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A Deusa Bandida: Capítulo 09

Novela de Carlos Mota
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A DEUSA BANDIDA - CAPÍTULO 09

A viatura policial se dirige à Sol Nascente, a maior favela do Brasil, que fica a cerca de 30 km de distância da Praça dos Três Poderes — que abriga o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), de onde partem as principais decisões que mudam diariamente o cotidiano dos milhões de brasileiros pelo país afora.

O local, criado a partir de 1990, era uma extensão de Ceilândia, que desde 1970 tinha o objetivo de retirar das vistas dos mais poderosos, a gente pobre do interior que se achegava, atraída pela oportunidade de uma vida melhor, ainda que Brasília jamais tenha sido construída para atender os brasileiros de verdade — aqueles que trabalham de sol a sol, não importa se chova ou faça frio; pagam seus impostos e se submetem a todo tipo de humilhação em troca das migalhas arremessadas por uma sociedade perversamente desigual —; mas a uma elite que se alimenta descaradamente do sacrifício e da exploração dos mais humildes.

Como no Brasil imperial, os senhores do dinheiro mantinham a turba sobre o cabresto e dela retiravam o que precisavam para saciar a fome pelo poder. Os tempos podiam ser outros, mas os métodos adotados assemelhavam-se aos da escravidão; enquanto milhões abandonavam os sonhos de infância em subempregos que quase não lhes garantiam o mínimo para a sobrevivência; poucos viviam do luxo, tomando belas taças de vinho e degustando um delicioso caviar servido sobre uma camada de gelo, ao som de Beethoven.

As ruas esburacadas, a iluminação precária, o esgoto correndo a céu aberto, as casas apoiando-se umas às outras para não desabarem, como se ainda estivessem no século XIX, sob as rédeas de João Romão, em um dos Cortiços de Aluísio Azevedo; como senzalas modernas, abrigavam milhares de brasileiros — uns poucos do Maranhão e outros tantos do Piauí e tantos outros cantos — que ainda mantinham vivas as esperanças de um mundo melhor, ainda que estas mesmas esperanças fossem tão sorrateiras e, ao primeiro vento, dispersassem-se pelo espaço. Mas nem sempre essa gente era esquecida, a cada dois anos, religiosamente agendadas no calendário do tempo, elas recebiam visitas ilustres, que traziam consigo santinhos de todas as formas, tamanhos e cores, além de promessas, muitas promessas de que a vida melhoraria…

A comida estaria na mesa, as crianças na escola, os enfermos em bons hospitais, os pais de família empregados e com bons salários; o esgoto não correria mais as sarjetas, as ruelas seriam asfaltadas e todos teriam lindas praças, todas arborizadas, além de bons campinhos para praticarem o futebol. Bastavam para que aquele povo voltasse a sonhar. E como sonhavam! Pareciam crianças bobinhas com brinquedos novinhos em mãos.

Com as eleições se aproximando, competia a estes homens, os ditos lobos em pele de cordeiro, manterem a roda da doutrinação em pleno movimento, dando pão a quem tinha fome, água a quem tinha sede, sonho a quem havia desistido de viver, ainda que tudo isso lhes fossem cobrados com juros e mora após o período eleitoral. Por que viver assim? — perguntavam os mais jovens. Porque Deus quer! — limitavam-se os mais velhos, tomados por uma ingenuidade assombrosa, com os olhos presos no horizonte… Eles sentiam, apesar de a realidade os afrontar, que um dia esta dor daria lugar a uma alegria tão intensa que não caberia no peito. Mas enquanto esse dia não chegasse, todos deveriam continuar a intensa jornada da vida, caminhando contra o vento — se preciso fosse, ainda que sem lenço e sem documento, nada no bolso ou nas mãos…

— Que lugar é esse??? — pergunta, atônito, o delegado, no banco de trás. — Aqui é Ceilândia?

— Foi! Agora é conhecida apenas por favela Sol Nascente… — responde Duarte.

— Como foi…? — quer saber mais.

— Ela deixou de ser parte de Ceilândia em 2019 — responde, enquanto dirige. — E o lugar é perigoso, doutor, veja, por todo canto há olheiros, com metralhadoras nas mãos; em cada rua há uma boca de fumo, que ajuda a entorpecer não só essa gente, como aos milionários, que aqui, se preciso for, deixam o próprio sobrenome em troca de uma pedra. O senhor vai mesmo querer continuar adentrando? Daqui a pouco seremos parados e como estamos em menor número, já sabe como esta história terminará, não sabe? — alerta Duarte, tenso com os olhares que os acompanhavam em meio à escuridão.

— Estamos à caça do tal Solano… — resiste o homem. — Ele é a chave que desvendará este caso.

— Senhor… — chama Custódio, o oficial que repassou a informação ao patrão. — Os Vaz acabaram de receber um pedido de resgate — anuncia, após receber a informação da central.

— Foi a central que o informou? — estranha, com os olhos no rapaz. — Mas como? O rádio da viatura não nos chamou.

— É… é que… bem, me mandaram pelo celular — tenta se justificar, desconcertado.

— Mas você não pegou no celular nenhuma vez…

— É que foi… foi antes…

— E só me avisou agora? Estranho!

Enrico estava de olho nele desde o local do acidente, quando demorou para retornar ao veículo.

— Então a moça foi mesmo sequestrada? Eu tinha razão! Mas por quem? — coça o queixo. — Quando encontrarmos o tal Solano, conheceremos o mandante.

Ouvem-se tiros.

— Senhor, este é o sinal, ou saímos daqui agora ou teremos de enfrentá-los — alerta Duarte, com o suor descendo o rosto. — Vejam, estão em toda parte, com os olhos reluzindo na escuridão, agindo como zumbis, e para descarregarem as balas na gente, não custa nada. Não é melhor voltarmos? — insiste.

— Deixe de medo, homem! — adverte-o, enquanto acompanhava os movimentos estranhos de Custódio, que diferentemente de Duarte, concorda com ele, como se tramasse algo.

— Não é medo, senhor, é precaução.

— Peça reforço, vamos continuar…

— O delegado tem razão! — diz Custódio, ao receber uma mensagem de texto. — Vamos para cima deles — deixa escapar um risinho debochado, que é notado por Enrico.

— Recebeu outra mensagem? — cobra o delegado, com os olhos presos no oficial.

— Ah, não, agora foi minha mulher, sabe, nosso filho está doentinho…

— Hum! Entendi!

— Senhor, vamos voltar — insiste.

— Não, vamos até o fim, o delegado está certo!

— Você está louco??? — briga com o companheiro. — Os caras estão já fechando os becos, vão nos atacar…

— E cadê os reforços? — cobra Enrico, ao perceber que o rádio do carro não havia sido utilizado.

— Atenção central, precisamos de ajuda, estamos na favela Sol Nascente, ataque iminente. Entenderam? Ataque iminente! Ué, o que está acontecendo? O rádio parece mudo — dissimula Custódio, que havia cortado os fios do aparelho, enquanto o delegado e o policial periciavam o local do acidente, minutos atrás.

— E agora, o que faremos? São muitos!

— Parem o carro! — pede Enrico, um tanto inconsequente, ao perceber um vulto atravessar sua janela em grande velocidade.

— Doutor, estamos no meio do nada… Aqui a sua coragem é afronta e sua lei inexiste.

— JÁ DISSE, PARE O CARRO, VOU DESCER!!! — anuncia.

— Não, por favor — pede Duarte, engatando o veículo, enquanto vê o delegado se retirando —, o senhor não conhece esta região, aqui é o inferno na Terra… Onde ele pensa que está?

— Logo saberá! — responde Custódio, friamente, como que antevendo o futuro, ao também abrir a porta.

— Aonde vai, cara??? Você é tão doido como ele!!! — conclui.

Assim que pisa a estrada de terra, Enrico é abordado por um garoto de uns doze anos, com uma pistola em punho, sem camisa, calça de moletom até o tornozelo e os pés descalços.

— Perdeu arguma coisa aqui, Zé ruela?

— Cadê seu chefe, moleque? — inquire o delegado, tentando controlar o medo, enquanto põe em prática um plano que havia elaborado há pouco.

— O qui tu qué cum eli, “coxinha”? — os dentes quebrados e a boca toda cortada do pirralho lhe chamam a atenção.

— Assunto de homem.

— Pois tá falano com um… — levanta a arma e assopra a ponta do cano.

— Ainda que seja um, não é o que procuro! — rebate o delegado.

— Tá certu, tá certu, mas não diga qui num avisei, coxinha, pois o úrtimo que procurou por eli, nunca mais apareceu — afasta-se, com um jeito de andar semelhante ao de um ganso.

Custódio se aproxima do delegado, com uma das mãos à pistola, que está presa ao coldre.

— Senhor, vamos sair daqui, os caras estão vindo aos montes de todo que é canto — implora Duarte, visivelmente atordoado.

— Peça reforço — ordena Custódio, como se isso fosse possível.

— VAMOS!

— Estou tentando, mas o rádio não funciona.

— Use o celular — diz o delegado.

De todas as ruelas surgem seres abduzidos pelo crime, carregando forte armamento em punho; a cena era de arrepiar, o massacre era iminente. Apesar de transparecer arrogância, Enrico sabia o que estava fazendo; se desse ordem contrária, seriam mortos da mesma forma.

— Vamos exterminar estas baratas, delegado! — diz Custódio, numa calma de causar inveja.

— NÃO SOMOS TUTSIS NEM HUTUS, NEM ESTAMOS EM RUANDA¹, MEU CARO!

O policial não acompanha o ágil pensamento do delegado.

— DE MODO QUE A ÚNICA BARATA QUE HÁ AQUI

É VOCÊ!!! VOCÊ!!! — volta-se para o subordinado, com os olhos inflamados de cólera. — OU PENSA QUE NÃO SAQUEI A SUA? ESTA EMBOSCADA ESTAVA ARMADA.

— Do… do… que o senhor está falando? — recua o policial.

— Você já verá… — célere nos movimentos, acerta uma cotovelada no nariz do traidor, que ao levantar os braços para se defender, acaba imobilizado pelo pescoço, por um mata-leão. — Você jamais pediria reforços, não é? O rádio havia sido sabotado, pensa que não percebi?

— O que está acontecendo??? — pergunta-se Duarte. — O delegado pirou!

— Além de ter recebido o comando de alguém pelo celular… — revela o astuto delegado.

— Me sol-sol-te!!! — suplica o homem, quase sem fôlego, se contorcendo, sendo assistido pelos bandidos, que não entendem nada.

— Aqui está! — diz Enrico, ao encontrar o telefone em um dos bolsos do uniforme do traidor, que cai ao chão, quase sem vida. — Então é isso? — sussurra, enquanto lê a última mensagem encaminhada pelo Patrão.

— Que quizumba é essa em meu terreiro??? — pergunta Zangado, um homem minúsculo, de sotaque bem grave, exibindo longos e grossos fios de ouro sobre o pescoço, numa camiseta regata, com bermuda e chinelos de marca, ao se aproximar, apoiando-se a uma muleta. — É alguma espécie de circo??? Se for, não tô a fim! Quero mesmo é “presunto”, tô com o freezer vazio, né, não, rapaziada?

Todos que vinham atrás dele riem.

— Quero fazer uma troca contigo — propõe Enrico, tentando demonstrar serenidade.

Outros bandidos se achegam e lhe apontam os canos.

— Num entendo! Que tipo de troca, chefia? — desconfia o chefe da área.

— Quero Solano!

— I quem é Solano? Alguém aqui conhece esse tar de Solano? — gargalha. — O senhor sabe ondi está, camarada? — ameaça, pondo a mão na pistola, que está à cintura, enfiada no calção.

— Não quero encrenca com você ou sua gangue, quero apenas o cara que matou o filho do “diplomata” — dissimula.

— Solano matou o filho do diplomata? Então foi aquele peste?

— entrega-se, aparentando grande irritação.

Confirma Enrico, acompanhando com atenção as reações do bandido.

— E sabe o que isso significa, não sabe? Passamos a fita para a Polícia Federal, que está vindo para cá; daqui a pouco, tudo estará cercado, mas…

— É menti… — Custódio, que voltava a si, tenta alertá-lo, mas é violentamente golpeado por um chute da autoridade policial.

— … mas… mas o quê? — estranha o anão, preso aos movimentos do delegado e do oficial, que se remexe, ferido, feito uma presa abatida.

— Garanto sua liberdade e a de seus companheiros, se me entregar o Solano.

— Você está é de treta, cumpadi, não acredito em polícia.

— Qué qui eu rasgue o bucho dele cum uma bala? — sugere o garoto.

Zangado sinaliza com as mãos para que se cale.

— E como pretende parar a Polícia Federal, delegado? Fazendo a dança da chuva? — ironiza.

— Entregando este homem… — aponta para Custódio, que tenta se levantar.

— Ele está mentindo, cara… — desespera-se o policial.

— E quem é esse rato?

— Fiel escudeiro do Patrão!

Ao ouvir o codinome de Luizinho, Zangado enlouquece, soltando rajadas de tiros, que alumiam o céu, fazendo a noite virar dia.

— O que cê tá me falando? Esse parça tá de trato com aquele lazarento?

— E aqui está a prova… — Enrico lhe entrega o celular de Custódio com a mensagem.

“Leve o delegado para a Sol Nascente e o entregue aos cães de Zangado; a culpa recairá sobre o anão, que encontrará consolo nos braços do diabo”

— Anão? Anão é o rabo dele! Então este infeliz tramava me fudê? — pergunta ao delegado, fitando Custódio, que balbuciava frases desconexas. — Comigo ninguém mexe, vagabundo. Aqui é Zangado, o dono da boca, líder da área… — bate contra o próprio peito, exaltando-se —… temido de Ceilândia a Luziânia, de Planaltina a Padre Bernardo…

— Eu… eu… não, ele está… — o traidor tenta juntar as palavras, enquanto passa a mão pelo cinturão a procura de sua arma.

— Ié isso que tá procurando, coxinha dos infernos? — pergunta o garoto, rindo com gosto, após lhe subtrair a arma durante a segunda queda.

— Eu… eu… — desespera-se.

Sem titubear, Zangado dispara contra a cabeça de Custódio, o que assusta não só o delegado como o próprio Duarte, que permanece dentro do carro, tentando apoio policial.

— O massacre começou… Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois Vós entre as mulheres… — reza o homem, completamente descontrolado, escondendo-se atrás do banco do motorista.

— Você é um polícia gente boa, taí, rapaziada, o homi aqui é dos nosso — anuncia o anão, lustrando o calibre da arma. — Aquele verme do Patrão tá ferrado, na minha favela ninguém bota reparo, muito menos a Federal; afaste aquela gente daqui que lhe entrego o bandidinho do Solano de bandeja.

— E por que não me entrega o próprio Patrão? — propõe. — Pelo que entendi, ele é o mandante.

Helicópteros são ouvidos e confundidos com os da Polícia Federal.

— Oxi! É a Polícia Federal chegando??? — aterroriza-se Zangado. — Se escondam, cambada! Os homi são potente.

— Quem é o PATRÃO? — insiste Enrico.

— Patrão…? Você ainda não entendeu? Ele é o braço direito do Português… Esqueça!!! Você nunca chegará até aquele lazarento, ele é como o camaleão, está em todo lugar e não pode ser visto, morô? Solano é o único burro daqui a se meter com aquela gente… Tô fora! Ou você acha que acabei de muleta por um azar do destino? O patrão não perdoa falhas, entendeu?

— Certo!!! Então como encontro Solano? Diga que despacho os federais agora… Tenho força política para isso, contato direto com o Ministro da Justiça — Enrico pega o celular, dissimulando. — Ninguém quer encrenca com gente daquele calibre ou quer? Vão mesmo assumir a culpa pelo crime que está movimentando Brasília? São loucos a esse ponto? Quando eles chegarem aqui, não restará pedra sobre pedra. É pegar ou largar!!! — atiça, sendo acompanhado por Duarte, que se arrepia com a sua coragem.

Os primeiros raios de sol emergem no horizonte…

Enquanto isso, na mansão dos Vaz, o general reclama com a governanta:

— Como isso pôde acontecer, Matilde? E cadê a polícia, meu Deus? Que demora! — diz Martim, tomando um copo de água com açúcar. — De onde tirarei quarenta e cinco milhões? Nem se eu quisesse, nossas economias bancariam este valor. Estou desesperado! — treme.

— E cadê esses bandidos que não ligam de novo??? Você não podia ter deixado Leonor falar com eles.

— Acalme-se, senhor! Não tive escolha, como poderia negociar em nome de toda a família? Nem se eu quisesse! Agora é orar… e aguardar que a polícia os prenda e nos devolva com vida a nossa pequena.

— E se matarem Luara? Não quero nem pensar! — esconde o rosto entre as mãos. — Você precisa contar a história do carro preto à polícia… Não sei se tem alguma coisa a ver, mas… sei lá!

— Gente, gente, dona Leonor tá doida de pedra; se eu não a agarrasse, ela teria saltado da janela do 2º andar. Me ajudem! — pede Cleide, aos berros.

Todos correm até a mulher. Entrando no quarto, o general se comove com o choro estridente da esposa.

— Melancia, meu Melancia, cadê nossa filhiiinha??? Ache ela, por favor!!! Mais uma perda não aguentarei!!! — a mulher o abraça com força. — Falaram que vão fazer feijoada com nossa menina.

— Será que estes bandidos são canibais de alguma tribo, Matilde?

— pergunta a enxerida, puxando uma das mangas da roupa da governanta. — Sei lá! O povo de Ceilândia diz que uma velha, daquelas bem franzinas, vindo da mata do interiorzão do país, contava que seu povo, quando faltava comida, comia uns aos outros quando a fome batia; era coisa feia! E ela só não fez isso aqui, porque os moradores, de porretes nas mãos, desceram o sarrafo no barraco, que despencou, e antes que pudessem dar cabo dela, apareceu a polícia e levou a mulher para a Colmeia². Vai que essa gente seja de uma tribo, sei lá… Hum! Com aquele corpinho magrinho da dona Luara, nem uma sopa eles conseguirão fazer, quanto mais uma feijoada.

— Cale a boca, Cleide! De onde arranca tanta bobagem? Meu Deus, sua boca é um verdadeiro esgoto.

— Olhe como fala, CRI-A-DA, senão farei já uma reclamação ao Ministério do Trabalho, ou pensa que vou ficar sendo insultada por uma chefe tão insensível como você? Vivemos novos tempos, minha fia! Os únicos que aceito que me mandem calar a boca são a dona Leonor e o seu Martim, porque, até nisso, eles são muito educados. Já você… é pobre até nisso! Hum! Com licença, vou ver se a patroa precisa de alguma coisa.

Matilde não tem palavras para tanta sandice.

— Como vamos pagar quarenta e cinco milhões, Melancia? Nossa filhiiinha já era! Que horrooor! Tão bonitinha para acabar numa panela de pressão, sendo servida como feijoada a um bando de criminosos, meu Deus!

— Dá licença… — pede Cleide, interrompendo. — Dona Leonor, o povo todo de Ceilândia já tá sabendo da desgraça que aconteceu à pobrezinha da dona Luara e quer muito colaborar com vocês…

— Hum! E o que aqueles coitados podem fazer???

— Uma vaquinha… — responde Cleide, sendo interrompida logo em seguida.

— E o que doarão? Bengalas, roupas rasgadas, dentaduras, rapaduras… Que horrooor!

— Não é esse tipo de vaquinha, dona Leonor, me refiro às on- line. Todo famoso agora faz ou a senhora se esqueceu?

— VAQUIIINHA PELA INTERNEEET??? — a mulher se

levanta, como ressurgida dos mortos.

— De onde tirou isso, Cleide? — estranha o homem.

— A senhora não viu a história daquela dona, a tal da Antonia Fontenelle, que conseguiu quase um milhão em doação para gravar o filme sobre a Gretchen? O que o povo não é capaz de fazer pelo “ piripiri-piripiri” daquela mulher, né, não, dona Leonor? Fiquei de queixo caído.

— UUUM MILHÃÃÃÃO??? — surpreende-se Leonor. — E só para assistirem ao “Ay, ay, ay, uh” daquela piranha, digo, digo, daquela “santa” mulher? Uhhh!!! Então temos um caminho — volta-se para o marido —, ouviu essa, Melancia?

— Santo Deus! — responde o homem, retirando-se. — O mundo está mesmo perdido!

Não muito distante dali, Luara, ainda abatida, abre os olhos. Está com a boca amordaçada, as mãos e os pés presos à cama, coberta por um fino lençol de algodão, sujo do sangue dela, naquele quartinho fétido, na parte debaixo da mansão, de onde jamais seria encontrada. Tenta se libertar, movimentando-se bruscamente; ao perceber ser em vão, desiste. Não há como pedir ajuda, restando-lhe apenas as lágrimas.

Aos poucos, a escuridão cede de vez ao fulgor do sol, que atravessa acanhado as frestas da janela…

“O que aconteceu? Onde estou? E por que estou aqui? Onde estão meus pais? E a Matilde?”, perguntava-se, com a crise de ansiedade se avizinhando, em busca de respostas às suas mais íntimas indagações, quando é interrompida pelo barulho da chave rodando a fechadura. A porta se abre. A garota agiganta os olhos e grita, grita com toda a força de sua alma, mas o som é abafado pelo pano… Uma pena!

_____________

1. Em abril de 1994, o presidente ruandês Juvénal Habyarimana (um hutu) foi morto num atentado contra o avião em que viajava, dando início a um dos maiores genocídios da História. Sem apresentar provas, as lideranças hutus, de maioria étnica, acusaram os tutsis, que representavam apenas 15% da população - mas que detinham o poder-, pelo assassinato, e conclamaram o povo a iniciar a matança. Considerados como uma “barata” (inyensi), ser inferior ao humano, seria mais fácil de exterminá- los, não despertando qualquer remorso no oponente. A Guerra Civil de Ruanda, que marca o genocídio dos tutsis, durou cerca de 100 dias, período em que morreu mais de 1 milhão de pessoas, incluindo hutus e cidadãos que resistiram ao ato.

2. Penitenciária Estadual Feminina do Distrito Federal (PFDF), também conhecida como Colmeia, é um estabelecimento prisional de segurança média destinado ao recolhimento de sentenciadas em cumprimento de pena privativa de liberdade em regime fechado e semiaberto, bem como custodiadas provisórias.


autor
Carlos Mota

com ilustrações de
Andrea Mota
 
elenco
Luara
Álvaro
Aurora
Diana
Martim Vaz
Leonor Moreira Vaz
Beatriz Vaz
Matilde
Cleide
Eufrásio
Sofia
Luizinho como Patrão e Camaleão
Egídio
Enrico
Português

trilha sonora
Immortal - Thomas Bergensen
 
produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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