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Antologia Romance à Vista: 2x05

Conto de Jonas Leal
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Sinopse: Amor e futebol têm mais coisas em comum que o que se pensa. Os dois aceleram o coração de quem joga e exigem tudo de você. Vencer ou perder no amor ou no futebol trazem consequências severas (e severamente diferentes), e é por isso que, a cada partida, a cada passe, a cada palavra e troca de olhares até a final, um mundo de coisas pode acontecer entre dois times. Ou entre duas pessoas.

2x05 - Gol de Placa
de Jonas Leal

Seis jogos, seis dias em que o país parou.

Estávamos caminhando para o último jogo da Copa do Mundo desse ano: a final. E todos pararíamos novamente para assistir. Ao longo das partidas, eu fui ficando mais e mais patriota, algo que achei que nunca fosse acontecer. Eu, que nunca liguei para futebol — ou nenhum outro esporte, por sinal. É difícil de ignorar quando o seu uniforme do trabalho fica verde e amarelo, quando você fica preso em congestionamentos quilométricos porque todos estão voltando para casa correndo para prestigiar a seleção, ou quando isso é tudo o que os seus amigos falam sobre. 

Bom, não todos os seus amigos. Só um.

Gustavo. 

De modo geral, já era difícil ignorar o Gustavo e, recentemente, estava ficando impossível. E isso não era culpa da Copa. Era minha. Apenas o meu corpo estava na frente da televisão durante a fase de grupos, sem prestar atenção alguma ao que acontecia no campo, porque, honestamente, eu não esperava que fossemos chegar tão longe. No jogo das oitavas de final, a minha família fez um churrasco e convidamos o Gustavo. Ele não precisava de muito convencimento para assistir aos jogos, ou para churrascos.

3 a 1, o resultado. Eu só sei disso porque lembro de ele ter comemorado três vezes, não necessariamente porque eu vi os gols acontecendo. Observar ele reagindo a cada um era mais interessante. Se, antes, eu não me concentrei nos jogos por tédio e optei por focar nas mensagens que o Gustavo mandava enquanto ele assistia e tentava — sem sucesso — me explicar o que é um impedimento, agora, ele estava aqui, tão ao vivo quanto a partida que acontecia, competindo com a TV pela minha atenção (e vencendo) sem saber, e sem fazer esforço nenhum. 

Nas quartas de final, até eu já tinha alguma esperança, afinal o Brasil estava mais perto da final do que nunca. Dessa vez, o churrasco com a família deu lugar a um barzinho, e mais trezentas pessoas torcendo junto. A energia era... era legal. Mas não se comparava com a energia do Gustavo. O primeiro tempo não teve gol algum, e eu encontrei nisso a minha motivação para engajar com os lances exibidos na televisão. Um pedaço de mim achava inadmissível a falta de gols e queria ir pessoalmente até o estádio fazer algo a respeito. Sem gols significava sem comemorações, que significava sem sorrisos do Gustavo, e sem abraços do Gustavo, então tínhamos cerca de quarenta e cinco minutos para mudar isso. Melhor, a seleção tinha. 

E eles mudaram. Acredito que essa tenha sido a partida mais tensa de todas, já que o único gol tinha sido no último minuto dos acréscimos (o Gustavo me explicou o que eram), e eu não queria prorrogação (ele também me explicou o que era). Pela vitória ter sido tão suada, a alegria subsequente foi a fusão de várias comemorações juntas. O bar inteiro urrou e eu jurei ter sentido o chão tremer por um tempo. Caos se instaurou e eu quase fiquei com medo de a comoção ir além do “amigavelmente agressivo”. O Gustavo, do meu lado, eufórico como nunca, de olhos brilhando e alegria genuína, me fazia esquecer todo alvoroço ao redor, e do alvoroço dentro de mim também. Não foi o gol que fez meu coração acelerar, nunca era. E devagar, eu estava admitindo isso.

Termos chegado às semifinais queria dizer que se ainda havia alguém que não estava torcendo pelo hexa, essa pessoa tinha se convertido após o último jogo, com direito a rosto pintado, corneta e bandeira amarrada no pescoço. E, claro, agora tinha muito mais gente em todos os lugares. Se chegarmos à final, provavelmente iriam poder nos ouvir gritando da estratosfera, e qualquer bar ficaria pequeno demais para tanta gente com orgulho do tamanho do Brasil, em todos os sentidos. Por isso, decidimos ver o jogo na praia, onde tinham instalado um telão. Ótimo para ver de longe, já que a faixa de areia tinha ficado verde e amarela de tanta gente que estava espremida ali.

A partida ainda não tinha começado e já estávamos ensopados; talvez o sol também fosse assistir ao jogo e resolveu se acomodar bem em cima de nós dois, eu pensei. “A praia está bem ali”, o Gustavo sugeriu, para evitar que cozinhássemos antes de o Brasil entrar em campo. Praias nunca foram a minha cena, não por eu não saber nadar, não só por isso. O calor, a areia que vai com você para casa nas suas roupas, no seu cabelo e em partes do seu corpo em que não deveria estar me fazia recusar convites para ir ao mar sem nem pensar muito. A não ser que o convite venha do Gustavo. E aí eu aceitava, também sem nem pensar muito.

Mesmo assim, lá estava eu, lutando contra a vontade de não estar ali. Guardando o nosso lugar. Segurando a camisa do Brasil do Gustavo enquanto ele se refrescava mergulhando. As primeiras linhas do hino nacional trouxeram ele de volta para a areia e nada poderia ter me preparado para esse retorno. Ele estava caminhando normalmente, mas eu estava enxergando-o vir em câmera lenta. Nenhum sonho intenso ou raio vívido era mais intenso ou vívido que o que eu senti vendo ele caminhar na minha direção, tatuagens brilhando, luz do sol refletindo na pele molhada, gotas de água salgada escorrendo pelo seu rosto, seu peito, abdômen, braços, shorts agarrando nas pernas, e o mesmo sorriso fácil de sempre compondo uma imagem que eu não iria esquecer tão cedo.

Nem queria.

Quase relutei ao devolver a camisa dele, e só devolvi porque o que ele pensaria de mim se eu ficasse o encarando como estava fazendo por mais tempo? Pior, o que ele pensaria de mim se soubesse que eu... bom, que eu não queria somente ficar encarando ele? O início do jogo serviu como pretexto para arrancar meus olhos do Gustavo, mas não fez nada para impedir a minha mente de passear por onde passeou ou criar os cenários que criou. Envolvendo a mim e ele. Eu não conseguia mais não sentir nada quando ele colocava o braço em volta dos meus ombros e, em retrospecto, acho que nunca senti “nada”. Algo sempre estava ali, algo que eu afastava sem o menor problema, mas, de uns tempos para cá, afastar essas coisas estava sendo o meu maior problema. Porque eu não queria. Instantaneamente, se estávamos próximos, eu ficava tenso, e quando ele ia embora eu sentia saudade de sentir isso. O tipo de coisa que não se deve sentir pelo seu amigo, sabe?

O jogo inteiro passou como um borrão. Pelo menos para mim. Eu não consegui pensar em outra coisa que não fosse o Gustavo. Ao menos vencemos, de novo. A faixa de areia estava em festa porque o Brasil tinha se classificado para a final da Copa. E tinha grandes chances de trazer o troféu para casa. Eu estava feliz, pelo país. Mas só fiquei feliz por mim mesmo no dia da última partida. Meus planos eram prestar atenção aos noventa minutos por serem os mais decisivos do torneio inteiro, mas não contava com a chegada de surpresa do Gustavo lá em casa, embora fosse previsível, já que, mais uma vez, meus pais e o resto da família optaram por fazer churrasco. 

Com ele ali, a probabilidade de eu me concentrar no jogo caiu drasticamente, e ele meio que sabia disso. Era muita coincidência as nossas mãos encostarem enquanto comíamos da mesma tigela de pipoca, e mais coincidência ainda que o braço dele, supostamente apoiado no encosto do sofá, estivesse muito mais apoiado em mim que no móvel. Eu fiz contato visual com ele para tentar entender a situação e fui recebido com um olhar que durou um segundo a mais que o que deveria, um segundo que foi suficiente para me fazer me sentir nu pela intensidade daqueles olhos. Eu pensei em coisas para dizer, mas nada soava certo e, devagar, agir naturalmente e ser eu mesmo estava deixando de ser uma opção. Os primeiros quarenta e cinco minutos passaram e todos estavam satisfeitos porque o Brasil tinha saído na frente no placar. O Gustavo estava relaxado com uma vitória que podia quase saborear, e só eu na sala de estar estava com um gostinho de quero mais insuportável na boca, sem qualquer relação com o churrasco que, a propósito, tinha acabado. 

Deixados sozinhos na sala enquanto as outras pessoas aproveitavam o intervalo para assar mais carne, talvez fosse esse o único momento que eu teria a sós com o Gustavo. Momento de tirar a prova e saber se ele sentia o mesmo ou se eu tinha inventado tudo isso, mas o calor repentino que inundava o meu rosto dificultava de pensar racionalmente. Era bem difícil sustentar o argumento de que nada daquilo era real quando os nossos olhos se encontravam, ainda que estivéssemos falando sobre os assuntos mais banais possíveis. E se a linguagem corporal dele estivesse denunciando alguma coisa, era exatamente o que eu pensava. O que eu esperava. O que eu desejava. 

O segundo tempo do jogo havia começado, e a cada minuto que passava, estávamos mais próximos do hexa. E a cada minuto que passava, estávamos mais próximos um do outro também, o Gustavo e eu. Assim como na TV, no sofá, as coisas estavam caminhando rumo a um clímax, ambos liberados pelo apito final do árbitro. O grito de milhares de pessoas pôde ser escutado de perto e de longe, e na sala, o povo todo começou a pular e se abraçar. Incluindo a mim e o Gustavo. A diferença é que o povo todo não se beijou após o abraço. Só eu e o Gustavo fizemos isso. Eu pude ouvir o sorriso leve de sempre na voz dele, e senti-lo nos meus lábios. Eu não sei se foi culpa da euforia do momento ou não, e antes mesmo que eu pudesse descobrir, eu descobri que isso não importava. As mãos dele estavam na minha cintura e as minhas no pescoço dele. E por baixo da camisa dele. E no cós dos shorts dele. Eu escolhi acreditar que os sons dos fogos de artifício eram em parte para o Brasil e em parte para nós dois, porque, para um beijo, esse tinha sido digno de comemoração, fora que tinha fogos de artifício dentro de mim também, estourando com antecipação.  

Cada toque era elétrico. Sua barba arranhava a minha pele arrepiando a minha nuca e, com os olhos fechados, eu tinha me esquecido completamente de que haviam outras pessoas na sala e fui transportado para outro lugar, um lugar onde só havia nós dois. Minutos de perfeição, bons demais para serem verdade. Porque não eram. Jogando meus devaneios para escanteio, eu abri os olhos e lá estava o Gustavo — e não aqui, nos meus braços, na minha boca —, festejando com todo mundo a vitória nacional.

Provavelmente, inspirada pela conquista do Brasil, minha cabeça conjurou alguns acontecimentos a mais que exigiam algo do Gustavo que ele definitivamente não poderia me dar. Não me impediu de imaginar ele me dando isso. E, na minha mente, pouco importava se tínhamos ganhado ou não a Copa do Mundo, porque não era o mundo que eu queria ganhar. Ou quem eu queria ganhar.

Quanto a mim e o Gustavo, talvez, na vida real, daqui a quatro anos, eu marque um gol de placa também.


Conto escrito por
Jonas Leal

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Gisela Lopes Peçanha
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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