LAÇOS DE AMIZADE - CAPÍTULO 01
| CENA 01 | SÃO PAULO / BAIRRO QUALQUER / EXT. / DIA.
LEGENDA: 2013.
Mostra imagens de um bairro classe média baixa da cidade. Muitas pessoas se movimentam numa rua estreita, camelôs vendem produtos pirateados, crianças brincam na rua, enquanto moradores jogam conversa fora. A câmera foca uma jovem magra, cabelos na altura do ombro, olhos negros, ela veste um jeans azul e uma blusa de alça rosa e carrega uma mala azul marinho de rodinhas. A garota anda meio tímida entre as pessoas e parece procurar por algo. Ao avistar um camelô barulhento ali por perto, ela vai a sua direção.
GAROTA: Oi, com licença.
VENDEDOR: (exagerado) Bom dia moça! Vai querer comprar alguma coisa? Olha que eu faço um preço bem bacana para uma moça linda como você.
GAROTA: Não, não, obrigada. Eu não quero nada, quer dizer, preciso de uma informação, o senhor pode me ajudar?
VENDEDOR: Claro.
GAROTA: Aqui é o bairro Santa Felícia ‘né’ isso? Você sabe onde mora Janaína Coelho? É por aqui não é?
O homem coloca a mão no queixo para pensar, reflete por um instante.
VENDEDOR: Janaína Coelho? (pausa) Ah, você está falando da “Janinha doce prazer”. Sim sei onde ela mora, aliás, que homem desse bairro não sabe?
GAROTA: (confusa) Como?
VENDEDOR: Não, deixa para lá. Mas para quê você quer saber onde ela mora?
GAROTA: É que eu sou a filha dela.
VENDEDOR: (surpreso) Filha? Quem diria! Olha moça, eu sei onde ela mora. (aponta) É ali na frente, tá vendo aquela casa marfim e com porta de cor madeira? É lá. Mas eu acho que você não vai gostar de encontrar a Janinha não.
GAROTA: (sorridente) Como não? Vim de muito longe para reencontrá-la. Bom, muito obrigada pela ajuda, eu vou indo. Tchau.
VENDEDOR: Tchau!
A jovem sai carregando sua mala com um sorriso no rosto.
| CENA 2 | CASA DE CARLOS / EXT. / DIA.
A jovem da cena anterior chega até a porta da casa indicada pelo camelô. É uma casa pequena com uma porta e uma janela do lado, ambas fechadas, a parede na cor marfim está conservada. Há um Gol na cor cinza parado na calçada. A jovem bate na porta, ouve-se um “já vai” vindo de dentro da casa. CORTA PARA.
| CENA 3 | CASA DE CARLOS / INT. / DIA.
Percebe-se que o imóvel é apenas um quarto e sala onde todos os cômodos são o mesmo, sem divisão de compartimentos. Janaína, uma mulher bonita, esbelta, baixa e de cabelos negros enrolados; está na cama com um homem barbudo que fuma um cigarro, os dois de roupas íntimas, ela levanta-se e veste um roupão roxo que estava jogado em uma cadeira perto da cama. O semblante de Janaína é de cansaço e tristeza.
JANAÍNA: (levantando-se) Fica aí e se veste.
HOMEM: (sorriso de canto de boca) Vai lá, gostosa.
Janaína vai em direção à porta. Ao abri-la, a mulher arregala os olhos surpresa e espantada com a presença da garota, que quase grita de felicidade.
GAROTA: Surpresa!
Janaína empalidece e se mostra bastante nervosa.
JANAÍNA: (nervosa) Bruna? Fi... Filha... O que você está fazendo aqui?
Sem cerimônia Bruna adentra a casa da mãe ainda carregando a mala largando-a em qualquer lugar e voltando-se em seguida para abraçar Janaína. Ela não percebe a presença do homem na cama.
BRUNA: Que foi? Não gostou da surpresa? (empolgada) Você não sabe da maior. Eu ganhei uma bolsa de estudos numa universidade daqui! Eu consegui mãe, vou cursar Gastronomia!
Bruna percebe que Janaína está nervosa.
BRUNA: Qual é o problema? Você não parece feliz...
JANAÍNA: Claro que estou filha, mas é que eu não estava...
Janaína é interrompida pelo homem barbudo que estava com ela na cama. Ele aparece na sala apenas vestido com uma calça social preta e à medida que caminha veste sua camisa branca de botão.
HOMEM: (grosso) Já “tô” indo, gostosa!
Ele dá um tapa na bunda de Janaína.
HOMEM: Tá aqui tua grana, me espera que eu volto!
Ele dá uma piscadela para ela e logo percebe a presença de Bruna que observava a cena perplexa. O homem a olha com desejo e se aproxima dela, rondando.
HOMEM: Hum... E você, doçura? Ninfeta novata? O Carlos tá mandando bem hein, Janinha!
O homem sai em seguida batendo a porta. Bruna encara a mãe com os olhos marejados. Janaína está completamente envergonhada.
BRUNA: Mãe... Diz que não é o que eu “tô” pensando...
JANAÍNA: Calma, filha...
BRUNA: (alterada) Calma? Como é que você me pede calma numa hora dessas?
Bruna leva sua mão direita a cabeça e anda agitada de um lado para o outro. As lágrimas caem.
BRUNA: Não... Não pode ser. Não sei. Eu devo está tendo alucinações! (grita) Não pode ser! Você...
JANAÍNA: (voz trêmula) Eu posso explicar, Bruna.
BRUNA: Não há o que explicar mãe, eu vi com meus olhos. Você ‘tá’ se prostituindo? Como pôde?
JANAÍNA: Eu vou te explicar tudo, meu amor. Senta aqui, vamos conversar...
BRUNA: (grita) Eu não preciso e nem quero explicações. (mais contida) Mãe, você era o meu maior exemplo, eu tinha orgulho de você! Mas agora... Agora a imagem que tenho é (hesita) nojenta!
JANAÍNA: Filha...
Bruna pega sua mala e se vai, chorando muito, sem deixar Janaína se explicar.
JANAÍNA: Espera filha... Para onde você vai Bruna? Espera!
| CENA 4 | GRANDE SÃO PAULO / CENTRO / EXT. / DIA.
MUSIC ON: (É preciso – Jota Quest)
A câmera focaliza o trânsito agitado da cidade. No centro as pessoas circulam pelos mais diversos lugares, é possível identificar gente de todas as tribos urbanas. Corte de cena. O ambiente agora é mais tranquilo, há uma pracinha por ali, nota-se ser um bairro mais calmo e com muitas árvores. A câmera focaliza a fachada frontal de uma casa grande, dois andares, de frente para a rua; acima da porta de entrada observa-se uma placa chamativa com o seguinte nome: República Universitária Laços de Amizade. CORTA PARA.
| CENA 4 | REPÚBLICA / SALA / INT. / DIA.
O ambiente é tipicamente jovem com alguns toques da cultura mexicana, com direito a sombrero na decoração das paredes que estão pintadas nas cores, azul e branco. No centro da sala existe um sofá na cor verde limão com uma mesinha de centro, televisão defronte ao sofá principal e dos lados alguns puffs coloridos, além de uma poltrona bege. Sentadas no sofá estão duas jovens loiras de olhos claros, uma é alta, a outra um pouco mais baixa. A loira mais alta está com o controle remoto nas mãos zapeando todos os canais disponíveis da TV.
MUSIC OFF: (É preciso – Jota Quest)
LOIRA ALTA: (impaciente) Tá mais do que na hora da Celina assinar TV a cabo ‘né’. Ninguém merece essa programação sem sal da TV aberta. Olha gente, não passa nada do meu interesse!
LOIRA BAIXA: Você tem toda razão, maninha. Essa programação é ’uó’.
Outra jovem, morena, de cabelo curto e olhos pretos que também estava presente na sala, sentada em um dos puffs, provoca.
JOVEM MORENA: (debochada) Sério que você concorda com a Valeska, Vanessa? Não me diga!
VANESSA: Sempre se metendo onde não deve né, Fabiana.
FABIANA: É minha especialidade, querida. Ah Valeska, por que você não vai ler um livro?
VALESKA: (irônica) Porque você não manda em mim.
Em seguida, Fabiana, rindo debochada, levanta-se e vai em direção as escadas. Ela sobe quase correndo.
VALESKA: Bem que ela podia tropeçar e rolar uns degraus.
Elas riem.
| CENA 5 | REPÚBLICA / QUARTO UVA / INT. / DIA.
O compartimento não é muito grande. As paredes são pintadas em um tom roxo quase cinza. Há um beliche do lado oposto da porta, um banheiro, uma estante cor madeira com vários livros e um computador ao lado da estante. De frente para o computador alguém está sentado navegando na internet. É Marcelo, um rapaz alto e nem tão magro, nem tão gordo. Ele está concentrado lendo um artigo acadêmico e faz algumas anotações no caderno, ao lado do teclado do computador. A câmera foca a tela do computador e percebe-se que ele está conectado a um bate-papo, pois a janela do mesmo avisa que ele acaba de receber uma mensagem. O rapaz clica e ler a mensagem na caixa da conversa do bate-papo:
celso19 diz: cara, ainda estudando?
marcelo-rezende diz: você não?
celso19 diz: tbm... kkkk
marcelo-rezende diz: alguém tem que fazer jus ao título de morador universitário dessa república né. Huahuahuua
celso19 diz: vdd, vou desconectar, flw
marcelo-rezende diz: flw
celso19 está off-line
Marcelo solta um sorrisinho fraco e balança a cabeça, clica novamente na página do artigo e volta a estudar.
| CENA 6 | REPÚBLICA / QUARTO GOIABA / INT. / DIA.
O compartimento tem as mesmas proporções do quarto anterior, inclusive com os móveis organizados na mesma posição. A cor do quarto é um tom leve de avermelhado. No computador observa-se a presença de ‘celso19’, o jovem que conversava com Marcelo no bate-papo. Ele é alto, branco, tem olhos claros e cabelo encaracolado. Desliga o computador e vai até a estante procurar um livro que logo encontra. O rapaz vai até a cama de cima do beliche e se joga abrindo na página do sumário. CLOSE na capa do livro que mostra o título “Epistemologia em Geografia”. Em LONG-SHOT vemos todo o cenário e percebemos a presença de outros dois jovens ali. Um deles está sentado à beira da cama de baixo do beliche; ele é alto, forte, branco, cabelo loiro e olhos castanhos; o outro é um pouco mais baixo, forte, branco, cabelo e olhos pretos. Ele está no chão em posição de fazer flexões e sem camisa, pelo suor em seu corpo percebe-se que ele está no exercício há algum tempo. Enquanto o segundo faz as flexões, o primeiro conta.
JOVEM 1: 89, 90, 91, 92, 93...
O cara das flexões cai exausto no chão.
JOVEM 2: Merda! Desequilibrei, conseguia fazer mais...
JOVEM 1: (provocando) Sei, sei... Você não é de nada mesmo, vou te mostrar como se faz.
JOVEM 2: Vai lá então ô, quero só ver...
Enquanto fala, o jovem 2 se levanta e limpa o suor do rosto com uma toalhinha que estava jogada na cama. No mesmo momento seu colega tira a camiseta branca que vestia e se posiciona para fazer o exercício. Da cama, Celso reclama:
CELSO: Será que dá pros garanhões aí ostentarem seus músculos esculturais em outro lugar? Tô tentando estudar!
JOVEM 2: Qual foi, Celso?! Porque você não se manda daqui?
CELSO: Não seria por que esse é o MEU quarto, Claudio?
CLÁUDIO: E meu também.
JOVEM 1 (levanta): Relaxa Celso, a gente vai fazer menos barulho. Mas quer saber de uma coisa? Você devia se exercitar um pouco mais, ‘desatrofiar’ essas articulações aí que devem estar mais que enferrujadas. Exercício físico nunca é demais, faz bem a saúde, tira o estresse!
CELSO (enfatiza): SEXO tira o estresse, Luciano!
CLÁUDIO: Que nada mais é do que uma forma prazerosa de se exercitar. Sem dúvida (enfatiza) a MELHOR maneira delas! É ou não é?
Luciano e Cláudio riem. Celso senta-se na cama, impaciente.
CELSO: (debochado) Beleza então seus educadores físicos de merda. Vocês venceram. Tô me mandando.
Celso pula da cama, pega o livro e sai apressado batendo a porta, enquanto Luciano e Cláudio riem da situação.
|CENA 07| BAIRRO QUALQUER / PRAÇA / EXT. / DIA
MUSIC ON: “Algo mudou - Liah”
Bruna, depois de muito caminhar sem destino, chega a uma praça pouco movimentada. Ao avistar um banco na sombra, a moça não pensa duas vezes antes sentar-se, exausta. Com olhar distante a jovem derrama lágrimas desconsoladamente e pensa no que presenciou na casa da mãe.
MUSIC OFF.
De repente, uma mulher atípica das poucas pessoas que estavam no local surge por ali, com uma sacola na mão. Ela veste uma saia rodada longa e branca, uma blusa em corte V bastante colorida e com alguns bordados. Seu cabelo é extremamente preto e está preso em uma trança com uma rosa amarela na ponta, rosto com maquiagem leve exceto pelo batom vermelho muito forte. A mulher percebe a tristeza de Bruna e fala com sotaque espanhol, arriscando um portunhol meio confuso.
CELINA: Hola, chica! ¿Qué pasa? ¿Estás llorando? ¿Está perdida? ¿Que acontece contigo?
BRUNA: (enxugando as lágrimas, desconfiada) Quem é você?
CELINA: Una amiga, no te preocupes. ¿Qué pása?
BRUNA: Fugi de casa, quer dizer... Ainda nem era minha casa.
CELINA: (faz cara de quem não entendeu) ¿Quieres platicar? [Quer falar?]
BRUNA: Desculpa. Não entendi.
Celina senta-se ao lado de Bruna e tenta falar com dificuldade o Português.
CELINA: Você quer conversar?
BRUNA: A verdade é que estou sem lugar para ficar. Aconteceu uma coisa horrível. Acabei de chegar na cidade e não conheço ninguém.
CELINA: No me lo creo [Não acredito]. Mira, yo soy la doña de aquella república (E aponta para a fachada da república), Lazos de Amistad, este es el nombre. Se quieres, puede quedarse [Pode ficar lá se quiser].
BRUNA: Eu agradeço, mas é que eu não te conheço e...
Celina a interrompe.
CELINA: No te preocupes chica, soy tu amiga. No voy a hacerte daño [Não vou te fazer mal]. Soy uma mexicana ‘buenita’.
BRUNA: Mas é que não tenho dinheiro para pagar.
CELINA: Vamos hacer un acuerdo. Voy a llevarte para conocer la casa, si te gustas puedes quedar, después vemos como puedes pagar! ¿Que tal? [Vamos fazer um acordo. Vou te levar pra conhecer a casa, se você gostar, pode ficar, depois vemos como você pode pagar]
BRUNA: (pensa um pouco) Tudo bem, eu vou com você. Afinal, eu não tenho outra escolha.
CELINA: ¿Cómo te llamas?
BRUNA: O quê?
CELINA: Como você se chama?
BRUNA: Ah sim, Bruna Coelho, prazer. E qual seu nome?
CELINA: Celina. Celina Bustamante. Natural del México, encantada!
Aperto de mão e sorriso das duas.
BRUNA: Uma mexicana?! Que legal!
| CENA 08 | GRANDE SÃO PAULO / EXT. / DIA.
Imagem panorâmica da cidade. Close na fachada de um edifício enorme de dez andares.
| CENA 09 | CONDOMÍNIO ALMIRANTE / AP. 209 / INT. / DIA.
Um apartamento moderno, com decoração sofisticada. Observamos Janaína e uma outra mulher, vestida discretamente de branco, seus cabelos loiros brilhantes chamam a atenção. Ambas conversam sentadas no sofá principal.
ISABEL: Quer dizer que sua filha está na cidade e descobriu da pior maneira o que você faz pra ganhar a vida?
JANAÍNA: Ela não vai querer me ver nunca mais.
ISABEL: Também pudera né, Janaína. Descobrir que você se transformou em uma prostituta não deve ser nada fácil.
JANAÍNA: Você tem uma grande parcela de culpa nisso, Isabel. Depois que fui presa por um crime que você cometeu, todas as portas se fecharam para mim. Tive que me virar de algum jeito. Eu passei dois anos da minha vida na cadeia, sendo que quem matou o Narciso foi você!
ISABEL: Tudo bem, eu admito. Mas se não fosse por mim você ainda estaria lá. Além disso, você bem que poderia ter encontrado outros meios de se manter ao invés de... (hesita) Bem, você sabe.
JANAÍNA (irritada): Você não me fez nenhum favor. Você tinha obrigação de me tirar da cadeia. De qualquer maneira, a vida de ex-presidiária não é nada fácil. Quem você acha que daria emprego a uma criminosa? Eu acabei por não ter escolha. Além disso, no início eu achei que o Carlos fosse outra pessoa. Ele era até carinhoso comigo, dá pra acreditar? Cheguei a pensar que ele me amava. Então eu achei que ele era minha luz no fim do túnel. Mas não imaginava que depois de um tempo ele me obrigaria a fazer essas coisas das quais não me orgulho de jeito nenhum.
ISABEL: Você sabe que eu não sou muito boa com essas coisas, mas eu serei eternamente grata pelo que você fez por mim. Entenda meu lado também, se eu tivesse sido presa só Deus sabe com quem meus filhos estariam. Eles só têm a mim, e eu só tenho a eles.
JANAÍNA: É claro que eu entendo. E foi também por eles que eu fiz isso.
ISABEL: Bom, e a Bruna foi pra onde? Ela não conhece nada aqui.
JANAÍNA: (angustiada) É isso que tá me deixando desesperada. E se ela cair nas mãos de gente perigosa? Se tiver que dormir na rua? Ai, meu Deus! Protege minha pequena, por favor, essa cidade é tão perigosa...
ISABEL: Eu gostaria de poder te ajudar, amiga.
JANAÍNA: Não há o que fazer, a não ser procurá-la. Mas nem sei por onde começar.
ISABEL: Vai dá tudo certo.
JANAÍNA: Espero que sim. Bom, agora eu tenho que ir.
Janaína faz gesto para levantar-se, mas Isabel a segura pelas mãos recolocando onde estava.
ISABEL: Eu só queria mais uma vez agradecer. O que você fez por mim não tem preço. Mas você sabe, meus filhos são minha vida.
JANAÍNA: Você já agradeceu tantas vezes, não precisa mais. Isso foi também pela nossa amizade. Tudo bem que não é mais como antes é verdade, mas sei que ainda existe um laço muito forte entre nós.
As duas se abraçam.
| CENA 10 | REPÚBLICA / SALA / INT. / DIA.
Todos os moradores estão reunidos no local distraindo-se com alguma coisa. Celina chega com Bruna, causando surpresa geral.
CELINA (extravagente): Republicanos, digan hola a la nueva moradora de la república!
BRUNA: (tímida) Oi, pessoal.
Os moradores respondem cada um à sua maneira. Close em Marcelo que observa a garota. Bruna timidamente retribui o olhar. Valeska bufa de raiva ao perceber a situação e resolve agir dando em Marcelo um beijo quente, com vontade. Celina não gosta do que vê.
CELINA: ¿Qué pasa, Valeska? Sabes muy bien que no me gustan las demostraciones de cariño escandalosas, y que a cá dentro ellas no son permitidas. [O que acontece, Valeska? Você sabe muito bem que não gosto de demonstrações de carinho escandalosas, e que aqui dentro elas não são permitidas.]
Valeska fuzila Bruna com o olhar e em nenhum momento olha Celina.
VALESKA: Desculpa, Celina. Foi só para avisar que esse aqui já tem dona.
MARCELO: Como é que é? Pirou, garota?! Eu não sou um objeto pra ter dona.
CELINA: Déjame hacer las presentaciones [Me deixa fazer as apresentações]. Esta es Valeska, aquella es Vanessa, las dos son hermanas [irmãs]. Esta es Fabiana que será tu colega de habitación [quarto] y estos son Luciano, Cláudio, Celso y Marcelo.
FABIANA: Vem, Bruna. Vou te mostrar seu quarto, ou melhor, nosso quarto.
CELINA: Después te mandaré una cópia de las reglas de convivência de este estabelecimento.
BRUNA: Está bem.
Fabiana puxa a nova amiga pelo braço e as duas sobem para o quarto. Os moradores voltam a se dispersar pela casa, cada um vai para um lado. CORTA PARA o SOFÁ, onde estão sentados Celso, Cláudio e Luciano, estes últimos agora devidamente vestidos. Ouve-se o som de alarme de dois celulares, simultaneamente. Imediatamente Celso e Cláudio percebem que são seus aparelhos e confirmam o recebimento de um ‘sms’. Close na tela do celular de Celso onde observamos o conteúdo da mensagem:
“Qual é a de vocês, seu cagões?! Da próxima vez que desistirem façam o favor de avisar antes de deixar a gente esperando. Otários! Ass: Igor”
Ao mesmo tempo Cláudio e Celso se olham, apreensivos. Luciano não entende a reação dos dois.
| CENA 11 |REPÚBLICA / QUARTO UVA / INT. / DIA.
Marcelo e Luciano adentram o local onde o beliche é o destino dos dois. O primeiro senta-se na cama de baixo, o segundo, deita-se na de cima e fica admirando o teto.
LUCIANO: Eu reparei como você tava olhando pra novata. Gostou dela, não é?
MARCELO: Não sei cara, é cedo pra isso. Mas algo me chamou atenção nela.
LUCIANO: Já até sei como essa história vai acabar.
MARCELO: Não viaja, Luciano. Além do mais tem a Valeska ‘né’.
LUCIANO: Essa aí não gostou nada dessa história. Ela acha que vocês tão namorando hein.
MARCELO: E isso em partes é culpa minha. Deixei que ela acreditasse nisso.
| CENA 12 | REPÚBLICA / QUARTO MAÇÃ / INT. / DIA.
O ambiente segue as mesmas proporções dos quartos dos outros moradores, a diferença fica por conta da cor das paredes, desta vez em tons de laranja claro. Bruna se instala no quarto, guarda suas roupas no guarda-roupa enquanto Fabiana a ajuda.
BRUNA: É verdade o que a Valeska disse? Ela é namorada do Marcelo?
FABIANA: Pergunta difícil essa. Não sei direito o que rola entre eles, claro que tem alguma coisa, mas assim, longe de ser namoro. Tá na cara que ele não leva ela a sério.
BRUNA: Ele é desses que não leva ninguém a sério?
FABIANA: Prefiro dizer que ela é fútil demais pro perfil dele. O Marcelo é um cara legal, honesto e não liga muito pra coisas supérfluas. Logo, ele é o oposto da ‘chateska’!
Bruna ri.
BRUNA: Dizem que os opostos se atraem né...!
FABIANA: Nesse caso, é apenas atração física. Tenho certeza. Mas diz aí, já se apaixonou pelo príncipe? Assim, tão rápido?!
BRUNA: Ai, claro que não! Não é nada disso. Eu não acredito em amor à primeira vista, acho isso uma bobagem. Perguntei apenas por perguntar, só isso.
FABIANA: Então tá, mas é até melhor mesmo que você não se interesse por ele. Sabe lá do que aquela garota é capaz. Não que eu tenha medo dela, de jeito nenhum. Mas pelo tempo de convivência eu percebi que a Valeska faz qualquer coisa para não sair derrotada de qualquer que seja a batalha. Ela chega a ser obcecada pelo Marcelo, mas ao mesmo tempo às vezes acho que ele é só um capricho, sabe. Ela é uma daquelas patricinhas que sempre teve tudo que quis na vida e nunca foi suficiente. Eu falo com conhecimento de causa, pois moro aqui há um bom tempo e sei das coisas que ela já fez com outras moradoras antigas que tentaram fisgar esse peixe. Abre o olho.
BRUNA: Fica tranquila. Não gosto de peixe.
As duas riem.
FABIANA: E tem mais. Parece que esse rolo deles vem de outros carnavais. Pelo que eu sei os dois se conhecem desde o ensino médio, as famílias são amigas, ou pelo menos eram. Depois que a mãe do Marcelo morreu e ele passou a odiar o pai, ele veio morar aqui e ela veio atrás. Se bem que nesse ponto teve um pouco de coincidência porque o pai da Valeska foi pra Suíça, aliás, ele vive viajando a negócios, então ela acaba tomando as rédeas da própria vida. A Vanessa coitada, não passa de um capacho. Até o curso no vestibular ela escolheu com base no do Marcelo, acredita?
BRUNA: Então isso é pior do que eu pensei. Você disse que o Marcelo odeia o pai? Você sabe o motivo?
FABIANA: Ele culpa-o pela morte da mãe. Mas eu não sei bem o que aconteceu. Aqui na república quase todos tem problemas com os pais, é incrível. Isso inclui Marcelo, Valeska e Vanessa, Luciano, Celso, enfim...
BRUNA: Bom. Então acabo de entrar ‘pro’ clube.
FABIANA: Você também, garota?
BRUNA: É. Mas eu prefiro não tocar no assunto.
FABIANA: Tudo bem.
| CENA 13 | REPÚBLICA / QUARTO MORANGO / INT. / DIA.
Valeska sai do banho com uma toalha branca enrolada no corpo e outra enxugando os cabelos. Sua irmã Vanessa está no computador verificando seus e-mails e falando com uma colega no MSN.
VALESKA: Você viu o jeito que aquela ‘bonitinha’ olhou para o Marcelo?!
VANESSA: (sem desviar o olhar do computador) E como vi. A garota ficou, tipo, paralisada.
VALESKA: Sinto que ela vai me dar problemas.
Vanessa dá um giro 360° na cadeira de rodinhas e põe a mão no peito, exagerando uma expressão de surpresa.
VANESSA: Espera aí. Eu ouvi bem? Valeska Peduzzi com medo de alguém? Essa é nova para mim.
VALESKA: Que medo o quê, sua anta! Você não percebeu o interesse do Marcelo por ela? Essa Bruna que não se meta à besta comigo, se não a coloco para fora dessa república em um estalar de dedos!
| CENA 14 | CONDOMÍNIO ALMIRANTE / AP. 209 / SALA / INT. / DIA.
Dois adolescentes chegam vindos da rua. Quem entra primeiro é o rapaz, porte físico atlético, tem cabelo loiro e olhos azuis e veste uma calça jeans preta e uma blusa polo azul e branco, em seguida, a garota surge, seus cabelos são curtos e pretos, da mesma cor dos olhos, veste também uma blusa polo, rosa, e um short que combina com a blusa.
GAROTA: Oi, mãezinha!
GAROTO: Oi, mãe.
Os dois se aproximam e dão um beijo em Isabel.
ISABEL: E como foi o passeio?
GAROTO: Legal. A gente foi no cinema.
ISABEL: E que filme vocês viram?
Os dois se olham desconfiados e sem saber o que responder.
ISABEL: (desconfiada) O gato comeu a língua de vocês, queridos?
GAROTA: Foi um filme qualquer mãe. Na verdade nem prestei muita atenção. Né, Igor?!
IGOR: É. O filme não era lá grande coisa.
A garota ri visivelmente nervosa. Isabel levanta-se e encara os dois que já estavam jogados de qualquer jeito no sofá.
ISABEL: Entendo...
IGOR: É impressão minha ou você não tá acreditando na gente?
ISABEL: E por que não? Por acaso teria motivos para isso?
Nos dois jovens, desconfiados.
| CENA 15 | BAIRRO SANTA FELÍCIA / CASA DE CARLOS / EXT. / DIA.
Janaína caminha pelas proximidades da casa, visivelmente triste. Ela anda cabisbaixa carregando sua bolsa de couro preta, salto alto e um vestido tomara que caia vermelho sob o sol quente. CORTA PARA.
| CENA 16 | BAIRRO SANTA FELÍCIA / CASA DE CARLOS / SALA / INT. / DIA.
Ao abrir a porta da casa, Janaína percebe a presença de alguém. À espera dela está um homem parrudo de cabelo meio grisalho, sobrancelha chamativa e de olhos claros. Ele está sentado à mesa com um copo de cerveja na mão, em cima da mesa quatro garrafas de cerveja.
JANAÍNA: Já falei que na minha casa você não vai entrar a hora que quiser não.
Carlos pousa o copo na mesa, visivelmente bêbado. Levanta-se e vai cambaleando em direção à Janaína. Seu semblante é de alguém furioso.
CARLOS: Como é que é?
Ao chegar perto de Janaína, ele puxa seu cabelo com força e grita.
CARLOS: Como é que é, sua cachorra? Eu que mando aqui sua vaca! Eu mando. E você obedece.
Janaína quase geme de dor.
JANAÍNA: Você tá me machucando! Solta o meu cabelo!
Carlos cruza a sala improvisada e puxa Janaína pelo cabelo até a cama jogando-a com força.
CARLOS: Dispensei o bacana que tinha marcado contigo agora a tarde. Hoje tu é só minha!
Janaína está apavorada.
JANAÍNA: Não Carlos, a gente combinou que você não iria...
CARLOS: Tá surda agora? Eu disse que aqui eu mando e tu obedece.
Ele abre um sorriso sacana enquanto desabotoa a blusa preta que vestia, joga-a no chão enquanto se aproxima de Janaína.
JANAÍNA: Sai! Não chega perto de mim...
CARLOS: Cala essa boca.
Ele lhe dá um tapa fazendo-a virar o rosto. Ela começa a chorar.
CARLOS: Odeio mulher que fala demais. Menos falatório e mais ação… Hoje tu vai ser minha de qualquer jeito.
Carlos tem desejo no olhar. Close na expressão apavorada de Janaína.
autor
Diogo de Castro
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