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Antologia Lua Negra: 4x05

Conto de Ney Alencar
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Sinopse: Catarina foge do marido e dos amantes e enfrenta seus piores medos e pesadelos para encontrar-se consigo mesma.

Eclipse Total
de Ney Alencar


“Oh, o diabo está subindo com a lua

Ele chora e meu sangue fica frio

Oh, nunca foi a escuridão tão negra

Sem luz e nenhum lugar para ir.”

— Lua Negra, Black Sabbath

Catarina parou o carro e desceu!

O vento bafejou seu rosto com um aroma de capim molhado e almíscar.

Ela passou as mãos pelos cabelos loiros, soltou-os e tremeu, um terror vago passou por sua mente.

Já estava na estrada há alguns dias, afastara-se o mais que podia de Julião e de Marcondes, não sabia mais o que fazer.

As faces dos dois amantes ainda a assombravam, o desejo em seu corpo teimava em se sobressair, um ardor, um calor que a fazia queimar por dentro, uma febre insuportável que lhe fazia arder as flores de seu jardim, que misturava-se à um terror- pânico sem sentido.

O coração palpitava, para logo em seguida tamborilar descompassado pelas lembranças lúbricas que teimavam em arrebatar-lhe as memórias, mas estas eram eclipsadas por um medo terrível.

As palmas de suas mãos estavam úmidas porque a lascívia corria dentro dela como um rio indomável.

Olhou o horizonte ao crepúsculo.

O roxo crispado em matizes de vermelho rubro e dourado lembrava-a de Sérgio!

O marido abandonado jamais a havia perdoado!

Ela sabia que o amava, mas era indiferente aos seus desejos, ele não era nada para ela senão o provedor de seu amor!

Todo o resto era apenas uma futilidade sem tamanho!

Não conseguia suportar o imperialismo da sociedade que a casara com aquele homem, e ao mesmo tempo não conseguia abandoná-lo, queria se vingar dele e ao mesmo tempo queria fazê-lo ver o quanto ela podia fazê-lo sofrer e amá-lo apaixonadamente ao mesmo tempo.

Ela não era formada da mesma matéria que ele, não se submetia a ele, era totalmente independente, não queria se submeter àquele homem mesquinho que sequer se importava com seu prazer ou seu gosto!

O terror de ter que fazê-lo era insupertável!

Porque ela deveria ser fiel à ele quando ele próprio a traía apenas com o olhar, seu corpo ansiava por tudo o que ela desejava e assim ela fez, desvairadamente, tantas vezes quantas quis.

Depois, é claro, sempre voltava para ele, saciada e usada, conspurcada e inebriada com o perfume de tantos amantes diferentes. Preenchida pelo medo!

Ele chorava, era ria!

Ela a maldizia, ela o escorraçava e depois o agradava.

Ele a perdoava e ela ria!

Um cabo de guerra libidinoso que consumia aquele amor herético que os unia!

Era tão confusa quanto suas tias!

Pelo horizonte distante viu as nuvens de tempestade que se aproximavam!

O céu enegreceu rapidamente e os ventos levantaram-se em redemoinhos de folhas mortas.

Entrou no carro e dirigiu mais alguns quilômetros até um caminho de terra batida que levava à uma casa grande e velha.

Devia ser ali que sua tia havia vivido, o local devia ser aquele sim!

Parou na frente da casa e saiu.

Um pensamento estranho pousou em sua mente:

“Até mesmo as corujas devem descansar ali.”

Fechou o carro e entrou na casa.

A porta estava destrancada, o interior a fez lembrar-se da casa de seus pais na infância. Memórias amedrontadoras que queria apenas esquecer.

Havia um cheiro de frio ali dentro que a torturava, e madeira e hortelã também.

Um grande tapete de pele de urso branco estendia-se pelo chão da sala à frente da lareira acesa, cujas chamas faziam sombras longas dançarem pelas paredes altas e sisudas.

O rosto da fera morta jazia voltado em sua direção e as fauces abertas, aterrorizantes, pareciam querer devorá-la.

Uma longa escada sinuosa subia e uma menor descia para profundezas ignotas de um porão abissal.

Ela tomou a primeira e chegou ao andar de cima, havia muitos quartos ali, todos pareciam vazios.

Catarina escolheu um deles, com uma cama grande e bonita, com lençóis de seda e uma lareira. Acendeu-a.

Trouxe as malas e deitou-se na cama.

O ar parado do quarto trouxe-lhe mais memórias traiçoeiras até eu ela adormeceu recitando um poema.

O sonho, ou seria um pesadelo, chegou logo ao cair das pálpebras, foi como uma visão caleidoscópica, cheia de cores brilhantes e sons farfalhantes que se misturavam em uma atmosfera esdrúxula.

Diante dela, uma luz forte e negra começou a tomar forma, e dela parecia emanarem raios de escuridão em diferentes tons de negro, pulsando em um compasso que era quase como a batida de um coração.

A silhueta disforme de um crânio foi tomando forma devagar diante de seus olhos cínicos, inundando sua mente com aquele terror ignoto que teimava em torturá-la sem piedade.

Não era um crânio humano, parecia com o de uma criatura antediluviana, algo que jamais deveria existir em nosso mundo, uma coisa de pesadelo, vinda de lugares onde a mente humana não conseguia chegar.

Tomou forma completa e abriu os olhos, bem azuis e faiscantes como duas safiras octogonais, fitou Catarina diretamente nos olhos.

Um calor disforme tomou conta de seu interior, uma coisa morna e pegajosa que parecia se arrastar dentro dela, pelos lugares mais proibidos de seu ser, agarrando-se em sentimentos de piedade e misericórdia, trazendo à tona uma coleção bizarra de desejos e vontades lúbricas que ela jamais ousara olhar de frente.

Era como uma serpente se movendo em seu interior, deslizando por suas veias, fazendo cócegas libertinas em seus mamilos e em suas coxas fechadas de tal forma que uma angústia insaciável começou a tomar conta dela.

Eram como pequenos vermes caminhando por debaixo de sua pele em um rictos quase insuportável.

O crânio negro abriu a boca descarnada quase em um sorriso cruel, uma língua mole moveu-se em seu interior tentando formular palavras ambíguas sem sucesso.

Uma cacofonia elevou-se ao seu redor como um redemoinho de vozes espúrias, uma multidão de almas falando todas como uma só legião.

Ao mesmo tempo, Catarina ouviu uma voz incorpórea que lhe falava disparates devassos, o som da voz fazia sua pele se arrepiar, porém não era medo o que sentia, era um misto controverso de desejo impudico e arrependimento, um pesar compungido que apertava seu peito.

Pensou em Sérgio, havia machucado tanto o marido que já não sabia onde começava seu martírio e onde terminava sua traição, mas ele também a havia machucado: primeiro havia deixado ela de lado, abandonado seus sentimentos em um deserto de solidão, depois que ela encontrara Julião e o deixara perder-se dentro dela foi que Sérgio tomara consciência do que havia feito, mas aí já era tarde demais.

A solidão machucava muito, fazia ela querer ser outra pessoa, tornava cada pensamento seu, cada ação, um desafio interior, um ato de rebeldia!

O remorso e o desgosto pelo que acontecera entre ela e Sérgio a corroía por dentro, por isso não conseguia mais olhar dentro dos olhos dele, não conseguia mais ficar ao seu lado, nem mesmo deixá-lo fazer nada consigo, não suportava mais o seu toque nem de suas mãos nem de seus lábios.

Não suportava a ideia de uma parte dele dentro dela, sentia-se suja, conspurcada, quase da mesma forma que sentiu quando o traiu a primeira vez com Julião ou com Marcondes.

Tudo aquilo a deixava doente, e ao mesmo tempo a impulsionava a querer fazer mais, entregar-se novamente e novamente, até desfalecer, deixar-se corromper e conspurcar das maneiras mais odiosas e nefandas, das maneiras mais impudicas e sórdidas, de tal forma que ela deixasse de ser ela própria e passasse a ser outra pessoa.

Metamorfoseada em uma nova mulher!

Somente com a destruição daquilo que ela havia sido para Sérgio é que conseguiria tornar-se viva novamente, porque então seria outra pessoa.

Essa necessidade imoral a corroía.

O crânio à sua frente apenas colocara aquilo em palavras, reconhecia agora que era tudo o que ela queria, por isso havia fugido dele e de todos os outros.

O medo a impulsionava.

As noites de devassidão havia cevado e feito desabrochar uma outra Catarina, uma mulher que já não se importava com os sentimentos do marido, nem dos amantes, se estava saciada isso lhe bastava!

Esse fogo devorador eclipsava tudo o que um dia ela se tornara, essa escuridão morna dentro da qual ela se refugiava lhe bastava apenas até que o desejo lúbrico viesse à tona, ele a possuía como um demônio sensual!

Acordou suada, a pele pegajosa, tirou as roupas e banhou-se.

Vestiu um longo camisão diáfano, sentia fome agora.

Desceu para a cozinha.

Os armários haviam sido abastecidos, ela sentou-se à mesa e desfrutou de uma refeição suntuosa, morangos encharcaram seus lábios com o sumo doce e figos e pêssegos macios deixaram escorrer seu sumo pegajoso pelo seu queixo delicado. Comia com uma volúpia libertina, arquejando ao sentir os pedaços descendo por sua garganta, em um êxtase sensual que a tornava bela e selvagem.

Foi então que ouviu um barulho.

Algo caminhava em sua direção, vindo do corredor da entrada.

Levantou-se e olhou curiosa, quem poderia ser no meio daquela noite assombrada?

Pela porta da cozinha emergiu o vulto fabuloso de um unicórnio!

Era pouco maior apenas que um pônei.

A pele castanha brilhava na luz do lampião que entrava pela janela aberta e o sussurro do vento fazia balançar sua crina comprida.

O longo chifre espiralado que despontava ereto na estrela branca da fronte do animal parecia ainda mais fabuloso.

Catarina olhou-o sem se mover, gotas de sumo de pêssego desceram por seu queixo e caíram sobre seus seios que se enrijeceram, despontando por detrás da camisola.

O Animal fantástico continuou seu andar, batendo os cascos pelo piso de madeira em um barulho oco e espectral.

A cada passo um arrepio de terror tomava conta do corpo de Catarina, sua pele se franzia como se percorrida por uma corrente elétrica, até que ele parou em frente a ela.

Ela sentiu o odor forte, almiscarado, ácido, do corpo do animal, a quentura da pele dele a fazia suar.

O unicórnio levantou a cabeça e sua língua áspera lambeu o queixo de Catarina em movimentos caudalosos, depois moveu sua cabeça, de modo que o chifre quase tocou seus lábios entreabertos e abaixando-a lambeu as gotas de sumo que haviam caído sobre seus seios.

Ela estremeceu!

O animal, a corporificação dos desejos mais íntimos, dos atos mais obscenos, dos desejos mais inexprimíveis de sua mente, estava ali parado diante dela, olhando-a e permitindo que ela o olhasse de frente.

Então ela teve a certeza absoluta que a lua negra havia despontado no horizonte e seus raios invisíveis a banharam em uma aura profana.

Um rompante de desejo incendiou seu corpo e ela cedeu!

Abandonou-se totalmente àquele terror desconhecido que a dominava febrilmente, não conseguia mais lutar contra ele.

Curvou-se sobre a mesa e esperou lânguida e amedrontada, molhada já!

O unicórnio relinchou salaz em um tom monocórdio e terrível, e colocando-se sobre as patas traseiras caminhou como um homem, acercando-se dela.

O rosto desfigurado assemelhava-se ao do marido abandonado.

A escuridão tomou conta de tudo e apenas um grito de terror reboou pela noite.

Quando a madrugada veio e um galo distante anunciou o dia que se aproximava ela afastou-se cambaleante.

Seu interior gelado a fazia tremer, e aplacava a fúria fervente de sua voluptuosidade, de tal forma que sentia uma saciedade plena preencher lhe a alma!

Saciada, deitou-se sobre o tapete branco de pele.

Os pelos faziam cócegas em seu corpo nu.

Adormeceu!


Conto escrito por
Ney Alencar

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Gisela Lopes Peçanha
Pedro Panhoca
Rosside Rodrigues Machado

Tema:
Suspense Music

Intérprete:
Gabriel Andrade Produções


Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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