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A Magia do Natal: Capítulo 04 - O Bom Velhinho

A Magia do Natal: Capítulo 04 - O Bom Velhinho
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Conto escrito por: Cesar L. Theis


E, naquela manhã de quarta-feira começaram a retirar os objetos natalinos do depósito, e a decoração começou nas lojas do shopping, pessoas andando pra lá e pra cá, enfeitaram a praça central, enquanto aguardava receber a mesma ligação em de todos os anos, pois era comum o shopping colocar um Papai Noel, para ouvir os pedidos das crianças, e também contratar um fotografo.


E, próximo do meio-dia a ligação, o extra natalino está garantido, e fui conversar com os responsáveis pelo cenário, e combinar os horários de trabalho, passei pela cidade que ainda não estava vestida a caráter para a época festiva do natal, sem decorações ou luzes nas casas e pelas ruas, cenário oposto ao da praça do shopping, que ostentava uma decoração capaz de fazer qualquer criança se sentir no próprio polo norte.


Então, poucos dias depois tudo estava preparado, e várias famílias transitavam de loja em loja, as crianças na fila esperando sua vez concentradas pensando no que pedir ao velhinho de barba branca e roupa vermelha, mas, ninguém ousava afirmar as crianças que aquele era o verdadeiro Papai Noel, afinal as crianças de hoje não acreditam em qualquer história.


E muitos pais orgulhosos, alguns mais zelosos e cheios de recomendações sobre a foto, ansiosos por publicá-las nas redes sociais, alguns quase chegavam a pular na frente da câmera, porém, muitos pareciam mais empolgados que as crianças, hipnotizadas pelo brilho das telas dos smartphones e alheias a realidade com seus fones de ouvido. 


O representante de Papai Noel com seus ajudantes, controlavam o fluxo de crianças no local, como verdadeiros ajudantes a fazer brinquedos, atuavam aplicadíssimos na tarefa para dar conta de ouvir os pedidos com eficiência e não ultrapassar o horário do fechamento das lojas do shopping... para depois voltar para casa e aproveitar a época com a família.


Eu, parecia o único que não tinha um propósito, apenas a tarefa de esperar o momento da foto, que era um instante, e voltar a invisibilidade, o que permitia ser o observador das reações das crianças e as expressões dos pais naquele ambiente de faz de conta natalino.


Percebi que os detalhes revelavam um universo particular, a família, na fila algumas crianças inquietas, algumas choravam outras batiam nos pais, outras mantinham a atenção na tela dos seus smartphones, em um universo particular, destes que os pais também adentram quando a atenção ficava no aparelho, e a criança escapava a perambular sozinha.


Estava tão envolto em analisar aquela fila que por hora precisava ser chamado a atenção, pois esquecia de fotografar, então click... click... e minha atribuição no espetáculo estava momentaneamente cumprida.


E voltava a minha invisibilidade, até que o choro de um menino irrompe contra o murmurinho das conversas, os gritos, se recusava a se aproximar, mesmo com a insistência da mãe que lhe segurava pelo braço, amedrontado receoso do velhinho barbudo de roupa vermelha sentado naquela cadeira em meio a todos aqueles ajudantes fantasiados, caixas de presente e enfeites coloridos. 


Mas, logo o choro foi contido, quando a mãe desiste do intento de obrigar o menino a falar com o Papai Noel, e deixa a fila, levando pela mão em passos rápidos o menino... e então dois passos para frente e... click, click, - outro momento de felicidade registrado. 


Observava as crianças e as confidências ao representante de Papai Noel, orgulhosos exemplos de bons comportamentos durante o ano, alguns apenas, isentando-se de peraltices, alguns mais audaciosos, assumiam a responsabilidade das traquinagens se justificando e faziam promessas de melhor comportamento, e finalmente a grande revelação, aquele que era o propósito da conversa com o velhinho barbudo de roupa vermelha, as vezes seguido de uma interrogativa - vou ganhar presente Papai Noel? 


Então, um entre olhar do representante de Papai Noel e os pais, um leve aceno com a cabeça e uma confirmação que alegrava a auspiciosa criança... e ouvia dos lábios escondidos atrás da barba branca solta que a toda hora mudava de lugar, uma confirmação, posteriormente nos bastidores do mundo real caberia não ao Papai Noel, mais a uma mãe ou pai esforçado, deixar na manhã de natal embaixo da pequena árvore o presente cuidadosamente embrulhado. E o momento de outro click, click, click.


Me parecia uma certa crueldade criar um mundo de fantasia, e aí utilizá-lo para barganhar por bom comportamento em troca de presente, foi então que me ocorreu, as crianças de hoje não guardam a inocência como as de antigamente, então, talvez muitas percebendo o embuste, se utilizam da barganha para conseguir o exposto nas vitrines das lojas do shopping?


Por parte dos pais, um orgulho do sucesso dos filhos brilhava nos olhos, e muitas vezes a forma de realizar os sonhos que seus próprios pais não pudera, embora seja complicado viver momentos especiais junto aos filhos enquanto estamos sempre envolvidos pela rotina do trabalho, então presenteá-los é desencargo de consciência,  compensação em face as ausências cotidianas.


E no contexto desta ausência, que produz o afastamento, e pela falta de tempo, as crianças deixadas na creche, e quando maiores na escola, verdadeiros depósitos de pequenos humanos, filhos da sociedade da falta de tempo. 


E neste momento um pensamento alheio, talvez no futuro estes filhos ocupados pelo trabalho deixarem os pais em um asilo com os cuidadores de velhos, e não serão acometidos por algum reclame da consciência, pois repetirão a si mesmos – lá eles serão bem cuidados, tem pessoas só pra isso! E novamente, click, click, click.


E a inquietação parece ter florescido no pensamento, será que na sociedade da falta de tempo e de compensações materiais pelas ausências, também esquecemos da infância? E que esquecemos que uma relação exige reciprocidade de afeto, o que só seres humanos e animais são capazes de proporcionar, e que mesmo uma tecnologia interativa nunca será capaz oferecer. E outra sequência, click, um silêncio, click.


E num relance vislumbro o colorido da decoração  natalina, e questiono as intenções implícitas,  sei que uma criança merece ter seus desejos ouvidos e realizados, mas será que alimentar a ilusão que um estranho, que um simpático velhinho barbudo de roupa vermelha que mora no polo norte, e que voa em um trenó puxado por renas mágicas distribuindo presentes pelo mundo, quanto esta figura é mais digna de realizar o desejo de uma criança que o esforço de uma mãe ou pai? E click, click, click.


E, então uma breve reflexão, uma relação mediada por coisas em vez de afeto, pode nos fazer tomar o mundo apenas como o lugar para satisfazer nossos desejos, e se tudo é desde a infância apenas percebido pelas coisas, então o único comportamento possível neste mundo é o de possuir coisas, assim também a felicidade em um mundo de coisas é só  momentânea, mas coisas ficam velhas e passaremos a querer novas coisas, mas não podemos nos enganar pois nenhuma coisa pode completar nossa humanidade. E click, click.


E sem esperar outra inquietação reclama atenção - Será que alguém dispensa tamanha atenção para ouvir os pedidos das crianças do orfanato da cidade? Porém, talvez a maioria destes sejam como o meu, daqueles que que não vão se realizam na manhã de natal, - pois ainda criança perdi meu pai e depois minha mãe - e sendo filho único posso compreender o sentimento de não ter família.


 E o penúltimo click, e o click derradeiro, desliguei a câmera e fui a administração receber meu pagamento, mas, quando segurei o dinheiro, enquanto cruzava o corredor para o elevador, na memória as vozes e os desejos das crianças ainda estavam vividos na memória, e intimamente sabia que se o velhinho escrutina-se minhas ações, meu nome não estaria na lista dos meninos bons, e percebi que precisava tentar encontrar na minha humanidade o propósito do natal.


E sai do estacionamento do shopping, rumo a uma pequena loja que conhecia, afinal não poderia pagar pelas coisas das lojas do shopping, e curiosamente o dinheiro rendeu tantos brinquedos que recebi a compra em um grande saco vermelho, sai da loja levando apoiado no ombro, caminhando pela calçada cruzava que os transeuntes que sorriam como crianças quando avistavam o grande saco vermelho que carregava.


E segui para o orfanato da cidade, não com um trenó voador puxado por renas mágicas, nem com uma barba branca e roupa vermelha, embora precise admitir o saco era vermelho. 


E enquanto andava pelas ruas decoradas sem um motivo comecei a tentar lembrar os nomes das renas mágicas - Rodolfo, Corredora, Dançarina, Empinadora, Raposa, Cometa, Cupido, Trovão e Relâmpago – e confiante que poderia reencontrar alguma humanidade toquei a campainha da porta do orfanato.

Feliz natal!




conto escrito por
Cesar L. Theis

produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
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