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Antologia Lua Negra | Capítulo 06 - O Estranho Caso de Dona Agnes

Conto escrito por Lucas Brito
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Sinopse: Dona Agnes, uma velha viúva, mora sozinha em seu apartamento depois da morte de seu marido. No entanto, de um dia para o outro, ela passa a ter um comportamento estranho: começa a falar sozinha e fazer barulhos estranhos durante a noite. Um grupo de vizinhos, preocupados com seu sumiço misterioso e repentino, resolve ir até seu apartamento para descobrir o que estava acontecendo. Lá chegando, descobrem algo macabro sobre a pobre idosa solitária. 


O Estranho Caso de Dona Agnes
de Lucas Brito


“O amor sem esperança não tem outro refúgio senão a morte.”
José de Alencar


         Meu nome é Julius, e recentemente fui testemunha de uma história macabra e singular, dessas que estamos acostumados a ver apenas em filmes. No entanto, descobri que a realidade muitas vezes imita a ficção. Ou será que é a ficção que imita a realidade? Sinceramente, não tenho respostas, e deixo para o leitor tirar suas próprias conclusões. Eis os fatos.

* * *

         Moro num pequeno conjunto de apartamentos que fica na rua Cel. José de Brito, próximo ao centro. O meu apartamento é o de número 606, e se localiza no andar térreo do prédio, logo abaixo do apartamento número 616,  onde vive ou melhor dizendo, vivia a protagonista desta história. Chamava-se dona Agnes, uma senhora de 86 anos, tímida e reservada. Viúva sem filhos, era vista poucas vezes fora do seu apartamento desde que o marido faleceu há cerca de um ano. Passava seus dias sozinha, sem receber visitas. Apesar da idade avançada, dona Agnes era ágil e lúcida, sem muitas dificuldades para andar e fazer algumas tarefas domésticas, apesar de uma cifose que lhe dava um aspecto ligeiramente corcunda.
        Dona Agnes passava quase o tempo todo em seu apartamento e suas saídas se limitavam às compras num mercadinho que ficava perto da esquina. Às vezes ficava dias seguidos dentro de sua casa sem sair, o que levava os vizinhos a terem receio de que a solitária senhora pudesse, de uma hora para outra, ter algum mal súbito e vir a falecer sem ninguém saber. Nas poucas vezes que tive a chance de vê-la, dona Agnes me pareceu ser uma pessoa simpática, simples nas suas maneiras e de poucas palavras. Talvez seu jeito reservado e solitário se devesse à saudade e à falta que sentia do marido, com o qual foi casada por mais de 60 anos – coisa muito rara de se ver hoje em dia. Fora isso, ela me parecia uma senhora como qualquer outra.
        Mas todos nós temos nossos segredos a esconder, o segredo de dona Agnes viria à tona, acabando por envolver a mim e a todos os vizinhos do prédio.
* * *
        Tudo começou algumas semanas atrás. Era já tarde da noite e me lembro que estava deitado em minha cama, naquele estado intermediário entre a vigília e o sono. Pela janela, a fraca luz amarelada da lua cheia penetrava no quarto, indo em linha reta até a parede.
        Em certo momento, comecei a escutar o som de passos vindos do andar de cima, do apartamento de dona Agnes. Eram passos pesados e firmes, que ressoavam pelo teto. Por um longo tempo fiquei a escutar aquele som monótono: em certos momentos os passos paravam, e logo depois recomeçavam. Juntamente com o som dos passos, também dava para se ouvir a voz da velha senhora, como se estivesse conversando com alguém, embora eu não conseguisse discernir bem as suas palavras. Nisso se passaram dez...vinte...trinta minutos e dona Agnes continuava a perambular por seu apartamento falando sozinha para as paredes, imaginava eu. Olhei as horas: uma e meia da manhã. Os ruídos continuaram por mais algum tempo e então cessaram. “Finalmente, a velha tá com sono e vai dormir”, pensei. E pelo resto da noite não se ouviu mais barulhos estranhos vindos do andar de cima.
        Na manhã seguinte, ao encontrar-me com os vizinhos, alguns dentre eles comentavam acerca do estranho comportamento de dona Agnes na noite anterior, principalmente dos barulhos de passos. Percebi que eu não tinha sido o único incomodado com aquela ocorrência. Como era de se esperar, nesse momento começaram os boatos a respeito da saúde mental da viúva solitária e se ela estaria realmente no domínio das suas faculdades mentais.
        Pelo resto daquele dia ninguém viu dona Agnes sair de seu apartamento. Mas aquilo era considerado normal para alguém que já passou  dias seguidos trancada dentro de casa. Apesar da minha forte curiosidade de saber o que estava acontecendo, deixei o assunto para lá. Seja o que for, o tempo há de esclarecer...

* * *

        Os dias foram passando, mas nem sinal da viúva. Dona Agnes permanecia em seu apartamento trancada, e nenhum de nós sabia exatamente o motivo. Até que uma vizinha mais próxima, de nome Fátima, resolveu fazer alguma coisa a respeito. Foi até o apartamento, deteve-se um momento e finalmente bateu na porta, rezando para que houvesse uma resposta do outro lado:
        Dona Agnes? Sou eu, a Fátima, sua vizinha... Está tudo bem com a senhora?
        Sem resposta. Fátima podia ouvir o barulho da televisão ligada, e imaginou que dona Agnes talvez não tivesse escutado seu chamado. Tentou novamente, levantando um pouco mais a voz:
        Oi, dona Agnes? A senhora está aí?
        Novamente não houve resposta, o que deixou Fátima ainda mais aflita. Já ia começar a girar a maçaneta na intenção de abrir a porta, quando esta se abriu e ela pôde ver a figura corcunda e simpática de dona Agnes surgir bem na sua frente. A velhinha lhe abriu um sorriso, arregalando os olhinhos miúdos por detrás dos óculos:
        Oi minha filha, desculpe, eu estava ocupada lá no meu quarto. Mas o que você deseja?
        Nada não, eu só queria saber se a senhora está bem. É que já faz um longo tempo que a gente não lhe vê, e já estávamos preocupados que tivesse acontecido alguma coisa...
        Aconteceu algo sim, minha filha, e já faz um ano. Uma coisa que não deveria ter acontecido... Dona Agnes ficou um breve momento em silêncio, olhando para trás como se procurasse alguma coisa. Mas não se preocupe querida, eu estou bem. Quer entrar um pouco? Por favor não repare na bagunça.
          Não, obrigada, tenho que ir fazer umas coisas. Só queria saber como a senhora estava. Tenha um bom dia. Adeus!
        Antes de sair, Fátima não pôde evitar de dar uma rápida bisbilhotada no apartamento da vizinha. Reparou que havia algo em cima do sofá: um terno preto. Certamente pertencera ao marido de dona Agnes, e concluiu que ela estava organizando os pertences do falecido. Dona Agnes percebeu a curiosidade da vizinha, e lhe disse:
        Bonito não é? Era do meu querido Rubens, que Deus o tenha em paz. Eu o encontrei todo embolado dentro o guarda-roupa, o Rubens era todo desleixado com suas roupas...
        Ah, entendo. Bom, mas tenho que ir. Se precisar de alguma coisa, pode falar comigo. Moro aqui ao lado. – Disse Fátima, e finalmente saiu.
         Aquela visita de Fátima ao apartamento da vizinha serviu para tranquilizar a mim e aos demais vizinhos quanto ao sumiço de dona Agnes, pois, apesar da solidão, aparentemente estava tudo bem com ela. Então esquecemos o assunto por um tempo.

* * *

         Nos dias que se seguiram, dona Agnes foi vista algumas vezes saindo do seu apartamento, mas apenas por breves períodos de tempo. Em uma destas ocasiões ela, ao regressar sabe-se lá de onde, trazia um grande saco grosso e velho. Apesar da nítida dificuldade em carregar aquele peso, ela se recusava a deixar que alguém a ajudasse com aquele fardo. O porteiro, ao se oferecer gentilmente para ajudá-la e perguntando o que tinha dentro do saco, recebeu uma resposta nada educada:
        Não é da sua conta! Saia daqui e me deixe em paz seu moleque! Eu consigo levar isso até meu apartamento, não preciso da sua ajuda nem da de ninguém!
         Após esse episódio, dona Agnes não foi mais vista fora do seu apartamento. E foi a partir daí que seu comportamento tornou-se mais misterioso. Quem passava em frente à sua porta dizia, por exemplo, que podia ouvi-la novamente falando sozinha, como se estivesse com mais alguém em sua casa. Quanto a mim, ainda não tinha presenciado nada de anormal — com exceção do barulho de passos naquela madrugada. Isso durou até uma certa noite na semana passada.
        Chovia bastante lá fora, como se fosse uma nova versão do Dilúvio bíblico. Eu estava deitado assistindo um filme, quando um trovão ensurdecedor inesperadamente acabou com toda a energia do lugar. Na escuridão apenas se ouvia o retumbar do vento e da chuva lá fora. Nessas condições, fechei meus olhos e, sem outra alternativa, tentei dormir. Mas fui acordado pouco tempo depois não por um trovão, mas sim por um barulho familiar que vinha do andar de cima: o barulho de passos. Lá estava novamente dona Agnes com insônia, andando em círculos em seu apartamento. Apesar do barulho da chuva dava para ouvir nitidamente o som dos seus pés sobre o teto. Como se não fosse estranho o bastante, ainda pude ouvir a velha conversando em alto e bom som, e dessa vez podia-se distinguir as suas palavras. Mas foi então que tive a impressão de escutar algo que não esperava e confesso que aquilo me deixou assustado, pois o que ouvi foi uma outra voz: uma voz rouca e desconhecida!
        Levantei-me da cama e fui em direção a um local em meu quarto onde podia ouvir melhor aquela conversa entre dona Agnes e seu interlocutor misterioso. Ela parecia alegre e entusiasmada em suas palavras:
        Que saudade! Eu fiz tudo isso para você. Gostou? O seu velho terno agora tá limpinho e arrumado; arrumei a nossa cama e coloquei aquela roupa que você gostava. Podemos nos deitar agora? Está na hora, já é tarde. Vem, eu te coloco na cama.
        Aquela conversa ficava cada vez mais estranha. Com quem ela falava? Apesar de assustado, minha curiosidade foi maior e continuei a tentar escutar, mesmo sabendo da falta de educação que é ouvir a conversa alheia. Mas ela permaneceu calada por um breve momento. E algum tempo depois continuou: 
        Pronto! Está confortável assim?
        Sim.
        A outra voz respondeu! Sim, não foi uma alucinação auditiva, nem minha imaginação. Não restava dúvidas: havia outra pessoa com dona Agnes naquela noite escura e tempestuosa. Minha intuição já me dizia quem poderia ser seu interlocutor, mas minha mente racional não queria acreditar. Não poderia ser verdade, aquilo não era possível!
        Depois desse breve diálogo, apenas o barulho da chuva se ouvia, e o apartamento de dona Agnes voltou a ficar em silêncio. Ainda fiquei esperando alguma coisa acontecer, algum novo barulho estranho, mas foi em vão. Voltei para cama, e pouco tempo depois tomei um susto quando vi a TV ligar sozinha, revelando que a energia havia voltado. Adormeci ainda pensando de quem poderia ser aquela misteriosa segunda voz que tinha respondido à dona Agnes momentos antes.

* * *

        Aquela foi a última vez que ouvi a voz de dona Agnes. Pelos próximos dias ela não saiu mais do seu pequeno apartamento, e nem eu nem os vizinhos mais próximos voltamos a ouvir seus passos tarde da noite ou escutar alguma conversa estranha dela falando sozinha.
        Certo dia, ao encontrar-me com Fátima, resolvi lhe contar sobre as coisas que ouvi naquela noite da tempestade, inclusive sobre a voz desconhecida. Para minha surpresa, ela também tinha ouvido algo parecido naquela mesma noite. A cada dia que passava o mistério do estranho caso de dona Agnes só aumentava...
        Mais e mais dias se passavam, sem nenhum sinal da velha viúva. Novamente, aquela sensação de que havia algo errado tomou conta de mim e dos vizinhos. A situação chegou a tal ponto que tivemos que tomar uma atitude. Nos reunimos e fomos até o apartamento da viúva. Éramos em torno de sete vizinhos, e Fátima tomou a frente, chegando até a porta e dando três batidas:
        Dona Agnes? Sou eu, Fátima e mais algumas pessoas. A senhora está bem? Já faz tempo que não a vemos... Dona Agnes?
        Mas dona Agnes não respondeu. Esperamos algum tempo e nada dela abrir a porta e nos dar alguma satisfação. Fátima novamente bateu na porta várias vezes, chamou seu nome, e novamente não houve resposta, apenas o silêncio constrangedor. Um dos vizinhos mais impacientes aproximou-se da porta e começou a empurrá-la, mas estava trancada. Então deu um forte pontapé, arrombando a porta. No mesmo instante, um fedor terrível nos atingiu em cheio. O apartamento inteiro estava impregnado, fazendo que um senhor que estava conosco chegasse inclusive a passar mal e vomitar.
        Apesar disso, com os narizes e bocas cobertos, adentramos a casa de dona Agnes à sua procura, mas nenhum sinal da viúva. Porém, ao nos aproximarmos do seu quarto, sentimos o fedor ficar ainda mais forte. Alguém abriu a porta lentamente, e o que vimos lá dentro foi uma cena macabra, que vai ficar para sempre gravada em nossas memórias: deitada na cama estava dona Agnes, morta já há alguns dias, ao lado de um esqueleto vestido de terno: eram os restos mortais de Rubens, seu marido morto. Ficou claro para mim, e para todos, com quem dona Agnes vinha conversando todas essas noites. Parece que existem amores que nem mesmo a morte consegue separar... Descanse em paz, dona Agnes.


* * *


Conto escrito por
Lucas Brito

Desenho
Henrique Oliveira

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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Proibida a cópia ou a reprodução





Sinopse: A culpa foi minha. É por isso que vou meter uma bala na minha cabeça hoje, depois de terminar esta carta. As noites que passei em claro pensando em tudo o que aconteceu me fizeram classificar a culpa como o mais terrível dos sentimentos. Você pode conviver com a perda, com o ódio, com a dor. Basta aceitar as coisas como elas são e tentar seguir em frente. É o que dizem. Mas isso não funciona com a culpa. A culpa te afoga aos poucos, te queima por dentro até te transformar em cinzas. É uma doença sem cura e sem tratamento. O revólver engatilhado ao lado das folhas de papel em que estas palavras estão sendo escritas é meu inevitável destino. Não há volta, há apenas muito a ser dito, muito a ser contado. 




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