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Flor-de-Cera: Capítulo 33 (Último Capítulo)

Novela de Carlos Mota
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FLOR-DE-CERA - CAPÍTULO 33 (ÚLTIMO CAPÍTULO)


– Pedi tantu praqueli num vinse pra Sun Paulo, tinha medu di qui o curação deli se perdesse.

– E... e... se perdeu, minha querida! – fala a mulher, com muita dificuldade. – Não queria que seu filho partisse tão rápido... Perdão! Perdão! Perdão! Sinto-me culpada por tudo que lhe aconteceu.

– Não fali bobage, a dona feiz o qui pôdi pra eli, ieu sei di tudo, niguém aqui é curpado di nada. Nóis erra pruque sômo tudo fio di Deus, né, fia? Qui graça a vida tiria se nóis só fazesse coisa certa? Nóis teim di errá pra acertá. Sabi, eli amava tanto a dona qui mi mandô uma carta cum umas palava difícer. Coitadu! Isqueceu qui sua mãe é burra guar topera, qui num sabi nem lê. Óia! – mostra-lhe o que seria um poema. – Teim tanta palava aqui qui inté o seu Jão da mercearia ficô bobo di vê. Quandu eli leu, ieu chorei. Pru isso qui ieu quis tanto vê ocê, dona! Esta carta é pra sinhora, não pra mim.

A mulher abraça Catharine com o amor de uma mãe e termina o diálogo, dizendo:

– Deus ti guardi, dona! Agora perciso i, meus fio tão isperanu u Juaquim; ele irá com us avós. Já intá tudo perparado! – dá-lhe a carta e se vai.

Quando encontra a primeira letra da carta do amado, as lágrimas descem desordenadas pela face da filha de Franceline.



Enquanto as estrelas choram as dores dos homens, Ernestina chega ao hospital, pede autorização, vai ao C.T.I, onde encontra Catharine adormecida, com a folha entre as mãos. Comovida, dá-lhe um beijo de leve, depois corre os dedos pelas longas madeixas e se afasta.

– Não fique assim! – pede Stella, percebendo a tristeza da mulher.

– Será que ela sairá dessa, doutora? Às vezes me pergunto o porquê de tantas coisas ruins nos acontecerem. Por mais respostas que encontremos, nenhuma delas consegue me acalentar a alma, como se o sofrimento fosse algo que devêssemos sentir... Um prazer insano de Cronos¹!

– Não diga isso! Nada na vida é por acaso!

– Espero! Porque enquanto muitos estão aí fora cometendo as maiores atrocidades, esta mulher – aponta para Catharine –, que só praticou o bem às pessoas, está entregue a uma maca, com as horas perdidas, os dias contados. Isso me indigna.

– Tenha fé! – diz, acariciando-lhe as costas com as palmas das mãos. – Tenha fé! – se vai.

Ao arrumar os lençóis, Ernestina retira da mão dela a carta entregue por dona Josefa e se recolhe a uma cadeira. Com a cabeça apoiada à parede, sente o gelo trincar-lhe a esperança, respira fundo e começa a chorar, lembrando-se do momento em que chegou à cidade. Faz muito tempo! Dona Franceline era um doce de criatura e a menina uma verdadeira florzinha-de-cera. Com ela a tiracolo, brincavam de boneca em uma casinha de madeira lá nos fundos da propriedade; jogavam pedrinhas na fonte e corriam pelo jardim como almas livres. Não havia quem não as admirasse. Era lindo de ver! Uma mulher se tornando criança para que outra criança se fizesse feliz. O passado é eterno, mora dentro do coração, como dizem os poetas e ela tinha a prova disso. E como tinha! Catharine não era uma mulher qualquer. Era a filha que o céu lhe negou, a pessoa com quem mais se preocupou durante grande parte de sua vida e a quem dedicou todos os mais nobres sentimentos. Por ela, foi capaz de acreditar no futuro, algo que a leitura e a escrita agora tanto lhe proporcionam.

A dor em saber que ela poderia partir a qualquer momento a deixava fora de si, com o coração à boca. E como não ficar? A dama de Vila dos Princípios, condenada a uma doença cruel, jamais daria o ar de sua graça aos salões por onde valsou tão deliciosamente e cultivou tanta admiração. Assim como a cidade, ela se ia! Ambas, de alguma forma, pareciam conectadas! Que ironia.

Ajeitando-se à cadeira, volta-se para o papel, abre-o e leva um susto. Seria possível?

– Ernestina, você é o meu exemplo... – diz Joaquim, num passado não tão remoto.

– Que história é essa?

– Quando a vejo, tenho a impressão de que reflete os caminhos que devo seguir. Forte, inteligente, capaz das mais belas ações àqueles por quem guarda enorme carinho... Eu a admiro!

– Por que está me dizendo isso?

– Soube que quando chegou à mansão, não sabia ler nem escrever; era como um bichinho, tinha medo de tudo e de todos, porque se sentia inferior, tão inferior, que mal falava, justamente para que não a ouvissem pronunciar as palavras com erros. Mas superou os próprios limites, e com dona Catharine do lado, trilhou o caminho dos grandes.

– Ainda não sei o porquê disso, meu querido! – olha-o com ternura. – Apenas não me deixei abater pelas chibatadas da vida; havia de ser grande e o sou, pelo menos no conhecimento.

– É grande em tudo! Tem um coração que não cabe no peito, uma alma nobre, que exala o perfume dos anjos e venceu as sombras da ignorância.

– Que lindo! Lendo poesias?

– Até tentei, mas desisti. Sou xucro para a leitura.

– Não existe isso! Acredite! Pegue um livro e o devore como se fosse o último; beba cada palavra como se fosse parte de sua história e viaje pelo mundo mágico da inspiração. Se dinheiro nos falta; aos nossos pensamentos não há limites. O maior presente doado aos homens por Deus!

– Quando a vejo lendo, sentada lá na cozinha, tenho vontade de me aproximar, pedir um espaço e me perder nas letras assim como faz, mas tenho vergonha, porque, apesar de alfabetizado, não consigo entender muito bem as coisas... Tenho um pouco de dificuldades para interpretar!

– Quem disso isso? Você resolveu se trancar de um jeito que o brilho das letras não mais o alcançam. Venha cá! – pede, puxando-o para uma cadeira de canto. – Pegue este livro, pegue, não tenha medo!

– Eu... eu... não sei nem como segurá-lo! – sorri.

– Como treme, rapaz! Deixe disso! Vamos lá! É o livro de um dos maiores poetas parnasianistas, amado por uns, odiado por tantos outros, mas que deixou sua marca na História, ao moldar as palavras como o ourives ao ouro, em poemas perfeitos. Veja. Sinta. Ouça cada palavra. É um tributo às almas apaixonadas.

O rapaz não reage, fazendo que com que ela tome a iniciativa:

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.
Não me basta saber que sou amado...

Entrega-lhe o livro para que continue. E ele o faz, com muita dificuldade, tropeçando nas palavras, para comoção da empregada, que o corrige com delicadeza, de modo que ele não se sinta diminuído.

– Nem... nem... só de-desejo o teu amor: desejo

E toma gosto pela leitura, não errando os versos seguintes:

Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.
E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;
E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.

Joaquim termina a leitura dos versos com os olhos encantados e um largo sorriso nos lábios.

– A estrofe que terminou de ler pertence ao poema Via Láctea, de Olavo Bilac. Gostou?

– Estou até sem fôlego!

– Quando a gente conhece obras como a desse autor, percebe que há um mundo imenso aí fora para ser desbravado, por isso, por mais que tenhamos medo, nunca há de desistirmos de nossos sonhos, daquilo que tanto planta esperança em nosso âmago.

– Eu escrevi um poema...

– Você escreveu um po-poema? – surpreende-se a mulher.

– Sim! Mas joguei fora! Estava horrível!

– Não diga isso!

– Se eu lhe disser tudo o que sinto, não pode escrevê-lo para mim?

– Mas a poesia é o reflexo mais íntimo e cristalino da alma de quem escreve; como chegarei aonde deseja? E... e... eu nunca criei algo assim! Leio-as aos montes, já criar...

– Faça! Confio em você!

– E sobre o que falaríamos?

As horas se escondem nas asas do tempo, ao final do dia, no mesmo lugar, Ernestina lhe entrega o que seria a alma do motorista em palavras.

“Hoje quando os olhos do mundo se abriram
Percebi que te amo!
Amo-te neste meu coração cheio de tempestades
E morrerei por amar-te mais do que pude

Mesmo quando as taças transbordarem goles grandes de desgosto
Serei capaz de sussurrar versos lindos e tristes.

O amor tem certo rubor, cintilante e rude
Gritarei esse amor dos arranha-céus, cravados nas cidades.

Percebi que te amo
Nessa manhã, quando as flores se abriram em luz e sorriram.

Tu és uma delicada flor-de-cera a derreter-se nesse meu peito
Sucumbindo estou, por não ter teus olhos dormindo junto aos meus
Nessa manhã, quando as flores se abriram em luz e sorriram.

Quando o sol espreguiçou-se lá atrás das montanhas
E todos meus desejos armaram-se estendidos no horizonte
Delicada flor-de-cera, meu peito virou teu pedestal.

Quando encherem-se os castiçais com lágrimas medonhas
De homens que amam sozinhos, e de ti já estiver bem longe
Tua boca meu sepulcro e minha alma a dormir aninhada em tuas entranhas.”

– Ernestina... como posso agradecê-la? Sua poesia grita dentro de mim!

– Sua alegria é o meu preço. Se está feliz, também estou! Mas a quem entregará?

– Não sei! Apenas... – sorri de vergonha.

A empregada compreende tudo, contém-se, e se afasta, sabendo que um dia todas aquelas palavras encontrariam sua musa inspiradora.

– E encontraram! Depois de tanto tempo – diz, consigo mesma, dobrando a folha. – Que incrível!

Levanta-se para ir embora, quando Catharine a segura pela blusa.

– Ernestina! Minha querida amiga!

– Senhora! Minha senhora! Sairá dessa, confie!

Solta-a bem devagar e volta a adormecer.

– Quem ama não morre, atravessa o tempo, deixa sua marca no coração e na alma daquele ou daquela a quem ousou um dia suplicar em demasia, não é, Joaquim? – indaga, colocando a carta de volta ao lado dela. – Será sua companhia pelos longos dias que virão!

Os ponteiros do relógio avançam sobre as semanas, levando consigo muitas histórias que serão unidas a tantas outras no enorme livro da Vida...

– Dona Catharine! – chama-a a doutora Cleuza Eliane.

– Sim! – responde, acordando.

– Como está?

– Ainda vivo? – inquire, impressionada.

– Claro que sim! Veja! – aponta-lhe a janela. – O dia lhe sorri de novo!– diz, afastando-se aos poucos.

– Eu sobrevivi àquela tempestade? Como? Já estava à deriva, sem o bote salva-vidas...

– Apenas imaginou estar à deriva; talvez até estivesse, mas uma Dumont é forte demais para se abater às intempéries do destino. Assim como uma estrela a cintilar o céu, deixa para trás toda a dor e renasce das cinzas, ainda mais forte! – responde a empregada, entrando no quarto, para onde ela havia sido levada.

– Sou uma Arraia, Ernestina! – sorri, corrigindo-a. – Dumont ficou para trás.

– Que seja! Passou por um transplante de medula, teve altos e baixos, inclusive chegaram a dizer que estava morta; como uma flor-de-cera, a fragilidade é apenas aparente! Não é que driblou a deusa da morte e cá está, conosco, pronta para reassumir a vida a que tem direito.

– Como saí dessa? Como conseguiram um doador compatível? Lembro-me vagamente de que lutavam para encontrar alguém que pudesse me devolver esta alegria.

– Sabe, minha senhora, quando estamos perto do fim, achando que tudo está perdido, eis que uma porta se abre, e dela surge o inesperado, que nos pega no colo e joga para o alto com toda a alegria do mundo.

– Do que está falando, mulher? – diz, sorrindo, em meio à sonolência.

– De seu pai!

– Rubens?

– E de quem mais seria? A senhora lutou bravamente contra a leucemia, e sem que percebesse, ele esteve ao seu lado o tempo todo, como um cavaleiro a defender sua princesa.

– Ele foi o doador?

– Pois é! Como a vida nos prega peças, não é?

A mulher silencia.

– Ei, o que houve? Está chorando? – acode a empregada.

– Eu o desprezei tanto e ainda assim...

– Que pai não perdoa uma filha? Ainda mais quando esta deixou de ser uma Dumont para se tornar uma Arraia.

– Não mereceria tanto amor! Só cultivei o ódio!

– Mas a ele só deu alegrias! Estranho, não? Repense o que está dizendo!

– Não tenho como falar com ele... Sinto vergonha!

– E por quê? Acha que é a primeira filha a dizer que odeia um pai? Que audácia!

– Acha mesmo? Talvez nem queira me ver...

– Este homem transferiu a casa dele para dentro deste hospital... Como não quer te ver? Chega de dor, vamos, é hora de sorrir. Você venceu a primeira batalha; outras virão, mas há de estar mais forte e acompanhada do homem que o céu lhe escolheu como pai. E agora não o deixe partir! Já lhe tiraram muita coisa!

– Alana... me tiraram minha filha!

– Mas Alana vive em você, basta se ver no espelho. Então, nada de choro! Levante essa cabeça, tome um bom gole de ar e receba seu pai, que a esta hora está na sala dele, dormindo em uma cadeira de madeira, aguardando o momento que acordasse. E além dele...

– ...não entendi!

– O mesmo fez o jornalista. Daqui não arredou o pé!

– Pietro? Como pode? Nem o conheço direito.

– E desde quando o amor segue um regramento lógico?

– Ernestina...

– É a vida lhe sorrindo outra vez. Sabe, enquanto estamos aqui, parte do povo da cidade, mesmo tão judiado, orou pela senhora. Fizeram promessas, acenderam velas, celebraram missas, cultos e tudo que se fizesse necessário para que suas preces chegassem ao criador; não queriam perder aquela a quem amam como se fosse uma rainha aprisionada à masmorra de um enorme castelo. Eles parecem não compreender que aqui não há monarquia! Choraram pela senhora como os ingleses pela princesa Diana. Inacreditável!

– Depois de todo mal que minha família lhes fez?

– Sua família; não a senhora! Aliás, está na hora de assumir as rédeas do jogo e devolver um pouco de esperança também a essa gente humilde. Nunca vi tanta dor em um só lugar. Meu Deus! Ficamos muito tempo alienadas naquele casarão, vivendo os costumes europeus, e não percebemos o choro dos mais pobres pelo pão que não se tinha. É de cortar o coração. E agora, o que será deles?

– Alguém há de ser eleito para ajudá-los.

– O único capaz de tal empreitada não tem recursos. Zé dos Cobres. Eu o conheci! Um bom homem, mas...

– Não tinha... Hum! Refaça a frase.

– Como assim, senhora?

– Se você diz que é um homem justo, por que lhe negarei ajuda? Não sou uma legítima Dumont, mas até onde sei, todo o império construído por Dilermando está em meu poder; portanto, ao povo o que é do povo! Nada mais justo!

– Senhora! Eu queria lhe pedir isso, mas tinha medo de que não me entendesse. Até seu pai ficará feliz, porque também acredita nele.

– Bobinha!

– Catharine... – achega-se Rubens, bastante acanhado. – Está bem?

– Pode nos deixar a sós, Ernestina? – pede a patroa.

A empregada se retira.

– Queria que soubesse que irei embora nos próximos dias – anuncia o médico.

– Como assim? Embora para onde?

– Para qualquer canto deste mundão afora.

– Seu lugar é aqui.

– Foi, Catharine! Não é mais!

– Por minha culpa?

– Imagine, minha fi... imagine! Acho que meu tempo em Vila dos Princípios esgotou-se. Por cada canto que passo há lembranças fortes, maculadas pela dor; como viver assim? Preciso partir, arranjar um lugar deserto e viver até o final de minha vida a paz que nunca tive. Talvez eu vá para o exterior, compre uma pequena fazenda e cultive alguns grãos... grãos? Não! Melhor aves! – dá uma risada sem graça.

– É assim que diz me amar?

– E amo, menina! Amo muito! Pena a vida ter nos separado por tanto tempo.

– Mas eu estou aqui...

– Não precisa dizer nada, sei que me odeia, que fui o homem que tanta tragédia trouxe ao seu lar. Mas quero que saiba que não tive culpa, porque, passional como sou, não pensei duas vezes em lutar pelo amor de sua mãe, mas ela resistiu até o final, mantendo um casamento de faz de contas. Não quero julgá-la – longe de mim, mas talvez ela estivesse certa. Dilermando, por pior que fosse, fez de você uma rainha para essa gente.

– Dilermando não amava ninguém! Nem a si mesmo! Talvez visse em mim a pureza que lhe faltava ao espírito.

– Você já sabe de tudo?

– Certamente! Estou aqui há quase três semanas e, em uma das visitas, doutor Jaime me relatou toda a história. Mas isso agora é passado.

– É verdade! Você renasceu! Precisa buscar um caminho mais aprazível.

– Isso é impossível!

– Não diga isso! Por que impossível?

– Como quer que eu tenha uma vida mais feliz sem a presença de um pai?

– É, Dilermando se foi!

– Não estou falando dele – seus olhos ofuscam a capacidade de raciocínio do homem.

– Espere! Você está dizendo que...

– Não posso começar uma vida nova, nesta cidade em que tanto sofri, sem o apoio de um pai.

– Mas... mas...

– Doutor, Maria está no telefone, quer saber quantas malas pretende levar – diz uma funcionária, interrompendo a conversa.

– Eu... – visivelmente perturbado, ele balbucia alguns sons, nada que respondesse à pergunta.

– Doutor Rubens... – insiste.

– Eu... eu...

*(Introduzir a Canção do Perdão – Marcus Viana)

– PAI!

– HÃ – o homem se perde nos pensamentos. – Ela me chamou de pai? Não pode ser!

– PAI, ME PERDOE! ME PERDOE! – suplica, com o coração aberto. – FIQUE COMIGO! PRECISO MUITO DO SENHOR! POR FAVOR!

– Vo-vo-cê me... me... me... chamou de PAI? É ISSO MESMO QUE OUVI?

– SIM! MEU PAI!

– Doutor Rubens... – a funcionária repete.

– EU TENHO UMA FILHA! EU TENHO UMA FILHA! – grita de alegria, com os olhos derramando lágrimas. – EU TENHO UMA FILHA! NÃO VOU MAIS PARA LUGAR ALGUM! DIGA A MARIA QUE AS PRECES DELA FORAM ATENDIDAS!!!

– PAI... VENHA AQUI!!! – abraça-o com força, também em lágrimas. – PERDÃO PELO QUE FIZ!

– Minha princesa... é... minha princesa, minha princesinha, não tem que me pedir perdão! Você é o fruto de um grande e intenso amor! Nunca vou deixá-la! Nunca! Ernestina – grita o homem –, venha, ganhei uma filha.

– Meu Deus! – diz a empregada, entrando no quarto, aos vê-los abraçados.

– Ganhei uma filha, Ernestina! Ganhei uma filha! Ganhei uma filha!

Catharine ganhou um pai e Rubens uma filha. Para a alegria de Franceline, onde quer que esteja. Quem um dia pensaria nisso? Contra o que está escrito, nada se pode; cumpre-se! Não importando os rascunhos dos homens. (termina a música)*

Zé dos Cobres se torna o candidato oficial dos Dumont, sendo eleito prefeito com 90% dos votos válidos, para a alegria dos amigos Alberto e Ricardo.

– Ganhamos! – gritam.

– Vamos reconstruir esta cidade, senhores! Mãos à obra! – anuncia o ferreiro. – Meu povo há de ter o melhor! Eu prometo em nome da mulher e do filho que a terra me levou!

– Estava na hora! – comemora Pietro.

– E você, meu amigo, não soube mais nada do ex-prefeito? – pergunta Alberto.

– De Tanaka Santuku? Nada! Desapareceu junto ao motorista daquele veículo. Fizeram buscas por todos os cantos, mas não o encontraram. Há quem diga que ele virou uma enorme garrafa de saquê – riem. – E quanto à mulher dele, a Interpol ainda está atrás, mas os bens do casal, como casas, carros e contas em paraísos fiscais estão bloqueados, aguardando os trâmites do processo. A Lava Jato há de devolver todo o dinheiro desviado aos cofres da prefeitura.

– E George?

– Louco de pedra! Desse tive dó! Às vezes, segundo me informaram, passa os dias e as noites gritando que monstros surgem das paredes para devorá-lo.

– Pois é! Cada um recebeu o seu castigo, o destino foi mesmo implacável! E você, como está?

– Eu? Estou indo, doutor Alberto.

– E como anda o coração?

– Catharine me convidou para ouvi-la tocar piano hoje à noite.

– E você vai, né?

– Sim, mas tenho um pouco de receio. Acho que sonhei alto demais.

– Não diga bobagens. Corações inseguros criam obstáculos de toda sorte, e para quê? Apenas para diminui-los diante de quem amam. Então, se deseja desbravar novas searas, esse é o momento; caso contrário, desista de tudo, pegue o carro e vá para outro canto. A História não guarda lugar para covardes.

*(Inserir a música: Victory - Two Steps From Hell)

– Uma carta para mim? – pergunta-se Ernestina. – De quem será?

Dá um grito.

– O que foi Ernestina? – pergunta Catharine.

– Senhora! Senhora! Não vai acreditar!

– O que houve? Fale, mulher!

– O Joaquim, aquele rapaz levado – sorri –, mandou a cópia de minha poesia para uma editora e não é que gostaram? Querem outras. Será que vou virar escritora? Sei tão pouco das coisas.

– Venha cá! – a mulher lhe dá um forte abraço. – De uma analfabeta a uma escritora... Quem disse que acreditar não vale a pena? Você está apenas colhendo o que plantou. Pois é uma demiurga²! Cria os próprios caminhos.

– Para quem dizia que eu nada seria, como seu George, o destino provou o contrário.

– Não foi o destino! Foi você, que com uma pena em punho, não teve medo de reescrever a própria história. Que orgulho! Mas, me diga, qual poesia ele mandou?

– Não vai acreditar!

– Pois fale!

– A mesma que escrevi sobre a senhora...

– A mesma poesia?

Há um silêncio entre elas.

– Sim! Ficou chateada? – arrisca-se.

– Não! Sabia que era sua! Em cada verso há um toque sutil de sua alma... Você o refletiu como ninguém! E o engraçado de tudo, que esta carta rodou o país e só me chegou depois da morte dele, pelas mãos de sua mãe.

– Por que ele fez isso? Por que encaminhou a cópia de algo tão íntimo para uma editora revelando quem era a sua criadora?

– Porque Joaquim foi o nosso anjo! E anjos não precisam de motivos para fazer o bem. Apenas o fazem! *(Finalizar a música).

O véu da noite cai sobre Vila dos Princípios...

– Aceita uma taça de vinho do Porto, meu amigo? – pergunta a mulher em um belo exemplar da alta costura francesa.

O rapaz está enfeitiçado por sua beleza. Que mulher era aquela? Divina imagem do Paraíso.

– Pietro!

– Sim! A se-se-nhora está linda!

– São seus olhos de jabuticaba – sorri. – Aceita?

– Não sei, senhora! – está perdido em meio a um emaranhado de sentimentos.

– Chame-me apenas de Catharine.

 

A emocionante reconciliação de Rubens e Catharine...

 

– Pois bem, Catharine! Aceito!

– Que bom!

– Deixe-me fazer uma pergunta, mas não vá me achar bobo.

– Diga!

– Por que seu nome é Catharine? Se for originário do francês, deveria ser Catherine, não é?

– Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar – desvia-se da pergunta.

– Willian Shakespeare! Muito esperta!

– Você gosta de Schubert³? – muda de assunto.

– Muito!

– Espero que goste do que preparei para esta noite.

Senta, abre o piano com uma delicadeza de impressionar e toca Erlkönig tão docemente, que o homem, dela não desvia os olhos de um apaixonado em transe.

– Quem cavalga tão tarde pela noite e pelo vento?
É um pai e seu filho
Ele tem o menino em seus braços
Ele segura-o a salvo, ele o mantém quente... – recita o jornalista.

– Você conhece bem a letra – diz ela, com admiração.

– Sim! Esta ária me fascina... Rei dos Elfos, na tradução... Mas nada tem a ver com “O senhor dos anéis”, de J. R. R. Tolkien, hein?

Riem com a leveza de espírito que há muito não se via naquela casa.

E ela toca muitas outras canções, uma mais profunda que a outra e quando termina, encontra ao lado uma foto de Alana, dá um sorriso tímido e diz consigo mesma:

– Nunca mais haverá sofrimento nesta casa. Só paz!

Pietro se aproxima com a taça de vinho às mãos e pede outra canção e mais outra e mais outra...

A noite demoraria a findar!

Encerra com a música: (Sagrado Coração da Terra - Lágrimas da Mãe do Mundo).



____________________


1. Cronos ou Chronos é o nome dado para a personificação do tempo, de acordo com a mitologia grega. Atualmente, cronos é a definição do tempo cronológico e físico, compreendido como os anos, os meses, os dias, as horas, os minutos, os segundos e etc.

2. Nome da deusa criadora, na filosofia platônica.

3. Franz Peter Schubert foi um compositor austríaco do fim do classicismo, com um estilo marcante, inovador e poético do romanticismo. Escreveu cerca de seiscentas peças musicais, bem como óperas, sinfonias, incluindo a “Sinfonia Incompleta”, sonatas entre outros trabalhos. Hoje, o seu estilo considerado por muitos como imaginativo, lírico e melódico, fá-lo ser considerado um dos maiores compositores do século XIX, marcando a passagem do estilo clássico para o romântico. 


autor
Carlos Mota

A novela "Flor-de-Cera" é remake de "Venusa Dumont - da memória à ressurreição" de Carlos Mota
 
elenco
Grazi Massafera como Catharine Dumont
Thiago Lacerda como George Dumont
Ricardo Pereira como Joaquim
Elisa Lucinda como Ernestina
Carlos Takeshi como Tanaka Santuku
Miwa Yanagizawa como Houba Santuku
Jesus Luz como Pietro Ferrara
Lucinha Lins como Franceline Legrand Dumont
Lima Duarte como Dilermando Dumont
Herson Capri como Doutor Rubens Arraia
Tonico Pereira como Moacir
Werner Schünemann como Paineiras Ken
Rosi Campos como Adelaide
Humberto Martins como Alberto Médici
Cauã Reymond como Ricardo
César Troncoso como Zé dos Cobres
Ilva Niño como Josefa
Selton Mello como Zelão
Matheus Nachtergaele como Meia-noite
Caio Blat como Delegado de Vila Bonita
Caio Castro como Leandro
Alexandre Borges como Doutor Jaime
Caroline Dallarosa como Carmem
Fernanda Nobre como Stela

participação especial
Stênio Garcia como Doutor Lúcio
Drica Moraes como Desirê
Marco Nanini como Chico Santinho

atores convidados
Ary Fontoura como Doutor Tobias
Alexandre Nero como Júlio Avanzo
Elizangêla como Maria

a criança
Valentina Silva como Alana

trilha sonora
Lágrimas da Mãe do Mundo - Sagrado Coração da Terra (abertura)
Sinfonia Dos Sonhos - Marcus Viana
Star Sky - Two Steps From Hell
Victory - Two Steps From Hell
Nessun Dorma - Aretha Franklin
Fall On Me - Andrea Bocelli, Matteo Bocelli
Adagio - Hauser
Adagio in G Minor - Tomaso Albinoni
Brasil - Gal Costa
Sagrado Coração da Terra - Marcus Viana
Para Todo Sempre - Marcus Viana e Transfônica Orkestra
Nocturne - Chopin
Bach - Ária da corda sol
Les Choristes Caresse sur l'océan - Au palais des Congres
Marcas de Ayer - Marcus Viana e Transfônica Orkestra
Sob o Sol (spanish version: Bajo el Sol) - Marcus Viana e Adriana Mezzadri
Dio Dei Buoni - Agnaldo Rayol
Do Amor e da Guerra - Adriana Mezzadri
Elysium and Now We Are Free - Yvonne S. Moriarty [Orchestrator]
The Cure - Final Themes
Honor Him - Yvonne S. Moriarty [Orchestrator]
Inútil - Ultraje a Rigor
Canção do Perdão – Marcus Viana
Om Mane Padme Hum - A Song to Heal the World - Marcus Viana
Violino Triste e Piano - Secret Garden


desenhos
Andrea Mota

produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela

Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO


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