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Antologia O Mal que nos Habita - 2x01 (Season Premiere)

Conto de José Júnior
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Sinopse: O que um jovem com poucos amigos não faria por aceitação e um pouco de amizade? Neste relato, este jovem fala pela primeira vez o que aconteceu e como conseguiu reunir conhecidos e desconhecidos dentro da sua casa para ser o anfitrião mais elogiado dos últimos tempos. Mas isto era o que as vozes em sua cabeça diziam. No final das contas, o que parecia ser uma festa se transformou em uma tragédia.

2x01 - Uma Festa de Morrer
de José Júnior

Um clique e o barulho de um gravador sendo ligado.

Alô, som!? Alô? Testando...

Já está gravando? Então vamos lá! Eu fiz uma festa para a alegria de todos! Sim, a alegria de todos. E ainda fiz tudo pensando no bem da nação... Estou apenas brincando, pessoal. Exagerei. Vou começar: eu fiz uma festa legal, com pessoas legais, num ambiente legal e, acima de tudo, com uma vontade imensa de celebrar a vida. A minha própria e a de outras pessoas.  

Convidei pouca gente, mas a festa bombou geral. Eu sei, eu sei que não deveria ter feito aquilo depois, mas eu fiz. E, particularmente, acho que todos gostaram. Todos que beberam, pelo menos. E foi a maioria.

Eu já me apresentei? Não! Que falta de educação a minha, logo eu que fui o anfitrião mais destemido e receptivo... Mas tenham calma, eu vou me apresentar agora! O meu nome, senhoras e senhores, é Gabriel. Não o anjo, mas quase. Não lembro a minha idade, bateram muito na minha cabeça para eu conseguir lembrar disso. Não foram pancadas físicas, eu acho, foram pancadas mentais, entendem?  

A gente costuma levar esse tipo de pancada na adolescência. Que fase! Aí depois a gente para de gritar para fora e grita para dentro. E o grito nunca mais para de ecoar na nossa mente. Tá entendendo o que eu digo? Eu acho que está sim...

O que mais preciso dizer? Sim! Gosto tanto de festas! Mas ninguém nunca aparecia quando eu chamava para minha casa. Acho que era porque os meus pais sempre estavam lá, mas naquele dia eles haviam viajado para um lugar bem distante, bem distante mesmo... Então resolvi convidar alguns coleguinhas para uma boa festa. Certo. Dos dez que eu chamei, havia meninas também, só compareceram três. Ficamos a tarde inteira à espera dos outros só com biscoito e refrigerante (eu tinha pedido para o pessoal levar bebidas, cachaça mesmo, mas não levaram). 

Bom, depois de um tempo, meus colegas decidiram me abandonar. Mas um deles ficou comigo. Não citarei o nome de ninguém, pois seria antiético da minha parte...

“Som metálico, gritos e um chiado forte de eletrostática"

Mudei de ideia, pessoal. Eu vou citar o nome sim. Foi o Ricardo que ficou comigo. E a parte boa começa agora. Ricardo e eu ligamos para um monte de gente e chamamos para a festa. Eles aceitaram de bom grado quando eu disse que não havia ninguém dentro da casa exceto a gente. Tinham pouquíssimos móveis, pois estávamos de mudança.

Já era noite quando fui para a porta da casa ver se alguém apareceria mesmo, tive uma grande e energizante surpresa: um dos colegas que tinham ido embora, seu nome era Mateus, estava voltando com um pessoal. Umas dez pessoas, todas de preto. Suspeitei que fosse um pessoal que ficava lá na praça perto da minha casa. Percebi que eu estava certo quando todos chegaram sorridentes, com várias bebidas. Finalmente a festa ia começar de verdade. O som já estava tocando uma boa música eletrônica. Todos entraram e foram conhecer a casa. Alguns começaram a dançar, o que me alegrou muito. A festinha tinha, agora, tudo para dar certo. 

Eu pensava que a festa estava boa. Mas tinha me enganado. Outro colega meu (tenho tantos colegas, não é?) pediu para trazer mais um pessoal para aumentar o número de pessoas da festinha. Aceitei de imediato. Estava extasiado com tanta alegria, com tanta vida na minha casa. Alguém deve ter batido em mim, porque lembro vagamente que meu rosto estava dolorido. Não me importei muito com aquilo. Queria me divertir! 

Muitos já estavam bêbados quando fui à rua para ver se apareceria mais algum convidado surpresa. Quase caí de costas quando me deparei com uma galera de mais de vinte pessoas: Todos jovens e cheios de energia para colaborar com a festa. Alguém me apresentou como o dono da casa, como o anfitrião! Eu gostei muito de ouvir aquilo e me senti cada vez mais importante. Ora, ora, ora... Foi o melhor momento da minha vida ver todos aqueles jovens entrando na minha casa e quase quebrando tudo o que tinha no caminho.

Eu sempre me senti velho. Desde quando era criança. Minha alma é velha. Na verdade, eu não sou daqui, vim a passeio. E já que tudo não passa de um passeio, por que não festejar durante a caminhada? Principalmente quando algumas pessoas parecem não saber aproveitar a vida...

A festa estava realmente boa. Outras pessoas que eu nem conhecia apareciam de vez em quando trazendo bebidas e comidas. Alguém colocara um carro na garagem e ligara o som com um forró. Neste momento a casa estava com dois ambientes musicais: música eletrônica na sala e forró na garagem. 

Presenciei várias cenas inusitadas... As pessoas estavam transando nos quartos escuros! Foi sensacional ver aqueles jovens à beira da loucura dançando e transando no meu quarto e no banheiro e em todos os cantos da casa. A fumaça dos cigarros pairava no ar como um sinal de que a festa estava boa mesmo. Não sei o motivo, mas tinha começado a achar que eles não me valorizavam como anfitrião daquela festa.

Eu estava como um vigia na casa, só abrindo e fechando o portão para os meus ilustres convidados que eu nem conhecia. Eu não estava bebendo, dançando, pulando, conversando... só estava observando. Qual era o sentido daquilo tudo? Não havia sentido. Todo mundo estava perdido no mundo, trombando uns nos outros sem rumo algum. Parei de pensar aquelas coisas. Uma vez disseram que eu era maluco por pensar aquilo, então guardei para mim. 

Mas foi tão legal observar tantas culturas na minha casinha, não foi? Foi sim! E foi quando observei que não havia mais nada para beber que me veio a grande e brilhante ideia de preparar um coquetel para os meus melhores amigos do mundo todo! Amigos que na verdade eu nem conhecia, mas estavam na minha casa, na minha festa e isso já era suficientemente bom para que eu me dispusesse a fazer mais um último agrado. 

Fui até à pequena árvore que ficava no jardinzinho da minha casinha e tirei algumas frutinhas roxas. Na verdade, tirei todas que tinham. Ninguém nem me percebeu tirando. Acho que fazia um bom tempo que ninguém nem me notava na festa. Mas eu não ligava. Não mesmo. Via a diversão e isso me enchia o coração de vida. Meu pai havia me alertado de que aquelas frutinhas podiam ser veneno, pois nem os pássaros comiam aquela coisinha roxa e minúscula. Então eu pensei com meus botões: “mas estas pessoas felizes aqui em casa hoje não são pássaros, são seres humanos felizes que estão sedentos por alguma bebida”. 

Peguei o liquidificador com uma alegria imensa no meu coração. O meu peito estava subindo e descendo com força. Pensei que teria um ataque cardíaco. Abri um sorriso e coloquei tudo no liquidificador com o resto de bebida que encontrei em uma garrafa e bati. Eu chegava a dançar um pouco ao som do liquidificador preparando aquela bebida que daria mais felicidade para todos.  

Ficou tudo roxo, ficou muito exótico. Peguei alguns copos descartáveis na pia e comecei a sair distribuindo o suco para todos. Alguns iam embora, mas eu insistia que antes tomassem um gole. Outros estendiam o copo para que eu servisse. E eu servia com prazer. Enquanto eu passava servindo, via as pessoas quebrando coisas, se agarrando e se beijando, brigando e pulando, mas tudo com muita alegria e era isso que importava, só isso, a alegria. Era a primeira vez que uma festa minha dava certo, então eu tinha que aproveitar.

Fui até o portão e o tranquei de vez, agora ninguém mais sairia da minha casa e a festa duraria para sempre. A casa estava tão escura. Os convidados preferiam assim para que ficasse parecendo uma boate.

Um tempo depois, eu comecei a ouvir as vozes que sempre falavam comigo. Não eram pessoas. Eram as vozes na minha cabeça. As minhas únicas amigas. Percebi que eu tinha ficado em transe no meio da festa quando as vozes gritaram. Não sei quanto tempo fiquei ali parado com um sorriso no rosto. Mas elas ordenaram que eu desse uma volta pela casa. Estava tudo muito silencioso. Apenas uma música instrumental muito baixa tocava na garagem. Senti um calafrio e comecei a peregrinar pelos aposentos acendendo algumas luzes.

Foi a visão mais linda que eu tive na minha vida inteira. Vi vários corpos tremendo no chão. As bocas espumando e vários espasmos violentos. O chão estava ensopado de vômito e de sangue. “Acho que as frutinhas eram venenosas mesmo” disse para mim mesmo enquanto pisava em alguns corpos ao passar. O chão agora parecia ser feito de gente. Vi os rostos dos jovens que, algumas horas atrás, estavam tão animados, agora contraídos em dor.

“Por que não estão mais dançando?” – perguntei para eles, mas ninguém me respondeu. Fiquei aborrecido. Fiquei sim. Como é que eu faço uma festa daquelas e eles, os meus convidados de honra, não me respondem nada? Fiquei triste com aquela atitude deles, muito triste. Uma menina estava sentada no chão com as mãos na barriga e olhava para mim. “O que você fez?” – ela me perguntou. Eu olhei para ela bestificado. Como ela podia me perguntar aquilo? Como ela podia me afrontar daquele jeito? COMO? 

Barulho de uma cadeira sendo derrubada. Gritos. Barulho de alguém colocando a cadeira no lugar. Mais gritos.

Calma, eu vou continuar... Apenas me exaltei...

Certo. Então eu me acalmei, fiquei ajoelhado na frente dela. Seus olhos estavam cheios de lágrimas e a boca suja de sangue, acho que ela tinha acabado de vomitar uma boa porção do meu suco energético. Ela tinha um rosto assustado e envolto por dor. Não devia ter 15 anos aquela menina. Achei que deveria acabar com o sofrimento dela, eu achei isso sim. Seria uma atitude heroica de minha parte acabar com o sofrimento de quem sofre. Segurei no cocuruto da criatura, puxei para baixo e depois empurrei com toda a minha força, que parecia ter aumentado, contra a parede. 

O sangue daquela miserável sujou o meu rosto. A cabeça, assim como a parede, havia se rachado, mas ela continuava viva. Tudo bem que ela estava mais para lá do que para cá, mas eu sentia que ela ainda continuava viva e eu não podia deixá-la naquela situação. Saboreei aquele momento bem devagar. E logo me veio uma ideia: se eu consegui salvar aquela menina eu poderia salvar todos os outros!  

Uma felicidade enorme brotou no meu peito. Fui pegando cada corpo sujo que estava no chão e levando para o quintal. Alguns ainda gemiam, estes, supus, haviam bebido pouco do suco. Outros estavam só tremendo em meus braços. Nestes eu dava um abraço bem apertado e sussurrava palavras de carinho e conforto.  

Fui montando uma montanha de corpos no quintal. Tinham mais de vinte pessoas quando terminei tudo. Desliguei o som do carro, peguei um bocado de gasolina dele com uma mangueira. Foi a primeira vez que eu tirara gasolina de um carro sozinho. Aprendi em um filme. Peguei álcool também. Joguei nos corpos três baldes de gasolina e três frascos de álcool. Coloquei até um pouco de perfume para ficar cheiroso. Depois peguei os pedaços do meu pai e de minha mãe que estavam escondidos numa mala em meu quarto e coloquei na fogueira como se fossem a cereja do bolo.

Ah! O fogo foi tão lindo que eu acho que nunca na minha vida eu vou esquecer. Naquela hora eu tive certeza de que era um ataque cardíaco. Meu coração deve ter parado por alguns momentos. Só o cheiro que foi ruim, nem o perfume que eu tinha colocado amenizou aquela podridão. Mas eu tive que suportar para poder ouvir os gritos dos meus coleguinhas que ainda estavam acordados. Como eles gritavam, viu! Sorte que eles não se mexiam muito graças ao meu suco de frutas. Depois eu fui me acostumando com o cheiro e até comecei a gostar. 

A visão era melhor. Pela primeira vez eu vi um crânio humano bem na minha frente. Quer dizer... Eu tive que ficar um pouco afastado por causa do calor. Mas vi da porta da cozinha um monte de gente virar osso, eu vi e me alegro tanto! Peles caindo, um caldo se formando por baixo dos corpos. Nem deu para queimar todos porque o fogo se apagou. Alguém tinha chamado a polícia. Eu senti alguém me puxando. Não lembro quem era, sei que eram muitos. Apertavam-me com tanta força... Ainda hoje me pergunto o porquê daquela agressão toda. Nem pude ver todos os meus coleguinhas virando uma massa velha e encrespada. 

Eu lembrei que pensei sobre a vida ali. Um grito dentro da minha cabeça dizia para eu pular na fogueira, mas outro grito dizia para não fazer aquilo. Os gritos que eu tinha abafado na minha adolescência... Eu estava tão confuso...

Agora eu não sei onde estou. Sei que todo mundo aqui se veste de branco. Meus braços estão todos furados de um monte de injeções que me dão. Foi um milagre terem desamarrado a minha camisa hoje, disseram que, se gravasse isso contando como eu organizei a festa, eles me deixariam fazer outra e convidar todos os meus coleguinhas de novo. Acho que eles ficaram com inveja e querem saber o segredo de ser um anfitrião bem-sucedido. Eles ficaram tão contentes que deixaram até um suco aqui para mim. Um abraço para todos que estão me ouvindo. Eu os convidarei para a próxima festa! Eu sei que vocês querem uma festa assim. 

Um clique e o barulho do gravador sendo desligado.

Conto escrito por
José Júnior

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Mercia Viana
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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