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Flor-de-Cera: Capítulo 01

Novela de Carlos Mota
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FLOR-DE-CERA - CAPÍTULO 01


O jato fretado pelo município de Vila  dos Princípios retorna   da capital paulista às 10 horas. Formada por dois  empresários do ramo cultural, o prefeito e quatro vereadores, a comitiva segue para a prefeitura, trazendo ótimas notícias ao lugarejo.
Após rodadas de negociações, o Governador resolveu conceder à cidade, em regime parcelado, quantia necessária para a construção de um Centro de Saúde, na periferia. Indiretamente, este suposto presente projetaria a eleição do respeitável vereador, George Dumont, ao cargo máximo do município, o de prefeito. Além, é claro, de favorecer os milhares de famintos – munícipes da região.
Ao chegarem à prefeitura, George sente a foice da morte oscular sua alma, levando-o a uma súbita vertigem.
– Estranho! – diz ele ao prefeito, Tanaka Santuku, seu melhor amigo, após sentar-se no braço de um sofá.
– O que foi, George? – pergunta o mandatário.
– Não sei! Está acontecendo alguma coisa! Está sim! E terrível... Parece aumentar a cada passo que dou. Premonição revel! O que será isto? O quê? Alguma coisa está apertando meu coração, de tal modo que o ar falta aos meus pulmões.
– Acalme-se! – pede ressabiado o prefeito. – Deve ser cansaço. Você trabalhou muito nesses dias, foram longos períodos de negociações com o governador. Deve ser estafa. É, deve ser! Precisa beber algo, quer um vinho, uma vodca, um...? Precisa limpar a goela! É como eu sempre digo: falar com político é uma coisa cansativa... Aff! Ô gente ordinária! Não há como não se estressar...
– Tanaka... – entrecorta-o o vereador.
– Fale, meu filho! – diz, levando uma taça cheia de vinho à boca.
– Você também é um político!
– É mes-mo! – responde-lhe o prefeito, engasgando-se com o próprio “veneno”. – Sempre me esqueço disso!
Duas horas se vão...
George chega a sua casa, uma mansão em estilo romântico, situada à região oeste da cidade. Ao entrar, pressente a solidão que assombra cada corredor e cômodo daquele palacete. Intrigado, procura pela esposa. Mas não a encontra! Cada vez mais angustiado, grita pela empregada.
– Onde está Catharine? Disse aonde iria? Diga-me!
– O senhor realmente não sabe? – ironiza a criada.
– Claro que não, caso contrário, não estaria aqui, postado diante de uma qualquer como você, perdendo meu precioso tempo... Hum! Ande, fale criatura, onde está Catharine? Fale!
–Enterrando o corpo de sua filha, ou não sabia?
– Co-como? – questiona, com os olhos verdes a saltar da face.
– O que disse?
– Ela tentou falar com o senhor o dia todo, mas seu celular estava na caixa postal. Ligou até para o palácio do Governador; de nada adiantou, o senhor não ouviu o seu pedido de socorro.
– Mas... pensei que fosse uma bobagem... Catharine sempre me liga para dizer coisas que podem ser proteladas... Eu... pensei...
– Pensou errado! – sentencia a empregada.
– Que petulância é essa? Com quem pensa estar falando? – repreende o político. – Saia daqui... Fora!!! Antes que minha ira se converta em violência.
– Não! – desafia a mucama. – O senhor tem que ouvir umas verdades. Como pode deixar sua esposa com a filha à beira da morte? O senhor é um monstro! Sua ganância ainda o levará à destruição... – lágrimas contornam o rosto da mulher.
– Era o que me faltava! Político assíduo com os compromissos nacionalistas e defensor nato da Constituição Federal como eu, ser afrontado por uma filha da ralé, uma... uma insignificante peça da falha humana. Hum! Era o que me faltava! Só não a despeço agora porque...
– ...porque eu jamais permitiria! – completa Catharine, entrando na sala.
– Catharine???!!!! – surpreende-se o defensor da lei.
O rancor é o elo que envolve estas duas pessoas neste momento. Com a face úmida, ela aproxima-se do vereador, olha-o profundamente e permanece em silêncio. Intimidado com a coragem da esposa, George também opta pelo silêncio. Cabe à mucama rompê-lo:
– Como está, Dona Catharine?
– Queria estar melhor, Ernestina! Quero agora me recolher à sombra de minha dor... Nada mais me importa nesta vida! – cai em prantos, sendo consolada pela criada.
Emudecido, George assiste àquela cena como se não fizesse parte da família. Sua face mesclava incompreensão e alguma compaixão. Uma compaixão tão finita que era quase impossível reconhecê-la.
– Catharine... – arrisca-se. – Como... você está?
– MORTA! – declara a mulher. – Sem rumo, perdida dentro de mim. Você nos abandonou quando mais precisávamos, George. Alana morreu pedindo sua presença.
– Sinto muito! Mas o povo precisava de mim, não me podia furtar ao direito de representá-lo ante ao Governador. Para isso fui eleito! Para representar o povo!
– Monstro! – sussurra Ernestina consigo mesma. – Que Dona Catharine mande esse canalha para a rua...
– Tenho pena de você! Porque mente! Mente para mim, para sua filha, para todos que o cercam e, o pior, para si mesmo. Suas palavras são belas, pena não passarem de simples fuga de um homem que abandonou a família durante a perda de um ente querido para viajar à Capital e buscar apoio à sua eleição para prefeito da cidade! O que não faz o homem pelo poder? Mata, rouba, violenta, e no mais, esquece a própria filha no leito em que era invadida pela leucemia... A menina morreu suplicando sua presença e onde estava, esposo meu? Em São Paulo! Conseguiu muito dinheiro para fascinar o povo e conquistar os votos que precisa para elegê-lo “dono da cidade”? Estou estarrecida... ainda ouço Alana gritar seu nome! Por que fez isso com ela... comigo? Por que nos odeia tanto? Por quê? Não se arrepende do que fez?
– Arrependimento??? Oh, Catharine, deixe disso! Não tenho do que me arrepender! Sabíamos que Alana morreria. Era certo! Estava tomada pelo câncer! Eu não poderia fazer mais nada por ela. Nada! O que tinha de fazer, já tinha feito! Você não entende, ela estava entregue aos braços da morte, o que eu poderia fazer para evitar essa fatalidade?
– E onde está sua compaixão, homem? – brada a mulher, pegando-o pelo colarinho do paletó. – Ela era sua filha... sua filha!!! Como pôde deixá-la quando mais precisava de você? Não estamos falando de uma pessoa estranha, alguém que aparece do nada, que não cultivamos nenhum sentimento. Estamos falando de nossa filha, um ser construído a partir de nosso amor, se é que você saiba o que realmente signifique essa palavra.
– Solte-me! – diz, empurrando-a contra o sofá. – Entenda, pela nossa filha eu não poderia mover mais um dedo; pelo povo, ainda posso fazer muito. Veja que bom, logo terão tratamento de primeira no novo Centro de Saúde, com atendimento decente, bem diferente do Hospital Municipal, uma vergonha à cidade. Isso não é bom? Tá, posso ter errado em não ter ficado contigo, auxiliando-a nesta difícil fase de nossas vidas...
– ...nossas vidas? Que ironia!
– Nossas vidas, sim! Também estou sofrendo, mas veja pelo lado bom: perdemos uma filha, mas ganharemos novas vidas, que antes estariam condenadas à morte como ela.
– Pare com isso, George! Pare com esse cinismo! Pare!!! Alana não merece isso! Deixe-a descansar em paz! Deixe-a! Você é um... um... monstro! – chora sem consolo.
– Cafajeste! – completa a empregada.
– Você nunca amou ninguém. Nunca! Nem quando nos casamos existia amor; tudo foi pelo interesse, pelo meu dinheiro – o mal que me persegue desde a minha origem. Como pode ser tão frio? Alana não merecia esse desprezo, não merecia... Espero que um dia possa reconhecer seu erro e corrigi-lo da melhor maneira possível, se é que há como reparar um erro dessa magnitude. Desejo apenas que o remorso não o corroa até lá!
– O povo está acima de qualquer interesse, de qualquer problema familiar! – repete George por duas ou três vezes, como se acreditasse mesmo em cada palavra que dissesse.
– O poder está acima dos verdadeiros interesses, não o povo. Esta gente simples continuará morrendo mesmo com a inauguração deste Centro de Saúde. Neste país nada muda! Isso é conversa de político, basta ver o que você faz com a Ernestina, nossa empregada. Ela é do povo, por que não a trata com respeito? Por que ainda não chegou o dia da eleição, não é? Vou lhe dar um aviso: “a ambição é um veneno, quando ingerida em altas doses, o efeito pode ser macabro”! Pense nisso! Agora preciso me deitar, estou cansada. A você, infelizmente, todo o meu desprezo!
– Com quem pensa estar falando, sua... sua cretina? – o vereador deixa de lado a elegância e a pega pelo pescoço. – Sou seu marido e exijo respeito! – vocifera, tomado por uma expressão doentia em cuja face se notam as primeiras gotículas de suor.
– DEIXE-A! – exige a criada, tentando separá-los. – DEIXE-A, VERME DOS INFERNOS!
– Deixe-a, doutor! Pense nas consequências. O senhor é um homem público! O que não dirá a imprensa? – implora Joaquim, o motorista, que adentra a sala após ouvir de seu quartinho toda a gritaria. – Senhor, a imprensa...
As palavras do chofer são como bombas, George solta a mulher, que cai ao chão com o sangue preso à face. Afasta-se bem devagar, fixando-se nos olhos atordoados de Catharine. Um lampejo de realidade lhe corre à vista, é quando decide subir para o quarto, reservando à Caixa de Pandora toda a insanidade de há pouco.
Apoiada à parede, Catharine percebe não ter mais forças para lutar contra as intempéries do destino e desfalece.


Levada por Joaquim à sala de estar, Catharine agora repousava. Apesar de pálida, estava linda naquele modelito francês. O negro, em seu corpo, não exalava a dor intrínseca de se perder um ente querido; contornava-lhe o corpo, resplandecendo enlouquecidamente a sua beleza. Uma beleza surreal, desnorteadora... Puro êxtase!
Ernestina cobriu-a com um manto fino e pediu a Joaquim que a protegesse das malvadezas de George enquanto ela fosse à plantação da mansão buscar algumas ervas para fazer-lhes um chá. Era o que ele mais desejava. E como desejou esse momento. Não o de vê-la mórbida, caída a um sofá após uma briga com o esposo; mas o momento de poder estar ainda mais perto dela. Dessa mulher que tanto o perturbava.
Sentado ao lado dela, ele arfou. Estava hipnotizado pelo desejo latente – uma praga sinestésica. Trêmulo, uniu uma de suas mãos à dela, quando percebeu o abismo que há entre eles. Suas mãos grossas, com calos enormes, frutos de uma vida sofrida no sertão; as dela, de uma delicadeza ímpar, cuja espessura assemelhava-se às pétalas de uma rosa.
Desde que chegou à mansão e a viu pela primeira vez, sentiu que Catharine seria aquela que o completaria como homem e o faria viver as maiores aventuras em busca da felicidade. Tinha certeza, amava-a mais do que o ar que respirava... Queria poder tê-la nos braços, amá-la de verdade, sem medo de que isso fosse um erro, algo discriminado pela sociedade – o ser tão cruel dos folhetins românticos. Por mais que fantasiasse, esse amor jamais seria possível! A diferença de classe entre ambos era incomensurável! Pelo menos era o que ele pensava.
Filho da ralé, sem ambições, Joaquim vagou pelo mundão afora na esperança de que Deus o visse uma única vez. Terceiro fruto de uma família desmiolada, ele fugiu da fome assim que a razão lhe dominou. Não poderia morrer como seus pares, naquele sertão que fazia fronteira com as vidas secas de Graciliano Ramos. Por isso veio tentar a vida em São Paulo. Era um retirante! Já ela, uma dama da sociedade, invejada por todos, cortejada pelos herdeiros das famílias cujos brasões estão estampados na antessala do Governador. Havia um Mar Vermelho entre eles e para atravessá-lo, só com a ajuda de um outro Moisés.
Se tudo isso pudesse ser mudado, se tivesse uma oportunidade de tocar seus lábios aos dela ou mesmo ouvir de sua boca um simples elogio... Deus meu, seria fatal! Seu coração não aguentaria! Como George poderia subestimar uma preciosidade como aquela? Como poderia desmerecer aquela cujos olhos lhe substituem o sol em tempos anuviados? Como?
*(música Sinfonia dos Sonhos - Marcus Viana) Com a corrente sanguínea explodindo, atreveu-se a violar as leis da moralidade ao tocá-la na face e beijá-la de leve. Mesmo com a voz quase embargada, ousou lhe confidenciar:
– Se Deus permitisse, queria tê-la somente para mim. Seria só minha! Só minha!!! Viveríamos felizes, longe dessa agonia que nos faz vítima da sociedade e de nós mesmos...
Continuou a se revelar, sob a ameaça constante do pranto, que assim como uma tempestade, anunciava-se, e seria difícil de evitar.
– Dona Catharine, não vivo mais! Minha alegria sucumbiu à dor desde aquele dia em que cheguei a essa casa. Foi uma paixão fulminante e, como tal, está me levando, me jogando para baixo, como fazem as âncoras dos navios – lágrimas desciam desordenadas por sua face.
Detrás da porta, Ernestina não teve coragem de interrompê-lo. Estava diante de um nobre matuto. Por  instantes, até mesmo ela se esquecera de George, aquele traste, como mesmo gostava de dizer, afinal, um fiozinho de esperança reacendia a fogueira da paixão naquela casa.
– Quanta é a solidão, quanto é o meu amor, meu carinho pela senhora... Meu Deus, o que estou dizendo? – levanta-se apressado, como se quisesse se livrar para sempre daquele mágico sentimento que o movia há tempos. – O que estou dizendo? Ela é minha patroa, a mulher a quem deveria servir... Só isso! Só! O que estou fazendo não está certo, ela é minha patroa, é casada – soluços de dor o conduzem ao limbo dos desalmados. – Livre-me dessa agonia, dessa maldição, meu Deus!
A empregada até quis findar aquele momento de desabafo, mas não conseguira, um homem como ele era raro de se ver. Joaquim não era igual aos outros, parecia enxergar a alma feminina, senti-la, amá-la como se ama alguém muito especial, talvez um filho, uma mãe, uma mulher... Seus olhos não eram os de um roceiro; por um instante, reluziam a força de um poeta trancafiado dentro de si mesmo. Isso era esplêndido! E lá permaneceu, à espreita, sendo a única testemunha daquela cena consentida pelo destino. (finalizar a música)*
– O que se passa aqui? – inquire o vereador, com a força de um vulcão, surpreendendo a empregada pelas costas. – O que esse caipira faz perto de minha mulher? Fale, Ernestina!
A face ruborizada e os olhos estatelados da mulher pareciam não se encorajar em defender o pobre Joaquim. Seria o fim dele?



autor
Carlos Mota

A novela "Flor-de-Cera" é remake de "Venusa Dumont - da memória à ressurreição" de Carlos Mota
 
elenco
Grazi Massafera como Catharine Dumont
Thiago Lacerda como George Dumont
Ricardo Pereira como Joaquim
Elisa Lucinda como Ernestina
Carlos Takeshi como Tanaka Santuku
Miwa Yanagizawa como Houba Santuku
Jesus Luz como Pietro Ferrara
Lucinha Lins como Franceline Legrand Dumont
Lima Duarte como Dilermando Dumont
Herson Capri como Doutor Rubens Arraia
Tonico Pereira como Moacir
Werner Schünemann como Paineiras Ken
Rosi Campos como Adelaide
Humberto Martins como Alberto Médici
Cauã Reymond como Ricardo
César Troncoso como Zé dos Cobres
Ilva Niño como Josefa
Selton Mello como Zelão
Matheus Nachtergaele como Meia-noite
Caio Blat como Delegado de Vila Bonita
Caio Castro como Leandro
Alexandre Borges como Doutor Jaime
Caroline Dallarosa como Carmem
Fernanda Nobre como Stela

participação especial
Stênio Garcia como Doutor Lúcio
Drica Moraes como Desirê
Marco Nanini como Chico Santinho

atores convidados
Ary Fontoura como Doutor Tobias
Alexandre Nero como Júlio Avanzo
Elizangêla como Maria

a criança
Valentina Silva como Alana

trilha sonora
Lágrimas da Mãe do Mundo - Sagrado Coração da Terra (abertura)
Sinfonia dos Sonhos - Marcus Viana

desenhos
Andrea Mota

produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela

Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO




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