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Cine Virtual: Lembrete de um Guarda-Chuva Roxo

Conto de Daniela S. Terehoff Merino
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Sinopse: Um homem casado e imerso no tédio de uma rotina desgastada redescobre a alegria de viver ao se apaixonar por uma jovem de seu trabalho. A questão que surge é se estaria ele disposto a largar um sólido relacionamento de 15 anos em nome de uma chuva de verão aparentemente tão fina e passageira.

Lembrete de um Guarda-Chuva Roxo
de Daniela S. Terehoff Merino

 

Naquela tarde cinza de domingo, enquanto descia a ladeira em direção à estação de trem de Mauá após um duro dia de trabalho, Jorge refletia sobre a situação desastrosa em que se encontrava a padaria do mercado onde trabalhava. O gerente novo havia demitido dois funcionários, não existiam quaisquer perspectivas de novas contratações e agora, por conta disso, Jorge estava tendo de se desdobrar para lidar com tanto serviço. Ademais, para ele era cada vez detestável trabalhar naquele local, com tanta gente insuportável, numa rotina tão monótona onde todos reclamavam de tudo o tempo inteiro. Tamanha era a concentração de Jorge nos próprios pensamentos, acabou não reparando em como uma voz feminina, muito fina e melodiosa o chamava ao longe:

— Ei! Moço!

Mais por um impulso corporal do que por qualquer outra razão, Jorge acabou virando a sua cabeça para trás. Qual não foi a sua surpresa ao perceber, portanto, como era justamente ele quem estava sendo chamado por aquela voz delicada! Uma jovem bonita vinha em sua direção, caminhando a passos largos sob um guarda-chuva roxo florido. Seu jeito de andar era alegre e os olhos emanavam tamanho brilho, que apesar de estar usando a máscara contra a Covid, Jorge tinha a sensação de conseguir enxergar o seu sorriso.

— Desculpa chamar você de moço. — pôs-se ela a falar, aparentemente tentando achar a melhor maneira de entabular esse primeiro contato. — Você trabalha lá na Coop também, né? Quer dizer, te vi esses dias no refeitório. —continuou ela, corando inexplicavelmente. — Meio que está chovendo um pouco e...Tudo bem que é só uma garoa, mas, mesmo assim... Aceita uma carona? Eu tô indo pegar o trem pra Ribeirão. E você?

— Bom, acho que é meu dia de sorte, então. Moro em Rio Grande.

E lá se foram os dois, primeiramente sem saber muito sobre o que falar e, por essa razão, focando inconscientemente em questões relacionadas ao trabalho. Logo, no entanto, foram enveredando por tudo quanto é assunto, conversando como se fossem velhos amigos. De modo que não demorou muito para Jorge descobrir que ela se chamava Rita, tinha 23 anos de idade, apenas 2 meses de empresa, trabalhava no Delivery e estava bastante satisfeita com isso, embora o seu sonho mesmo fosse ser cantora. A seguir, além de trocarem os números de whatsapp, passaram a falar sobre gostos musicais, filmes, jogos, séries, artes... E ele se sentiu tão leve e contente, que os 20 minutos de caminhada por aquela longa rua — tempo costumeiramente sombrio e sem muita graça, totalmente desgastado pela rotina —, passaram voando! Pela primeira vez em muito tempo ele se esqueceu de que tinha problemas e quando menos se deu conta, os dois já estavam dentro do mesmo trem, sentados lado a lado, com o guarda-chuva roxo encostado no chão escorrendo a água.

            — Eu também gostei muito da WandaVision, só que aquele final... Essa coisa de ter dois Visões... Quer dizer, olha só que bizarro, Jorge: dois Visões, e a Wanda terminou a série sozinha! E outra: se ela estivesse cara a cara com os dois em algum momento, como é que teria escolhido com qual ficar se eles eram tão parecidos...?

            — Escolher pra quê? Ficasse com os dois e ponto!

            — Tá doido? É um, ou outro.

            — Se a gente for pensar numa questão mais moralista, eu até concordo com você. Por outro lado, a Wanda podia sugerir que eles se fundissem num só e ficar com os dois.

            — Olha, a Wanda poderia até querer isso, mas, no fim das contas, ia acabar tendo é que optar por um. A vida é assim: não dá pra a gente ter tudo. E ai dela se demorasse demais pra escolher, porque quando a pessoa não sabe logo o que quer, acaba ficando é sem nada. Além disso, pensa comigo: já viu alguém usando duas alianças de uma vez? Ah, bom, talvez no Oriente Médio os homens usem, sei lá... Mas, fora isso, a aliança é algo mágico e único e a prova disso é que só dá pra usar uma por vez!

 “Ah! Uma romântica!”, pensou ele sem dizer nada. Em seguida, tendo ela finalizado aquele discurso, ficaram os dois em silêncio. Ela, olhando pela janela e pensando sabe Deus sobre o quê. Ele, olhando para a própria mão enquanto se lembrava de como apesar de casado há cerca de 12 anos, jamais utilizara a própria aliança senão no dia do casamento. A verdade é que além de nunca ter considerado aquele símbolo assim tão importante, gostava muito de se sentir livre em vez de ser observado por todos como alguém que “já tem dona”. Ele podia até, em tese, não ser livre para fazer o que bem entendesse. Mas essa sensação de liberdade... Ah! Isso ele não gostaria de perder jamais!

— Eu desço aqui. Até!

Dizendo isso, Rita se despediu de Jorge com o toquinho de mão tão típico em tempos de Covid, levantou-se e saiu, deixando o rapaz ainda bastante pensativo. Como é que ele havia passado dois meses inteiros sem se dar conta de que uma moça tão bonita, simpática e inteligente trabalhava ali, no mesmo horário que ele, bem debaixo do seu nariz? Que moça alegre e agradável! E o melhor de tudo é que não havia falado nem uma vez sequer sobre a Covid! “Putz, deu até pra esquecer que a pandemia existe...”, pensou. Ela carregava todo um frescor de juventude, toda uma alegria que a própria esposa um dia havia tido também e que tanto o encantara na época do namoro há 15 anos, mas que com o passar do tempo, por qualquer razão desconhecida, havia se perdido em algum lugar no meio do caminho, entre as pedras cinzentas e duras do dia a dia.

            — Estação, Rio Grande da Serra. Ao desembarcar...

            Jorge precisou ouvir a voz mecânica dessa gravação do trem para se dar conta de que já estava na hora de descer. Foi quando notou, também, que Rita havia esquecido o guarda-chuva ali, largado no chão. Talvez por uma distração comum, daquele tipo que faz muita gente esquecer um objeto como esse o tempo todo em vários lugares do mundo. Ou talvez ela estivesse tão encantada com esse encontro entre ambos que... ”Não, Jorge... Para. Ela é só uma colega de trabalho que quis ser gentil. Além disso, ela é nova demais, enquanto você é um...”, repreendia-se ele mentalmente, ao mesmo tempo em que, de modo quase mecânico, pegava o guarda-chuva para devolver a ela no dia seguinte e, a seguir, atravessava as portas do trem. “Bom, ela não deve ser assim tão distraída, já que reparou em você no almoço. E já que ela não é distraída, então esse esquecimento do guarda-chuva só prova que... Ai, Jorge, deixa de bobagem! Você já tem mulher! Realidade, camarada!”

            Entre um pensamento e outro, Jorge acabou seguindo em frente, praticamente no automático. Ademais, como estava chovendo quando ele desceu do trem, acabou abrindo o guarda-chuva florido e agora o utilizava sem se importar muito com o fato de ele ter estampas tão femininas — algo com que teria se preocupado muito em qualquer outra ocasião, alegando afetar a sua imagem masculina. Mas é que agora estava tão feliz! Tão alegre que até sentiu vontade de parar em algum lugar para tomar uma garrafinha de refrigerante bem gelada, como fazia nos velhos tempos. Assim, entrou no Supermercado Serrano, abriu a geladeira e pegou uma Coca-Cola. “Admite, Jorge. Você ficou caidinho por ela! Ah, se você não fosse quase 20 anos mais velho e, ainda por cima, casado! Ai, bem que eu podia trombar com ela por lá amanhã. Aliás, será que ela entra que horas? E se eu mandar uma mensagem perguntando isso, será que ela vai achar ruim? “, pensou ele e em seguida digitou: “Oi, td bem? Vc deixou seu guarda-chuva no trem. Vou levar pra vc amanhã. Aliás, vc entra que horas? A gente podia ir juntos pra lá. Bom, se vc quiser, claro! Dá um toque qualquer coisa. Bj!”. Ao reler a mensagem, porém, sentiu receio de parecer ousado demais e apagou tudo o que escrevera a partir do “aliás”, deixando apenas o “Bjo!”, enquanto voltava a refletir: “Jorge, Jorge... Cuidado onde vai se enfiar, antes que...”

— Ô meu filho!? — interrompeu seus pensamentos uma mulher de semblante rabugento que estava atrás dele na fila do caixa — Se não vai passar a Coca, me deixa ir na frente, faz favor, que eu tô com pressa?

Ah, que mulher grossa! Se Jorge estivesse em outro estado de humor, certamente teria sido tão grosso quanto ela e respondido à altura, pois detestava levar desaforo para casa. Como estava de bom humor, porém, apenas pagou a Coca, tomou-a e partiu para casa, leve como uma pluma.

Assim que chegou em sua casa, pôs-se a chacoalhar o guarda-chuva molhado antes de entrar e viu que a esposa o olhava de longe com uma cara muito incomum. Ao observá-la, seu primeiro e ilógico pensamento foi: “Putz... Eu devo estar com cara de quem conheceu uma pessoa legal no trabalho hoje, só pode ser esse o motivo do olhar dela.” Mas essa sua conclusão era tão sem sentido, que bastou a esposa abrir a boca para ele ver o quanto seus receios eram infundados.

— Como você é fofo, amor! Obrigada! — exclamou ela com um largo sorriso, primeiramente se aproximando e parecendo desejar abraçá-lo, para em seguida, por alguma razão, voltar atrás — Bom, melhor você tomar banho primeiro. Por causa do trem, né? Eu li na Uol hoje que o corona está evoluindo no Brasil de um jeito assustador... Uma disgrama. Eu sei que você não é muito ligado nisso, amor, mas a coisa está feia demais. Imagina você que...

E a esposa pôs-se a despejar sobre ele, como de costume, tudo o que assistia, via e ouvia sobre a Covid na Globo, na Record, na CNN e nos grupos de whatsapp. Que Fulano morreu, que Beltrano chorou, que Sicrano estava enlouquecendo... Ele fingia ouvir, mas no fundo estava era até agora tentando entender o porquê desse “Como você é fofo, amor!”, que lhe parecia tão sem sentido. Obrigada pelo quê?

— Bom, mas tirando isso, adorei a surpresa! E ainda por cima você trouxe roxo! Faz tanto tempo que eu te pedi, que pensei até que tinha esquecido!

Ah! Era isso! O guarda-chuva!

“Putz!”, pensou ele ao se dar conta de que agora, por causa dessa confusão da esposa, ele não poderia devolver o objeto para Rita no dia seguinte. E o que faria com relação à mensagem enviada?

De fato, a esposa havia lhe pedido há tempos para comprar um guarda-chuva, pois o seu estava num estado caótico e ela não tinha condições de sair com ele quando precisava. Mas Jorge sempre se esquecia de passar em alguma loja e comprar um na volta do trabalho, o que deixava a esposa muito triste.

— Tudo bem que eu nem tenho saído muito nos últimos tempos e esse ai vai acabar durando bem mais do que um guarda-chuva normal, mas o que importa é que você se lembrou. Por isso você demorou mais pra voltar hoje, né? Aliás... — parou ela de repente, levantando as sobrancelhas, como se estivesse desconfiada de algo — Onde é que foi achar lugar vendendo um em pleno domingo?

— C-c-comprei de um velhinho na rua... — balbuciou ele, um pouco preocupado com o fato de não poder contar a verdade para a esposa. — Mas por falar em “pleno domingo”, — continuou ele, tentando mudar o rumo da conversa, antes que a sua situação piorasse — e se a gente visse um filme hoje à tarde, como nos velhos tempos?

            — Ih, amor! Tenho umas coisas pra terminar do home-office. Eu me perdi aqui de manhã, sabe? Home office é uma disgrama! Atrasa tudo o tempo todo. Pra mim é muito difícil manter a disciplina sozinha. Foi mal..

            Assim, como se cada um falasse uma língua completamente diversa, a esposa ficou até às 22h em seu computador na sala trabalhando, enquanto ele se fechou no quarto — após o banho, é claro — e passou o resto do dia vendo vídeos no youtube, mexendo no celular e se divertindo na companhia dos heróis da Marvel. Claro que tudo isso apenas após apagar a mensagem do guarda-chuva, a qual, felizmente, a jovem Rita ainda não havia visto. No dia seguinte, caso ela mencionasse o guarda-chuva esquecido, ele fingiria não ter se dado conta do objeto esquecido no chão do trem.

            Ao contrário do que Jorge havia imaginado, porém, Rita sequer abriu a boca com relação ao seu objeto perdido quando se cruzaram no dia seguinte em meio ao corredor de chocolates. Jorge ia ao banheiro e tomou um delicioso susto ao ver como o acaso os unia naquela manhã ensolarada de segunda-feira. Ela, por sua vez, não parecia assustada, mas feliz. E aparentemente sem pensar muito, já foi logo dizendo com sua voz de rouxinol:

            — Deus viu o que você apagou, hein? Foi vergonha do que escreveu? Eu sempre fico muito curiosa quando apagam mensagens no whats...

            Jorge não soube o que dizer e apenas sorriu por trás de sua máscara. Em seguida, como quem não quer nada, disse que ao meio dia em ponto ele costumava descer para almoçar, ao que ela respondeu também costumar comer nesse horário. Assim, os dois logo se encontraram na fila do refeitório com suas bandejas e outra vez conversaram como se fossem velhos amigos, o que fez uma boa parte dos funcionários presentes acharem aquilo realmente muito estranho, pois Jorge era dos mais calados no mercado e costumava sempre almoçar sozinho num canto.

 Após aquele dia, os dois passaram não apenas a fazer as refeições no trabalho juntos, como também pegar o trem de ida e volta nos mesmos horários. Fora isso, o contato por whats só aumentava. Os sorrisos e trocas de indicações musicais, filmes e séries também e, como se não bastasse, toda vez que Jorge estava em casa e por acaso pousava os olhos sobre o guarda-chuva roxo a um canto, lembrava-se de Rita. De forma que a sua admiração pela moça se ampliava a cada dia e, embora se conhecessem há apenas um mês, Jorge percebia suas indiretas e já começava a notar como a jovem, boa romântica que era, se mostrava na expectativa de que ele, a figura masculina, tomasse alguma atitude. Sentindo isso, sua vontade era beijá-la ou pelo menos dizer tudo o que estava sentindo para que ela entendesse. Falar, por exemplo, que estava muito a fim dela, mas que era casado e que se não fosse por isso, apenas por isso... “Não, Jorge, não... Vai estragar tudo! Ela não pode saber que você tem uma esposa!”

Para piorar a sua situação, no trabalho já comentavam. Todos os dias havia algum burburinho acerca daquele romance à vista: sobre o fato de ela ultimamente trabalhar cantando ou de ambos passarem o horário de almoço inteiro conversando ou andando para lá e para cá como adolescentes encantados. A ponto de um dos colegas da padaria encostar Jorge contra a parede um dia:

— Por acaso a mina já sabe que você é casado?

— Não sabe e nem vai saber. Fica na sua!

— Está errado você ter esposa e ficar dando esperança para a outra.

Logo Jorge começou a sentir que talvez o melhor fosse falar com a esposa sobre tudo o que vinha acontecendo. Dizer a ela que o relacionamento de ambos andava desgastado e que ele havia se apaixonado por outra, “fazer o quê?”. Porém, ao mesmo tempo em que pensava em dizer tudo isso, não via sentido em jogar toda uma vida fora, os 15 anos de um casamento sólido em nome de algo tão incerto. Apesar do frescor da juventude, do coração acelerado, da felicidade que ele sentia ao ver Rita... como largar a esposa por uma chuva de verão? Ademais, é claro que ele já poderia ter beijado Rita e estar vivendo uma vida dupla, traindo a esposa. Mas, embora fosse essa a sua vontade mais profunda, não conseguia agir de forma a ferir a moralidade que existia dentro de si e que lhe dizia constantemente ao pé do ouvido: “Hey, homem. Se for pra ficar com a Rita, então fique por inteiro e deixe a sua esposa viver a vida dela em paz.” O que lhe restava portanto, era repetir constantemente para si mesmo em pensamentos: “Se eu pudesse ficar com as duas! Se morasse no Oriente Médio! Se pudesse juntar ambas numa só!”

Tal confusão só começou a se resolver de alguma forma quando um dos funcionários do açougue mais encrenqueiros de todo o mercado sentou-se ao lado de Jorge e Rita durante um almoço e disse:

— Tu gosta de carne mesmo, hein? Deixa um pouco pros outros!

— Se quer mais, pede pra Bethânia servir no seu prato.

— Não tô falando dessa carne.

— Tá falando de qual, então, Elias? — perguntou Jorge com asco do colega, levando à boca o suco de groselha ao mesmo tempo em que se perguntava se ele teria coragem de explicitar seu comentário grosseiro em pleno refeitório, diante de tantas outras mulheres.

— A propósito, irmão... — respondeu o açougueiro, aparentemente mudando de assunto — Como é que anda a sua esposa? Nunca mais veio aqui...

Aquele comentário fez não apenas Jorge engasgar com o suco, como Rita arregalar os olhos, visivelmente surpresa. De modo que naquele instante, estivesse Jorge em outro local, teria socado Elias bem na cara. Porém, sendo isso impossível agora que o estrago já estava feito — “cedo ou tarde isso ia acontecer, eu sabia!” —, Jorge apenas respondeu baixinho:

— Ela tem trabalhado muito. Não sobra tempo.

Depois que Elias acabou a sua refeição e se levantou da mesa, Jorge ficou esperando o chilique de Rita, o choro ou frases como: “Quer dizer então que você é casado?”. No entanto, ela não disse qualquer palavra sobre isso e, embora visivelmente afetada e com os olhos lacrimejantes, apenas tentou falar sobre os assuntos de sempre até dar a hora de voltarem a trabalhar.

A partir daquele momento, embora a moça quisesse esconder sua afetação, foi como se um fio fino e frágil tivesse se partido. Ela foi se afastando cada vez mais, deixando de sorrir e cantar pelos corredores e, o pior de tudo, perdendo o brilho de seus olhos. Com o passar dos dias pôs-se a dar desculpas claramente esfarrapadas para não se encontrarem mais no trem; antes da semana acabar cancelou o seu whatsapp alegando estar perdendo muito tempo de vida com conversinhas de redes sociais quando poderia estar usando essas horas para lutar por seu sonho; e, por fim, cerca de 10 dias após o incidente com Elias, Rita comunicou a Jorge, olhando para o chão, que havia sido mudada de horário por decisão da empresa e que, por isso, apenas por culpa do mercado, eles não poderiam mais pegar o trem ou almoçar juntos.

A súbita mudança de Rita e seu afastamento silencioso o afetaram de tal modo, que Jorge não conseguia mais raciocinar nem no trabalho e nem em casa. E passou a se desentender tanto com a esposa sem qualquer razão, que logo já sentia ser impossível viverem juntos. Ah, se tivesse percebido isso antes! Havia demorado tanto para se decidir por uma das duas que acabara incompleto: sem a esposa e sem o flerte. Pois bastava olhar para a esposa, que ele logo se lembrava de como ela era indiretamente a culpada por ele ter perdido a companhia tão adorável da outra. E o pior: sem sequer ter chegado a dar-lhe um beijo! O que o fazia com que tivesse o tempo inteiro a sensação do “Poderia ter sido e não foi”. Ademais, ele se sentia surpreendentemente tão deprimido por não ver mais a jovem, que tudo ao redor lhe parecia cinzento e ele tinha a sensação de estar todos os dias descendo uma infinita ladeira escorregadia. Por causa disso, já não pensava senão em abrir-se com Rita de vez! Sim... No dia seguinte. Falaria com ela, explicaria tudo! Levaria o guarda-chuva ao mercado em sua mochila e devolveria para Rita, contando como havia existido uma grande confusão desde o início. Diria a ela que agora, depois desse breve afastamento, ele estava certo do que queria e que bastaria a ela, Rita, dizer-lhe uma única palavra, uma só, para ele largar a esposa e ingressar nessa aventura, nessa tempestade incerta. Ele havia repentinamente perdido o medo. Faria essa escolha e colocaria até uma aliança em seu dedo se ela assim o desejasse! Louco ou não, largaria tudo por ela! Tudo! Talvez assim, quem sabe, após esse seu discurso planejado, uma chuva viesse para limpar suas almas e os dois pudessem andar abraçados debaixo daquele guarda-chuva outra vez.

No dia seguinte, porém, nada do que ele havia imaginado aconteceu. Já no trabalho e com o guarda-chuva em mãos, tudo o que soube de Rita foi que ela havia pedido as contas sem nenhum motivo concreto na tarde anterior. Ao ouvir essa notícia, apertou bem o objeto entre seus dedos sem saber o que dizer e, como se houvesse no guarda-chuva um lembrete, olhou para ele e recordou-se inexplicavelmente de Wanda, dos 2 Visões e da curta conversa que haviam tido no trem em seu primeiro encontro.

Conto escrito por
Daniela S. Terehoff Merino

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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