2x06 - Meu Amigo Bob
de Jonnathan Freitas
Chuva
fina lá fora. Noite fria e estou tremendo embaixo das caixas de papelão que
Dani trouxe. Adoro aquele menino. Cortou as caixas e fez essa toca pra mim que
está servindo como abrigo. Bem, pelo menos não estou mais levando chuva como há
alguns meses.
Escuto
as vozes altas e agressivas de novo. Sons de humanos discutindo na casa de
Dani. Devem ser os humanos adultos. O alfa e a mãe do Dani sempre estão em
disputa por alguma coisa, só não sei o que é. Deve ser por alguma parte de
comida ou lugar melhor dentro da casa.
Não
posso deixar de considerar aquele cheiro estranho do alfa quando começam as
hostilidades. Ele sempre traz pra casa umas garrafas com líquido de cheiro
forte que passa a beber. Pelo cheiro tenho certeza que não é água e nem coisa
boa. A verdade é que sempre que ele passa a beber esses líquidos em pouco tempo
começam as brigas com a mãe de Dani.
Começo
a latir pra eles ouvirem e pararem. O humano alfa vem até a janela e grita
comigo em tom ameaçador. Nem me atrevo, volto logo pra dentro da toca com a
cauda entre as patas. Uma hora eles vão parar.
Sempre
é assim, desde que cheguei aqui há um ano. Era filhote e me tratavam com mais
carinho naquela época, me deixavam dormir dentro da casa e brincar com Dani até
cansar. Ficava embaixo da cama com Dani, enquanto ele me abraçava, toda vez que
os humanos adultos começavam a falar com aquele jeito que parecem que vão se
morder. Percebia ainda um pouco de água descendo dos olhos de Dani. Água
salgada. Notei que era salgada, pois lambia algumas vezes para ele parar de
sofrer. Depois de um tempo fiquei maior e o humano alfa me colocou numa coleira
no quintal, não tinha mais acesso a casa e ao abraço de Dani quando ele
precisava.
No
dia seguinte a mãe de Dani sai com ele pegando pela mão. Noto que o rosto dela
parece com a cara do Tobby, o cachorro do vizinho que tem uma mancha envolta do
olho. A mãe de Dani põe algo no rosto que os humanos chamam de óculos escuros.
Não sei o motivo já que o dia não era de muito sol. Lembro-me bem porque
naquele dia fiquei sem comer o dia todo.
Dani
voltou no outro dia com seus pais sem brigar, pareciam até que estavam se dando
bem. A mãe de Dani parecia comigo depois que levou uma palmada e logo esqueço, voltando alegre
com o rabo balançando. Mas ainda bem que Dani trouxe comida, estava pra comer
papelão.
Não
se passou muito tempo de paz, sabe? Talvez uma semana ou mais. Dani tinha me
soltado da corrente e depois de correr pelo quintal eu estava coçando algumas
pulgas chatas na minha pata de trás, quando os humanos adultos começaram a
brigar de novo. A briga foi crescendo e ouvi o grito de Dani dessa vez. Corri
para a porta da casa latindo com eles para pararem com aquele escarcéu. Escutei
um som diferente. Um estampido rápido, parecendo com aquelas bombas malditas
que me assustam muito quando os humanos estão comemorando o começo de um novo ano.
Só que o estouro era mais rápido e menor.
Olhei
pela janela e vi o humano alfa cambaleante, com um objeto de cano preto na mão.
Apontava para Dani e sua mãe abraçados, que gritavam enquanto descia aqueles
filetes de água de seus rostos. No chão, cacos de espelho quebrado, objetos
revirados e um aparelho celular com a tela acesa com caracteres que na língua
deles deveria ser “190”.
Não
pensei duas vezes, me afastei um pouco para pegar espaço e corri o máximo que
pude para pular a janela. Quando entrei no cômodo o homem se virou pra mim e
pela primeira vez na vida ataquei aquele que me alimentava. Mordi com muita
vontade a mão dele, não suportava ver Dani gritando e sofrendo de novo.
O humano
alfa tentou se soltar, mas não conseguiu. Estava sentindo dor enquanto
experimentei o gosto de seu sangue. Mas logo depois escutei o estampido de novo
e senti uma dor aguda. Externei um grunhido alto. Soltei sua mão enquanto ele
gritava de dor e xingamentos ao soltar aquele objeto de cano preto. A mãe de
Dani pegou o objeto no chão. Dani veio me abraçar, mas eu só sentia dor e medo
pelo desespero que ele demonstrava.
A dor
aumentava e minhas forças iam embora. Só me lembro disso quando ouvi o som de uma sirene e
as luzes vermelha e branca se alternando pela janela. Para então escutar Dani
dizer pela última vez:
– Bob, meu amigo…
CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Peçanha
Liah Pego
Lígia Diniz Donega
Mercia Viana
Rossidê Rodrigues Machado
Bruno Olsen
Cristina Ravela
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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