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Antologia Romance à Vista: 2x10 (Season Finale)

Conto de Edih Longo
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Sinopse: Marisa é filha de uma revolucionária política que ficou grávida dela de um carcereiro argentino e que faleceu vítima da Covid-19. O pai mora no Chile. Diagnosticada com câncer, ela está sozinha e ao conhecer o oncologista, assim como a mãe, ficou apaixonada. Talvez, um alívio para sua solidão? Ou uma transferência pela ação da própria mãe ao tê-la. O médico tem o triplo de sua idade, mas isso não a incomodava. Depois de um período de conhecimento, o médico também se apaixonou por ela.

Amores Improváveis
de Edih Longo


           Marisa não se continha esperando para ser atendida pela médica. Já tinha pesquisado sobre o laudo apresentado no exame, mas queria discutir na anamnese quais seriam as medidas a serem tomadas, para estudar a sequência que teria sua vida. Para falar a verdade, não entendeu de imediato todos aqueles termos científicos e isso aumentou mais ainda sua expectativa. O mundo vive sob o cutelo de um carrasco invisível que já dizimou milhões de pessoas, não se incomodando em absoluto com quaisquer variações de raça, cultura, condição social, etc. O vírus só precisa de um pulmão para aconchegá-lo.

         Lembrou-se do sofrimento que sua mãe sofrera. Várias coletas sanguíneas, vários exames, vários medicamentos e, apesar de tudo, o seu trem descarrilou, levando consigo, precipício abaixo, toda dor da família e o sentimento catatônico de não se poder fazer nada. A pior angústia do ser humano é a incapacidade de reação. E, no entanto, apenas um bendito aparelho respiratório para que a protegesse poderia ter aumentado a sua permanência do lado de cá do muro. Como ela cuidara da mãe, pensou que seria a próxima vítima.  

            —E então, doutora, como sabe, tive todos os sintomas, exceto a febre. Mas, minha tosse me impossibilita, inclusive, de frequentar certos lugares, por exemplo, o meu próprio local de trabalho. Sou massagista e não posso fazer isso online

            —Não se preocupe. O diagnóstico não é Covid.

            —Ai, que alívio, graças a Deus!

            —É câncer pulmonar. Sinto muito. 

            —Como assim?! Não entendi. Não sou tabagista. Pratico esportes. É norma de minha empresa que os funcionários façam sempre todos os começos de anos um checkup completo, principalmente, os que trabalham com o público.

            —Marisa, na situação atual em que nos encontramos em termos de saúde, é bem melhor tratar um carcinoma do que bater de frente com esse vírus, do qual ainda sabemos pouco, haja vista as mortes constantes nas estatísticas. Já discuti com um colega sobre o seu caso e ele quer muito cuidar de você. É sua especialidade. Você é jovem e vai tirar de letra o tratamento que é prolongado, mas passível de ser feito com o máximo sucesso. 

            Marisa sentiu o chão sumir sob os pés. Ao mesmo tempo, lembrou-se que a tia tinha se curado de um carcinoma também no pulmão, e era fumante inveterada. Ela, ao contrário, tinha horror ao tabaco e era uma atleta completa. Não era obesa e tomava todas as vacinas religiosamente contra a gripe H1N1. Isso só podia ser uma piada da vida. Resignou-se e pediu o contato do oncologista. O pior era conseguir alguém para a acompanhar nas sessões, quando começassem os tratamentos indicados. Apesar de agnóstica, resolveu conversar com o Padre que fora seu professor no Educandário Nossa Senhora de Fátima. 

            A mãe foi, por muitos anos, pianista da Igreja e era muito querida pelo Padre. Ela, às vezes, até brincava perguntando se ele não era seu verdadeiro pai. Os dois não se largavam. A mãe dizia enfática que ela é o resultado de uma curiosidade juvenil. O ato sexual foi mais exploratório do que amoroso, mas resultou em uma bebê linda. Apesar de religiosa, Dª. Isabela era uma rebelde política e na ditadura militar na Argentina, ficou dois anos presa. Quando saiu, mudou-se para o Brasil, virou militante e foi novamente presa. 

            Quando Marisa tinha dezoito anos, ficou sabendo que era o resultado da cópula de sua mãe com um carcereiro, mas foi um ato totalmente consensual. Foi um amor improvável de dar certo. A mãe tinha dezenove anos e o pai tinha cinquenta e cinco, mulher e quatro filhos. A mãe nunca se casou e Marisa conheceu o pai, que mora no Chile, depois de adulta. Ligou para ele e, só então, chorou toda a sua tristeza e inconformismo. Que falta faz um abraço nesta hora! E o pior, que era impossível que ambos se encontrassem por causa da pandemia. A maioria dos voos aéreos estavam proibidos. 

            Ela teria que se contentar com a performance profissional do amigo de sua médica. Não queria ser apenas um número de um prontuário. Quando o médico, finalmente, apareceu na saleta de espera, ela estremeceu. Ele tinha o olhar sereno de um sábio, tipo, monge budista. A voz era quente e a envolvia como se fosse o abraço que tanto necessitava do seu pai. Era incrivelmente bonito. 

            A primeira providência que tomou, depois de lhe indicar a cadeira e se cumprimentarem à Ringo Star, foi pedir para que ambos tirassem as máscaras protetoras para se conhecerem. Aí, ele ficou excessivamente lindo com um sorriso encantador. Marisa se viu na emoção da própria mãe quando viu o seu carcereiro. Ela tem vinte anos e o médico deve ter, pelo menos uns sessenta. Tem um perfume suave, mas másculo. 

            É de uma elegância, apesar do jaleco, que...ufa! Tirava o fôlego. Os olhos eram marinhos. Os cabelos grisalhos e fartos. Ela se sentia surfando em pleno mar, esperando o desafio de entrar na onda e dominá-la. Odiava o ambiente hospitalar cujo éter parece estar sempre no ar, mas ali, naquele consultório, era como se estivesse em seu quarto lendo uma poesia de Drummond, tendo ao fundo o piano de Tom Jobim.

            —Conte-me como está se sentindo. Não esconda nada. Vamos começar essa caminhada juntos, depois aceleramos, chegaremos na reta final com muito fôlego e subiremos juntos ao pódio. Estou aqui para servi-la.

            Depois de esclarecer com todos os detalhes como seriam os procedimentos, despediram-se. Marisa não conseguia se esquecer da voz que ainda a fazia suspirar, os olhos que ainda a hipnotizavam. Resolveu dar uma volta pelos seus lugares preferidos da cidade. Ficou horas sentada em um bar tomando suavemente uma cerveja. Não tinha ninguém a quem contar sua tristeza, suas dúvidas. Ficou repassando na imaginação um filme branco e preto do que fora até agora sua pequena existência. Em casa, colocou várias vezes a gravação que Tina Turner fez de Help, dos Beatles

            Quando sua mãe voltava das sessões quimioterápicas, quando antes da covid tivera câncer na mama esquerda, era o primeiro CD que colocava e ficava horas ouvindo com os olhos secos, mas indignados. Marisa também não chorou. Deixou que Tina pedisse socorro por ela e sem perceber ficou imaginando como seria estar nos braços do seu médico. Mentalmente, programou como agiria na próxima consulta. Precisaria parecer mais velha? Mais sensual? Mais eloquente ao falar? Mas, do que falaria, senão, sobre seu maldito carcinoma? Que a palavra mais próxima que encontrou para rimar é cerimônia.           

            Deveria ser mais discreta? Na verdade, chegou à conclusão de que deveria agir como uma moça de sua idade. Sem mexer muito na colmeia, senão as abelhas atacam e deixa escapar das mãos o pote de mel. Resolveu que seria discretíssima. Deixá-lo-ia falar e se envolveria pela suavidade de sua voz. Pronto. Ponto final. Quando ele pediu para que se deitasse na maca para examiná-la, sentiu uma quentura por dentro que destoava totalmente com a temperatura ambiente de onze graus centígrados. Respira forte. Outra vez. Mais outra vez. Lembrou-se do poema “pneumotórax” de Bandeira. 

E o frio do estetoscópio parecia um carvão em brasa que percorria seu corpo para a devida auscultação. Quando ele estava nos seios, estremeceu. Quando foi para as costas, idem. Quando apalpou sua barriga com as mãos, teve que se conter para não pedir para que ele descesse um pouco mais. Pronto, o laudo do médico: peça à pneumologista para que lhe prescreva uma bombinha para auxiliar na respiração, apesar de que está tudo bem, ok? O laudo dela: puxa, como seria bom se ele me envolvesse em seus braços. Saiu do hospital feliz como nunca estivera nos últimos dias. O seu último namorado era ciumento e possessivo. 

Ele que comprasse uma mulher inflável para a usar do jeito que quisesse. Já estava se preparando para fazer o NBA em Boston, onde ficaria na casa da tia. Depois, ficaria uns dias em casa de seu pai. Mas, agora, depois do seu Hipócrates de olhos marinhos como o mar Egeu e do câncer, não sabia mais exatamente o que faria se ficasse longe dele. Foi um maldito amor à primeira vista do caramba. Ia dormir, pensava nele para ver se ele se embrenharia em seus sonhos. Acordava, pensava nele para ver se arranjava algum motivo para estar “por acaso” para vê-lo pegar o carro no estacionamento do Hospital. Estava obcecada. 

Agora, além do oncologista, precisaria de uma psicóloga. A vida devia estar inventando nova piada às suas custas. Já tinha feito as sessões de quimioterapia e agora faz a rádio, mas sempre tinha que continuar as visitas ao médico. Ainda bem. Depois de uma rádio, nada como um anestésico poderoso como aquele olhar e aquela voz e aquele tudo de homem. Em uma dessas visitas percebeu que ele a olhava de forma diferente. Ela se lembrou do amor improvável da mãe que não passara de uma aventura. 

Diante dele, ela sentia o sangue subir à face. Maldita excitação que a fazia ficar com a respiração alterada. Tentou se lembrar das respirações ensinadas por sua professora de ginástica. Será que estava tão óbvia assim a sua paixão? Relaxa idiota! Seu ego recriminador dizia. Ela retrucava: ao invés de chamar minha atenção, por que não me ajuda, cretino! Seu ego é um chato.

—Está tudo bem? Sua respiração está ofegante. 

            —Estou ótima. Confesso que desde que comecei a radioterapia, sinto um pouco de falta de ar, mas nada que a bombinha não resolva.

            —Tem alguma coisa para fazer logo mais à noite? Hoje é sexta e gostaria de convidá-la para jantar. Pode ser? Veja, pode parecer antiético, mas gostaria de lhe conhecer melhor. Pode ser ou acha que estou sendo muito ousado?

            —Isso é tipo, um encontro? 

            —Se quiser considerar assim. É tipo um encontro.

            Depois de jogar sobre a cama mais de dez roupas, Marisa se jogou em cima de todas, fechou os olhos e escolheu duas peças pela textura dos tecidos. Escolheu um jeans e uma blusa branca de renda.  Para garantir o sucesso da empreitada escolheu um soutien e uma calcinha vermelha. Ah, deixaria que ele tomasse todas as iniciativas, claro, como toda moça de respeito, mesmo porque não conhecia muitas. Mas, com certeza só ficaria no jantar, por enquanto. Fez uma maquiagem discreta, olhou-se no espelho, achou-se bem e jogou um beijo para cima, pedindo a proteção materna. Ao vê-lo em frente ao restaurante que tinham combinado, ficou morrendo de vontade de sair correndo. Lembrou-se da mãe que assim como ela, teve um amor improvável. 

            Aí surgiu uma nova e grande dúvida: deixaria pegar em sua mão? Não. Absolutamente não. Ficariam parecendo o papai levando a filhinha para o primeiro dia de aula na pré-escola. Que dificuldade de ação! Ele seria capaz de não pedir nem a sobremesa, depois do prato principal. Olhou-se no pequeno espelho do estojo e se achou ótima. Os olhos brilhavam. Os lábios tremiam. Ele veio ao seu encontro com os olhos também brilhando. Os lábios tremendo. E, além da emoção evidente, a respiração estava ofegante. Ele a cumprimentou com um respeitoso beijo no rosto (quase que ela se vira em direção à boca) mas, graças a Deus, não assumiu o papel do papai. 

            Passou os braços delicadamente pelos seus ombros e foi como se uma faísca da brasa de uma lareira estivesse explodindo e sem auscultação. O seu perfume invadindo seu corpo. Pelos cantos dos olhos, percebeu que várias pessoas os observavam. Levantou a cabeça como se subisse em um pódio e exibiu com orgulho seu troféu. E sua primeira experiência sexual com ele foi de um carinho absoluto e de um ardor sem limites. Ela aprendeu o verdadeiro sentido do verbo amar nos braços daquele homem tão especial. Nesse dia, dialogou com a mãe que também era uma rebelde e confessou seu ato de resistência diante das críticas dos amigos pelo seu ato considerado impensado.

            Enquanto escrevia os e-mails encaminhando o seu convite de casamento para os amigos, imaginava os olhares estupefatos de toda aquela molecada que estavam se preparando para terminar a Faculdade e escolher a especialidade em que atuariam. Ficou imaginando as vozes abafadas de sussurros admirados por ela ter tanta coragem de começar uma vida com alguém com o triplo de sua idade. Atravessando a nave da Igreja, piscava para os amigos com um misto de felicidade e torpor. O sangue fervia. 

            A vida piscava igualmente para ela e o Padre que um dia ela ironizou que era o seu pai, a abençoava. Via-se no seu rosto bochechudo a felicidade estampada. Ao chegar no altar levada pelo braço do pai, olhou para cima e mandou o costumeiro beijo para a mãe. Assim como ela, exibia ao mundo o seu amor improvável, mas que não largaria por um segundo sequer. 

            Ele era para a vida toda, enquanto vidas tivessem.

Conto escrito por
Edih Longo

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Gisela Lopes Peçanha
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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