Cine Virtual: O Meu Pé de Tomate - WebTV - Compartilhar leitura está em nosso DNA

O que Procura?

HOT 3!

Cine Virtual: O Meu Pé de Tomate

Conto de Francisco Alonso
Compartilhe:








Sinopse: Quando a ambição, a ganância desenfreada e a falta de fé sobrepujam a razão, tudo vira pó. Mas o poder superior, por mais que o ser humano seja mesquinho, sempre lhe oferece outra oportunidade.



O Meu Pé de Tomate
de Francisco Alonso


                        Desde a década de sessenta, a Cidade de Alcobaça se transformara num polo produtor de tomates. Seus tomates corriam fama por todo o Brasil e, até no exterior, os paladares mais refinados sabiam que aquele produto, de um lugar tão distante, era o mais saboroso, suculento e nutritivo que existia. Foi por volta de 1963, quando se alardeava aos quadrantes a magnitude de Alcobaça, que Severino imaginou que por aquelas terras poderia estar sua redenção.

Cansado da miséria e do esforço inútil de revirar terras secas que nada produziam para o sustento dos quatro filhos, da esposa, da sogra e da cachorra Lilica, Severino, com lágrimas nos olhos, tomou a decisão que adiava por muitos anos: abandonar o sertão de Piripiri e se aventurar por terras prometidas.

Vendeu seu pequeno sítio, recolheu os andrajos panos da família na única mala de papelão, que servia de abrigo para insetos, e tomou o rumo de Alcobaça. A viagem no pau-de-arara foi penosa e comprida, entretanto Severino não reclamou, seu corpo já estava acostumado a suplícios maiores e sua esperança por dias melhores lhe dava forças para suplantar tudo. A esposa, a sogra e os filhos adolescentes também não se lamentaram, apenas Rodrigo, o caçula de apenas cinco meses, foi quem mais sofreu com os solavancos do caminhão e com o calor sufocante do verão.

            Depois de seis dias açoitados pela viagem, Severino e a família chegaram a Alcobaça. O rude nordestino se encantou com a cidade baiana. Seu ar de prosperidade impregnava desde as ruas bem calçadas e limpas até os casarios esmeradamente pintados. De imediato alojaram-se numa pensão e no outro dia Severino e a esposa já estavam empregados. A pujança da cidade era tão intensa que um escritório cadastrava os migrantes e sem nenhuma burocracia os colocava para trabalhar nas plantações de tomate que precisavam, cada dia mais, de braços fortes.

 Dois anos depois, Severino realizou o sonho que cultivou durante todo esse tempo: comprou uma pequena roça para plantar tomates.

                        Por mais um ano, Severino continuou no antigo trabalho enquanto o restante da família cuidava da própria plantação de tomates e da criação de animais. Quando seus tomates estavam prontos para a colheita, Severino deixou o emprego e passou a se dedicar exclusivamente à sua roça.

A primeira safra não foi muito auspiciosa, mas Severino tinha certeza que, com um adubo de melhor qualidade e maior conhecimento, sua plantação ficaria entre as melhores da região.

E assim, Severino foi tocando a vida. Entretanto, nem tudo se desenrolava como o esperado. Por mais que se dedicasse a plantação e por melhor adubo que utilizasse, seus tomates não tinham o aspecto, o tamanho e a textura dos demais da cidade.

            Por meses, Severino tentou descobrir o porquê. Conversou com experientes plantadores, fez cursos e até por correspondência se aconselhou com os órgãos especializados naquela cultura. Mas tudo fora em vão, seus tomates não se desenvolviam satisfatoriamente.

            Certo dia, quando Severino regava sua plantação à beira da estrada, um homem de feições oriental se achegou à cerca e disse:

- O tomate é como um grande amor, tem de ser acarinhado todos os dias para crescer cada vez mais.

Severino, que não estava para muita conversa, respondeu sem virar o rosto:

- Esses aqui... nem com beijo na boca crescem mais do que isso!

- Tenha paciência... tenha perseverança!

Quando Severino acabou de aguar e virou-se para ver o homem que lhe pedia paciência, não o viu mais. Somente a silhueta de uma pessoa era traçada ao longe da estrada.

No outro dia bem cedo, Severino voltou a irrigar a plantação. Quase ao final da sua tarefa, o mesmo homem de feições oriental do dia anterior reapareceu e perguntou:

- Como está sua plantação?

- Como Deus quer e deseja – disse Severino resignado.

- Não culpe Deus por seus tomates não crescerem, Ele ajuda, mas a parte principal depende de você.

            - ...Mas eu já fiz tudo que poderia fazer! Adubei a terra com o melhor produto, águo todos os dias... O que o senhor quer que eu faça mais?

            - Tenha paciência... tenha perseverança! – disse o oriental com a voz pousada.

- O senhor só sabe dizer isso? – respondeu Severino num tom impaciente.

- Mas o princípio de tudo está na paciência, na persistência e acreditar em alguém, mesmo sem razão para acreditar.

- Para o senhor... que deve ter rios de tomates da melhor qualidade e não falta comida na mesa para sua família.

- Mas Deus...

- Que Deus, meu senhor! Deus foi o homem mais impaciente do mundo. Se Ele não tivesse sido tão apressado, tivesse um pouco mais de paciência, não teria feito o mundo em sete dias.

- Por quê...? – perguntou o oriental expressando um sorriso enigmático.

                        - Ele fez essa belezura de mundo em sete dias, mais esqueceu de fazer sua criatura, o homem, sem pecado. Se Ele tivesse um pouco mais de paciência, se Ele fizesse o mundo em quatorze ou vinte e um dias, teria tempo para corrigir todos os pecados da humanidade.

- Mas...

-...O senhor sabe de alguma fórmula mágica para meus tomates crescerem? Se não sabe, passar bem. – mais uma vez retorquiu Severino sem deixar o oriental completar seu pensamento.

- Talvez... – disse o oriental voltando para a estrada e seguindo seu caminho.

Severino ficou estático e curioso olhando o homem se afastar. Em seguida, tomou da mangueira e, sussurrando, voltou a molhar seus tomateiros.

- Esses japoneses pensam que sabem de tudo...

 Severino por bom tempo não mais viu aquele homem. Até que certo dia, entretido em sua faina habitual, o viu passar pela estrada fronteiriça. O chamou, abriu a cancela para que pudesse entrar, e puseram-se a conversar.

- Eu quero lhe pedir desculpas pelo modo como o tratei da última vez. – disse Severino com humildade.

- Você não precisa me pedir desculpas, eu compreendo sua revolta.

- Qual o seu nome... o senhor também é plantador de tomates?

- Eu me chamo Ocinu Sued, e dentre as minhas múltiplas atividades também gosto de plantar tomates.

- Espero que seus tomates não sejam tão “mirrados” como os meus, Seu Ocinu.

 - Meus tomates são grandes e bonitos, não existindo iguais em Alcobaça.

Enquanto falava, Seu Ocinu meteu a mão numa sacola e tirou um tomate. Severino ao ver aquele espécime raro, quase caiu para trás de tamanha admiração. O tomate era tão grande que o sertanejo de Piripiri teve de segurá-lo com as duas mãos.

- Meninos, Emengarda, Almerinda, corram aqui, venham ver – gritava Severino não tirando os olhos do tomate que enchia suas duas mãos.

Quando a família se achegou, todos levaram um susto, e até a cachorra Lilica olhou desconfiada para aquele enorme tomate de um vermelho reluzente.

- Por favor, Senhor Ocinu, me ensine como plantar este tipo de tomate! – pediu Severino com o olhar suplicante.

- Esse não é um tomate comum, você terá de ter muita paciência e perseverança para que ele tenha esse tamanho e qualidade.

- Eu farei o que o senhor quiser, farei tudo que o senhor mandar.

- Fará mesmo...? – interrogou Seu Ocinu desconfiado.

- Eu juro. Se não fizer que Deus mingúe todos os meus tomateiros – prometeu Severino beijando os dedos em cruz.

- Não use o nome de Deus em vão, não blasfeme, porque Ele é misericordioso, mas também impiedoso quando tentam lhe ludibriar.

 - Não... eu não estou usando o nome de Deus em vão , Seu Ocinu.

             - Pois bem, já que você se compromete a fazer tudo que eu disser, vou lhe ensinar a cultivar esse tipo de tomate.

Nesse instante, toda a família sentou-se ao redor do Senhor Ocinu para ouvi-lo, menos a cachorra Lilica, que melindrada pelo tamanho e a esfuziante cor do tomate, não parava de cheirá-lo.

- Para iniciar, Seu Severino...

- ...Como o senhor sabe o meu nome?- interrompeu Severino.

- Sua família deve ter chamado o senhor pelo nome e eu guardei.

 - Minha família não me chama por Severino, me chama de Rino, mas não importa, continue Seu Ocinu.

Senhor Ocinu sorriu mais uma vez enigmático e continuou:

- Eu vou te dar cinco sementes desse tomate para o senhor plantar. Faça um canteiro com terra preta misturada com estrume de boi e plante as sementes separadas um metro da outra. Todo dia, faça chuva ou faça sol, o senhor terá de regar cada semente com um copo de água limpa.

- E quando as sementes germinarem?

- Fará a mesma coisa com os pés de tomate.

- Mas se eu não estiver em casa, um dos meus meninos poderá fazer o serviço por mim?

- Não, somente o senhor – retorquiu Ocinu enfático.

            - A que horas terei de regar as sementes?                  

            - A hora não importa, mas terá de ser todos os dias.

-...E se eu esquecer de aguá-las? – perguntou Severino achando tudo aquilo estranho.

- As sementes e os pés de tomate não crescerão, e se porventura os pés já estiverem produzindo alguns tomates, eles ficarão imprestáveis.

- Os tomateiros morrerão? – interferiu Dona Emengarda.

- Se durante sete dias não forem regados, sim, morrerão.

- Se eu fizer tudo como o senhor está dizendo, eu poderei plantar novos pés com as sementes desses cinco tomateiros?

- Claro. Só tem uma condição para que os novos pés fiquem frondosos como os cinco primeiros: de cada vinte tomates que forem colhidos de um pé e vendidos, o senhor deverá reservar uma moeda referente àquela venda. Em seguida, o senhor colherá um tomate daquele pé, tirará a semente e plantará junto com aquela moeda.

- E se eu receber só em notas?

- O senhor deverá trocar por algumas moedas.

- Tudo bem, mas eu poderei plantar uma semente de outro pé junto com aquela moeda?

- Não. Somente a moeda referente à venda dos tomates daquele pé poderá ser plantada com a semente do mesmo pé.

             - Então eu poderei plantar diversas sementes do mesmo pé?

                        - Pode. Como já disse, desde que junto com a moeda proveniente da venda dos vinte tomates retirados daquele pé.

                        - E meus filhos, poderão me ajudar na plantação dos novos pés de tomate?

                        - Não. Apenas o senhor poderá plantar os novos pés. Se eles tentarem, os tomateiros não nascerão.

                        - É meio esquisito, Seu Ocinu! – disse Dona Almerinda.

- Pode parecer, mas o resultado será maravilhoso. Basta Severino fazer como estou dizendo e ter paciência e perseverança. Deus quando criou o mundo em sete dias, não foi por impaciência. A vida não teria o valor que tem, o valor que a ela é atribuída se Ele não colocasse certos obstáculos que devemos vencer.

- Eu farei como o senhor ensinou, Seu Ocinu, pode ter certeza.

- Faça que não se arrependerá, mas lembre-se, tenha fé, paciência e perseverança.

- Não esquecerei, Senhor Ocinu.

- Agora vou embora, ainda tenho muita coisa pra fazer.

- O senhor não quer ficar para almoçar com a gente? – perguntou Dona Emengarda.

-Hoje não, obrigado. Ainda tenho muitas sementes para plantar – finalizou Seu Ocinu Sued pegando a estrada e sumindo na poeira.

 No mesmo dia, Severino pôs-se a plantar as cinco sementes conforme lhe foi ensinado. Escolheu a melhor terra preta e o estrume mais seco e uniforme. Misturou-os e distribuiu por um canteiro perto da varanda da casa, mantendo a distância de um metro entre elas. Da água mais limpa e pura que matava a sede dos filhos, cinco copos foram borrifados sobre as sementes com as próprias mãos, antes lavadas cuidadosamente. Quando o ritual foi finalizado, Severino sentou-se ao lado do canteiro e rezou.

No outro dia, mesmo antes de escovar os poucos dentes que ainda lhe restavam, Severino correu para regar as sementes com os copos d’água. Para sua surpresa, as sementes plantadas no dia anterior já germinavam e poderia se notar alguns folículos. Severino aparvalhado, começou a gritar chamando pela mulher, a sogra e os filhos. Ao verem aquele fenômeno da natureza, Dona Almerinda benzeu-se, elevou as mãos e disse:

- Realmente Deus existe!

Antes de um mês, cumprindo religiosamente sua obrigação, Severino presenciava o fruto da sua perseverança: os cinco tomateiros já alcançavam mais de metro e as primeiras flores despontavam.

Precisamente três meses depois de Severino plantar as sementes ofertadas por aquele senhor desconhecido, e que desde então nunca mais fora visto, o simplório sertanejo de Piripiri sentiu em suas mãos o verdadeiro milagre. Como um troféu conquistado com muita fé, paciência e perseverança, Severino levantou um tomate com as duas mãos e clamou:

- Consegui! Até que enfim consegui! Deus olhou por nós!

Daquele dia em diante, tudo mudou na vida da família de Severino e a prosperidade se fez presente na sua roça.

Para comemorar a venda dos vinte iniciantes tomates, Severino assou um porco e comprou muitas bebidas. Antes de servir a primeira fatia do belo assado, Severino rezou, agradeceu a Deus e distribuiu, como lembrança da ocasião, sementes e moedas para a família, guardando algumas para os novos pés de tomate, conforme recomendou Seu Ocinu.

Rodrigo, o filho mais novo de apenas três anos e sete meses, era o mais feliz da festa, pôde enfim inaugurar seu cofrinho feito de barro com uma moeda e uma semente do tomateiro que tanto regozijava o pai. 

 Três anos depois, Severino se tornou o mais afortunado agricultor de Alcobaça. Comprou as terras em torno da sua roça e seus tomates eram os mais admirados e cobiçados. Pesquisadores e agricultores de todas as partes do mundo faziam romaria à sua fazenda para saber o segredo daquele fenômeno. Severino nada contava de especial, somente discorria entre sorrisos enfeitados por diversos dentes cravejados de ouro:

- Meu segredo é aguar os tomateiros com um copo de água todos os dias.

E assim, por longo tempo a riqueza e a ventura se fizeram companheiras inseparáveis de Severino, até o malfadado dia em que conheceu Maria Schneider e Doutor Bezerra.

Maria Schneider era uma brasileira, filha de alemães, que herdara a Germany Fruit Company, a maior importadora, exportadora e produtora de frutas do mundo. Era uma linda mulher de quase trinta anos, olhos azuis e de cabelos fartos e louros que enciumava até o sol. Quando chegou às suas mãos um exemplar do tomate produzido por Severino, a empresária se embasbacou. Resolveu viajar ao Brasil e tentar de todas as maneiras descobrir a fórmula de como produzir aquele fenômeno. Seus assessores, em infrutíferas tentativas, nada conseguiram, só arrancaram de Severino que seu segredo era “aguar os tomateiros com um copo d’água”. Desesperada pela ambição de ser a única a produzir tal maravilha de tomate, Maria Schneider ofertou um prêmio de um milhão de dólares a quem descobrisse e lhe confidenciasse o segredo.

 Doutor Bezerra, que veraneava na Cidade de Prado, cidade vizinha de Alcobaça, ao saber da tal recompensa se inquietou. Procurou conhecer Maria Schneider e juntos arquitetaram uma escaramuça para por fim ao reinado de Severino.

Inicialmente, procuraram conhecer pessoalmente Severino e sua fazenda. Ao ver a alemã, o sertanejo de Piripiri se abestalhou, seus olhos nunca tinham visto mulher tão exuberante e cativante. Entretanto, mesmo com todos os apelos, inclusive o de uma vultosa quantia em dinheiro, Severino nada contou de especial, somente dizia que a fórmula secreta era “aguar os tomateiros com um copo d’água todos os dias”.

Como nada de concreto pôde ser descoberto, Doutor Bezerra resolveu mudar de tática. Convidou Severino para jantar em sua casa juntamente com Maria Schneider, o que foi prontamente aceito.

Durante o jantar à luz de velas e regado ao mais inebriante champanhe, Maria Schneider estava mais insinuante e envolvente que se poderia imaginar. Depois do jantar, embebido pelas taças de vinho e esparramado na poltrona da varanda, Severino já se deixava embalar pelos carinhos da bela empresária e seu coração disparava descompassadamente. Quando os ponteiros do relógio marcaram dez horas, Severino, a contragosto, se levantou para partir. Maria Schneider ainda tentou dissuadi-lo, mas foi inútil.

- Primeiro a obrigação, depois a diversão! – disse Severino determinado.

- Mas que obrigação terá de fazer a estas horas, Severino? – perguntou Doutor Bezerra.

- Molhar meus tomateiros.

            - ...Você não está brincando, quando diz que tem de aguá-los com um copo d’água?! – perguntou Maria Schneider.

- Não. Tenho de fazer isso todos os dias, e o dia termina à meia-noite. Por isso é que tenho de ir agora.

- Mas está escuro, Severino, por que não faz isso pela amanhã?

- Não posso, Doutor Bezerra, tem de ser hoje, até à meia-noite. A escuridão não é o problema, minha fazenda é toda iluminada e um carrinho motorizado

 

me ajuda no serviço.

- Você virá almoçar comigo amanhã? – interrogou Maria Schneider abraçando o agricultor e passando os dedos entre seus cabelos.

- Se é um convite... eu aceito – respondeu Severino com os olhos brilhantes e cobiçosos.

Doutor Bezerra e Maria Schneider ficaram na varanda vendo Severino se afastar. Quando o carro se escondeu na curva do quarteirão, os dois se olharam atoleimados.

- Será que ele tem um pacto com o diabo? – perguntou Bezerra.

Maria Schneider riu da pergunta e completou:

- Talvez... Talvez... 

No dia seguinte, Severino retornou à casa de Doutor Bezerra para almoçar com Maria Schneider. O anfitrião o recebeu com toda a pompa e imediatamente passou-lhe às mãos uma taça de champanha. Os três sentaram-se na varanda e pusseram-se a prosear. Quando a empregada anunciou que o almoço já estava pronto, Doutor Bezerra matreiramente lamentou que não poderia ficar alegando um compromisso.

O almoço foi descontraído, intimista e acompanhado de muito vinho. O licor foi servido na varanda. Severino ainda tentou recusar, pois o vinho já o deixara quase embriagado, entretanto, devido a insistência de Maria Schneider, aceitou. Após o último gole do delicado licor, Severino começou a cochilar. Maria Schneider o tomou pelo braço e carinhosamente o levou para o quarto.

Quando Doutor Bezerra voltou pela tardinha, o casal de pombinhos ainda estava no quarto. Bezerra sentou-se na varanda e resolveu esperar. Pelas tantas, Maria Schneider apareceu.

- Descobriu alguma coisa? – perguntou Bezerra impaciente.

- Nada. Fiz tudo que foi possível e ele só me contou bobagens.

- Bobagens...!?

 - É. Veio com uma história de um senhor que lhe ofereceu as sementes e que deveria plantar os outros pés com uma moeda...etc. etc.

- Plantar com uma moeda...!? – disse Bezerra pasmado.

            - Ele é mais esperto do que nós pensávamos.

- Então teremos de mudar nossos planos.

- O que você sugere?

Doutor Bezerra levantou-se do sofá, an- dou pensativo até o final da varanda, e, com o semblante sisudo, retornou para junto de Maria Schneider.

- Já sei... – começou Bezerra a discorrer sobre o novo plano, enquanto sua pupila se enchia de cifrões - Amanhã nós três iremos para Salvador, vamos nos hospedar no melhor hotel e encher os olhos de Severino. Você vai lhe proporcionar uma vida de ostentação, luxuria e prazer. Vai lhe oferecer, com muito tato, a possibilidade de ganhar milhões de dólares e deixar essa vida miserável de cidadezinha do interior.

- Aí ele ficará tão deslumbrado com a nova vida que nos contará o segredo de seus tomates! É isso...? – disse Maria Schneider extasiada.

- Exato – confirmou Bezerra exultante.

Nesse instante, se avizinhou Severino. Estava sem camisa e com os olhos vidrados de amor. Sentou-se ao lado da empresária, segurou sua mão e a beijou delicadamente. Bezerra que assistia a cena pensando no milhão de dólares depositados em sua conta bancária, balançou levemente a cabeça e piscou solerte para Maria Schneider.

- Você vai molhar seus tomateiros ainda hoje? – perguntou Maria Schneider acarinhando o rosto de Severino.

- Hoje não, já cumpri minha obrigação pela manhã e posso ficar a noite todinha com você – respondeu Severino cheio de paixão.

- Severino... você não se acha um tonto com essa história de molhar os tomateiros com um copo d’água e plantar uma semente junto com uma moeda para que nasça outro pé de tomate? – perguntou Bezerra contundente.

- Não... Doutor Bezerra! Assim me foi ensinado e tem dado certo.

- Isso é uma crendice, Severino, uma superstição. ....Idiota é quem acredita nisso! A única ra-

zão concreta que existe para que seus tomates se-jam tão frondosos, é uma boa semente e uma ótima fórmula química.

- O senhor está enganado, doutor, eu não uso nenhuma química ou qualquer outra porcaria, e também não sou idiota. O meu segredo é a mão de Deus!

- Mas me diga então, Severino, por que a mão de Deus só ajuda você? Os outros agricultores não são filhos Dele?

- É porque eu sou merecedor.

 -...E os outros agricultores não? Por acaso eles são filhos do diabo?

- Deus me livre, doutor! Não fale essa palavra feia.

             - Não será a água de sua fazenda que contém algo de especial e faz com que os tomates fiquem tão grandes? – perguntou Maria Schneider.

- É isso... é a água e a semente que são de boa qualidade. Esse negócio de enterrar uma moeda com a semente e aguar todo dia com um copo d’água não é coisa de Deus, é coisa do Satanás. ...Ou você mistura algum pó na água?

- Desconjuro, doutor! Eu não faço coisa do Satanás nem misturo nada na água não, o que eu faço é coisa de Deus.

- E por que Ele só ajuda você? – perguntou Maria Schneider apertando delicadamente as mãos de Severino.

- Não sei...

Doutor Bezerra piscou novamente para a empresária, pediu licença e se retirou.

- Que tal passarmos umas férias em Salvador? – perguntou Maria Schneider passando os lábios na orelha de Severino.

- ...Eu não posso, minha deusa loira, eu tenho de aguar os tomates todos os dias.

- Mas você disse que pode ficar sem aguá-los por sete dias que eles não morrerão. Além do mais, eles já não estão em ponto de colheita?

- Quase no ponto, dentro de sete dias é que estarão perfeitos para serem colhidos.

-Mas não haverá grandes diferenças, Severino, vamos aproveitar a vida um pouquinho, vamos... – insistiu Maria Schneider sedutora.

- Você promete que voltaremos antes de sete dias?

- Claro, amor! Você acha que vou querer te prejudicar?

- Se é assim...

Maria Schneider não deixou Severino completar a frase, o beijou com ardor e o arrastou para o quarto.

Doutor Bezerra ao vê-los passar às pressas para o quarto, esfregou as mãos e, com um sorriso acanalhado, pensou:

“Meu milhão de dólares está na boca do caixa!”

Noutro dia, Maria Schneider, Doutor Bezerra e Severino embarcaram em Porto Seguro no Lear Jet da Germany Fruit Company com destino à Cidade de Salvador.

Durante seis dias, Severino desfrutou de todas as maravilhas que o dinheiro poderia proporcionar. Maria Schneider e Doutor Bezerra tentaram por todos os meios conseguir o segredo dos tomates, entretanto, para desconsolo da dupla maquiavélica, o rude agricultor de Alcobaça repetia a mesma cantiga: “aguar os tomateiros com um copo d’água diariamente e plantar as sementes com as moedas”.

 - Você pensa que somos idiotas, Severino? – repreendeu Maria Schneider na tarde do sexto dia, já cansada daquela explicação.

            - Você vai receber cinco milhões de dólares se nos disser o segredo dos seus tomates, Severino, eu prometo – tentou persuadir Doutor Bezerra.

- Eu já disse o que faço com meus tomates, não há nenhum segredo. Se houvesse um segredo eu já teria contado, minha deusa loira.

- Você está mentindo – retorquiu Doutor Bezerra impaciente.

- Eu não minto, doutor. Eu quero que Deus leve todos meus filhos se estou mentindo – respondeu Severino suplicante.

O interrogatório se alongou por quase toda a tarde. Quando a noite chegou, Doutor Bezerra e a empresária se reuniram no bar da piscina para decidirem a cartada final.

- Infelizmente acho que esse matuto está dizendo a verdade.

- Mas como a verdade, Bezerra! Não se pode plantar tomate da forma como ele disse e ter uma raridade como ele tem. Eu acho que Severino trabalha para alguém e não quer nos contar.

- Pode ser... pode ser... – concluiu Doutor Bezerra resignado e desiludido com a perda do seu milhão de dólares.

- O que faremos? – perguntou Maria Schneider inconformada.

 Doutor Bezerra ficou pensativo, contornou a piscina em passos lentos e voltou a se sentar.

- O que faremos, Bezerra? – perguntou novamente a empresária apreensiva.

- Vá para o apartamento, dê uma noite de amor ao Severino e o pressione. Faça chantagem, ameace-o e tudo mais que o diabo seria capaz de fazer.

- E se mesmo assim ele não revelar o segredo?

- Então... o único jeito é você colocar espiões na fazenda dele e voltar para a Alemanha.

E assim foi feito.

No outro dia, durante o brequefeste, Maria Schneider era só tristeza. Todos os seus esforços foram em vão. Severino, mesmo ameaçado, pressionado e chantageado, só repetia a história de sempre.

- Tentamos... - disse Maria Schneider melancólica.

- O que você pretende fazer?

- Farei o que você disse, vou colocar espiões na fazenda dele e esperar.

Em seguida, Maria Schneider abriu a bolsa e pegou um envelope.

- Isto aqui é para você.

Quando Doutor Bezerra abriu o envelope, um cheque de vinte mil dólares rejuvenesceu seu espírito.

 - Você é muito generosa. Obrigado.

Maria Schneider acariciou a mão do Doutor Bezerra e deu um tímido sorriso.

-Não fique triste, Maria, ainda farei o possível e o impossível para descobrir o segredo de Severino.

- Não é só pelos tomates que estou triste, Severino me deixará ótimas recordações – finalizou Maria Schneider com os olhos maledicentes. 

O voo estava marcado para às dezoito horas, direto para Porto Seguro. De Porto Seguro a Alcobaça seriam duas horas de carro e daria tempo suficiente para Severino chegar à sua fazenda e aguar seus tomateiros antes da meia-noite.

Quinze minutos depois do avião levantar voo, teve de retornar ao aeroporto: uma pane foi constatada e atrasaria a viagem em uma hora. Severino se exasperou. Achava que não chegaria à fazenda antes da meia-noite e que perderia toda a plantação. Doutor Bezerra, com muita paciência, tentou acalmá-lo e conseguiu convencê-lo que chegariam a tempo.

Às dezenove horas e trinta minutos, finalmente o avião partiu para Porto Seguro.

Às vinte e uma horas Severino e Doutor Bezerra partiram de táxi rumo a Alcobaça e em duas horas chegariam ao destino. Entretanto, mais um obstáculo surgiu para descabelar o plantador de tomates: uma carreta capotou numa sinuosa curva e nenhum veículo poderia prosseguir viagem. Severino entrou em desespero. Rogava aos céus e a todos os santos que olhassem pelos seus tomates, e socava o peito em “mea-culpa”, prometendo nunca mais se afastar dos seus tomateiros por um dia sequer.

Às vinte e duas horas e quarenta e cinco minutos, a pista foi desimpedida e o táxi pôde prosseguir.

- Pelo amor de Deus, motorista, temos de chegar a Alcobaça em quarenta e cinco minutos, por favor, voe...! – suplicou Severino, colocando um cheque de cinco mil reais no bolso do condutor.

 Ao ver o valor do cheque, o motorista pisou fundo. Quando chegaram a dez quilômetros da Cidade de Prado, às vinte e três horas e vinte minutos, faltando quinze minutos para chegar à fazenda, novamente os santos viraram o rosto para Severino: o táxi apresentou um defeito.

O motorista abriu o capô do veículo, examinou o motor e concluiu:

- Lamento, infelizmente o motor fundiu.

Severino ergueu os braços e vociferou:

- Meu Deus... me ajude, não me castigue mais! Eu sei que errei, deixei me levar pela luxuria, mas peço perdão... não me abandone agora!

Doutor Bezerra, vendo a agonia e a desesperança de Severino, tentou confortá-lo:

- Não fique assim, Severino, já já outro carro vai passar e você chegará a tempo!

Severino não tirava os olhos do relógio.

            Quando faltavam quinze minutos para a meia-noite, um farol surgiu ao longe. Os três homens puseram-se no meio da estrada e pararam o automóvel. Um felpudo cheque incentivou o motorista para conduzi-los a Alcobaça numa velocidade avassaladora.

Cinco minutos para a meia-noite marcava o relógio de Severino quando ele começou a aguar os tomateiros. Doutor Bezerra sem dizer uma única palavra, assistia a cena patética e desesperadora do agricultor.

Quarenta e cinco minutos depois, o serviço estava concluído. Bezerra e Severino sentaram-se na varanda e começaram a esvaziar uma garrafa de pinga.

- Eu sei que só tive cinco minutos para cumprir minha tarefa, mas Deus vai me ajudar, Ele não deixará os tomateiros que foram aguados depois da meia-noite morrerem – lamuriou-se Severino.

Claro que não, Severino! – consolou Doutor Bezerra

Uma hora da madrugada, anunciou o cuco do relógio da sala. Mecanicamente Severino olhou para seu relógio de pulso e não acreditou no que via: seu relógio estava atrasado seis minutos, marcava meia-noite e cinquenta e quatro minutos. Apavorado, Severino correu para o rádio, ligou na rádio-relógio e constatou: uma hora da madruga.

Pela manhã, quando os primeiros raios-de-sol despontavam, Severino e Doutor Bezerra correram para examinar os tomateiros. De longe, eram os mesmos tomates, grandes e frondosos, mas ao tomá-los nas mãos, Severino constatou que todo seu esforço foi inútil; os tomates não tinham polpa nem sementes, somente água.

Severino correu desesperado toda a fazenda em busca de apenas um tomate que estivesse em perfeitas condições, mas... infelizmente... Após constatar a terrível realidade, Severino sentou-se no chão e chorou.

- Procure o senhor que te deu as primeiras sementes, meu amigo, quem sabe ele não te ceda outras para você reiniciar? – sugeriu Doutor Bezerra, agora acreditando na história de Severino.

Severino não respondeu, apenas chorava.

 

Por quase um mês, Severino percorreu todo o município de Alcobaça à procura do Senhor Ocinu Sued. Quando estava por quase desistir, o encontrou numa insignificante fazendola. Senhor Ocinu estava sentado num toco e ao seu lado um humilde agricultor prestava atenção em suas palavras. Severino ao vê-lo, correu ao seu encontro e começou a narrar o que acontecera com sua plantação.

- Não precisa me contar toda a história, Severino, eu a sei de cor.

            - Então me ajude, Seu Ocinu, pelo amor de Deus!

- Lamento, Severino, você teve a sua chance e a jogou fora. Deus olhou por você e você se deixou levar pela luxuria, relegando até a própria família. Agora, você terá de esperar Ele cumprir o que está delineado para com os outros desafortunados agricultores. Talvez um dia Ele volte a olhar por você. Talvez um dia Ele poderá te dar nova oportunidade e dessa vez não a desperdice. Volte para casa, arranque todos os pés de tomates moribundos e semeie novas sementes da cooperativa.

E completou:

- Tenha paciência, fé e perseverança.

Senhor Ocinu Sued nada mais disse. Severino agradeceu e, cambaleante de tristeza, tomou o rumo do seu automóvel. Quando fechava a cancela ouviu a voz do Seu Ocinu Sued dizendo ao agricultor:

- Plante estas cinco sementes e as ágüe com um copo d’água limpa todos os dias...

Um ano depois, Severino e a família colhiam a safra dos novos tomates. Não eram tão frondosos e não enchiam as duas mãos como os antigos tomates, mas garantiriam a sobrevivência de todos. Quando a colheita estava quase encerrada, Severino percebeu Rodrigo, o filho mais novo, sentado ao lado de um pé de tomate que se diferenciava dos demais: ele era muito alto, seus ramos abundantes e seu fruto enchia duas mãos.

- Foi você quem plantou esse pé de tomate, meu filho? – perguntou Severino surpreso.

- Foi, meu pai. ...Lembra da moeda e da semente que o senhor me deu quando eu era pequeno?

Severino não respondeu. Ficou olhando o filho aguar o tomateiro com um copo d’água e chorou. Em seguida, elevou os braços aos céus e murmurou:

- Obrigado...

  

Conto escrito por
Francisco Alonso

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



Copyright 
© 2021 - WebTV
www.redewtv.com
Todos os direitos reservados
Proibida a cópia ou a reprodução





Compartilhe:

Cine Virtual

Contos Literários

Episódios do Cine Virtual

No Ar

Comentários:

0 comentários: