
No capítulo anterior, Drica tenta contato com Imã sem entrar na ciranda, Carlito encontra uma criatura que o ajuda a escapar dos tukurás, Táquio se surpreende com a revelação da neta.
CAPÍTULO 16 - O RUI É MUITO INTELIGENTE
Olhando
de cima é possível ter uma noção melhor de toda região, mas o que o senhor
Belchior encontra o deixa estarrecido, apenas desolação e escuridão. Ventos
quentes o deixam tonto e perde um pouco o sentido de direção. Mas,
estranhamente, tem a sensação de que algumas partes lhe são familiares. No seu
mundo, o horizonte, por exemplo, tem uma imponente montanha coberta de neve e
não aquela rocha fria e cinzenta, cujo pico tem o mesmo formato da antiga
montanha, porém, sem a mesma beleza natural. Todo o descampado abaixo, deveria
ter uma exuberante floresta com gigantescos girassóis e o aroma inebriante das
flores, mas o que se vê são só caules desnudos e botões cabisbaixos, também
monocromáticos e sem vida.
“Não é possível, os loteamentos são muito
semelhantes, mas não pode ser a minha terra, não pode.”
Ao
retornar para o ponto de origem, o rouxinol faz nova constatação, “Voei longe demais. Onde está a Princesa
Macar?”
De
repente, a escuridão cresce à frente, milhares de insetos gigantescos tomam os
ares. Liderando a esquadrilha a maga que ele conhece muito bem.
“É a Cuca?” Instantaneamente, Belchior
mergulha, torcendo para não ser visto pela maga, por sorte, a penugem escura
pode ser confundida com as cinzas do descampado. Quem olhar de cima terá
dificuldades para encontrá-lo.
Cuca
esbraveja maldições, ameaçando seus comandados, caso não consigam cumprir suas
ordens.
Agora
o senhor Belchior se convenceu que está em Emityma, mas as circunstâncias estão
longe de serem reconfortantes. Para onde ir? Depois de pensar alguns instantes,
lembra da região em que o Conde E o
levara. Após a passagem do exército dos tukurás, voa para onde imagina
encontrar segurança. “Infelizmente, não
poderei ajudar a Princesa Macar agora. Logo que estiver com o Conde, certamente
voltaremos para salvá-la.” Calcula.
Mas,
assim que ganha altura, o rouxinol é surpreendido por um grupo de insetos
retardatários. A perseguição é imediata, Belchior tenta se desvencilhar com
manobras rápidas, o inimigo demonstra a mesma destreza e, para piorar, rajadas
de um líquido quente passam próximos ao rouxinol, alguns respingos chegam a
queimar sua asa.
Desesperado,
Belchior não percebe que tomou a mesma direção do inimigo. A agitação na
retaguarda chama atenção do último pelotão que resolve voltar para ajudar na
perseguição, as torres de cinzas que poderiam oferecer algum abrigo estão
tomadas de inimigos rastejantes e pulantes. Cercado por todos os lados,
Belchior fica no meio do fogo cruzado, os disparos constantes o deixam tonto,
por instinto resolve ganhar mais altura, porém, o céu fica distorcido, a
gravidade também enlouquece e o faz perder equilíbrio, assim como seus
inimigos. Todos ficam sem orientação e caem vertiginosamente. Em um último
esforço, Belchior se agarra em um dos insetos e o usa como amortecedor. O
impacto contra o chão é tão forte que faz o pássaro quicar para longe dos
outros insetos. Por sorte, aterrissa em lugar macio.
—
Aqui, consegui pegá-lo!
—
Muito bem, você é muito habilidosa.
Belchior
está quase desfalecendo, mas as vozes parecem amistosas, abre os olhos para ver
quem está falando e sorri.
—
Obrigado, Princesa Macar, você me salvou. — desmaia.
A
queda de Belchior é logo esquecida pelos tukurás, pois o ambiente está
enlouquecido. Os horizontes se mesclam entre o céu e a terra. A maga Cuca
gesticula evocando magia para se proteger, todo seu exército está sendo jogado
de um lado a outro, como se fossem Marcondes.
—
O que é isso? — Cuca esbraveja — Quem está provocando isso?
Em
terra, Imã e Táquio conseguem voltar para o abrigo com muita dificuldade,
apenas o senhor Belchior continua desacordada.
—
Vô, o que pode ser isso? Você disse que não pode ser a Cuca.
—
Não sei, Imã, nunca vi acontecer antes.
Você tem certeza de que é a Drica?
Apesar
do eco distorcido, Imã reafirma que é voz da sua amiga. Táquio tem um estalo.
—
Carambola, agora lembrei!
—
O que é, vô?
—
Quando a gente conversava com a Drica e ela queria vir junto, para não deixá-la
triste, eu ensinei como enviar uma mensagem de voz enquanto estivéssemos
viajando. Acho que essa catástrofe tá acontecendo porque ela mantém o vínculo
entre os dois mundos aberto.
—
Como assim, vô?
—
Cada dimensão tem um ritmo temporal próprio, se um elo juntar as duas
dimensões, a velocidade de tempo tende a restabelecer a igualdade e isso mexe
com todo universo.
—
Será que lá no nosso mundo também está um caos?
—
Em teoria não, porque a invasão é de lá pra cá. Pelo menos é o que espero que
seja.
—
De repente ela não pensou nisso tudo.
—
Provavelmente, não, mas tem outro problema.
—
O que?
—
O elo é uma ponte entre as duas dimensões, que vai aumentando de intensidade
enquanto estiver aberta, uma via tanto de lá pra cá, quanto daqui pra lá.
—
Meu Deus, se a Cuca souber disso…
Táquio
se agita.
—
Rápido, Imã, tente falar com o Drica pra
quebrar o vínculo.
—
Vô, a ciranda está queimando, não tem como tocar nela.
Táquio
olha para a ciranda que está brilhando incandescente.
—
Ela deve estar sobrecarregada para manter os portais abertos. Não tem jeito,
preciso fazer alguma coisa ou a situação só vai piorar.
No
apartamento da Imã, as luzes do escritório começam a piscar, ventos fortes
batem nas janelas, provocando sons ensurdecedores. O silvo que soa do lado de
fora anuncia uma grande tempestade se aproximando. Dona Tiana tenta conter o
medo, mas ela está tremendo muito e fecha os olhos com mais força para não ver
a inexplicável mudança do clima, “meu Jesus, será que são essas crianças que
estão fazendo isso?” Imagina. Quando um trovão intenso explode próximo a eles,
a mulher larga a mão da Drica para tapar os ouvidos.
De
repente tudo se acalma, Tiana corre para segurar a mão da Drica de novo, mas
encontra a menina desmaiada no chão.
Voltando
para o mundo interdimensional, Carlito tenta entender porque a ciranda
esquentou e voltou a ficar fria novamente, certamente tem a ver com as
distorções que acabaram. Felizmente tudo voltou ao normal, pelo menos o céu
está em cima e o chão em baixo.
Contudo,
assim que guarda a ciranda novamente no bolso a escuridão precipita ao seu
redor.
Beron
está encolhido, abraçando os filhos e olhando fixamente para cima, os tukurás
os cercaram. Carlito para alguns instantes para analisar a situação, “Rui, cadê
você quando eu mais preciso?” Um grito estridente o obriga a quebrar a
concentração.
—
Homem, percebeu que não tem por onde escapar? — Cuca aparece montada no dorso
de um inseto voador.
—
O que a senhora quer? Já disse que não posso te ajudar, não tenho nada comigo.
—
Então, o que tem aí no seu bolso?
—
O quê?
—
Pensa que eu não sei dos portais para outros mundos?
—
Esse seu jeito de falar é irritante.
—
E eu me importo?
—
Vamos acabar logo com isso, toma, pode levar. — Carlito estende a mão com a
ciranda.
—
De que me serve uma ferramenta que não posso usar?
Toda
conversa é uma dissimulação para Carlito ganhar tempo. Na verdade, ele tem
consciência de que não há muito o que fazer e pede por um milagre. Os tukurás
são numerosos e, apesar de se achar invulnerável, tem uma família atrás dele
que precisa ser protegida. A Cuca não tem paciência e gesticula para que um
soldado avance. A boca dele começa a brilhar.
— Espera, eu vou te ajudar! — Carlito tenta
impedir que o tukur continue.
—
Você tem escolha?
—
Mas, eu peço que não faça mal a ninguém, aqui.
—
Acha que está em posição de exigir?
—
Por favor, dona Cuca, não machuque meus amigos.
Mas
o tukur não se detém, Carlito tenta impedi-lo se colocando na frente, uma
pancada forte o joga de lado e lança o caldo sobre todos. A última imagem que o
rapaz enxerga são os olhares de medo dos filhotes e a raiva com que Beron se
coloca à frente para receber a rajada, os gritos de dores, apesar de
insuportáveis, terminam rapidamente. Carlito entendeu o que eram as marcas
escurecidas que encontrou quando chegou a esse mundo. Os minidipis derreteram
abraçados, ficando apenas as cinzas de seus corpos estampados no chão.
Tomado
de raiva, Carlito se lança contra o tukur e o atravessa como um míssil. O corpo
é explodido e seus pedaços voam longe, outros tukurs avançam, Cuca levanta voo
para ficar a uma distância segura, ainda assim sua voz parece ecoar por todos
os lados.
Carlito
não diminui a intensidade da investida, cada tukur que o tenta agarrar é
rechaçado com facilidade, sua força é descomunal e os jatos de caldo não o
queimam como as outras criaturas. Cada vez mais enfurecido, Carlito se lança
enlouquecidamente, mas os tukurás são numerosos, a cada um que ele derruba
surgem outros dez para atacá-lo. Uma voz surge do céu.
—
Já fizeram a bolha?
Logo
Carlito é cercado por tukurás e eles lançam gosma no chão que o envolve como se
fosse uma geléia, tirando o ponto de apoio e o impedindo de se mover. Como se
fosse areia movediça, a cada movimento, ele fica mais imobilizado. Nem com toda
força consegue se libertar. Do alto, a risada estridente celebra a vitória.
Dentro
do abrigo, os aliados de Táquio estão reunidos, agora com mais uma integrante.
—
O-oi?Quem? Imã, é você? — Drica desperta aos poucos.
Imã
acaricia os cabelos da amiga, deitada em seu colo.
—
Como é que você tá?
—
Imã, por favor, diga que você voltou e não…
—
Oi Drica.
A
voz de Táquio chama atenção da menina. Imã explica.
—
Drica, lembra do vô Táquio? Foi ele que te puxou pra cá. Eu só queria saber
como ele fez isso.
Táquio
levanta com dificuldade, as mãos tem queimaduras.
—
Eu tive uma ajudinha, depois eu conto. Como você está, Drica?
—
É bom vê-lo de novo, vô, mas eu não
queria estar aqui.
—
Cadê o R2? Ele seria muito útil agora. —
Imã suspira.
—
Ele não quis esperar o irmão e foi pra casa sozinho.
—
Quem é R2? — Táquio fica curioso.
—
É o Rui, nosso amigo, ele é muito inteligente.
Gualbe
se aproxima do trio.
—
Parece que o ataque terminou, vamos poder descansar um pouco. Venham, vou
mostrar onde vocês ficarão.
Drica
se levanta rapidamente.
—
Não, nós já vamos sumir. Nós vamos sumir, né Imã? Já encontramos o vô Táquio,
agora é só meter o pé.
—
Infelizmente, não, Drica. Ainda temos que encontrar o Carlito e trazê-lo
conosco.
Drica
pensa em argumentar, mas Imã já se adiantou para os aposentos e Táquio foi
tratar das feridas. “O jeito é seguir o
fluxo.” Se conforma.
No
apartamento de Imã, Tiana ajeita as meninas confortavelmente e resolve usar os
kits de soro nelas por precaução, logo em seguida o telefone toca.
—
Tiana, sou eu a Ziza. Como estão as coisas por aí?
—
Por enquanto está tudo calmo e você, como está? — Tiana dissimula.
—
Eu tô bem, mas eu tenho uma notícia triste pra te dizer.
—
O que é?
—
Esse rapaz que saiu hoje de manhã aí de casa, o porteiro me disse que ele
sofreu um grave acidente e está hospitalizado. Acho que as meninas iam querer
saber disso.
—
Virgem Santa! Tá bom, pode deixar que eu
conto a elas.
—
Obrigado Tiana, qualquer coisa me liga.
—
Pode deixar, mas fica despreocupada. Beijo.
Tiana desliga o telefone e para uns instantes, raciocinando. “Tadinho desse menino, o que eu posso fazer agora?” Logo em seguida, arruma a bolsa, verifica as crianças no escritório e sai.

M. P . Cândido
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Carlos Mota
Bruno Olsen
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