aí está a prova!

O celular vibra com a chegada de uma mensagem. Ao ler, já não lhe restam mais dúvidas, a garota se encontra na casa. É preciso quebrar o cativeiro e salvá-la, para isso, seria necessário reforços e todas as cautelas de praxe, mas o que ele não espera é que, do lado de dentro, está Luizinho, com armamento pesado, à sua espera. Um banho de sangue seria derramado, maculando para sempre a história de uma Brasília desmiolada.

autor
Carlos Mota

com ilustrações de
Andrea Mota
 
elenco
Luara
Álvaro
Aurora
Diana
Martim Vaz
Leonor Moreira Vaz
Beatriz Vaz
Matilde
Cleide
Eufrásio
Sofia
Luizinho como Patrão e Camaleão
Egídio
Enrico
Português

trilha sonora
Immortal - Thomas Bergensen
 
produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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