4x10 - O Relapso
de Guilherme Pech
Dias tensos, aqueles. Período pesado. Noites em
claro.
Tudo
desmoronou outra vez. Voltou à tona. Objetos guardados são lembranças.
Pensamentos perdidos. Memórias podem te atormentar, te seguir pela vida toda.
Da mesma forma que a escuridão de sua própria sombra. Não há como se livrar
delas.
Semana
passada raspei novamente o cabelo e encontrei uma lembrança daqueles dias um
pouco acima da nuca: a
cicatriz que ganhei da primeira lição que tive na Casa de Detenção de São
Paulo. Chamavam também de Carandiru. O diabo podia morar no inferno, mas nas
horas vagas ele passava o tempo percorrendo aqueles corredores imundos e mal
iluminados; rindo e observando seus futuros escravos detrás das celas,
amontoados como lixo, respirando o cheiro do mal.
Toquei
naquela cicatriz diante do espelho; o coração palpitou no peito. No mesmo
instante, renasceu uma raiva trancafiada dentro de mim, como a chama que dormiu
anos até ser novamente acesa, para queimar, devastar, destruir. A raiva tem
esse poder... Você faz coisas por conta dela e pode acabar escravizado pela
culpa para sempre.
Me tornei introvertido ao
extremo, e devo isso por passar treze longos anos dividindo a cela com um
homicida e um ladrão de galinha. Meu temperamento sempre foi sério, discreto, e
até podia-se dizer calmo; mas quando entrava em fúria... Sei que cada situação
dessas contribuiu um pouquinho para aumentar a escala de meu termômetro
temperamental.
Minha faculdade de controle sempre percorreu seu
limite. Quando tinha oito anos, era vítima constante de bullying por parte de um coleguinha. Ele quebrava os próprios lápis
de cor, justamente para atirar a culpa em mim, o garoto negro quieto do fundo
da sala. A professora era uma vassoura escorada no quadro: indiferente, sem
ações. Ninguém fez nada. Você tem que fazer por si mesmo. O garoto insistiu e
insistiu, até que meu controle estourou e minha fúria me obrigou a pegar um
caco daqueles lápis e fazê-lo engolir. Desse modo, ele não pôde mais me acusar,
já que sua garganta sangrava. Senti um alívio sem sombra de culpa.
Porém depois ela veio. Ela sempre acha um jeito
de vir, não é assim?
Diante
do espelho, encarando minha marca e mal conseguindo manter a visão firme sobre
ela, voltei ao começo de tudo. Minha mãe costumava dizer: “diga-me com quem andas e
te direi quem és”. Me envergonho de pensar nisso. Tinha pouca companhia. O
Labrador (era assim que todos chamavam meu melhor amigo, pelo “faro afiado”)
era como um irmão mais velho.
O
Labrador era assim. Um excelente persuasivo. Um libertino impudico. Um filho da
mãe que me traiu quando avistou montanhas de dinheiro fácil. Eu acabara de
completar dezoito na época, e a garota que eu costumava sair estava grávida,
acredito que de mim. Laura era uma boa pessoa, correta e decente, mas sua
reputação amorosa não lhe atribuía créditos tampouco era seu forte. Labrador a
conhecia; acho que melhor do que eu gostaria.
Laura havia ganhado uma boa herança do pai, e
Labrador ficou interessado no fato. Quando ele soube que ela estava grávida,
notei seu tratamento estranho comigo. O ser humano é provido dessa capacidade,
a de mudar radicalmente por determinado interesse. Labrador pareceu querer
distância, e quando me dirigia a ele, desviava o olhar ou parecia estar
tramando algo. Um dia me convidou para um de seus esquemas, com uma desculpa
esfarrapada que já não lembro mais. Eu desconfiava de alguma coisa.
Labrador me conduziu a um beco, silencioso e
suspeito. Pude ver os olhos de um gato reluzindo em um telhado, nos fitando.
Parecia o único sinal de vida ali.
– Vai um aí? – Labrador ofereceu-me um cigarro –
Pra relaxar.
– Agora não. – eu disse, esquivando – Tô sem o menor apetite.
– Pega logo. Você fica doido de fome. – relutou,
e depois de algumas insistidas peguei para não chateá-lo.
Ele sacou o isqueiro, e acendeu o cigarro preso
nos meus lábios. Uma sensação de ansiedade – e, admito, de medo – me
estremeceu, como um pressentimento. Tinha algo a mais naquele cigarro... e os
olhos do gato pareceram me acusar de “idiota”. De repente, me senti alegre, e aqueles
olhos brilhantes se distanciaram e pareceram duas estrelas piscando no céu.
Quando cheguei ao êxtase, delirando pelo fumo,
fui surpreendido e minha desconfiança estava certa. Labrador era um legítimo
filho da mãe!
Apareceu um indivíduo, com uma toca surrada e a
corrente reluzindo no pescoço. Negro como ambos de nós. Lembrava a feição do
Fernandinho Beira-Mar. Notei o cabo de canivete preso ao cinto. Era um
canivete-alicate, e afiado. Mas minha mente girava. Aqui falo como a lembrança
racional que recordo daquele momento, mas naquele
momento eu estava entorpecido como um bêbado. Escutei Labrador dizer algo
enquanto apontava para mim:
– É com ele. Trata de acertar com ele.
Labrador
saiu, e antes lançou um tapinha amigável e maligno em meu ombro, com aqueles
dedos magros e compridos, que me arrepiaram estranhamente, proclamando a
despedida: até o inferno, moleque! Em
seguida percebi o sujeito me apontando a lâmina do canivete, insistindo no pagamento do produto – que produto? Aquele que estava
em meus lábios. Tudo era parte do plano de Labrador. Sorri com besta inocência
e uma bala atravessou a têmpora do sujeito. Ouvi a voz de Labrador, e o seu
vulto rápido, e então subitamente senti o metal de um revólver ser enroscado nos
meus dedos. Depois apaguei. Ainda vejo as sirenes da polícia.
Acordei na delegacia. Fizeram o exame.
Comprovaram os traços do produto
correndo nas minhas veias. Somaram à cena que me intimaram a confessar o meu estado mental, o sangue
em minhas roupas e a
cor da minha pele. Então fui condenado a treze anos, por homicídio doloso,
intencional, regime fechado. Meus ouvidos sangraram ao escutar “treze anos” e
“na Casa de Detenção”.
Passei pelo pavilhão 2. Fui registrado. Cortado
o cabelo. Fotografado; de frente, de perfil. Vesti o traje bege. Dirigido para
o pavilhão 4. O carcereiro me chamou de sortudo, pois aquela área era a menos
superlotada entre os demais pavilhões, e eu teria de dividir a cela com somente mais seis presos. “O que você
entende como sorte?”, repliquei. A resposta veio enquanto passávamos por jaulas
com detentos aparentemente insanos, alguns roendo seus dedos compulsivamente,
outros oscilando de trás pra frente com a cabeça baixa. Boa parte com a mão
escorada para fora da grade. Senti um asco medonho ao pensar que aquele seria
meu lar pelos próximos treze anos.
Procurei me ocupar com alguns trabalhos
voluntários – o que me aliviava o passar do tempo e ali projetava minhas
pulsões, canalizando parte da raiva – como confecção de brinquedos e outros
objetos; optei por não me juntar ao time do pavilhão, futebol pelas nove, e fui
frequentemente chamado de maricas e outros nomes devido a isso. Felizmente nenhuma
dessas palavras me afetou.
Passado algum período de tempo, recebi duas
cartas, que
contribuíram na subida do meu termômetro temperamental. A primeira era de uma
letra trêmula e aparentemente de alguém que estava escondendo algo.
“Querido M_,
Espero que isso chegue logo até seus olhos. Meu
coração está dividido. Sinto sua falta. Labrador está comigo agora, quis
assumir o nosso filho, como um bom cara faria. Estou feliz por ele e ao mesmo
tempo triste por você. Não pude te visitar, pois Labrador insiste que você é
culpado, e que devo esquecer esse passado de vez. Mas memórias torturam.
Acredito na sua inocência, sei que jamais mataria alguém, mesmo se o sujeito
fosse um traficante, e sei que nunca se envolveu com drogas. Rezo todos os dias
por justiça.
Estou contigo. Laura.”
A segunda era de uma caligrafia sinuosa, de
garranchos. Obviamente reconheci a letra esdrúxula de Labrador:
“Como vão os dias aí, moleque? Os meus estão
ótimos. Laura é uma boneca, principalmente naquelas horas, faz tudo o que
mando. Ela nem grita mais o seu nome e parece que está te esquecendo a cada
dia. A carteira dela é bem gorda e como eu gosto. Breve teremos o nosso filho, e sem demora te mandarei
uma foto dele, babando como você.
Tomara que apodreça aí dentro e que morra numa cela dessas, babaca.”
Senti uma fúria inexprimível no estômago,
causando-me azia. Se Labrador estivesse na minha frente naquele momento, se ele
estivesse...
Passaram meses e então anos. Cinco anos. Minha
aparência estava brusca; fui aprendendo as regras do pior jeito. Meu teto era o
beliche de cima. A cela, como a maioria, era apertada e úmida. Um dos meus
colegas detentos era um daqueles ratos de academia metidos a donos da verdade,
condenado por homicídio qualificado, e sempre que possível eu procurava fingir
que ele não existia. Um outro era um sujeito cadavérico, de barba amarelada e
encardida, que me convidava para acompanhá-lo em suas séries de flexões e
abdominais toda manhã. Foi
condenado por roubo e extorsão.
Fiz duas séries de abdominais e parei para um
cigarro. Escorei-me nas grades, ainda sonolento. Minhas pálpebras caiam e se
erguiam; lutando. Fitava a cela oposta sem pensamentos. Sete ou oito presos. Ouvi os passos do carcereiro se
aproximando. Quando os ouvia, eu gostava de ter a frívola imaginação de que ele
pararia em frente à minha cela, a abriria, e diria, sorridente:
– Muito bem, sortudo. Inocentado. Pegaram o
responsável.
Ele trouxe outro prisioneiro, aparentemente novo
na área, e o deixou na sala oposta. Como se o destino brincasse com minha
mente, o novo preso virou-se e eu revi ninguém menos que Labrador na minha
frente!
Ao mesmo tempo em que me senti um otário vítima
de uma ironia casual, tive a satisfação de encarar o responsável pela minha condenação,
agora preso, com o uniforme bege e o cabelo raspado, como eu.
– Olha essa! Olha como o tempo une de volta bons
amigos! – ironizou ele, parecendo satisfeito por me ver.
– Desgraçado! Agradeça por não estar nesta cela!
– Anda com saudades da Laura? Eu a matei. Sabe
como é, ela não deu mais pro gasto – Labrador gesticulou a mão ao meio das
pernas.
Dei socos e pontapés na grade. Senti uma força
anormal – e animal –
me apossar, me incorporar, como se essa força tornasse possível que eu
derrubasse a grade e fosse direto à direção de Labrador. Traguei o cigarro com
vontade.
Foram bons meses – maus, em sentido literal – assim. Encarávamo-nos
todos os dias, ele com aquele sorriso sarcástico na cara, eu com minhas
sobrancelhas enrugadas e inconformadas. O sorriso sarcástico, as charadinhas
irônicas. Meu termômetro temperamental percorria seu ápice. Minha imaginação,
nutrida pelo sentimento de raiva, começou a fantasiar maneiras de vingança. A
pior delas veio de observar as suas mãos enroscadas na grade. Aqueles dedos,
aqueles dedos malditos! Eu os fitava odiosamente, aqueles dedos magros,
compridos, tamborilando nas barras de ferro. Todo dia, a todo o momento.
Imaginava coisas terríveis. Sonhava com essas coisas. Aqueles dedos que
arrancaram o sangue daquele sujeito naquela noite, que materializaram todos os
seus crimes; eles eram a expressão física de seus atos sujos. Os dedos!
*
Houve o massacre em outubro de 1992. A Data do
Caos. Impossível esquecer. O dia em que soltaram os cães do inferno. Lembro-me
dos berros na partida de futebol daquela manhã, do tumulto, dos tiros. O
batalhão dos PMs no pavilhão 9. Muitos aproveitaram para tentar fugir. Labrador
e seus colegas de cela vinham planejando uma fuga, e naquela brecha, berraram
ao carcereiro, pedindo socorro urgente a Labrador, que fingiu um ataque epilético. Com toda a agitação,
foi fácil enganar o carcereiro, quebrar-lhe o pescoço e escapar de fininho.
Labrador parou diante da minha cela e sorriu com
olhar furioso e debochado. Fez um sinal feio com o dedo do meio, o mais
comprido e magro de todos, e correu. Bufei quase imóvel. Alguns minutos depois,
escutei disparos, e um silêncio abafou o eco de seus passos no corredor. Não se
ouviu mais falar deles. Se morreram… se conseguiram fugir…
Minha sentença acabou há dois anos. Minha mãe
falecera e eu não sabia. Laura fora assassinada por Labrador; ele não estava
brincando. Meu filho, Maicon – então um garoto com treze anos, a idade de
quando entrei no Carandiru – se parecia muito comigo; era esguio, magro. Sua
voz estava mudando e se tornando grave e intimidante como a minha. Ganhava os
primeiros fios de barba no queixo. Cresceu sob a custódia da irmã de Laura,
Lena.
Quando o conheci, optei por deixar minha raiva
no passado. Ele não sabia muito sobre mim, a princípio. Apenas acreditava que
eu era culpado, como todos na família. Eu desviava o assunto quando ele queria
descobrir a razão de seu pai ficar na Casa de Detenção por treze anos.
E
cá estou eu, após ter deparado com aquela cicatriz acima da nuca, a lembrança
daqueles dias que
já mencionei; Maicon a viu, e notei a curiosidade no fundo de seus olhos
adolescentes virar em desconfiança. Acho que buscando respostas, encontrou
aquelas duas cartas revirando as minhas coisas – por que eu as guardei?!
Maicon me trouxe as cartas para tirar
satisfações e, no momento em que revi as letras de Laura e Labrador, uma
sensação horrível oprimiu o peito. Aquela fúria incontrolável. O termômetro
temperamental reacendeu dentro de mim. Peguei-as, e afundei meus dedos no
tecido do papel, já amarelado, fazendo-o desmanchar com meu ódio. Maicon se afastou
subitamente, como se visse um monstro.
E foi a partir daí que o terror despencou sobre
minha cabeça e meu chão desabou de vez. Todos disseram que ele morreu no massacre, mas não. Ele não morreu.
Não podia ter morrido. Eu é que devia matá-lo.
Só assim mataria as lembranças daquela fase cruel.
Eu vi Labrador, ou sua aparição, me encarando do
outro lado da rua, em frente à escola de Maicon. Ele estava lá, mas não consegui
alcançá-lo ou manter a visão firme por muito tempo.
Naquela noite, por alguma razão, mexi na mochila
de Maicon. E para minha surpresa... se há um Senhor da Justiça Divina, acho que foi Ele quem me
induziu a fazer isso. A vasculhar a mochila dele!
O canivete-alicate estava lá. Sim, aquele que vi
preso no cinto do sujeito que Labrador matou... como foi parar ali? Peguei-o e,
por precaução, o escondi numa gaveta do meu quarto.
Mas algo continuava estranho. Um zumbido na
minha cabeça avisava. Ele devia estar por perto; rondando meu filho e minha
nova mulher – Lena e eu estávamos nos aproximando; ela era muito parecida com
Laura.
Tive um sonho com ele. Sonhei com a escola de
Maicon, e ele estava lá... parado em frente, planejando buscar meu filho antes
do horário normal, para fazer com ele o que fez com Laura, com o
canivete-alicate na mão.
Meu coração palpitou violentamente, e acordei
com a voz de Lena ao meu lado.
– Ele... ele não morreu. Ele está por aí. E vai
vir nos matar... O Maicon... – murmurei a ela, secando o suor na minha testa.
– Labrador está morto. Deixe o passado no
passado, querido – Lena me observava assustada, tentando me confortar sem
sucesso, com a mão quente sobre o meu ombro. Permaneci atônito e ofegante, mas
fiquei extasiado com a sensação acolhedora de seus dedos quentes, macios,
delicados e angélicos, como os de Laura.
Não quis desapontá-la, no entanto fingi o sono
sem conseguir desvanecer a imagem dele
da tela perplexa da minha mente.
Percebi que realmente estava me envolvendo com
ela, isto é, evoluindo da paixão para o amor, e agora percebia que Maicon, ela
e eu poderíamos ser uma família feliz como nunca. Apenas tinha de encontrar
aquele fantasma que voltou do passado, e matá-lo de vez.
Preparei um jantar especial para nós. Servi um
bom vinho seco, e em sua taça, eu havia colocado a aliança de noivado. Ela logo
percebeu minha ansiedade e sua face se deleitou num sorriso largo que jamais
conseguirei esquecer. Pôs o anel no dedo, combinando-o com a cor azul-turquesa
das unhas, que a deixava mais apaixonante ainda. Lena me retribuiu com um beijo
de presença e seus dedos delicados surfaram no meu rosto, com a aliança
brilhando no anelar.
No dia seguinte, o terror voltou. Tive algum
sonho de relance, estava dentro do Carandiru, em frente a Labrador, os dedos
tamborilando nas barras de ferro. E durante todas aquelas horas eu passei
matutando o seu paradeiro. Via Labrador em qualquer pestanejada. Já estava
alucinado. Cruzando a pista do delírio. Acredito que algo como uma força
telepática – ou o poder de uma lembrança – estava me invadindo e perturbando.
Era noite, e um vulto percorreu lá fora; avistei
pela janela. Pedi que Maicon ligasse as luzes e trancasse todas as portas. Lena
havia sumido. Peguei meu telefone, mas ainda preferi esperar antes de pedir
socorro. Algo se refletiu no espelho da cozinha, e jurei que era o rosto de Labrador.
Ele estava me rondando. Aquele seria o encontro final. Fui até meu quarto e
peguei o canivete-alicate e o armei.
Escutei um barulho vindo da escada. Fui até o
corredor e vi uma sombra parada ali. Era ele. Labrador. Arremessei-me sobre seu
vulto, encurralando-o com a lâmina no pescoço. Ouvi gritos.
– Onde eles estão, seu infeliz? O negócio é entre nós, deixe-os! Deixe-os em paz! –
Berrei, e ele sorriu maliciosamente. O mesmo sorriso de quando tinha fugido de
sua cela. Não respondeu uma palavra sequer.
Lancei um soco em seu maxilar e o sorriso
continuou, embora enfraquecendo. Arrastei-o como um amontoado de lixo inútil
até meu quarto. Ergui a lâmina ao seu pescoço, e com meu punho apertei-o. Ele
tossiu e arquejou. Apertei mais.
Meu termômetro temperamental havia explodido
quando eu tocava,
minhas forças aprisionadas liberadas e minha maior fantasia estava prestes a
ser realizada. Dei um tabefe pesado na sua têmpora:
– Isso foi por mim. Agora vai ser pelos seus
atos. Um por um. Por essas mãos sujas...!
Labrador estava amolecido sobre meu colo, e eu
peguei a sua mão áspera. Os dedos compridos e finos. Direcionei o
canivete-alicate afiado para eles.
– Esse foi pelo cara que você matou – (claft!) craft!. Quebrei o primeiro dedo.
Seu grito soou como um eco, mas eu pensava apenas nas vozes de Laura, Lena e
Maicon, que pareciam soar distantes aos meus ouvidos.
Quebrei o segundo (claft!) – por Laura –, quebrei o terceiro (claft!)
– pelo carcereiro –,
quebrei mais um (clouft!) – pelos
anos no Carandiru –,
e desconjuntei toda a sua mão. Meu termômetro temperamental estava começando a
se equilibrar.
– Não! Não! O que... Por quê... Pai!
Escutei gritos de Maicon, distantes,
horrorizados, vindos de algum universo paralelo à minha realidade. Então o
percebi parado no limiar da porta. A expressão era de um horror que hei de ver
e rever até que meus olhos não se abram mais. Ele estava morto de medo, e viu o
corpo em meu colo. Baixei o olhar. Minhas veias todas congelaram. Um polegar,
um médio, um indicador e um anelar com aliança de noivado e unhas de esmalte
azul-turquesa rolaram sobre o tapete do quarto.
Guilherme Pech
Bruno Olsen
Cristina Ravela
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