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Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana: 4x11 - O Sociopata

Conto de Adriano Besen
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Sinopse: Não se pode compreender um monstro. Assim como a natureza de uma víbora é picar, a natureza de uma fera é atacar. Essa é a história de um sociopata contada desde a sua infância. Não se pode salvar o que está perdido.

4x11 - O Sociopata
de Adriano Besen


            Desde cedo, Jairzinho já mostrava um comportamento diferente das demais crianças da sua idade. Gostava de brincar só, sempre falando sozinho e fazendo ameaças para árvores ou animais; em uma incansável simulação de briga e lutas imaginárias. Vivia jogando pedras e empunhando pedaços de paus, e do nada, saía correndo e fingia atacar um inimigo invisível. Dava aflição observar aquele garoto. Estava na cara que ele tinha algum problema. Estava sempre de cara fechada. Nunca sorria. As pessoas comentavam que era culpa dos pais que não sabiam educá-lo; que não impunham limites. Mas a verdade é que tanto a mãe quanto o pai não sabiam mais o que fazer. E a coisa só ia piorando com o passar do tempo.

            O garoto não tinha amigos. Não tinha interesse em estar na companhia de outras crianças; pelo contrário, fazia muitas inimizades. Jairzinho agredia as crianças. Uma vez, mordeu o primo mais novo no rosto e quase arrancou um pedaço da bochecha do parente. Sua mãe chegou a tempo de tirar Jairzinho de cima do primo e impedir que o pior acontecesse. Mesmo assim, a pobre criança precisou ir para o pronto socorro para que fossem dados pontos. Jairzinho foi posto de castigo, mas nem ligou... o menino não se importava nem um pouco em ficar recluso. Os seus pais passaram a deixá-lo preso em casa, em isolamento social, para não criar transtornos e principalmente para a segurança das outras crianças.

            Na escola, Jairzinho não ia bem e, além disso, se metia em brigas com outros garotos quase todos os dias. Ninguém gostava dele. Os professores não conseguiam ensiná-lo, e os alunos da escola não o suportavam. Sendo assim, logo chegou um dia em que Jairzinho acabou sendo expulso da escola por suas atitudes violentas. Passou a ficar trancado no quarto de casa jogando videogame. Ele ficava horas e horas nos jogos extremamente violentos, e neles sentia prazer em matar pessoas e animais. Os pais não gostavam daqueles jogos, mas se reclamassem com o filho eram imediatamente agredidos com xingamentos. 

            Essa fase foi decisiva para formar uma personalidade ainda mais problemática. Aos poucos, Jairzinho estava se tornando um monstro e mais cedo ou mais tarde, ia acabar perdendo a cabeça. O rapaz não tinha noção do certo e do errado. Infelizmente é quase impossível para os médicos identificarem em uma criança um futuro sociopata ou psicopata. Os pais de Jairzinho o levaram ao psicólogo algumas vezes, mas o caso do garoto foi tratado como uma “fase de rebeldia” e “formação do indivíduo”. O psicólogo não estava totalmente errado; porém, o diagnóstico era um indicativo de algo muito pior que estava por vir nos próximos anos. Infelizmente, ao ser minimizado de maneira inocente o quadro de Jairzinho, os seus pais relaxaram no acompanhamento da séria patologia. Tudo ficou nas mãos do destino.

            Jairzinho cresceu, era agora um adolescente, era de falar pouco. Agia por impulso. Uma hora ele estava calmo e, de repente, ficava agitado e irritado. O psicólogo havia alertado os pais para um possível transtorno bipolar; no entanto, tudo não passava de especulações baseadas no que os pais contavam. Além do mais, o garoto nunca se abriu a ponto de falar o que sentia ou pensava. Jairzinho era uma incógnita social; emocionalmente parecia uma bomba relógio programada para explodir a qualquer momento. A gota d’água foi uma noite em que os pais ficaram muito assustados com o comportamento violento e ameaçador do filho. 

            O garoto quase não saía do quarto, passava horas na frente do computador jogando aqueles jogos terríveis até a madrugada. Passava dias sem tomar banho e não falava com ninguém. Sua mãe resolveu tomar uma atitude de liderança materna e determinou que Jairzinho tomasse banho e passasse a jantar junto com os pais na mesa, caso contrário, iria bloquear a internet do filho até que ele colaborasse. Essa atitude desesperada de enfrentamento da mãe foi o gatilho para atiçar uma fera. Jairzinho ficou furioso, agarrou o computador e o atirou na direção da mãe, juntamente com uma série de palavrões. O pai correu para acalmar esposa e filho; mas Jairzinho, possesso de raiva, ameaçou matar os dois, caso se metessem na sua vida. Os pais ficaram em choque. Os vizinhos escutaram a gritaria, pois já sabiam da personalidade agressiva do rapaz.

            O Conselho Tutelar da cidade logo ficou sabendo do caso problemático de Jairzinho e decidiu intervir, com a intenção de ajudar não só o garoto, mas a família também. Os conselheiros convenceram os pais de Jairzinho que eles poderiam ter um resultado positivo se o garoto fosse para um colégio interno, especializado em menores infratores, uma espécie de reformatório. Lá, o rapaz seria acompanhado de perto por profissionais capacitados para lidar com jovens problemáticos que possuíam dificuldades em convivência social e inteligência emocional. Sem outra saída, os pais aceitaram; relutantes e entristecidos. Jairzinho enlouqueceu de raiva; precisou ser contido pelos enfermeiros. Ele foi conduzido à força até a ambulância; e foi necessário sedá-lo.

            No reformatório, Jairzinho se isolou ainda mais. Falava cada vez menos, não interagia e não se socializava. Nitidamente ele nutria uma revolta interna. Certo dia, tomando banho de sol, uma atividade comum e saudável vivenciada por todos os garotos internos, Jairzinho foi provocado por um dos menores infratores. Ele se manteve aparentemente calmo por alguns minutos, até que, repentinamente, atacou. Em um movimento rápido, com as mãos, agarrou o pescoço do garoto que o desafiou e apertou com toda força. Por sorte, o segurança da unidade chegou a tempo de evitar uma tragédia. Jairzinho quase matou o garoto por esganadura.

            Seis anos se passaram no reformatório. Jairzinho passou todo esse período em silêncio; recluso. Ao completar dezoito anos, a junta médica da instituição de acompanhamento social, composta por uma equipe de psicólogos e psiquiatras, declarou Jairzinho pronto para a sua reintegração social. Ele estava liberado para voltar para sua casa. A administração do reformatório ligou para os seus pais avisando que poderiam buscar o filho. A equipe médica acreditava em sua reabilitação social. Os pais vieram felizes em saber que poderiam levar o seu filho para casa; são e salvo. Mas, o reencontro foi frio, foi vazio, distante. Jairzinho não demonstrou qualquer sentimento afetivo em relação aos seus pais. Uma atitude estranha, mas aceitável diante de tudo que o jovem tinha vivido. Jairzinho precisava de tempo, segundo a equipe médica.

            Ao chegar à casa dos pais, Jairzinho foi direto para o seu antigo quarto, e lá se trancou. Não disse uma só palavra; não quis saber de conversa. Sua mãe foi preparar o almoço e seu pai foi para a sala assistir TV. Quando o almoço ficou pronto, a mãe foi até a porta do quarto de Jairzinho e bateu, chamando o filho para almoçar. Jairzinho não respondeu; não atendeu a mãe. Alguns minutos depois, era a vez do pai chamá-lo, batendo na porta. Jairzinho permaneceu em um perturbador silêncio. Desapontados, os pais resolveram almoçar sozinhos. Acharam que provavelmente o filho estava cansado, triste, envergonhado, mal humorado, ou algo assim.

            A tarde foi passando e nada de Jairzinho sair do quarto. Os pais estavam impacientes, mas decidiram esperar. A noite chegou e os pais não aguentavam mais; estavam preocupados com a ausência do filho e aflitos sem saber o que Jairzinho poderia estar fazendo trancado naquele quarto. Quando já era quase meia noite, o pai perdeu a paciência e bateu forte na porta do quarto do filho; avisou que se ele não abrisse aquela porta, chamariam a polícia... pois estavam preocupados. A mãe estava nervosa, ao lado do pai. Um torturador silêncio imperou por alguns breves segundos, até que, escutaram o ruído da chave girando na fechadura, destrancando a porta.

            Jairzinho abriu finalmente a porta do quarto... mas tinha algo muito errado. O jovem estava desfigurado. Seu olhar era demoníaco, cheio de ódio. Parecia transtornado, furioso, como uma fera pronta para atacar. Ao abrir totalmente a porta, se revelou com um facão em uma das mãos. Diante dele, os pais paralisados de terror. Deferiu um único golpe no pescoço do pai. A cabeça do homem caiu e rolou pelo chão, o corpo caiu em seguida, espalhando o sangue que esguichava para todo lado. A mãe gritou histericamente, incrédula e tentou fugir correndo. Jairzinho a perseguiu e, antes que a mulher alcançasse a rua, golpeou-a por trás, esquartejou a mãe ainda no quintal, antes que ela chegasse ao portão de casa. No gramado ficaram as pernas e os braços separados do corpo da mãe. Havia sangue para todo lado. 

            A essa altura, a vizinhança já tinha presenciado aquela cena apavorante. A polícia foi chamada. Jairzinho tentou fugir pelas ruas do bairro e durante a fuga, ainda com o facão lambuzado de sangue dos seus pais, atacou quem encontrou pelo caminho. Um monstro indomável estava solto. Um senhor que morava na mesma rua apareceu pedindo que o jovem se acalmasse e, sem piedade, Jairzinho cravou o facão em seu abdome, atravessando a lâmina no corpo do velho vizinho. Mulheres e crianças gritavam nas redondezas. Uma noite de terror. A polícia chegou sem demora e cercaram Jairzinho que, transtornado, se negou a largar o facão.

            Um dos policiais especializados em mediar conflitos se aproximou de Jairzinho com a intenção de “negociar” a sua rendição, e de maneira tranquila pediu novamente ao jovem que largasse a arma e se entregasse. Jairzinho não dizia nada e permanecia imóvel. Ele apertava com força o cabo do facão; tinha um olhar diabólico. Todos os policiais ao redor tinham suas pistolas apontadas para Jairzinho. Um atirador de elite se posicionou com seu rifle em local estratégico, atrás de uma viatura. Um momento de impasse. Tensão total. Outros policiais ordenaram que as pessoas na rua fossem rapidamente para suas casas. Os minutos iam passando, Jairzinho não se mexia e não largava o facão. 

        Mais uma vez o policial avisou que seria melhor se entregar... e, de repente, Jairzinho decidiu atacar o policial. Em uma ação rápida, o atirador de elite, treinado para aquele tipo de situação, efetuou um único disparo e o tiro acertou Jairzinho na cabeça. O jovem morreu na hora; antes que conseguisse atingir o policial com o facão. Jairzinho era um sociopata, um bandido perigoso que agia por impulso. Provavelmente ele jamais seria curado... a tendência era de se tornar cada vez pior. Mais cruel. Mais letal. Durante a sua vida, todos fizeram o possível para ajudá-lo... seus pais, professores, assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras, e até a polícia. Mas Jairzinho era uma pessoa doente. Um doente extremamente perigoso.

       


Conto escrito por
Adriano Besen

CAL - Comissão de Autores Literários
Francisco Caetano Gisela Lopes Peçanha Liah Pego Lígia Diniz Donega Mercia Viana Pedro Panhoca Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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