TEASER
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INT. EMPIRE - CABINE DE LÍVIA - DIA
ABRE em Regina.
CORTA para Lívia, em sua frente.
PLANO GERAL - estão cara a cara, no silêncio. Os olhos da primeira revelam-se cheios de água. Lívia dá um passo na direção dela e, subitamente, abraçam-se forte e choram juntas. Até se afastarem. Regina abre as mãos de Lívia e põe seu colar lá.
REGINA
É importante pra mim e quero que você guarde como se fosse seu. É a nossa aliança.
Respira fundo, franze a testa e volta a abraçar Lívia.
REGINA (cont.)
Me desculpa... Me desculpa, eu...
Larga-a.
REGINA (cont.)
Eu não sei nem o que dizer.Eu sinto muito por tudo. Em pensar que...
Que eu estava me negando a tudo. Aquele homem é o demônio!
(pausa; seca as lágrimas) Me diz, Lívia, me diz o que é que eu posso fazer por você?!
Lívia estica as mãos para Regina. Seguram-se uma na outra.
LÍVIA
(sorri)
É bom ver uma luz. No fim do túnel, mas saber que ela está lá, e que podemos alcançá-la, e que podemos ser...
(pausa)
E que podemos ser livres, Regina. Meu Deus, que sonho! Eu estou... Estou, realmente, feliz.
(o colar)
Eu vou guardar isso.
REGINA
(sorri) Sem rancores?
LÍVIA
(sorri)
Sem rancores. Agora... (larga-se dela)
Agora vamos aos trabalhos, né? Vamos aos trabalhos, porque eu tenho que te por a par de algumas coisas. Eu preciso de alguém neutro, como você, pra conseguir transitar normalmente no navio e conseguir as provas necessárias pra derrubar esses bandidos. Eu preciso contar que você vai se arriscar por nós, Regina.
REGINA
Mas é claro. Eu to do teu lado, garota!
Lívia rodeia o ambiente, nervosa.
LÍVIA
Ótimo. E, sobre tudo isso... Bom, é melhor manter isso em segredo. Eu não sei totalmente com quem posso e não posso contar; e o Orlando, Regina... ele é um homem muito perigoso. Muito perigoso e influente. Compra todo mundo. Pode descobrir, a qualquer momento, dos nossos planos.
REGINA
Por mim, tudo bem. A questão, agora, é com quem a gente pode contar. O capitão, o tal Búlgaro, ele sabe de todo o esquema do Orlando, Lívia?
No CLOSE de Lívia, apreensiva.
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EXT. EMPIRE - PLATAFORMA - DIA
ÂNGULO ALTO. O desembarque de vários passageiros no porto de Buenos Aires, sob o sol escaldante.
CORTA PARA Mauro, inquieto, com o olhar fixo ao celular, à saída do navio. Ele olha a todo instante para a plataforma, buscando alguém.
ALTERNA com as mãos de Búlgaro, cumprimentando alguns passageiros, à saída do navio. Orlando ao lado. Lianna, nisso, surge, correndo, nervosa, abrindo espaço por entre as pessoas, até abordar o capitão e Orlando.
LIANNA
(nervosa)
Sir Búlgaro, tenemos sérios problemas!
CLOSES ALTERNADOS. Orlando e Búlgaro entreolham-se, aflitos.
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INT. EMPIRE - CORREDOR - DIA
DUAS ENFERMEIRAS correm, ágeis, empurrando uma maca, onde Luciano está desmaiado.
CORTA RÁPIDO PARA Lianna, Orlando e Búlgaro, entrando, pisando duro. Param e olham-se.
BÚLGARO
(bravo; cochicha)
Como é que essa merda ocorre dentro do meu navio? Se esse imbecil queria morrer, podia ter pego um cruzeiro direto pro inferno, bem longe daqui!
ORLANDO
Sinto muito, comandante, situações como essas estão além de nosso controle, o Senhor sabe disso.
Um silêncio momentâneo paira no ar. Búlgaro, na frente de Lianna, encara-a, desconfiado. Ela recua.
BÚLGARO
Agora, minha pergunta é: o que é que você tava fazendo no quarto dele, quando ele fez, garota? Hein? E não me diga que foi pelo serviço de quarto, porque ninguém pede isso segundos antes de cortar os pulsos.
CLOSE em Lianna, acuada. Dá um passo para trás; Orlando segura forte seu braço e começa a apertar discretamente. Quando ela ameaça reagir, ele corta-a.
ORLANDO
Tenho certeza que ela tem uma explicação perfeitamente plausível pra isso.
(vira-se pra ela/entre os dentes)
Não tem, Lianna?
Nesse instante, uma passageira aproxima-se, correndo. Aborda Búlgaro.
PASSAGEIRA
Búlgaro, a Butterfly sumiu! (histérica; às lágrimas)
Eu to desesperada!
BÚLGARO
Senhora, eu... A senhora já comunicou à supervisão? Eles rastreiam as crianças por todo o navio/
PASSAGEIRA
Ela não é uma criança! É uma cadela! E a minha única companhia aqui dentro. Francamente, Búlgaro! Pelo seu passado!
BÚLGARO
(irritado)
Tudo bem, vamos, eu indico quem pode ajudá-la. Da plataforma ela não passou, certamente!
(saindo; vira-se a ambos) Conversaremos mais tarde.
Búlgaro sai com a passageira.
PLANO PRÓXIMO em Lianna, suspirando, aliviada. Orlando mostra-se nervoso.
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EXT. EMPIRE - PLATAFORMA - DIA
Regina descendo pela plataforma, um tanto nervosa; Mauro avista-a e vai até lá.
MAURO
Regina, graças a Deus! Onde é que cê tava?
REGINA
(absorta)
Eu? Ah... eu... eu tava te procurando, né?
MAURO
É, pois é... Até onde eu sei, celular existe pra isso. Pena que o seu vive desligado, né?
Ela força um sorriso amarelo para ele e beija seu lábio.
REGINA
E aí, conseguiu o guia?
MAURO
Nada! Tentei perguntar, mas sabe como é, né?
(sorri)
Não sei nem Português direito, vou saber Espanhol?!
Eles, enfim, descem e dirigem-se ao porto. Até que, em meio à multidão, que também desembarca, Regina para.
POV DE REGINA - diversas pessoas atravessam a visão dela, que se centra numa CABINE POLICIAL, mais à frente, com DOIS POLICIAIS. Esses conversam descontraídos, à entrada.
MAURO (cont.) (O.S.)
Regina? Regina, tá tudo bom?
SAI DO POV.
CLOSE nela, aturdida, encarando os policiais.
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INT. EMPIRE - REFEITÓRIO DA TRIPULAÇÃO - DIA
Lívia entra, agitada, e FECHA a porta, sorridente. Vai até Lianna e Kênia, sentadas em bancos, em péssimo astral.
LÍVIA
Gente...
(sorri; expectativa)
A Regina tá do nosso lado! Ela vai ajudar a gente!
(pausa; olha para ambas) Lianna, Kênia! O que vocês têm?
LIANNA
O Luciano, Lívia, ele tentlou se matar.
Lívia, pasma, vai até Lianna.
LÍVIA
Meu Deus, Lia! Que coisa horrível. Mas ele tá bem?
LIANNA
Vá ficar.
KÊNIA
Quanto a Regina, Lívia... Eu juro que não queria forçar a barra. É que... Eu ouvi no corredor.
LÍVIA
Eu é que te devo desculpas, Kênia. Não confiei em você o suficiente pra contar. Idiotice...
KÊNIA
De jeito nenhum, Lívia. Fez certo, porque se a gente quiser sair vivas daqui, livres, vamos ter que andar em ovos para não sermos descobertas, até porque, você sabe... Orlando tem muita, muita gente de dedo duro aqui dentro.
Agora... Sobre a Regina, você disse pra ela evitar agir por impulso, né? Porque se o Orlando descobre...
Nesse instante, a porta abre-se. As três assustam-se e dão com Orlando, adentrando. Bate a porta, fulo.
ORLANDO
Ouvi meu nome. Escuto longe! (ri; desfaz o sorriso)
Se o Orlando descobre o quê? Vamos, falem!
CLOSES ALTERNADOS nas três, que se entreolham, assustadas. Orlando avança para cima de Kênia, gruda-a numa parede e ergue o braço para agredi-la. Lianna e Lívia, desesperadas.
LÍVIA
Não, para, Orlando! Para, pelo amor de Deus!
ORLANDO
(ódio)
Anda, sua puta, eu to esperando! Fala de uma vez!
KÊNIA
(grita) Que...
Lívia fuzila Kênia com os olhos. Orlando vermelho de raiva.
LIANNA
Que usted no podria saber que estive com Luciano pra
roubá-lo! É. Eu queria dineiro! Dineiro pra minha... Pra minha mãe...
PLANO PRÓXIMO revela a irritação de Orlando, que, lentamente, larga Kênia e volta-se a Lianna.
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EXT. EMPIRE - PLATAFORMA - DIA
Os policiais conversam, descontraídos, à entrada da cabine. Mauro fala com Regina, ainda dispersa.
MAURO
Mas é engraçado como as coisas mudam, né? Pra você ver/
INSERT - o olhar de Regina. As falas de Mauro entram em MUDO. Seus olhos fecham-se. E o ambiente transforma-se: é como se Regina tivesse migrado para a
HOUSE PINK
Música alta, jogo noturno de luzes; Regina, olhos fechados, está extática, ao centro do salão. Há diversas prostitutas esfregando-se em postes de pole, com homens que "babam" ao lado. CLOSE-UP em Regina, ofegosa, olhando tudo
aquilo. CORTA pra uma mão, que pega na mão dela, subindo por seu corpo.
É Orlando.
ORLANDO
(malicioso)
Há prazeres pra todos os gostos aqui...
PLANO DETALHE no olhar marejado de Regina, abrindo-se, avermelhado.
VOLTA À CENA.
Regina, olhos abertos, ofegante. Mauro, atordoado, à sua frente.
MAURO
Regina, você tá me escutando? Tá tudo bem?
POV DE REGINA - a cabine policial, vazia; ansiosa, procura por todo canto, até ver os policiais, caminhando noutro ponto.
FIM DO PONTO DE VISTA.
CLOSE dela. Mauro aguarda resposta. O rosto dela, finalmente, vira-se para ele.
REGINA
Não, Mauro.
E ela SAI.
FIM DO TEASER ATO I
1x03 - PISANDO EM FALSO
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INT. EMPIRE - HOUSE PINK - DIA
À entrada do prostíbulo, pés masculinos surgem. ÂNGULO ABRE e vemos tratar-se de Orlando, sorridente. Aproxima-se de alguém.
É Regina, no centro do salão, com um sorriso maléfico e saia justinha.
ORLANDO
Ora, ora, soube que aguardava falar comigo e que conseguiu até uma credencial com uma de minhas meninas...
(sorri)
Não se assuste, é só uma medida de prevenção para que apenas os realmente interessados entrem na casa, e não os interessados em destruir tudo o que os verdadeiros empresários investiram, se é que me entende.
(vira-se; perambulando)
Mas, é claro, sei que não faz parte desse grupo,... Regina.
(observa o arredor)
Mas e então, o que achou da casa? À noite, fica mais especial ainda!
REGINA
(maliciosa)
Hum... Gostei! É, até que gostei. Mas... Quero ir ao que me trouxe aqui, direto ao ponto: não vim exatamente falar; e não exatamente com você, também... Mas me informaram que você mediaria todo o processo. É isso, mesmo?
ORLANDO
Mediar bem, para mediar sempre!
Ele abre um sorriso. Ela retribui com um, amarelo.
DESFOCA para Lívia, no bar, limpando a bancada, apreensiva, encarando sua cúmplice.
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EXT. EMPIRE - PISCINA - DIA
Uma CRIANÇA sai de um toboágua e cai direto na piscina. Movimento no local. Lianna, levando uma bandeja, passa rente à CÂMERA, que a acompanha.
Até que mãos masculinas puxam-na para um canto e põem um bilhete dentro de seu avental. Lianna encara, surpresa, e dá com Antenor. Encaram-se.
LIANNA
Yo preciso falar com usted/
ANTENOR
Eu não posso, menina/
LIANNA
Ahora!
SAEM.
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INT. EMPIRE - SALA DE JOGOS - DIA
Ambiente vazio. Lianna entra com Antenor, apressada, e bate a porta. Vira-se e, de costas, respira fundo.
LIANNA
Yo no posso confiar em usted, me desculpa.
ANTENOR
Do que você tá falando? Como assim, não pode confiar em mim? Você viu meu distintivo, garota!
(pausa)
Olha, não é todo dia que você tem a oportunidade de sair daqui. Eu já disse! Você sai, presta depoimento e, aí sim, as investigações tomam rumos maiores/
LIANNA
Qualquer um tem um símbolo de policía! Qualquer um pode entrar por essa puerta e dicer que nos quer salvar/
ANTENOR
Eu não estou mentindo! Mas a escolha é sua, garota!
(pausa)
Quer dizer, se você já não tiver espalhado isso para suas amigas. Não espalhou, espalhou?
Lianna vira-se pra ele. Derrama uma lágrima. Balança a cabeça, negativamente.
ANTENOR (cont.)
Ótimo, Lianna. Você tem a minha palavra de que o que eu quero é justiça e estou aqui a favor dela. Mas preciso que confie em mim, se não, será impossível continuar.
LIANNA
(respira fundo)
Yo... Yo vivi muchas cosas aqui e, cada vez mais, me afundo. Preciso sair daqui!
(chora)
Yo no aguento más!
ANTENOR
Então você tem a oportunidade de mudar tudo, Lianna. Hoje, às nove, antes do navio partir, nós vamos sair desse navio juntos. Leia o bilhete que dei.
(pausa)
Agora, eu tenho que ir. Até a noite.
Ele SAI. Lianna cata o papel de dentro do avental, abre e lê. CLOSE dela. Dobra o papel e devolve ao avental. SAI, rápida.
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INT. EMPIRE - ESCRITÓRIO DE ORLANDO - DIA
A porta abre-se e Caio entra. Aproxima-se de Orlando, sentado à cadeira, com os pés na mesa. Caio gesticula, vai falar algo, mas Orlando levanta-se.
ORLANDO
Eu gosto de você por isso, Caio. Pontual!
(sorri)
Ter você ao meu lado é uma boa coisa. Só que, de tudo, você não me dá tantas vantagens, sabe disso, né?
CAIO
Orlando, eu tenho que dar um recado/
ORLANDO
(nervoso)
Agora, quem dá o recado sou eu! Senta e escuta, Caio.
(pausa)
Eu só vou te fazer uma pergunta, e uma única vez. Cadê a droga do meu dinheiro?
CAIO
Orlando/
ORLANDO
(berra)
Você tá achando que eu sou trouxa, Caio?! É o segundo mês de atraso! Eu entro naquela porra da conta todos os dias e só vejo os mesmos valores, nada a mais!
Ele pega um dos papéis sobre a mesa e estende a Caio, que o fita. Orlando joga o papel na mesa e encara-o, de braços cruzados.
ORLANDO (cont.)
Nada! Nada! Você me deve, Caio, me deve muito! Ou você acha que eu vou poupar seu corpinho pra sempre, de graça?
CAIO
Orlando... me dê só mais alguns dias/
ORLANDO
(alto)
Eu venho te dando mais alguns dias desde o mês passado, Caio...
(inclina-se)
Dias a mais eu não dou. Não, mesmo. Mas eu te dou um aviso bem solene: você pode até fazer as outras putas desse navio de trouxa, mas eu não sou uma delas!
Caio afasta-se, bufando, cabisbaixo. Em Orlando.
CAIO
Tá bem, Orlando, vou dar meu jeito/
ORLANDO
(corta)
Não, não precisa. Eu já dei o meu.
CORTA pra Caio, intrigado. VOLTA em Orlando.
FECHA num PAPEL ROSA, sobre a mesa, escrito "Darkroom - suíte B".
ORLANDO (cont.)
E você sabe bem qual é.
CAIO
Você quer que eu/
ORLANDO
E, dessa vez, não vai ser só transa barata. Eu quero informações. Estou com uma impressão muito ruim, impressão de quem tem merda prestes a ser jogada no meu ventilador! Eu quero saber se estou sendo traído.
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INT. EMPIRE - HOUSE PINK - DARKROOM - DIA
PANORAMA do local, cumprido e estreito, escuro, com feixes de luz aleatórios, vindos de globos de luzes.
CORTA PARA Caio, andando por ali, bem vestido. Olha para todos os lados, enojado. Vê Kênia, de relance, entre feixes de luz, esfregando-se entre as pernas de um homem.
Ele segue. Para diante de uma abertura, coberta com um tecido preto de seda. Puxa a cortina e entra na
SÚITE
Lugar de toques sensuais e com luxo. PLANO DETALHE de seu olhar perdido.
DESFOCA para Regina, sentada na cama, de pernas cruzadas. Ela levanta-se, caminha até ele e apoia uma das mãos em seu peitoral. No que sua boca aproxima-se da orelha do jovem...
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INT. EMPIRE - CABINE DE MAURO E REGINA - COMEÇO DE TARDE
Regina, nervosa, com Lívia à frente dela, incrédula. Um carrinho de limpeza perto.
LÍVIA
Eu não acredito que você contou tudo pro Caio, Regina. Eu... Eu...
REGINA
Eu precisava ver aquele lugar! (revoltada)
E aquele cheiro, Lívia... Aqueles homens nojentos se esfregando em vocês, como se vocês fossem... Sei lá! Eu só quis sair dali e berrar com aquele monstro; falar o quão nojento ele é! Mas eu decidi seguir. E contei tudo ao Caio, quando ele foi pra lá...
LÍVIA
Regina, eu... Eu não sei se isso é bom. O Caio insiste que não, mas vive colado com o Orlando! Mas qual foi a reação dele? O que ele disse?
REGINA
Não, cê precisava ver! Ele não teve reação! Ele não falou absolutamente nada! Ficou mudo!
LÍVIA
Meu Deus... Meu Deus... Eu tenho a sensação que contar pra ele foi um grande erro, Regina! Nada garante que ele ficará do nosso lado!
REGINA
Será, Lívia?
(confusa)
(MAIS)
REGINA (cont.)
Será que eu fiz tudo errado? Mas é que... É que o Caio estava próximo de vocês... Eu não tinha saída! Não ia pra cama com ele!
Regina, atormentada, quando alguém bate à porta.
MAURO
(V.O)
Regina, tá melhor?
Regina fica ainda mais nervosa. Rapidamente, deita-se na cama. Lívia corre, pegando o carrinho.
REGINA
(alto)
Sim, Mauro, entra.
Mauro ENTRA. Regina levanta-se, forçando um sorriso convalescente. Lívia SAI, desapercebida.
MAURO
O que deu em você naquela hora? Nunca te vi assim...
REGINA
Deve ter sido a diferença de altitude, de pisar em terra firme depois de muito tempo aqui... Não sei. Mas eu to melhor. Vamos, agora? To morta de fome.
Ele sorri para ela e a abraça forte, a beijando em seguida.
MAURO
Vamos.
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INT. EMPIRE - HOUSE PINK - SALÃO - DIA
Caio no bar, arrumando as bebidas. Orlando aproxima-se e debruça no balcão.
ORLANDO
(olhando pros lados) Caio... E então?
CAIO
Eu tenho novidades.
Orlando sorri para ele.
ORLANDO
Eu sabia que essa vadia estava com outras intenções.
CAIO
(confuso)
Do que você tá falando?
ORLANDO
Da Regina, seu retardado! De quem mais?
CAIO
Não, ela não disse nada, Orlando, apenas aproveitou seu programa.
ORLANDO
(surpreso) Como?/
CAIO
A novidade é que o dinheiro tá depositado.
(encara-o)
Agora podemos retomar nosso trato, né?
Orlando encara-o, decepcionado.
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EXT. BUENOS AIRES - DIA
SONOPLASTIA - "Touch", por Maala.
O sol brilha forte em Buenos Aires. TAKES AÉREOS da capital argentina, movimentada, cheia de gente e carros nas ruas. Os MONUMENTOS e PARQUES da cidade.
CORTA PRA Regina e Mauro, caminhando, conversando aos risos, FORA DE ÁUDIO, na REGIÃO DO OBELISCO. Batem selfies e riem entre si.
CORTA. O casal, sentado à mesa de um restaurante fino. Conversam.
CORTA. A tarde avança; o céu, cheio de nuvens carregadas. O EMPIRE, atracado no porto.
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INT. EMPIRE - BAR - TARDE
SONOPLASTIA muda para música ambiente.
ABRE num pulso, com curativos, erguendo um copo de bebida à boca. É Luciano, tomando whisky, com o olhar perdido.
CORTA PARA Lianna, posicionando-se frente a ele, atrás do balcão.
LIANNA
Eu procurava você. Esté melhor, Luciano?
(olha o copo) Ai... Já estar a beber!
LUCIANO
(olha para o pulso)
Beber para curar! Uma dorzinha meio forte, mas nada que meia dúzia de analgésicos e umas boas doses de whisky não curem. Queria te agradecer, Lianna.
Ele segue bebendo. Lianna observa-o, penalizada.
LIANNA
Você não pensou em su família, amigos, pessoas que se
importan con ti? Queria entender o que foi que te levou a fazer aquilo. Família? Dineiro? Amor?
Yo.../
LUCIANO
(corta)
Tudo, Lianna. Minha vida é uma bosta... Você não me conhece. Não diria, por exemplo, que alguém como eu, que bebe whisky 12 anos num navio caro, como esse, tem problemas financeiros, né? Assim como não diria que o cara rico, que acabou de sair daqui, com mulher e filhos, vive um inferno em casa;
(encara algo distante)
Ou que aquela jovem, que posta selfie em redes sociais, rindo, com o namorado do lado, sofre, espancada por ele. Aparências, né? A vida é feita disso; pessoas, no fundo, não passam disso...
CLOSE em Lianna, reflexiva. Ela bebe a dose de whisky dele.
LIANNA
Profundo...
LUCIANO
Minha vida é algo tão... Tão supérfluo, ilusório, sabe?
(pausa)
Infeliz, seria a palavra. Eu só queria poder deitar e morrer duma vez! Porque não importa o que eu faça, não importa o quanto eu tente...
(suspira) Esquece.
LIANNA
Já tentou suicídio outras vezes,
no?
Ele bebe e faz que sim. Exibe o pulso para a garota.
LUCIANO
Cortando os pulsos foi a terceira vez. Eu li na internet que tem que cortar os pulsos e uma articulação na veia do tornozelo pra hemorragia ser fatal... Mas, da próxima vez, eu pulo da proa.
LIANNA
(ri; descontrai)
"Se usted pular, yo pulo". Isso me lembra um clássico. Ou vucê também no gosta de cinema?
Lianna ri. Ele ri também, bebendo, e passa o copo a ela, que também bebe. Ele pega em suas mãos, ambos se encaram.
LUCIANO
Vou te contar um segredo... Eu odiei Titanic.
(pausa; suspira) Mas amei sua companhia.
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INT. EMPIRE - CONVÉS - TARDE
Caio na barragem do navio. Ele vê o porto de Buenos Aires dali.Escuta-se uma leve trovoada e ele olha o CÉU, carregado de nuvens. Quando volta o olhar pro lado, dá com Lívia, encarando-o.
LÍVIA
Você sabe bem sobre o que precisamos conversar, não?
CAIO
Lívia...
(pausa) Desiste desse plano.
(pausa)
Vocês não podem contra o Orlando. Ele destruiria vocês!
LÍVIA
Eu pensei muito, antes de vir aqui, falar com você. Pensei que poderia ser impossível te convencer de estar conosco, mas/
CAIO
Me juntar a vocês? O Orlando me procurou, Lívia! Ele tá desconfiado! Achou estranho, a Regina na House!
LÍVIA
Você disse alguma coisa, Caio?
CAIO
Não.
LÍVIA
Ufa!
(pausa)
Você pode não entender. Mas eu não posso ficar sem lutar, Caio! Eu não aguento mais essa vida!
(pausa; enxuga uma lágrima) Eu sei o jeito que você dá pra não fazer mais programas... Eu sempre soube, Caio. Você acha mesmo isso justo? É sério, que você não sente um pingo de nojo de si mesmo a cada vez que se deita com alguém por dinheiro? Cada vez que é complacente com as nojeiras daquele monstro?
CAIO
(comovido) Lívia.../
LÍVIA
(corta)
Você tá errado, Caio. Eu não vim te convencer, vim te mostrar, pela primeira vez, o que eu realmente vejo em você.
(pausa)
Pensa, Caio. Só pensa. E, por favor, não destrua o meu sonho, não destrua o nosso sonho, porque me dizer pra desistir e nos entregar ao Orlando, é o mesmo que dizer para si mesmo que vai ficar pra sempre nessa vida.
Lentamente, ela SAI. Ele vira o rosto e encara o mar, reflexivo.
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INT. EMPIRE - ESCRITÓRIO DE ORLANDO - TARDE
A porta abre-se lentamente e Lianna entra, retraída e assustada. Fecha a porta. Encara alguém.
Orlando está, de costas para ela, na cadeira giratória. Aos poucos, ele vira-se, com uma cara amarrada.
ORLANDO
Lianna... Enfim a nossa conversa. Temos que falar sobre as coisas feias que você andou fazendo, né? Pois é...
(tempo; apoia os braços à mesa)
Mas não precisa temer, tá? (sorri; sádico)
Eu não vou te bater. Mas eu garanto que irá doer como se eu fosse.
PLANO PRÓXIMO de Lianna, amedrontada.
FADE IN:
FIM DO ATO I ATO II
FADE OUT.
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INT. EMPIRE - CORREDOR - TARDE
Lianna sai do escritório, bate a porta, histérica, e sai correndo, com as mãos no rosto.
CORTA PARA FLASHBACK:
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INT. EMPIRE - ESCRITÓRIO DE ORLANDO - TARDE
Orlando entrega uma folha de jornal para Lianna. CLOSE na manchete: "Mujer alcanzada por coche desgovernado entra en coma", seguida pela foto de uma MULHER, loira, olhos azuis, ao lado.
Lianna eleva as mãos ao rosto, surpresa, e chora muito. Orlando guarda a folha e encara-a; solta um sorriso.
ORLANDO
Contra fatos não há argumentos, Lianna. E agora, você já tem um bom motivo para sossegar ou... Ou um incidente vai ter que acontecer no quarto da sua titia?
FIM DO FLASHBACK.
VOLTA À CENA.
Ela corre, atormentada, até trombar com Luciano, que nota o estado dela.
LUCIANO
Ei, ei, Lianna, o que houve?
LIANNA
Yo no aguento mais! (chora)
No aguento mais!
LUCIANO
Olha seu estado! Vem comigo! Vem!
LIANNA
Eu não posso...
ORLANDO (V.O.)
... Ou um incidente vai ter que acontecer no quarto da sua titia?
(CONTINUA)
LIANNA
Luciano, eu não/
E desmaia. Luciano pega-a antes de ela tombar no chão; a tem nos braços. Olha pro corredor, vazio.
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INT. EMPIRE - CABINE DE LUCIANO - TARDE
Conversa antes iniciada e Luciano incrédulo. Ele vê Lianna, ainda em prantos, diante dele, com um copo d’água em mãos.
LUCIANO
Então por que você mentiu? Por que você inventou aquilo?
LIANNA
(nervosa)
Porque... Porque senão Orlando podia descobrir de Regina. Yo no vi te roubar. Juro! Yo... Só estava fazendo o serviço de quarto...
(pausa)
Acontece que já fiz coisas horríveis por dinheiro, Luciano! E, naquela hora, quando ele pegou a gente falando da Regina, ou yo inventava aquilo que ele desconfiava, ou sabe-se lá o que ele faria se descobrisse que ela está a nos ajudar! Foi por vingança! Ele mandou atropelarem minha tía e ela está em coma! Ela está em coma, Luciano!
Ele a abraça forte, revoltado. Lianna chora no ombro dele.
LUCIANO
Meu Deus, aquele homem é um monstro! Nós precisamos denunciá-lo. Isso tudo é crime, Lianna!
LIANNA
Sí! Sí! Nos vamos reunir provas, vamos colocar esse demônio na policía. Ele vai pagar, Luciano! Pagar por tudo!
Nela, revoltada, com os olhos marejados.
HALO DESFOCADO deles busca, debaixo de um criado mudo, um minúsculo microfone preto, escondido.
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EXT. BUENOS AIRES - TARDE
O céu escurece aos poucos. Nuvens tomam a metrópole latina. SOM de trovoadas.
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INT. EMPIRE - CABINE DE LIANNA - NOITE
O celular de Lianna, sobre a cômoda, começa a vibrar e tocar. Surge, no visor, o nome "NÃO IDENTIFICADO".
Lianna aproxima-se e observa. Demonstra receio, mas atende.
LIANNA
(ao cel.)
Alô, quien fala?
Do outro lado da linha, iniciam-se suas falas.
LIANNA (cont.) (V.O.)
O Orlando nos prostitui, nos explora, Luciano!
O áudio é cortado e volta em seguida.
LIANNA (cont.) (V.O.)
E en naquela hora, quando ele nos pegou falando da Regina, ou yo inventava aquilo que ele desconfiava, ou sabe-se lá o que ele faria se descobrisse que ela vai nos ajudar a sair daqui!
SUPER CLOSE em Lianna, incrédula. Suas mãos tremem e mal sustentam o aparelho.
VOZ DISTORCIDA (V.O.)
Olá, Lianna. Eu espero, realmente, que todo esse plano valha pelo menos cinco mil, porque, do contrário, assim que o navio erguer âncora, essa gravação estará nas mãos do Orlando, e aí, a única coisa que vai restar desse plano vai ser sangue, porque ele vai matar uma a uma. Agora, a decisão é sua: pague-me, detenha-me, ou lide com as consequências. Nosso jogo acaba de começar.
E a ligação cai. Lianna olha pro telefone, totalmente incrédula.
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INT. EMPIRE - CABINE DE ANTENOR - NOITE
Antenor coloca sua mala sobre a cama e fecha-a. Vai até a VARANDA
Encara o céu. Dá um sorriso e volta pra dentro da cabine.
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INT. EMPIRE - CABINE DE LUCIANO - NOITE
Alguém bate freneticamente à porta. Luciano levanta-se da cama com dificuldade e abre a porta. Lianna entra, ágil.
LUCIANO
Lianna, o que houve? O que você tem?
LIANNA
(desesperada)
Nos gravaram, Luciano! Tem uma escuta no seu quarto! Alguém gravou nossa conversa e tá pedindo, a mi, cinco mil reais pra não entregar a gravação pro Orlando, Luciano!
(começa a caçar)
A escuta está por aqui! Tem que estar!
LUCIANO
O quê? Impossível! Aqui?!
Luciano também começa, imediatamente, a revirar as coisas. Olha debaixo da cama, no chão. Lianna faz o mesmo. Abre o armário, olha por entre as roupas, próximo ao cofre...
LIANNA
Não é possible! Yo ouvi! A pessoa mostrou, Luciano... Mostrou mi voz!
TAKES DESCONTÍNUOS deles, agilmente procurando. Até que Lianna ergue-se, com o microfone em mãos. Gesticula a Luciano e joga o objeto no chão, pisando em seguida, estraçalhando-o.
LIANNA (cont.) (ódio)
Sabía!
(vai até ele)
(MAIS)
LIANNA (cont.)
Yo sabía! Ahora, yo tenho que ir. Mais tarde nos vemos!
LUCIANO
Espera! Espera! Lianna!
Mas ela SAI e bate a porta.
-
INT. EMPIRE - ESPAÇO DA TRIPULAÇÃO - NOITE
Lianna, Kênia e Lívia juntas, olhando algo. O celular de Lianna.
As três dispersam-se logo, inquietas.
LIANNA
É una question de tempo, até esse maldito ligar e pedir o dineiro! Cinco mil... Pelo amor de Dios, Vocês realmente no têm?
LÍVIA
Juntando as somas de nós três, temos, no máximo, um terço disso! Não temos nada, mas se quisermos fazer algo, teremos que agir logo...
KÊNIA
Só há uma saída! É uma questão de horas, até o navio reembarcar. Nós saímos e denunciamos o Orlando à polícia!
LÍVIA
Não! E depois? E nossas famílias? Uma ligação e todos morrem, Kênia! Tem as provas, também... Nós ficamos aqui na Argentina e ele fica solto, porque nós não temos nenhuma prova! Ele sabe onde nossos parentes moram, ele sabe o que eles fazem, ele sabe tudo das nossas vidas. Não!
KÊNIA
OK, então nós pagamos! Mas tiramos o dinheiro da onde? Porque ninguém tem esse dinheiro...
Elas circulam pelo espaço, pensativas. Lianna para e as encara. Kênia e Lívia a olham, atentas.
LIANNA
Regina! Será que ela no tem?
LÍVIA
Sem chance...
Nesse instante, o SOM de um celular vibrando. Lianna pega seu aparelho. PLANO DETALHE no celular, mostrando a mensagem: "JÁ PODEMOS MARCAR O ENCONTRO OU ACHA QUE VAI ME PEGAR ANTES? O RELÓGIO SEGUE CONTANDO, LIANNA...".
CLOSE em Lívia, dispersa. Ela recua.
LIANNA
O que eu respondo?
LÍVIA
Nada. Eu... Eu arrisco um último palpite.
E SAI rapidamente dali. As garotas SAEM, atrás.
-
INT. EMPIRE - CABINE DE CAIO - ANOITECER
O som incessante de alguém batendo à porta.
CAIO (O.S.)
Já vai, já vai.
Caio entra no plano, abre a porta e, subitamente, é EMPURRADO contra a cama por Lívia, que ENTRA, seguida de Lianna e Kênia.
LÍVIA
Filho da puta! Só podia ser você!
CAIO
Cê tá louca? Tá falando do quê?
LÍVIA
É você que tá chantageando a Lia, não é, Caio? Foi você que a gravou com o Luciano, não foi? Fala!
(pausa)
Eu tenho certeza que, do lado do Orlando como você sempre tá, a única coisa que faltava era isso: vigiar a gente e chantagear!
CAIO
(desentendido)
Eu nem sei do que você tá falando...
Ele levanta da cama, Lívia o EMPURRA de novo.
Começa a revirar o quarto dele: olha celular, gavetas, etc. Até que para e, levando as mãos à cabeça, ofega. Caio a encara, desentendido.
LÍVIA
OK, OK, eu não sei de mais nada!
CAIO
Alguém pode me explicar o que tá acontecendo?
KÊNIA
Uma gravação. A Lianna, conversando com um passageiro da confiança dela... Acabou sendo gravada, confessando o nosso plano com a Regina. E, agora, esse plano pode cair nas mãos do Orlando, se não dermos o dinheiro que esse louco está pedindo...
CAIO
Ah, que ótimo! Se ele entregar pro Orlando, o problema é de vocês!
(p/ Lianna)
Você é burra, Lianna! Burra! Sabe perfeitamente que não pode contar nada pra ninguém. Lívia é outra trouxa, que enfia uma maluca nesse meio, que gasta 300 reais pagando por um programa que ela não usou! Eu não tenho nada a ver com essa tramoia de vocês, mas quando a casa de vocês cair, finjam que nem estiveram aqui!
LÍVIA
(emotiva)
Por favor, Caio, não é possível que você seja tão insensível! Ajuda a gente!
CAIO
Ajudar como, Lívia? Eu não tenho o dinheiro, se é isso o que você quer! Ninguém aqui tem. Esse
(MAIS)
CAIO (cont.) planinho de vocês já começou fracassado.
Silêncio. Em Kênia, que olha ao nada.
KÊNIA
Não!
(pausa)
Eu... Eu... Eu tenho uma solução.
Todos se voltam a ela. Silêncio.
KÊNIA (cont.)
Há alguém que nos pagaria essa quantia por alguns instantes comigo...
(encara Lívia) Ele, Lívia.
LÍVIA
(encara-a; indignada)
Não. Você não pode e não vai pra cama com aquele monstro!
KÊNIA
É a nossa cabeça que tá em jogo, Lívia!
LIANNA
É quem estô pensando? O velho?
CLOSE em Kênia, engolindo em seco. Ela faz que sim.
LIANNA (cont.) (O.S.)
Usted está mesma despusta a isso?
Ela assente, positivamente, de novo.
LIANNA (cont.) Entonces... É nussa única soluçon.
KÊNIA
(enojada)
Mas ainda sim, eu preferia transar com os bichos.
CORTA PARA SEQUÊNCIA DE FLASHBACKS:
-
INT. MANSÃO - COZINHA - DIA [FLASHBACK]
LEGENDA: ARRAIAL D’AJUDA, BAHIA.
Abre numa MENINA de 7 anos, negra, cabelos pretos, nos ombros, olhando uma MULHER baixa, gorda, negra, por volta de
35 anos, uniformizada como empregada, de cabelos na toca. Ela mexe uma panela com uma colher de pau, enquanto olha para a garota, sorrindo. Até que entra um HOMEM (o mesmo da cena 46 do EPISÓDIO 1). Ele sorri para a garota.
HOMEM
(para a empregada) Gilda, eu vou indo pra cidade.
Posso levar a Kênia? Ela só fica aqui, presa, tadinha.
KÊNIA
(animada)
Deixa, deixa, deixa, mãe!
GILDA:
Ai, seu Astor, não sei. Sua mulher já não olha com bons olhos pra Kênia... Acho melhor que hoje não.
ASTOR
(dócil; sorridente)
Deixa, vai... Vou comprar uns doces pra Kênia e, ó, eu vou buscar meus meninos! Eles aproveitam e brincam um pouco. Deixa!
GILDA
Ai, seu Astor...
ASTOR
Gilda...
Gilda olha, em dúvida, para o sorriso animado da garota e o olhar dócil de Astor, ao seu lado.
GILDA
(em dúvida)
Tu vai se comportar, né, Kênia?
ASTOR
(sorri)
Com certeza ela vai!
-
EXT. MATA. CACHOEIRA - DIA [FLASHBACK]
PANORAMA do local, com uma cachoeira.
Astor amarra um cavalo à árvore. Kênia observa, próxima a uma pedra, assustada. Ele vai até ela.
KÊNIA
Por que a gente parou aqui, seu Astor? Eu to com medo. E os meninos, eles não iam encontrar a gente?
Ele põe as mãos no ombro dela e começa a tirar as alças da blusa florida da menina. Ela assusta-se; tenta recuar.
ASTOR
Ah, sim, eles virão depois... (sussurra no ouvido dela)
Porque, agora, somos só nós dois que vamos brincar.
FIM DA SEQUÊNCIA DE FLASHBACKS.
-
INT. EMPIRE - CABINE DE CAIO - NOITE [DIAS ATUAIS]
CLOSE de Caio, comovido. Ele assente negativamente, enxugando uma lágrima do olhar.
CAIO
Eu não sabia, Kênia. Ele... Ele fez outras vezes?
KÊNIA
(cabisbaixa)
Ele fez muitas outras vezes. Aquela foi só a primeira vez. Ele sempre dizia que ia machucar minha mãe, que ia machucar minha irmã e... Eu não tive opção! Ele é um monstro... Até que um dia, a mulher dele flagrou.
CLOSES ALTERNADOS entre todos, perplexos.
CAIO
E qual foi a reação dela?
KÊNIA
(ri)
A melhor possível. Ela pulou pra cima de mim, deu dois tapas na
(MAIS)
KÊNIA (cont.)
minha cara, me jogou no chão e começou a me chutar, até que minha mãe viesse me socorrer...
LÍVIA
(revoltada) O quê?
KÊNIA
Ela era uma louca! Achava que eu, uma garota de sete anos, era a culpada daquilo tudo! Quando minha mãe soube, naquela hora, ela correu comigo dali... A gente mudou até de cidade. Eu soube que, anos depois, a mulher dele morreu.
Provavelmente, pelas mãos dele. E eu achei que nunca mais o veria... Até essa temporada. Ele é obcecado por mim. Ele vai me dar esse dinheiro se eu aceitar deitar...
(pausa)
Se eu aceitar deitar com ele.
Todos entreolham-se.
-
EXT. EMPIRE - PROA - NOITE
No céu argentino, carregado de nuvens.
Lianna encara seu celular. Ele começa a tocar e, hesitante, ela atende.
VOZ DISTORCIDA (V.O.)
O endereço foi por mensagem. Tem uma hora e, se você se atrasar, o Orlando cobrirá a oferta.
LIANNA
Ok, ok! Mas yo preciso de más tiempo! Estou quase conseguiendo el dineiro! Por favor, por favor!!!
VOZ DISTORCIDA (V.O.)
Uma hora.
A ligação cai. Ela guarda o celular e suspira fundo. Tempo. Quando se vira, dá de cara com Luciano. Susto.
LUCIANO
Lianna, você tá bem? (pausa)
Quem era?
-
INT. EMPIRE - CORREDOR - NOITE
Pés femininos, em saltos, pisam firmes. Agora, vemos Kênia. Ela segue até uma porta. INSERT - seu olhar marejado preenche a tela. VOLTA À CENA.
Ela mete a mão na maçaneta e entra numa CABINE
Bate a porta. O lugar é luxuoso e Astor está deitado à cama, sorrindo.
ASTOR
Eu, realmente, me espantei, quando soube que você viria.
KÊNIA
Olá, Astor.
(séria)
Nunca pensei que fosse ficar tão feliz em ver você.
No CLOSE dela e dele.
FADE OUT.
FADE IN:
FIM DO ATO II ATO III
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INT. EMPIRE - CABINE DE ASTOR - NOITE
PLANO DETALHE no zíper de uma calça, sendo aberta aos poucos. É a de Kênia, a qual Astor retira e joga sobre a cama. Ela ofega, nervosa, enojada. Ele sorri; aproxima-se.
ASTOR
(alisa as pernas dela)
(MAIS)
ASTOR (cont.)
Eu não sei o que te trouxa aqui, menina, mas eu sei bem o que eu quero fazer com você...
(cheirando-a; sussurra) Seja uma boa menina, Kênia... Ou você acha que eu gasto cinco mil com qualquer puta?
Ele, por fim, pega-a pelos cabelos e joga-a sobre a cama, de bruços. Ele retira sua camisa, revelando o tórax peludo e retira a calça. Sorri, alisa as pernas dela e deita-se por cima.
Desvia para Kênia, que se contorce, às lágrimas. ALTERNA com as SOMBRA DA PAREDE.
E CORTA PARA uma estátua de mármore negro: uma mulher vendada, com uma balança em mãos. Repentinamente, a mão de Kênia puxa a estátua do plano e ouvimos um BERRO de Astor.
CORTE DESCONTÍNUO. A estátua está jogada no chão, com a base manchada de sangue.
AÇÃO - Kênia pega uma folha de cheque, preenchida e aproxima-se do corpo de Astor, desmaiado na cama.
KÊNIA
(sussurra; enojada)
Era melhor ter me deitado com os bichos! Encoste sua mão em mim mais uma vez e eu mato você, seu monstro!
E SAI correndo.
-
EXT. EMPIRE - CONVÉS - NOITE
Nas mãos de Lianna e Kênia, segurando o cheque, assinado por Astor. Revela os olhares cúmplices que compartilham. Kênia assente que sim.
-
INT. EMPIRE - CABINE DE CAIO - BANHEIRO - NOITE
Caio no banho, do tórax para cima. O vapor d’água cobre o lugar.
INSERT - sua mão desliga o chuveiro. Puxa uma toalha.
CORTE DESCONTÍNUO. Ele sai do box, mas trava: assusta-se, olhando para algo fora da tela.
Orlando está sentado na privada tampada, com uma bebida em mãos.
CAIO
O que é isso, Orlando? (suspira)
Me assustou.
ORLANDO
Melhor assim.
(desconversa)
Eu queria saber: por que eu ouvi por aí que as garotas vieram histéricas até seu quarto, hoje? E antes que você me pergunte como eu sei disso tudo, eu só o advirto que, quando você pensar em fazer qualquer coisa que, no seu lugar, eu não faria, lembre-se que eu tenho olhos.
CAIO
(secando-se) Atrás da cabeça também?
ORLANDO
Tenho. Atrás da cabeça, olhos de terceiros, olhos eletrônicos - todos, nos lugares mais improváveis possíveis...
(bebe um gole)
Alguns mais claros, vesgos, puxados, outros mais escuros. Mas o que importa é que de onde menos se espera, quando menos se espera, eu terei olhos em vocês...
(levanta-se e caminha até a porta)
E eu só estou sendo tão amigável, porque você ainda é meu predileto, Caio, mas avise às suas amiguinhas que, se qualquer informação sair desse navio, que ponha a minha integridade em risco, eu vou matar, com as minhas próprias mãos, todos vocês e a família de vocês. Jogo no mar, mato com ácido, o escambau.
Mas...
(respira fundo)
Fico aliviado em saber que nenhum de vocês medirá forças comigo.
Ninguém!
(pausa)
(MAIS)
A propósito, bom o licor!
Orlando encaminha-se à porta, abre e SAI lentamente. Em Caio, intrigado, olhando ao nada. Rapidamente, ele começa a vestir-se.
-
EXT. EMPIRE - PROA - NOITE
Antenor, mala em mãos, olha pros lados, procurando alguém. Não acha. Olha no relógio.
ANTENOR
(sussurra)
Você não vem mesmo, garota?
Nele, preocupado, com sua mala ao lado.
-
INT. EMPIRE - ESCRITÓRIO DE ORLANDO - NOITE
O local totalmente às escuras; repentinamente, o brilho de uma lanterna. Revela-se Caio, andando por ali, ágil, inquieto. Ele corre, senta-se na cadeira e mexe no computador de Orlando, enquanto vigia a porta.
CAIO
(sussurrando)
Cê só pode tá maluco, Caio... Se ele te pega!
As mãos de Caio digitam rapidamente no teclado.
De repente, FREEZE NA TELA DO COMPUTADOR - vemos um software de um circuito de câmeras, com cantos aleatórios do
navio. Ele minimiza a tela, revelando o desktop, onde há a foto de uma jovem com um top branco molhado, semitransparente, pressionando os seios. Uma caixa de pesquisa surge na tela.
CORTA pro teclado. Caio digita. ALTERNA NELE, assustado.
CAIO (cont.) Não pode ser!
-
EXT. EMPIRE - PLATAFORMA - NOITE
Diversos passageiros, recepcionados por Orlando, reembarcam à plataforma. Mauro e Regina, felizes, de mãos dadas, também voltam. Olham, cúmplices, um para o outro, e seguem. Nisso, um funcionário aproxima-se de Orlando e cochicha em seu ouvido. Sobem a plataforma, juntos, sumindo. É nesse instante que Lianna e Kênia apontam na plataforma e
descem-na.
KÊNIA
Finja que nada está acontecendo e continue andando.
Ela e Kênia descem a plataforma, meio às pessoas que reembarcam, mas dão de cara com um COMANDANTE. Ele cumprimenta-as, sério.
COMANDANTE
Posso ajudá-las?
Kênia e Lianna entreolham-se.
KÊNIA
Há um problema, senhor. Preciso que venha comigo.
(para Lianna)
Minha colega o substituirá.
COMANDANTE
Mas do que se trata?
KÊNIA
Só venha comigo, senhor.
O comandante encara Lianna, em dúvida, e SAI, seguindo Kênia. Lianna olha pros lados e sai andando, em direção à saída do porto.
CORTA para a plataforma, da qual Antenor desce.
POV DE ANTENOR - lentamente, desce; até enxergar Lianna, ao longe, correndo.
FIM DO POV.
ANTENOR
(assustado)
É ela! É a menina! Merda!
Antenor abre espaço entre as pessoas e SAI correndo, atrás dela.
-
INT. RUA - NOITE
Chove. Antenor correndo, com sua mala em mão. Vai atrás de Lianna, mais à frente.
ANTENOR
(grita) Lianna! Lianna!
Lianna vira-se e avista-o, surpresa. Corre, mais rápida ainda, ao mesmo tempo que olha pra rua, à procura de um táxi. Então, quando avista um, dá sinal. O veículo para e ela entra, rápida.
Antenor tenta parar algum táxi, mas todos prosseguem andando; não param.
ANTENOR (cont.)
Eu perdi você, garota! Eu perdi... (ofegante)
Perdi você!
O táxi de Lianna distancia-se. Ele saca o telefone.
ANTENOR (cont.)
Preciso de um carro. (tempo)
Não. Ela escapou.
-
INT. TÁXI - NOITE
Lianna tensa, na ponta do banco de trás, mexendo no telefone celular.
LIANNA
(inclina-se para frente)
Señor, puede acelerar?
TAXISTA
Estoy yendo el más rápido que puedo, señora.
É quando o farol forte de um carro, cada vez mais intenso, atinge a vista do motorista, que, num ato súbito, solta o volante e tapa-os com os braços.
LIANNA
(assustada; berra) Cuidado!
CORTE DESCONTÍNUO. EXT/
A chuva cai forte. Uma camionete chocou-se com o táxi. Dois jovens, nitidamente bêbados, rindo, cambaleiam do lado de fora da caminhonete.
A porta traseira do táxi está aberta e Lianna está recostada no banco, com a mão caída para fora do carro, segurando o celular.
INSERT VISOR - há a foto de Kênia.
KÊNIA
(V.O.; desesperada)
Lia... Lia... Lia, fala comigo! O que houve aí, Lianna?
-
EXT. EMPIRE - CORREDOR - NOITE
Kênia, inquieta, pelo corredor.
KÊNIA
Lianna?
(olha o visor; põe no ouvido) Ai, graças a Deus que você tá bem! Fiquei morrendo de medo que fosse algo sério!
(tempo)
Tudo bem, tudo bem... Chegou mais uma mensagem. Você precisa correr!
(pausa)
Eu sinto muito... Era pra pegarmos ele... Mas...
(pausa; olha pros lados) Agora, vai!
Kênia desliga o telefone. É quando luvas pretas calam a sua boca e puxam-na por trás, fazendo-a andar de costas. Ela tenta gritar, mas não consegue.
-
INT. EMPIRE - QUARTO - NOITE
POV DE KÊNIA - acorda aos poucos e forma a imagem de QUATRO HOMENS, encarando-a.
FIM DO POV.
Está amarrada numa cadeira.
KÊNIA
Quem são vocês? O que querem comigo?
ASTOR (O.S.)
Sabe qual é o proveito de se ter dinheiro, Kênia?
Nesse instante, Astor surge, abrindo espaço dentre os homens. Nela, perplexa.
ASTOR (cont.)
É que, por mais que alguns homens não compartilhem sua língua, o que alguém que tem dólar ordena, todos compreendem.
(vira-se aos homens)
Hombres, cuidem de la perra.
Ambos avançam até ela e socam sua barriga. Dois agarram, enquanto outros a desamarram e a arrancam da cadeira. Astor assiste a tudo. Eles a batem contra a parede e
esbofeteiam-na. Ela berra; tenta se soltar, mas em vão.
Astor dá uma última olhada e SAI. Para num CORREDOR ESCURO
Onde observa Orlando, mais à frente. Caminha a ele.
ORLANDO
Me desculpe, Astor. Espero que ela tenha aprendido a lição.
ASTOR
Eu vou desembarcar. Saiba que me arrependi. Me arrependi muito dessa viagem, Orlando. Muito.
(pausa)
Talvez estejam dando curso de como ser cafetão. Passa lá. Você precisa de umas boas dicas. Seu merda!
Ele SAI. Orlando olha pro chão.
ORLANDO
(ódio) Merda!
Os homens de Astor vêm saindo. Passam por Orlando, rápidos. CORTA PRO QUARTO.
Kênia desmaiada, sangrando muito.
-
EXT. AVENIDA - NOITE
TROVÃO. Lianna corre, desnorteada, por uma rua movimentada. O brilho de sirenes reflete em suas vestes; ela, com a bolsa na mão, os cabelos esvoaçando na brisa, berra, tentando parar táxis e carros, que passam pela rua, acelerados. Não adianta.
-
EXT. EMPIRE - DECK - NOITE
Lívia procura algo com o olhar. Nitidamente, não encontra. Vê Regina, recostada à barragem e corre até ela. Aborda-a e ambas encaram-se.
REGINA
(enxuga uma lágrima)
Oi, Lívia, tudo bem? Novidades?
LÍVIA
Tenho, mas nada boas. Pode vir comigo?
Ela faz que sim, apreensiva. E ambas SAEM, velozes.
CORTA PARA Caio, surgindo, perdido, noutro ponto. Ele procura algo com os olhos, mas não encontra. Bufa e também SAI.
FECHA em um auto-falante.
VOZ FEMININA (V.O.)
Tripulante Lianna e Kênia, favor comparecer, imediatamente, ao escritório da tripulação.
Tripulantes Lianna e Kênia (...)
-
INT. EMPIRE - ESCRITÓRIO - NOITE
Búlgaro, nervoso, bate o punho numa mesa, à frente de Orlando, também estressado.
BÚLGARO
Como assim, duas tripulantes somem da noite para o dia? Não era folga delas, tampouco dia livre!
ORLANDO
Eu não vi nenhuma das duas, capitão. E sumir, não... É impossível!
(CONTINUA)
BÚLGARO
(grita)
É claro que é! Irresponsável! Eu te avisei, Orlando. Eu te avisei desde o começo!
Nesse instante, a porta abre e Caio entra, nervoso.
CAIO
(cumprimenta)
Com licença, senhores. Eu ouvi no auto-falante a notícia das garotas e...
BÚLGARO
O que você sabe?
CAIO
Não é só o sumiço delas que atrasa nossa saída.
(encara Orlando)
Há um passageiro que não retirou suas malas e nem desembarcou definitivamente. É o homem que a Lianna salvou hoje. Luciano Pereira.
CLOSES ALTERNADOS. Búlgaro, vermelho de ódio; Orlando tenso e Caio encarando a ambos.
ORLANDO
Vamos, Caio. Vamos resolver isso.
Orlando e Caio saem do escritório.
CORTA RÁPIDO PARA:
CORREDOR
Caio e Orlando andando, firmes. Orlando saca um rádio.
ORLANDO (cont.)
(no rádio)
Ninguém desce. Mandem banir qualquer desembarque. Agora!
Caio observa, temeroso. E seguem.
FADE OUT.
FIM DO ATO III ATO IV
FADE IN:
-
EXT. BUENOS AIRES - AVENIDA - NOITE
Lianna correndo, atordoada, nas mesmas condições da cena
32. Seu CELULAR vibra; diversos sons de notificações; ela olha, desespera-se mais.
Efeito FREEZE na tela do aparelho mostra diversas notificações na tela, com os dizeres:
"VC TÁ MUITO ATRASADA!"
"VC QUER MESMO ME IRRITAR VADIA! TÁ CONSEGUINDO!" "SEU TEMPO TÁ ACABANDO! ONDE VC TÁ?"
"ANDA, VADIA! EM 5 MINUTOS OU EU ACABO COM VC!"
Lianna segue correndo, até que olha pro celular e pra avenida; praticamente se joga, como louca, na frente dos carros. O som de buzina.
Nisso, um táxi para, repentinamente. O taxista sai e ela fita-o, esperançosa.
-
EXT. DESCAMPADO - NOITE
PLANO GERAL de um grande campo verde, cercado por árvores. No meio dele, um carro preto está estacionado e um HOMEM está de pé, debaixo de um guarda-chuva.
CORTA pra ele, alto, negro, encarando alguém, dentro do veículo.
HOMEM
Ella no va a venir, señor. Vamos partir?
-
INT. EMPIRE - CABINE DE LÍVIA - NOITE
Caio mostra imagens em seu celular para Lívia e Regina, perplexas. Lívia encara Regina, em choque.
LÍVIA
A Kênia foi atrás da Lia pra armar pra cima desse bandido e pegá-lo! Então quer dizer... Não, não pode ser ele, Caio!
(CONTINUA)
CAIO
Mas é. Tá aqui. O tempo todo. Foi tudo uma emboscada. Eu saquei tudo pelo o que o Orlando me disse! Como se ele quisesse que eu descobrisse! Agora a questão que não quer calar é.../
REGINA
(por cima)
Até que ponto ele joga conosco e até que ponto nós jogamos com ele?
(aponta para a tela)
E essa é só uma das peças do nosso jogo de esconde-esconde...
CORTA PARA pro celular - CLOSE numa foto de Luciano, sorrindo.
CAIO
(V.O)
O tempo todo, foi tudo um jogo... Uma mentira.
-
EXT. DESCAMPADO - NOITE
SONOPLASTIA - "Arctic", por Sleeping At Last.
O homem negro fecha o guarda-chuva, abre a porta do motorista e entra no carro. O vidro abaixa e surge a imagem de Luciano, raivoso, no banco de trás. O carro parte.
CAIO (V.O.)
Ele não é um suicida. O drama dele foi só pra jogar uma coitada como a Lianna em suas mãos... E no momento em que os déssemos algo útil, ele entregaria ao Orlando, porque queria dinheiro, e a primeira oportunidade que viu, aproveitou.
CORTE DESCONTÍNUO. Lianna surge, correndo, sozinha, em meio ao campo. Olha para todos os lados, mas não vê nada, nem ninguém. Ela se atira no chão e tem uma súbita crise de choro.
CAIO (cont.) (V.O.)
Mas, não, se ele pudesse lucrar duas vezes com isso. Conosco... E com Orlando...
-
EXT. PORTO DE BUENOS AIRES - DIA
O carro para frente ao SEAS. A feição de Luciano, à janela, desponta um sorriso.
-
INT. EMPIRE - QUARTO - NOITE
Sangue pelo chão. Um choro feminino, sofrido, ao fundo.
Kênia, caída no chão, ferida, roupa rasgada, hematomas em todo o corpo. Ela dá um berro ardido e rasteja pelo chão, até se apoiar em uma parede. Com dificuldades, pega, então, o celular, desajeitada.
KÊNIA
(sussurrando; encarando o tel.)
Lívia, Lívia... Me ajuda! (chora)
Me ajuda, Lívia!
-
EXT. EMPIRE - PLATAFORMA - NOITE
Um HOMEM, abrigado por um guarda chuva, está à frente do navio, controlando os embarques. Surge Luciano, de cara amarrada.
LUCIANO
Vim falar com o Orlando. Marcamos aqui.
HOMEM
Ele pediu que subisse, senhor.
LUCIANO
Ótimo. Eu ainda volto.
Ele afasta-se, mas o homem vira-se, interrompendo-o.
HOMEM
Não! Perdão, mas faltam aproximadamente meia-hora pro navio sair. Estamos apenas recolhendo passageiros. Ninguém está autorizado a descer, senhor...
Luciano vira-se a ele e dá-lhe um sorrisinho cínico. Dá as costas e prossegue, indiferente.
-
EXT. EMPIRE - DECK LATERAL - NOITE
Nenhum passageiro por ali. Uma paramédica e Lívia correm com Kênia, sobre uma maca.
Passam por Orlando, que olha no canto dos olhos. Ele volta-se a um ponto fora da tela, irritado.
-
INT. EMPIRE - CABINE DE LUCIANO - NOITE
Luciano pega a mala, pronta, sobre a cama e SAI do quarto. SONOPLASTIA decresce.
-
INT. EMPIRE - CABINE DE LÍVIA - NOITE
Regina, sentada numa poltrona. Lívia ENTRA.
REGINA
E então, como está Kênia?
LÍVIA
Péssima. Machucada, ferida. Astor. Foi ele! Meu Deus...
(pausa)
Orlando, aquele monstro, não me deixou ficar com ela na enfermaria.
REGINA
(distante)
Agora é que a luta começará de verdade, garota...
Lívia senta-se em outra poltrona, com a mesma feição desiludida. Ao lado desta, em outra poltrona, Caio bebe vinho direto da garrafa. Nisso, a porta abre e Lianna entra, atordoada, chorando.
LÍVIA
(levanta-se) Lianna!
LIANNA
Deu tudo errado!
(desesperada)
Acabou, Lívia! Estamos muertos! Fin!
LÍVIA
Meu Deus, o Senhor precisa me ajudar!
(respira fundo)
Eu supus que não fosse dar certo... O Luciano, Lia... Ele... Ele...
LIANNA
Dios! No me diga que ele tentou se matar de novo!
LÍVIA
(explode)
O Luciano é uma farsa, Lia!
PLANO PRÓXIMO de Lianna, incrédula.
-
INT. EMPIRE - ESCRITÓRIO DE ORLANDO - NOITE
SONOPLASTIA cresce.
LÍVIA (V.O.)
A verdade é que o Luciano tornou-se um espião do Orlando, quando viu que poderia se dar bem...
Em PLANO PRÓXIMO, vê-se, sobre uma mesinha de centro, um gravador, exibindo a voz de Lianna.
LIANNA (V.O.)
Eu não vim te roubar, eu juro! Eu só tava do lado de fora, e eu ouvi você berrando.../
Uma mão masculina pressiona o aparelho, desligando-o.
É Orlando, enfurecido com o que ouvira. DESFOCA pra atrás dele, aonde Luciano organiza bolos de dólares numa maleta. Para. Dá um sorriso.
-
EXT. EMPIRE - PLATAFORMA - COMEÇO DE MADRUGADA
Em pés masculinos, pisando firmes sobre o solo da plataforma. Uma mala de rodinhas atrás da pessoa.
É Luciano.
LÍVIA (V.O.)
A verdade é que, agora, estamos destruídos.
CORTE DESCONTÍNUO. Vemo-lo diante de um táxi. Ele dá uma última olhada para o navio, entra e o carro dá a partida.
LÍVIA (cont.) (V.O.)
A essa altura, Orlando já sabe de tudo. Acabou.
(pausa)
A justiça perdeu.
PLANO AÉREO das imediações do navio.
Surgem as imediações do porto; abandonamos o EMPIRE e ganhamos Buenos Aires.
SONOPLASTIA encerra.
FADE OUT.
FADE IN:
-
INT. EMPIRE - CORREDOR - COMEÇO DE MADRUGADA
Mauro fecha a porta da cabine, em retirada, mas dá de cara com Regina, chegando.
REGINA
Mauro... tá havendo alguma coisa?
MAURO
Aquele cara que te ajudou, quando você caiu da escada, tá aí, Regina. Ele quer muito falar com você.
Ele sai da frente dela, a passos lentos. Ela adentra o QUARTO
TRAVELLING corre, explorando toda a cabine, até parar em Orlando, de costas.
ALTERNA com Regina, que bate a porta, sorrateira, e observa Orlando, que vira-se para ela.
ORLANDO
(sorridente)
Desculpa o incômodo, Regina... (sério)
Mas nós temos muito que conversar.
FADE TO BLACK.
FIM DO EPISÓDIO
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