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Antologia Minhas Primeiras Linhas: 1x03 - O Grande Bento Zapata

Conto de Guilherme Manfredi Martenauer
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Sinopse: Bento Zapata, um grande guerreiro que se encontra em crise de meia idade, é procurado por uma bailarina, que quer reencontrar seu amado, preso numa torre cercada por um dragão. Zapata aceita a missão e embarca numa aventura para salvar esta paixão e provar para si que ainda é páreo para o mundo.


1x03 - O Grande Bento Zapata
de Guilherme Manfredi Martenauer

Havia chegado o dia em que o grande Bento Zapata se reduzira a pó. Sentado em uma cadeira velha e empoeirada, lamentava-se a um cachorro, que compartilhava o sentimento do homem. Ele, que já havia desbravado as úmidas florestas do Norte, nadado sobre a superfície pantanosa do Oeste, corrido as pradarias geladas do Sul, enfrentado os piratas da baía Sudeste e o sol duplo do sertão Nordeste, encontrava-se ali, bem ali.

            Contemplando a fossa. Pacífica, monótona e triste, terrivelmente triste. Matava o amargor de seu peito com o doce da bebida insípida. As lágrimas escorriam e se misturavam com o suor da barba suja. Sua testa, oleosa e franzida, traduzia a pura dor do fim. O chapéu, assim como as roupas, amassado, denunciava o estado torpe do guerreiro. 

            O cão, em lealdade ao companheiro, chorava com face tristonha. As cicatrizes se confundiam com os pelos brancos do animal, conspurcados pelo chão empoeirado. A delicadeza da situação, trabalhada em si, funcionava como uma pintura, modelando a história de um dos homens deste mundo.

            Obsoleto. É o que ele era agora; um homem velho, imaginando seu jazigo coberto de flores e homenagens ao grande cavaleiro. Mas, calma! O nosso herói ainda tem muito a viver, só ele é quem não sabe.

            Eis que, em figura frágil, surge uma bailarina. Linda. De cabelos loiros trançados, olhos semi-azuis e pele branca. Louçã. Veio como um Sol, que se revela numa aurora, e deu vida, com labaredas suaves e constantes, à sala antes morta.

            Chamou a atenção do velho triste. “A beleza numa casquinha de noz”, pensou ele. O cachorro, respondendo à reação do homem, virou-se, admirando a menina. E mesmo se quisesse, não podia latir para tal ser. Aquela, que hipnotizava o companheiro, transformava o fundo do poço em um grande céu infinito e dançante.

            Sentou-se no balcão sujo ao lado do guerreiro, chamando, sem gesto algum, o garçom. Sem pressa, como o ritmo de uma valsa, pediu algo para beber. “Que voz suave” pensou Bento, inclinando o pescoço para ouvir melhor. Como se a natureza quisesse, ela virou a cabeça e ele pode olhar os olhos da bailarina. Vendo-se contemplada, os espasmos dos lábios foram inevitáveis. Lustrosa, docemente lustrosa.

            Bento pensou em arriscar uma palavra e na sua mente se questionava qual seria o nome dela, o que viera fazer em tal lugar, se era filha de alguma deusa, ou se era uma deusa.

            De repente, ela disse um “olá” tímido, que veio acompanhado da pergunta “qual o seu nome?”. Tamanho escrúpulo para responder ao questionamento - “Zapata, Bento Zapata”. Ortoépia tremida de nervos. Então o balbucio, em surpresa, foi respondido: “Pois o senhor é justamente a pessoa que eu estou procurando”.

            A frase veio leve, descarregando a tensão do cavaleiro. “Em que posso ajudar a senhorita?”, perguntou. “Há anos eu procurei os seus serviços. É que… é uma história muito delicada. Já faz tempo, eu me apaixonei por um homem. Lindo, inteligente. Só que o meu pai não gostou muito desta paixão e resolveu prendê-lo em uma torre ao Sul. Esta torre é protegida por um dragão, que cospe fogo e tem sete cabeças. Eu tentei enviar-te cartas, mas não encontrei nenhum endereço que respondesse ao senhor”.

Arguto, Zapata, relou as intocáveis mãos da moça. “Claro que eu posso te ajudar”, respondeu com um sorriso de esperança, já acostumado à beleza da donzela. Saíram do lugar sujo e Zapata pegou seu cavalo, ajeitou-a na garupa e, na estrada banhada à Lua, foram em direção ao Sul.

A bruma trazida pelo vento cortava a face dos dois heróis. O frio os consumia, mas eles resistiam, por este tal de amor. O relinchar do cavalo, que mais parecia zurros de burro, era censurado pelos uivos caminhantes. Invadia a garganta de Zapata uma tosse seca, como as folhas estendidas no caminho, que se passavam velozes na visão da bailarina.

Ao atravessar a pequena colina, avistaram a torre. Longínqua e cercada de calombos aterrorizantes. À noite, não se conseguia distinguir o que era montanha e o que era o corpo do imenso dragão, estendido no horizonte, adormecido. O medo ameaçava, em faíscas, incendiar as mentes de ambos, que engoliam a seco parecendo estar enforcados.

Zapata carregando o fardo de assistir a moça, enquanto ela, o seu amor e seu amado costurados no peito. Chegaram perto da construção e se esconderam num arbusto para urdir o plano da entrada.

A torre cercava-se pelo corpo do monstro, como uma cobra, enrolado. De tal modo que um respiro iria acordá-lo. O réptil parecia raptar o coração de quem o visse, tomando-o de terror, como um pândego. No extremo, ao alto, uma janela gradeada, onde seria a cela em que estava o apaixonado. 

Foi então que o grande Zapata teve uma ideia, e não era qualquer ideia, era a que salvaria uma paixão. A donzela, com suas pernas fortes de bailarina, sustentou o guerreiro no alto, que com sua vara de pesca…

Ah não! Esperem um pouco, parece que o dragão despertou. Com os seus quatorze olhos está encarando Zapata. Lançando um bafo caloroso que nem o Sol do meio-dia conseguiria replicar. Estendendo sua figura, grande e monstruosa, sem margem para poupar seu gigantesco corpo, fervente e hipnotizante.

Nossos heróis não conseguem mais manter a coragem e despencam no medo. Um medo que nunca haviam sentido antes na vida. O monstro avança em direção a Zapata, que rapidamente pega sua vara e fisga uma estrela do céu.

Ele a puxa com todas as suas forças enquanto o dragão, em fúria, o bombardeia com bolas de fogo. Mas o grande Bento Zapata consegue. A luz da estrela cega os olhos do dragão que se desarma em recul. E a criatura volta a dormir, um adormecer eterno.

O Sol nasce enquanto o amado desce a escadaria da torre, indo ao encontro da amada, feliz. Os dois se beijam e se abraçam de tal modo que nenhuma palavra consegue descrever a emoção da cena. Num desenho perfeito, emanam amor de seus gestos carinhosos.

O casal agradece, imensamente, a Zapata, que estampa um sorriso em seu rosto, agora novo, límpido e rejuvenescido. O grandioso e vitorioso guerreiro se despede deles e segue seu caminho, no passo calmo do cavalo. Admira a manhã que se desdobra em beleza, suavidade, flores flácidas e ar renovado, orgulhoso de sobreviver à tal missão hercúlea.

Chega ao local onde se encontrara na noite passada, varrendo qualquer lembrança de sua tristeza. Sentado em um confortável banco, reencontra seu amigo cachorro e lhe narra toda a história. Ele, que agora é um homem feliz, realizado e sem medo algum. Ele que agora é o grande Bento Zapata.


Conto escrito por
Guilherme Manfredi Martenauer

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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