Aurora deixa a varanda e vai em
busca da garota, cujas forças minguam a cada grito de socorro que liberta de
dentro do próprio coração. Acompanhada à distância por Luizinho, a cigana não
demonstra felicidade no que faz; assim como um vaso de vidro, algo dentro dela
trincou, permitindo que enxergasse o que o dinheiro lhe havia ocultado. Ah, o
dinheiro! Claro! Sempre ele! E por ele, ela deixou Sousa, deitou-se com o
patrão, comprou o que tanto almejava, curtiu o prazer de ter tudo e todos ao
alcance das mãos, desafiou os próprios limites e só não terminou morta em
Piracaia, porque os oráculos a protegeram. Sim! Ela havia abandonado os seus,
sem olhar para trás; mas eles a queriam de volta… Sentia isso!
Os apelos da mãe junto às rezas
do pai chegavam-lhe por meio da brisa, que iracunda, desajeitava-lhe o cabelo,
até chegar aos ouvidos, onde eram entregues, no intuito de que a fizessem
regressar. Ela não estava sozinha, como imaginou, e que alegria isso lhe
causava. Aos poucos, a cegueira despertada pela ganância dava-lhe a exata
dimensão do erro que havia cometido ao abandonar a família e os costumes de seu
povo, que ainda corriam-lhe nas veias, protegendo-a das armadilhas do destino.
Quanto mais se aproximava de
Luara, mais distante sua mente se encontrava, como se tivesse atravessado um
portal, regredido no tempo, de onde era possível revisitar momentos importantes
de sua vida.
Em um deles, com as bênçãos da
lua, aos pés de uma fogueira, sob o som de instrumentos artesanais, exibia-se
em um vestido longo, com babados às pontas, costurado com todo esmero pela mãe,
uma sexagenária que encontrava na natureza o sentido da própria existência; com
os cabelos encaracolados caindo sobre os ombros até encontrar a cintura, o colo
e os braços adornados por bijuterias de todos os tamanhos e formas, ladeada por
homens e mulheres de várias gerações, Aurora dançava, conectada ao Sagrado e à alegria.
Os movimentos soltos da alma dialogavam com os mistérios, com a essência da
Deusa Interior. As cores vivas de suas vestes, o bater dos pés ao chão, as mãos
e o rosto para o alto, eclodiam a sensualidade e a força feminina, que tanto
encantavam os presentes.
E foi numa dessas noites intensas que avistou Luizinho, em meio ao horizonte, como um Romeu às avessas em busca de sua Julieta. A atração foi imediata! Mesmo sendo um criminoso perigoso, ele se mostrou um homem doce com as palavras, selvagem na cama, persuasivo quanto ao futuro e isso a encantou, porque por mais que amasse dançar com os seus, a pobreza estava por todo lugar, e fugir dali era uma obsessão; aproveitou sua chegada para que pudesse atravessar as fronteiras familiares e conhecer o mundo tão desejado, regado por todos os prazeres mundanos, que só o bandido poderia lhe proporcionar.
Mas como tudo tem prazo de
validade, seu encantamento logo virou servidão e sua paixão, apenas lembranças.
Sua função, a partir de certo momento, limitava-se a alertá-lo quando o mal se
aproximava; era o seu amuleto ou cão de guarda, como ele mesmo gostava de
contar aos comparsas. E viveu por muito tempo com a escuridão dentro da alma,
sem vontade para mais nada, com seus poderes – todos os que aprendeu com seus
avós –, voltados para o crime.
E quando se deu conta de tudo
isso, sentiu uma enorme vergonha, mas não havia o que se fazer. Estava
envolvida até o último fio de cabelo com a família do Português e, um passo em
falso, acabaria enterrada viva.
No auge da arrogância, chegou à
loucura de liderar um bando
de criminosos no assalto a um
banco. Onde estava com a cabeça? Não tinha a menor ideia! Mas com Luizinho à
sua espreita, sentia-se, ao mesmo tempo que provocada, irradiante; e o que ele
mais queria eram os seus poderes e a serviço dele.
O assalto tornou-se um caos e só não acabou numa valeta, estiraça como tantos outros, porque o mesmo bandido que a seduziu, convenceu o homem de que os prejuízos seriam ressarcidos. Como? Somente com o sangue de uma inocente. E assim planejaram o sequestro.
Mas o que jamais imaginou era que durante a fase de implantação, seria atraída por um jovem que lhe roubaria os sentidos. Um verdadeiro botão de rosas em meio ao deserto, que deveria ser cultivado com todo o carinho e protegido das ervas daninhas que o cercavam. Assim como o Pequeno Príncipe, de Exupéry¹, ela tinha o seu botão, a quem gentilmente tratava por Álvaro, e por ele se tornava eternamente responsável.
E agora, diante da garota, ainda
que demonstrasse pena, tinha a possibilidade de exterminar a “peste” que
corrompia os sentidos de sua rosa. Bastava atirar-lhe alguma magia para que
fosse dessa para uma melhor, deixando o caminho livre para que conquistasse o
coração do bandido… Não! Não! Espere aí… que culpa tinha Luara de Álvaro a
amar? Longe do feitiço de Luizinho, Aurora conseguia, finalmente, distinguir o
certo do errado, como lhes ensinaram seus familiares. Então, o que fazer?
— Não me ma-mate, po-por favor! —
implorava a filha dos Vaz, encurralada, após escorregar no jardim. — Eu
imploro!
Luara estava a seus pés, toda
maltrapilha, com o ferimento gotejando sangue, bastava um simples gesto seu
para que ela definhasse como as flores no inverno… Sem ela, o caminho estaria
livre, Álvaro seria todo seu. Apenas SEU! E que prazer não sentiria? “Nenhum!
Deixe-a em paz!” — respondia uma voz que ecoava de dentro de seu coração.
A confusão de sentimentos a
perturbava, a ponto dela se perder no olhar da garota, que parecia espelhar
todo o sofrimento de Sara Kali, a serva de Jesus, que se viu obrigada a deixar
Israel por conta das perseguições aos judeus. Abandonada em um barco à deriva,
sem remo, com alguns outros, ela rezou e pediu a Deus que chegassem a salvo em
terra firme, prometendo, caso atendida, espalhar em vida a palavra do
Evangelho. E não é que a graça foi concedida! Assim como Sara, Luara era firme
no desejo de sobreviver. Então como matá-la? Não conseguia, por mais que
quisesse.
— Não me-me ma-mate, por favor!!!
— a voz quase inaudível comove a cigana, que ofega, com as mãos contidas.
— Por que Aurora não a detém? —
pergunta Luizinho, na varanda, vendo-a receosa diante da vítima. — Que diabos
ela está fazendo? Prenda-a logo, antes que alguém possa vê-la — determina o
homem. — Vamos, mulher!
E ao invés de machucá-la, a
cigana lhe estende as mãos, para o espanto da filha de Martim, que continua
retraída, em lágrimas profundas.
— Venha! Não tenha medo! Vou ajudá-la! Venha! Dê-me sua mão!
Aos poucos a neta de Beatriz toca a mão de Aurora, que invadida por energias estranhas, sente o corpo estremecer, os lábios secarem e a cútis perder o brilho; os olhos reviram, agitados, até enegrecerem; os sentidos lhe escapam e são capturados pelos espíritos da terra, que lhe urram aos ouvidos e lhe projetam parte de um futuro abjurador. Apavorada com a criatura que se levantava diante de si, Luara tenta se libertar, mas a força da cigana é surpreendente. Com os dedos lendo as linhas da palma de sua mão, Aurora enxerga o mal que ressoará do coração de uma flor machucada, ora caída aos seus pés, que se levantará como Diana, a deusa romana da lua e da caça, poderosa e forte, que vagará pelas noites feito uma fera em busca das vítimas que lhe saciarão a fome. Impiedosa e sarcástica, destilará seu perfume inebriante e letal pelas ruas da selva de pedra, ludibriando os ingênuos, sorvendo a essência dos que se acham espertos, estraçalhando e devorando os que lhe ameaçarem a existência. E seu rugido, como símbolo da onipotência, será ouvido em todos os cantos da terra, para o desespero dos homens, que tentarão contê-la, mas mil cairão ao seu lado e dez mil à sua direita e ela não será atingida. Temida pelos honestos e agraciada pelos senhores do crime, assim nascerá A Deusa Bandida, o ser supremo que atormentará a humanidade, principiando o fim dos tempos.
— Não me mate!!! — implora Luara, soltando-se da cigana, que se segura para não cair.
— Deusa Bandida?!! Não!!! Não
pode ser!!! — comenta, consigo mesma, reavendo as energias. — As forças da
Natureza devem estar equivocadas. Ela… ela não pode ser… ser… a responsável
pela morte de… de Álvaro. Não! — os olhos enfurecidos são tomados de lágrimas,
levando-a, num momento de desvario, a esbofetear a garota, que se defende,
pedindo ajuda. Aurora parecia querer vingar-se da morte do amado, que continua
vivo, sob a mira de Egídio, no quartinho.
A lâmina do punhal corre
superficialmente a garganta de Álvaro, que sangra; o pior só não acontece
porque Egídio é surpreendido por algumas palavras proferidas pelo bobalhão:
— Elisa… Elisa… me disse tudo!
— Hã!!! Do que você está falando?
— atormentado, ele é repelido com um empurrão.
Contendo o sangramento com as
mãos, Álvaro tenta se safar da sanha assassina do companheiro, que o quer a
qualquer custo, principalmente agora, que lhe encheu a cabeça com dúvidas.
— Fale, verme!!! Faaale!!!
— Eu sei de tudo, cara!!!
Rodam o quarto, um ameaçando o
outro, o que cometesse o menor erro, levaria a disputa.
— TUDO O QUEÊ??? E POR QUE ELISA
LHE CONTARIA ALGUMA COISA???
— Ela tinha medo de que você
enlouquecesse, como de fato aconteceu…
— EU VOU TE MATAR!!!
— Pois faça isso, quando todos
souberem da minha morte, de algum dos presídios que passamos, uma carta chegará
ao poder do patrão, que após a leitura, o fuzilará sem pensar duas vezes.
Egídio recupera o controle diante
da ameaça.
— Não estou entendendo nada…
— Elisa sabia que esse dia
chegaria e me armou com todas as provas possíveis para derrubá-lo, cara.
— Você está querendo me
confundir… Que história é essa? E o que minha mulher tem a ver com isso???
— Já disse, eu sei de tudo!
— Tudo o quê??? — brada.
— Foi você quem entregou o patrão
e sua quadrilha à polícia, em Sousa, a pedido do Português, que queria vê-lo
morto.
— HÃÃÃÃÃ!!!!!! CO-CO-COMO
ASSIM??? — angustia-se. —
Isso é mentira!!!
— Não é!!! E quando ele souber,
você será abandonado em uma vala, com a cabeça estourada por uma rajada de
tiros. Quer apostar?
— Vo-vo-você só pode estar
blefando…
— Então me mate e aguarde o seu
destino, que será muito pior que o meu.
— E… e por que Elisa lhe diria
isso? A não ser que… — especula.
— … ligou os fatos?
— Não! Não pode ser! —
revolta-se. — Eu matei o cara…
— … o cara errado, ainda não
percebeu? Sua mulher era minha quando você se aventurava pelas ruelas do crime.
O bandido ruge de fúria.
— Está querendo me confundir… Só
pode!
— Nunca! Você matou o cara
errado! E eu o instiguei a fazer isso, lembra-se? Enchi-lhe a cabeça para que
acreditasse que aquele coitado desse conta mesmo do fogo de sua biscate.
— Não, ele estava com Elisa.
— E o que você viu? Um homem buscando uma moto roubada, numa arapuca que eu mesmo engendrei, para que deduzisse que ele fosse o amante de Elisa? Você é tão previsível! Não pensou duas vezes, encontrou o cara na casa e pensou que era ele que lhe colocava galhos na testa… e então lhe passou fogo!
— Mas ela tentou defendê-lo!
— Você não conhecia mesmo sua
mulher, ela tinha a alma boa, apesar de se deitar ao seu lado. Tentou apenas
impedir uma injustiça e acabou também baleada. Não percebeu o quão abalado eu
fiquei ao saber da morte dela? Imbecil demais! Inventei uma boa desculpa e caiu
como um pato. Até o mais burro dos burros teria sacado, mas você, só enxergava
o que eu queria
— Ela mentiu para você — tenta
desacreditar as palavras da mulher. — Eu nunca fiz parte de qualquer tocaia
contra o patrão.
— Verdade? E contra a cigana?
Também não? Foi você que novamente delatou o crime à polícia, precisava pôr um
fim nela e nos comparsas, mas não contava com o poder dela, não é?
— Eu não sabia de cigana alguma…
— Como não? Todos sabiam de sua
existência, mas nunca a tínhamos visto, o patrão a guardava, como se fosse um
brinquedinho seu.
As palavras de Álvaro conduzem o
bandido a um passado não tão remoto, em que, na companhia de Elisa, naquele
casebre feito de barro, bem nos cafundós do Brasil, nus como vieram ao mundo,
após fazerem amor, ele comentava:
— E logo estarei no topo da
cadeia, basta pôr um fim no patrão, como mandou o Português. Ele está cheio do
idiota e quer lhe mandar para o quinto dos infernos, mas de modo sutil, para
que a bandidagem não se rebele. Apesar de frio, metido como se tivesse o rei na
barriga, Luizinho é venerado pelo crime, e qualquer ação um pouco mais
evidente, poderá causar um racha na Família, por isso, o correto será apagá-lo
por meio de um “coxinha”… A coisa será tratada com naturalidade, sem maiores
reveses.
— E isso não é perigoso? —
pergunta a mulher, de pele vistosa, unhas pintadas com vários tons de vermelho,
olhos castanhos, cabelos mais negros que os de Iracema², corpo bem-feito,
beirando 1,75 de altura.
— Não! Na hora “h” eu não participarei do assalto ao banco de Sousa, terei de alegar uma crise de labirintite ou algo do tipo para enganar os idiotas e, a partir do momento que entrarem, deverei acionar um contato nosso na polícia local, que encherá o lugar de viaturas e meterá bala, pondo um fim à vida do “camaleão” mais procurado de todos os tempos. Ele cairá e eu me levantarei, como prometeu o Português, assumindo todas as suas operações na Família. Hum! Não vejo a hora disso acontecer! Vou lhe dar o mundo, mulher!
Mas as coisas não acontecem como
previsto, Luizinho é salvo por Aurora, despertando a ira do Português, que toma
uma atitude inesperada, ao apoiar a cigana em suas pretensões dentro da
organização. E o que deveria ser um salto, termina como um voo de galinha.
Aurora deveria morrer, para que Luizinho também caísse e o lusitano, detentor
de todas as frentes, fosse o único Deus a ser cultuado no Olimpo.
— E assim faremos, mulher,
entregaremos a cigana e seu bando; com a queda dela, virá a do patrão, tão
desejada pelo Português. Desta vez eu estarei lá, bem de perto, para que nada
fuja ao controle… A casa vai cair!!! — enche-se de arrogância.
Elisa acende um cigarro, sentada
a uma cadeira de balanço, sem dizer uma só palavra.
— Confie em mim, lhe darei uma
vida de princesa, minha querida!
Mas, diferentemente do que
imaginavam, a cigana se safa, ainda que isso custe o sangue de todos os outros.
— Caralho, a puta se salvou! —
indigna-se Egídio. — O Português está em brasa, para mandar nos aniquilar,
basta um simples estalo…
— E você não disse que a
apagaria, caso algo falhasse? — pergunta Elisa.
— E quem disse que eu a vi? A bicha é fogo, mexe com magia, tem o poder dos espíritos, pelo menos dizem; pra mim, ela é filha do própria capeta! Só você vendo, ela desapareceu do nada, como se a terra abrisse um buraco e a escondesse… Rodei tudo que é canto! Mas o Português cobrará os prejuízos da operação, mesmo sabendo que o patrão não terá como pagá-los. E aceitará o plano do sequestro proposto, com a certeza de que não dará em nada, porque a família do general, apesar de influente, não conseguirá levantar a quantia necessária, pelo menos no tempo que ele dará para que seja executado — gargalha. — Você está diante do cara que tomará o lugar do patrão. E logo será a dama do crime!
Egídio retorna à realidade ao
tomar consciência da pergunta de Álvaro:
— Só não contava que ela
estivesse loucamente apaixonada… e por mim! Não é?
— Eu vou te esfolar vivo…
— Vai nada — diz, com o
sangramento contido. — Se fizer algo contra minha vida, pagará com a sua!
Adoraria ver a cara do patrão ao saber de sua traição, infeliz. As peças do
tabuleiro viraram, agora quem manda na partida sou eu, entendeu, seu BURRO?
Para quem me julga bobalhão, até que sou bem espertinho, não é mesmo? —
escarnece.
O bandido aperta os punhos a
ponto de as mãos roxearem. Enquanto isso, na mansão dos Vaz…
— Não consigo o dinheiro,
Matilde, e só temos até amanhã para pagar o resgate. O que fazer? Se Leonor
souber, vai ficar mais pirada do que já é.
— Tenha fé, senhor, algo de bom
há de acontecer para que a menina volte para casa sã e salva — tem a esperança
de que Eufrásio delate Solano, a tempo de a polícia invadir o cativeiro e a
resgatar com vida.
— De onde tira tanta esperança?
Minha filha vai morrer, mulher!
— Não vai não, eu sinto dentro de
mim…
— Vocês, mulheres, são estranhas…
— desabafa o general, abatido pelas circunstâncias.
— Estranhas, por que, Melanciiia?
— pergunta a matriarca, achegando-se. — Olhe como fala, a gente representa a
nooova geração, meu filho, né, não, Cleeeide?
— Com certeza! — responde, vindo
atrás da patroa. — E que geração! E a senhora é a líder dela. Olhe estas
imagens — mostra-lhe o celular —, não são de arrepiar?
— Pode crê! Nunca vi tanto
favelaaado na vida… Aff! — despreza. — Arrastõõões cariocas em plena capital!!!
Deviam era meter essa cambada no xilindró, mas as forças policiais, de uns
tempos para cá, não sabem mais o que é prender.
— Dona Leonor, é o povo de
Ceilândia fechando a rodovia…
— Que loucuuura!!! E a fecham por quê? Com certeza querem aumento do Bolsa Família, só pode! Trabalhar ninguém quer, né? Pobre é tudo igual! — coça o nariz. — É só dar uma oportunidade para que essa gentalha surja do nada e afane nossos bolsos. Hum! Vou falar a verdade, rico sofre neste país. É o que mais trabalha e o que é menos valorizado.
— Ô, dona Leonor, a senhora está
lesa da cabeça? — brada a empregada, para a surpresa da patroa, que a
repreende.
— Com queeem pensa estar falando,
piooolho de gente? Está despedida e sem direito a fundo de garantia!
Mulherziiinha ingrata!!!
— Essa gente está lá por conta da
senhora.
— CO-COMO? — arrepia-se, tendo
mais um daqueles arrotos de grandeza.— POR MIIIM???
— A senhora se esqueceu que eles
iriam protestar para que o Boninho a aceitasse no BBB???
— Ops!!! Pois é Verdaaade!!! VIRGI! É pooovo de todo lugar!!! Veja, veja, tem mais gente que nas motociatas do presidente… — sorri com gosto. — E escute o grito de guerra — toma o celular das mãos da empregada —, escute:
— Estão até pensando em lançar a
sua candidatura ao Senado
— completa a fofoqueira.
— SENAAADO??? EEEUU??? Tá vendo,
Melancia, tô com a moral, o povo maravilhoso de Ceilândia me ama, assim como o
Brasil também me amará.
— Povo maravilhoso??? Ué, mas não
foi mesmo a senhora que os chamou de favelados há pouco? — confronta Matilde,
inconformada.
— EEU??? Nuuunca!!! Essa gente
mora no meu coração! — vira- se para a cozinheira. — O que não faz a inveja,
né, não, Cleeeide??? Alegria de uns, choro de outros. Sai pra lá, Satanás!
— Oh, dona Leonor, a senhora não
pode… — Matilde inicia um bate-boca, mas é silenciada por Martim, que pede para
que não entre na pilha da mulher.
— Tá, vendo, Melancia, esta daí mooorre de inveja de meu glamooour… Pudera, feinha e desajeitada desse jeito, quem vai dar bola? — pisoteia. — Já comigo a coooisa é diferente, basta eu passar pra “negaiada” assobiar, pedir bis; já não aguento mais beijar o povão, o beiço tá até inchaaado. Que diiia, meu Deus!!! Imagine eu no BBB, Cleeeide?
— A senhora iria tirar o atraso.
— Que atraaaso, minha filha??? O
Melancia é desse jeito, sem sal nem açúcar, mas ainda comparece… E ai dele se
falhar, meto-lhe um gaaalho na cabeça.
— LEONOOOORRR — interrompe o
general, sendo contido por Matilde, que teme por sua saúde. — Essa mulher está
cada vez mais doida. O que eu fiz para merecer tal castigo?
— Cada um tem o seu fardo,
senhor! — responde a mulher.
— Sai pra lá, coruuuja velha! Vá
cuidar de sua vida! — Leonor não perde a oportunidade de ofender a governanta.
— E quanto a você, Cleeeide, está readmitida e com um bom aumento.
— Meu Deus! — lamenta Matilde,
observando a cara de felicidade da enxerida, que nem disfarça mais suas
táticas. — Quanta sorte, né, Cleide? — provoca.
— Dona Leonor sabe do que é bom,
né, não, futura senadora???
— SE-NA-DO-RA??? Sim!!! Sim,
claro! Claaaro!!! — orgulha-se ao ouvir novamente o povo gritar o seu nome.
O telefone interrompe a conversa.
— Sim! Pois não, delegado! Como?
Eufrásio, preso? Mas por quê? — questiona Martim.
Minutos depois, na delegacia…
— Eu sabiiia, esse motoristazinho
nunca me enganou. Com essa cara de pobre, fedendo a suor, o que se havia de
esperar? Pois cadê minha filhiiinha, seu desnaturado??? — exige a mulher, ainda
mais louca, diante do chofer, que estava sentado em uma cadeira desconfortável,
algemado.
— Acalme-se, dona! A senhora não
pode fazer deste espaço público uma extensão de sua casa. Vamos com calma! —
repreende Enrico.
— Dona Leonor — chama Cleide, de
lado, presente no local, a pedido da patroa. — Posso transmitir esse babado? A
galera ia adorar, os cortes viralizariam.
— Cê acha, Cleeeide???
— Claro! A senhora seria mais
comentada que a Ana Maria Braga… Se a senhora deixar, abro uma live já, tá
fácil de me conectar ao wi-fi da delegacia, sabe como é, pobre não tem dinheiro
para comprar dados móveis.
— Que horrooorrrrrr!!! Usar wi-fi desse lugar??? Nunca!!! Eu lhe rotearei o sinal.
— A senhora capriche, podemos
chegar a milhões de visualizações.
— MILHÕÕÕES??? Mande bala, minha
filha! Estou bem arrumada? E a pintura da cara, ainda está em pé? Este calor
está de matar!
— ESTÁ MA-RA-VI-LHO-SA!!!
As palavras da empregada soam-lhe
como aplausos, deixando-a ainda muito mais atrevida.
— Eu não fiz por mal, senhores,
meu filho… — o motorista tenta se explicar.
— Sempre soube que você não
prestaaava, Eufrásio, mas a veeelha, digo, a minha sogra querida gostava de
você, tá aí o resultado, apunhalou-nos pelas costas… — Vira-se para a
empregada, cochichando: — Ficou bom? Precisa de mais força nas palavras?
— Imagine!!! Interpretação digna
de um Óscar.
— Ó-ÓSCAR??? — os olhos brilham.
— Deixe o pobre falar, Leonor,
este barulho está atrapalhando
— reclama Martim, incomodado com
a conversa paralela.
— Para fora vocês duas! — manda o
delegado, ao perceber a live.
— Fora! Isso é o cúmulo!
— Eu quero é fiiicar!!! Minha
fiiilha está em perigo e precisa de mim…
— … bem longe dela, com certeza — completa a autoridade policial, expulsando a patroa e a empregada da sala. — Desculpe, seu Martim, mas essas duas me enlouquecem. Não sei como o senhor aguenta. Mas vamos ao que interessa, a esta altura, os policiais estão a caminho de Brazlândia, se tudo der certo, o tal Solano será enjaulado e poderemos, enfim, descobrir o mandante do sequestro e o possível local do cativeiro.
com ilustrações de
Andrea Mota
trilha sonora
REALIZAÇÃO

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