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Feriadão WebTV: Ele e Nós

Conto de Léandro Vilmain
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Sinopse: Em uma distopia, um homem narra a vida em uma cidade sem cultura, sem amor, sem escolas, sem hospitais. A violência é psicológica, com uma violência omnipresente, passiva e indireta.

Ele e Nós
de Léandro Vilmain

            Nossas vidas foram tomadas, nossa cultura destruída, e o nosso amor arrancado. Inúmeras páginas, folhas transportando histórias e emoções únicas, queimando nos subúrbios. Os seus gritos agonizantes ecoavam nos arredores da cidade: “Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. Não sei. Só sei que foi assim. Olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Viver é um negócio muito perigoso”. Essas são apenas algumas das inúmeras frases que passeiam perdidas pela cidade. Frases cujos rostos me são desconhecidos, e ficarão para sempre. A fumaça se via da cidade, uma fumaça branca, um fogo amarelo.

            Há anos, não há mais espaço para cultura, para curiosidade, para escolhas em nossa cidade. Tudo mudou com Ele. Ele se impôs em todo qualquer canto, aqui e ali, Ele estava. Nas ruas, em nossas moradias, nos pesadelos e no desespero, Ele estava. Ele não era qualquer um, era único e queria demonstrar. Estava acima de tudo e todos. A sua silhueta preenchia os muros da cidade, fazendo o nome dos estabelecimentos sentirem-se pequenos ao seu lado. Nela, havia apenas os seus olhos visíveis, grandes, brancos, que seguiam nossos passos, prevenidos do perigo caso fizéssemos algo contra as normas.  Ele via tudo, seus olhos carregavam as ruas, dentre e fora das paredes, em nossas casas, não havia escapamento para seu voyeurismo. Qualquer movimento ou signo era gravado e registrado. Somente havia um caderno, o Caderno, a palavra livro já não se usava mais, uma só filmagem, uma só marca de roupas, comida, mercado. Ele havia tomado posse de tudo que podia se imaginar. 

            O famoso caderno ordenava nossa conduta: “Ler outra coisa que o Caderno será punido / Comer outra coisa que a Marca será punido / Plantar, colher sua comida, árvores e flores será punido / Amar outro que Ele será punido” e daí em diante. Sim, amar outro que Ele é algo impossível, o máximo que podíamos fazer é amar por Ele. Seu congênito é destinado a servi-lo, como nós fomos, como os nossos pais foram. O amor já não tinha mais significado. Nós já não sentíamos mais nada, nem medo, nem felicidade, nem prazer, o pouco de esperança que nos restava estava ali queimando silenciosamente, observando-nos, esperançoso de que um dia iríamos acordar. 

A filmagem mostra o que vivemos todo dia, nada de diferente, apenas pessoas trabalhando, claro, mostrando Ele como um deus, um salvador para nós. Todo dia, às 8 da manhã, tínhamos que nos juntar ao centro da cidade, em frente ao seu imenso e interminável palácio. Algo tão grande que ainda nunca tínhamos visto o final do palácio. O céu parecia desaparecer ao seu lado. A sua silhueta predominava à frente do seu palácio. Ao lado, uma pequena casinha, se fazia todo tímido ao lado do lugar. Era onde ficavam os integrantes da Ordem. Raramente se via alguém entrar , na verdade, nunca se viu alguém entrar, pelo menos não desde minha nascença. Havia boatos que alguém já entrara ali e nunca mais saiu.

            Na rua não se trocavam olhares, não havia cores vivas, somente roupas pretas e escuras, cabelos curtos e brancos. Havia somente o barulho de nossos passos tocando na cidade, as usinas barulhentas se juntavam a essa monótona orquestra. Não se via mais flores como descrevia os Outros, eram feitas de metais. Animais ali não existiam, somente réplicas de madeira. Não estranhem se eu lhes disser que um gato tem apenas 3 pernas, 2 cabeças e cinco asas.

            Ele já estava presente há tanto tempo que nem os nossos bisavós se recordavam de uma vida “normal”. Ele proibiu qualquer acesso à cultura, queimou e até hoje queima nossos livros. Escolas já não eram escolas, eram chamados de CPT, Casa de Preparação para o Trabalho. Não se aprendia história, literatura, ciências, matemática, filosofia. Preparavam os jovens para o mundo do trabalho, para substituir aqueles que não poderiam mais trabalhar. Estabelecimentos de saúde tornaram-se cemitérios vivos, ali que era o desespero de Ele, pessoas cujos esforços físicos não eram mais plausíveis. Somente lhes restavam uma opção: bani-los dali. Não eram mais de nenhuma utilidade, os Outros pensavam que na verdade eles iam para um lugar melhor, um lugar sem Ele, onde a esperança está onipresente. Um lugar onde a cultura predomina em nossos corações, onde a poesia está onipresente, onde medo, felicidade, insegurança, tristeza, desgosto coabitam.

Os Outros, ninguém e nada sabiam seus integrantes, ou o que se passavam em suas reuniões. O principal trabalho do governo e de Ele era traçá-los, fazê-los de exemplo para que nunca mais o desrespeitasse ou o questionasse. Havia besouragens sobre algumas pessoas que poderiam fazer parte dos Outros. Alguns verdadeiros, muitos falsos, que faziam com que essas pessoas desaparecessem de um dia para o outro. Nosso silêncio fazia sentido, não ser pego, não trazer olho gordo. Mesmo se a ideia de levar-nos fora do nosso quotidiano era excitante, a ideia do inesperado e desconhecido arrancava a vontade de sair da cidade.

Nunca tivemos novidades de ninguém que foi expulso da cidade. A Ordem, era o nome da organização que agia como polícia para Ele. Não estavam nas ruas, as suas presenças no nosso quotidiano já não servia para enquadrar-nos, pois Ele já bastava. Quando os vimos, sabíamos que alguém iria quitar a cidade, e tínhamos quase certeza que não fazia parte dos Outros e alguém específico o queria fora da cidade.

A tumba dos Outros foi achada, pilhada. O que acharam? Livros e livros, livros clássicos como desconhecidos, jornais do Antigo Mundo, era como chamavam o mundo antes da chegada de Ele. Dicionários, filmes, fotografias, baralhos, dominós, tudo que faltava na cidade para tornar-nos vivos, tudo que fazia de nós seres vivos, humanos, com emoções. Eram o que os Outros queriam, um cantinho deles para viajar, compartilhar conhecimento e cultura aos que nunca tiveram acesso. Como o esperavam, não queriam voltar à vida antiga, não queriam derrubá-lo, apenas queriam desfrutar de tudo que a história nos deu e foi tirado de nós.

Você que está lendo, sempre lembre que há esperança. Livra-se Ele, e junte-se aos Outros.

Conto escrito por
Léandro Vilmain

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima Francisco Caetano Gisela Lopes Peçanha Liah Pego Lígia Diniz Donega Mercia Viana Pedro Panhoca Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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