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Antologia O Mal que nos Habita - 2x11

Conto de Suelen Farias
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Sinopse: Elisabeth tem todas as noites o mesmo pesadelo desde a infância. Há cada noite o pesadelo torna-se mais real ao ponto de Elisabeth não desejar mais estar fora dele.

2x11 - O Pesadelo de Elisabeth
de Suelen Farias

Estou no consultório da Dra. Andréa, a psiquiatra, sentada na cadeira laranja na sala de recepção. Depois daqueles pesadelos, decidi me consultar e iniciar um tratamento. Hoje é a quarta vez que venho e tem sido bom, eu acho. Mas não tão bom, na verdade. Quer dizer, os pesadelos pararam por um tempo, mas não demoraram a retornar.

Enquanto aguardo ser chamada, observo os sapatos vermelhos da recepcionista por baixo da mesa, eles me lembram sangue, na verdade mais do isso, eles me fazem sentir o gosto de sangue.

Estou amortecida pela lembrança e pareço ser arrastada para um lugar longe dali. Meu corpo está presente, mas minha mente se esvaiu.

Dra. Andréa aparece na porta, com seu jaleco branco, sapatos preto de salto fino e o cabelo louro preso no alto da cabeça.

Precisa me chamar duas vezes para me tirar do torpor. Levanto-me da cadeira rapidamente e nossos olhares se encontram, o dela está brando e solícito, o meu se assemelha ao medo e ao pânico.

Você está bem, Elisabeth?
Tento afastar as lembranças e passo a língua pelos lábios, me certificando que o gosto de sangue dissipou-se.

Sim. murmurou.
Caminhamos lado a lado até sua sala que fica no final do corredor. Ao entrarmos eu me sento no sofá bege de couro confortável e, ela, na poltrona cor mostarda à minha frente, como nas outras vezes.

Ela se curva e pega a prancheta e a caneta que estão na mesinha de centro. Ajeita-se na poltrona e cruza as pernas. Depois, me encara por alguns segundos como se estivesse me analisando. E então pergunta com a voz aveludada e pacífica.

Como tem passado?

Bem, eu acho. respondo.

Tem tido pesadelos?

Sim.

Quer me contar?

Aceno com a cabeça.

Ela me dá um meio sorriso.

Respiro fundo, enxugo minhas mãos suadas na calça e digo:

Bom... Foi igual aos outros, se repetiu mais uma vez.

Me conte desde o início.

Mas já lhe contei na semana passada.

Por favor, Elisabeth, faz parte do tratamento - ela insiste.

Então, pego a almofada que está ao lado e a pressiono contra o corpo.

Tá bem. Se você acha mesmo necessário.

Dou de ombros e começo a contar:

Eu estou chegando à escola, aquela que dei aulas por quase 20 anos. Estou vestida com um vestido branco, mas ele está todo sujo e estou descalça. Tenho a sensação de estar levitando, meus pés não tocam o chão.

Eu passo pelo portão, pelo pátio principal, pelo corredor das salas, pela sala que dei aula e sigo ao quintal dos fundos, onde eu sei que eles me aguardam. Tudo até aí. Está muito escuro e silencioso. Ao me aproximar do quintal, então tudo muda. É possível ouvir o som de muitas vozes, clamando ou chamando por alguém, porém não consigo entender o que dizem. Quando estou bem perto, então compreendo que é meu nome que estão dizendo. Nessa altura do corredor há pequenas tochas de fogo pelo caminho, e uma névoa cinza escura paira pelo ar.

Quando chego ao final do prédio eu paro. Eu sempre paro. Minhas pernas começam a tremer e sei que é porque ao dar o próximo passo eles vão me ver. Eu nunca consigo ir em frente sozinha a partir dali, fico ali parada até que aparece alguém e me conduz pela mão. Na verdade a pessoa me puxa. Então quando piso na grama todos me avistam e começam a aplaudir e gritar de maneira eufórica.

Sou levada até o centro do quintal e todos fazem um círculo à minha volta. Eu tento reconhecer as pessoas ali, mas elas estão transfiguradas, têm os rostos deformados, os corpos estranhos. Parece que há algo errado com elas. Todos elas. Parecem mortos. Ora, me parecem zumbis, ora, me parecem monstros.

Eu sinto medo delas, mas muito mais medo do que vem a seguir.

Passos se aproximam e todos param instantaneamente de gritar e aplaudir. O silêncio é total. Ouço apenas a minha respiração. Então, ele surge. Vestido luxuosamente de preto, na cabeça um chapéu, preto também. Quando chega perto de mim e nossos olhares se encontram solto um grito de pânico e terror. Ele tem a face demoníaca, um sorriso maligno. Eu sei que ele é o próprio demônio. Encara-me com um semblante irônico e pega na minha mão esquerda.

Uma música começa a tocar, no começo é lenta, depois torna-se agitada, são sons de tambor. Então ele coloca no meu dedo uma aliança. Depois todos aqueles seres estranhos começam a dançar e em seguida chegam auxiliares trazendo um enorme banquete. Quando sentamos para comer...

A partir daí eu não consigo continuar falando, meu estômago revira, a situação é nauseante.

Dra. Andréa se inclina para frente e segura minhas mãos entre as suas.

Continue Elisabeth, é importante ela me encoraja.
Respiro fundo e continuo:

A comida exposta ali, bem... Não é comida. São pedaços de corpos humanos. Mãos, braços, pernas, corações, cérebros, pulmões, ovários e outros. Há sangue por tudo. Por toda a mesa. Há sangue nas jarras e nas taças. Todos parecem famintos e comem com gosto. Eles sorriem, brindam entre si e depois bebem o sangue deixando escorrer pela boca.

O demônio, aquele que colocou a aliança no meu dedo, se aproxima e me estende uma taça. Eu quero dizer que não vou beber, mas sei que se eu fizer isso serei castigada cruelmente. Então eu levo a taça à boca e tomo toda ela. Em seguida eu acordo e sempre estou em pé na cozinha, vestida com meu vestido branco de verão, descalço e com um copo de água na mão.

E então o que você faz depois? – a psiquiatra pergunta.

Eu tomo um banho e volto para a cama, mas nunca consigo dormir depois disso. Até porque quase sempre já está amanhecendo.

Elisabeth, há quanto tempo você vem tendo esses pesadelos?

Desde minha infância, mas nessa época eu ia somente até o final do corredor e não chegava até o quintal. Somente avistava os seres estranhos de longe e logo em seguida acordava. Há algumas semanas eu chego ao quintal e acontece tudo aquilo que eu disse.

O que você acha que tudo isso significa? Quero dizer, esses pesadelos?

Não são só pesadelos. Eles parecem bem reais. Eu sinto o cheiro do sangue. Eu sinto o gosto do sangue na boca. Eu me sinto cansada quando acordo, pareço ter passado a noite toda numa festa.

Sim, entendo. Mas me diga o que você acha que é tudo isso? Por que acha que tem esses pesadelos?

Eu acho que sou a mulher que se casa com o demônio. Acho que ele me escolheu por algum motivo, para ser sua, mas toda a situação se dá contra a minha vontade.

Você me contou na consulta passada que nunca se casou. Diga-me por quê.

Não sei. Acho que nunca me apaixonei de verdade.

Você quer casar algum dia?

Acho que sim. Talvez.

Conversamos mais alguns minutos e ela me informa que nosso horário encerrou. Com um sorriso diz que vai me esperar na próxima semana e que estamos fazendo progresso significativo. O que eu desconfio um pouco.

Volto para casa.

Mais tarde, naquele dia, finalizo a leitura do capítulo do livro do Charles Dickens que estou lendo. Coloco o marcador ali e fecho-o.

Confiro o horário no meu relógio de pulso.

É madrugada, eu deveria estar dormindo a pelo menos umas quatro horas, mas estou com medo de dormir.

Porém, meus olhos ardem e não consigo evitar, o sono me vence.

Encontro-me em total escuridão e tudo está absolutamente tranquilo. Até que a escuridão se desfaz como uma névoa e logo estou andando pela antiga escola que trabalhei, passando pelo pátio central, chegando ao quintal, casando-me com o demônio e bebendo sangue na taça.

Acordo com um sobressalto. Coração acelerado. Olho em volta, não estou em casa. Estou em um quintal, o quintal da escola.

Porém, ele está vazio, não há ninguém ali. Nada de seres estranhos. Somente eu, com meu vestido branco sujo. Não olho para os meus pés, mas sinto a grama abaixo deles, estou descalça. Em minha mão direita seguro uma taça com um líquido vermelho, aproximo do nariz e o cheiro de sangue o invade. Mas o que mais me perturba é  a peça dourada na minha mão esquerda, posta no dedo anelar, uma aliança. Solto um grito e derrubo a taça no chão. Ela se quebra e o líquido espirra em meu vestido, meus pés, minhas mãos e em meu rosto. Sinto o líquido escorrer pelos lábios e aprecio o gosto. Sinto sede e quero mais. Ajoelho-me sobre a grama e começo a lamber o sangue derramado, então percebo que estou presa naquele pesadelo. Não, na verdade eu quero estar naquele pesadelo. Não quero voltar para casa. Ficarei aqui e esperarei todos, inclusive, o demônio chegar. Quero degustar o banquete e beber mais daquelas taças de sangue.

Conto escrito por
Suelen Farias

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Mercia Viana
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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