
8x02 - A quele Natal
de Thaise Lis Nascimento
Tudo começou com o leve som de caixas sendo abertas. Papéis amassados, fitas desbotadas e o perfume inconfundível de séculos que cochilam nas lembranças. Eu ainda repousava, coberta por fragmentos de anos passados, quando uma voz de criança cortou o silêncio:
— Mamãe! Achei a nossa árvore!
E assim, como quem desperta um coração adormecido, comecei a ouvir de novo. As vozes da casa, diferentes, mas familiares, ecoavam em tom de festa. O pai arrastava os móveis, a mãe desembrulhava os enfeites com cuidado, e a menina… ah, a menina tinha nos olhos a claridade de quem ainda acreditava em milagres.
Ela falava com os adornos como quem conversa com velhos amigos.
O anjo sem uma asa, as bolinhas vermelhas riscadas, as douradas um pouco arranhadas, o sino que já não soava direito. Cada um recebia um riso leve, um toque de afeição. O pinheiro, esguio e silencioso, esperava pelo resplendor que o vestiria de emoção.
Aos poucos, o lar se enchia de cheiro de canela e música antiga. Lá fora, o vento soprava frio, mas aqui dentro, o calor vinha de gestos simples: o pai ajeitando a estrela torta de papelão feita pela filha anos atrás; a mãe guardando um olhar distante, talvez lembrando alguém que já não sentava mais à mesa.
Quando a guardiã dos presentes ficou pronta, todos afastaram-se um passo, contemplando o resultado. A garota, então, cochichou algo que ninguém ouviu direito:
— Falta só a luz.
Nesse instante, fui erguida. Senti o toque delicado das mãos pequenas, o tremor da expectativa, o cuidado de quem sabe que segura um tesouro. Fui colocada no topo, onde o mundo parece mais perto do céu. Dali, eu podia ver tudo, e, embora ninguém soubesse, eu também podia sentir.
Naquele exato segundo, uma lembrança remota reacendeu-se em mim: uma voz de menino, muito tempo atrás, dizendo que eu era “a guardiã da esperança”.
Desde então, guardei o segredo do Natal, quieta. Mas algo naquela família me dizia que, este ano, eu precisaria brilhar de um jeito diferente. Não apenas com fulgor, mas com sentimento.
A noite caiu devagar, como um lençol de veludo sobre o teto. Do alto, vi o pai acender as lampadazinhas piscantes, pequenos corações elétricos que batiam em descompasso, como se pudessem sentir frio. A pequena girava em volta da decoração natalina, encantada, e sua risada parecia derreter o ar.
Havia algo mágico em cada reflexo que nascia nos adornos. Eu via, em cada brilho, um fragmento de lembrança: o dia natalino em que ela engatinhava, o primeiro presente deixado aos pés da árvore, a gargalhada do avô, tão viva ainda, mesmo que só morasse nas memórias.
Enquanto a família ajeitava-se para a ceia, a mãe olhou em direção à mesa e, por um milésimo de segundo, ficou imóvel. Havia um prato a mais, o mesmo de todos os anos, colocado à direita, por costume ou esperança. O pai percebeu, mas não disse nada. Apenas tocou-lhe na mão e o gesto bastou para que a quietude se enchesse de amor.
Foi então que senti uma coisa estranha, como se o ambiente ao meu redor respirasse comigo. As luzes começaram a piscar sem comando, dançando num ritmo que só eu entendia. Os ponteiros, por poucos segundos, se dobraram. Eu pude ver o que havia sido e o que ainda seria: a filha crescendo, o ninho mudando, a infância se transformando em saudade.
De repente, algo cintilou na vidraça— um astro distante, verdadeiro, olhando de volta. E naquele breve encontro de brilhos, percebi: a distância entre a morada divina e a moradia terrena é feita de recordações.
A menininha se aproximou do ornamento e sussurrou:
— Será que o vovô consegue ver a gente lá de cima?
O pai respondeu com um sorriso breve, desses que doem de afeto:
— Se ele estivesse aqui estaria orgulhoso de você.
As palavras atravessaram o espaço e vieram repousar em mim. Senti o calor daquela fé inocente e, sem querer, me acendi mais forte, tão forte que por um minuto todos olharam espantados.
— Olha, mamãe, parece que ela entendeu! — disse a pequenina, rindo.
Ah, se soubessem. Se imaginassem que cada gargalhada, cada lágrima e cada lembrança me atravessa, ano após ano, costurando os dias com fios brilhantes.
Naquela noite, enquanto as paredes adormeciam e uma chuva caía fina, jurei algo silenciosamente: faria brilhar a esperança deles até o amanhecer.
Mesmo que para isso eu tivesse que me apagar um pouco.
A madrugada chegou serena, vestida de ouro pálido. Todos dormiam. O relógio marcava o compasso em que as horas parecem parar, aquela fresta silenciosa em que o mundo, cansado, lembra de respirar.
Lá fora, o vento brincava nas calhas, e um sino distante soava como um coração batendo entre as nuvens. Eu continuei ali, desperta, vigiando. Do meu alto, observava as pequenas aspirações se desenrolando no escuro. A filhinha abraçada a um urso de pelúcia azul, o pai e a mãe entrelaçados pela ternura de quem aprendeu a perder e ainda assim a agradecer.
Foi então que algo mudou. Um esplendor suave penetrou a janela, não vindo de lâmpadas nem de lua. Era uma Luz ancestral que atravessa séculos e continentes, pousando exatamente onde o amor escolhia morar.
E, nesse átimo, eu soube. Era Ele.
Não como uma imagem, nem como uma lembrança distante, mas como presença. Uma centelha nascida outra vez, em cada coração que, mesmo ferido, ainda acredita.
O vento pareceu se curvar em reverência. Vi as paredes respirarem, as sombras se recolherem, e a árvore — nossa árvore — ergueu-se um pouco mais, como se quisesse tocar o firmamento.
Eu senti meu lampejo crescer, mas já não era só reflexo: era palavra, era música, era abraço. Pensei no primeiro Natal — aquele de uma noite fria, com um menino envolto em panos e uma estrela guiando os que buscavam sentido. Percebi, então, que desde aquele fenômeno, nós, as estrelas, fomos encarregadas de lembrar à Terra do que ela tende a esquecer: que o amor, quando nasce, é frágil; mas, quando renascido, se torna eterno.
Naquela casinha tão pequena diante do vasto universo, vi a história se repetir. Vi o nascimento do mesmo milagre: o da fé em forma de família, o da esperança vestida de abraço, o da centelha que não se apaga.
A herdeira acordou e veio até a sala, sonolenta. Parou diante do arboreto doméstico e sorriu, sem saber por quê.
— Feliz aniversário, Jesus — murmurou baixinho, com as mãos unidas no peito.
Ah… naquele suspiro infantil, entendi tudo. A Santa Noite não é sobre a vida que passa, mas sobre o amor que fica.
E foi então que revelei quem eu era — não a eles, mas a mim mesma. Sou o ponto mais alto dessa árvore, aquele que observa, ano após ano, o nascimento do amor entre os homens.
Sou a guardiã das promessas, o guia que nunca dorme, a descendência daquela primeira luminária que, há milênios, brilhou sobre um berço simples e mudou o destino do mundo.
Sou apenas um enfeite, dirão alguns. Mas se olharem com o coração, verão: dentro de mim habita o mesmo clarão que guiou pastores e reis, o mesmo que agora ilumina os olhos da menininha, o mesmo que arde, mesmo fraco, em cada um que escolhe acreditar.
Porque o milagre do Natal não vem só do azul celeste. Ele nasce, inclusive, cintilante, dentro de cada alma que decide, mais uma vez, amar.
E então, finalmente, me deixei apagar um pouco — para que eles brilhassem mais em seus sonhos.
Tema de abertura
Jingle Bell Rock
Intérprete
Glee
CAL - Comissão de Autores Literários
Bruno Olsen
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
REALIZAÇÃO

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