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Antologia Lendas Urbanas: E se forem reais? - 1x13: Chapéu, sapatos ou roupa usada, quem tem?

Conto de José Júnior
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Sinopse: Janice tem um filho pequeno muito desobediente. Ao tentar usar a pedagogia materna e assustar seu filho falando sobre o velho do saco, percebeu que as crianças de hoje não se assustam mais com lendas do seu tempo de infância. Mas será que a lenda ficou no passado mesmo? 

1x13 - Chapéu, sapatos ou roupa usada, quem tem?
de José Júnior
  
 

            Todos os dias, no final da tarde, Janice, a mãe de Joãozinho, pedia para que ele fosse à padaria comprar pão para o jantar. Como o menino já tinha oito anos, ela queria que ele começasse a ficar responsável por algumas atividades da casa.

            No mesmo horário, um senhor muito simpático passa com um grande saco nas costas, que parecia estar sempre vazio, gritando sua fala de sempre: “chapéu, sapatos ou roupa usada, quem tem?”. Este homem andava por toda a vizinhança, mas ninguém nunca o parou para entregar alguma dessas peças que ele falava.

            Depois de voltar da padaria, Joãozinho entregou os pães para sua mãe e foi jogar videogame.

            — Não, Joãozinho, primeiro vá lavar as mãos. Depois você joga. — Disse a mãe do garoto.

            — Não, mãe! — Ralhou o menino. — Eu quero jogar agora!

            — Joãozinho, se você não for lavar as mãos agora o velho do saco vai pegar você quando estiver dormindo! — Ameaçou sua mãe.

            — O velho do saco? — Perguntou Joãozinho. — Quem é esse?

            — É o velho que passa todo dia aqui na frente de casa. — Falou sua mãe da cozinha. — Ele pega criança que desobedece os pais e coloca dentro do saco

Alguns minutos se passaram. Janice pensava que Joãozinho tinha ficado com medo e resolvera lavar as mãos.

            — Eu olhei aqui na internet e não existe nada de velho do saco, sua velha mentirosa! — Gritou Joãozinho e continuou seu jogo.

            Janice lembrou de seu tempo de infância. Quando não existia nem o celular ainda. Naquele tempo, quando sua mãe falava que o velho do saco viria pegar você se você desobedecesse, toda e qualquer criança ficava amedrontada. Era a pedagogia materna que sempre funcionava.

            Naquele tempo ainda rolava boatos de que algumas crianças realmente tinham desaparecido da vizinhança. Todos aproveitavam para confirmar a lenda de que era o velho do saco que tinha colocado essas crianças no saco.

            Joãozinho estava insuportável. Janice tinha vergonha de pensar isso do seu próprio filho, mas ele não obedecia nunca e fazia tudo o que queria. Seu pai era ausente, nunca estava em casa, e quando estava fazia todos os gostos do filho. Ela agradecia a tudo que era mais sagrado que o menino ainda estava indo na padaria comprar o pão.

            — Esse velho era só do seu tempo, mãe! — Gritou Joãozinho. — Hoje ele já deve estar morto. Aqui na internet estão dizendo que isso já flopou há muito tempo.

            Janice se perguntou o que aquilo significava. Há um bom tempo ela parou de tentar entender essa linguagem estranha que as crianças de hoje em dia usam por causa da internet. Ela se pergunta também o motivo que a levou ter um filho. Ela pensava que seria totalmente diferente.

            No dia seguinte Janice pediu para Joãozinho ir comprar o pão na hora de sempre.

            — Não! — Disse o menino ligando o videogame. — Hoje o pessoal me chamou pra jogar RP de GTA e não posso perder porque meu dinheiro está acabando e eu tenho que assaltar um banco com meus amigos.

            — O que é isso que você falou? — Perguntou Janice sem entender nada. Ela estava chocada com a forma que seu filho dissera não.

            No final das contas ela foi até a padaria comprar o pão enquanto o velho passava pela rua cantando “chapéu, sapatos ou roupa usada, quem tem?”. E então ela pensou que talvez não fosse tão ruim que o velho do saco existisse para pelo menos dar um susto no Joãozinho, quem sabe até no pai dele também, que é outro moleque. No momento em que parou de pensar e voltou a olhar para frente, bateu em alguma coisa e deu dois passos para trás. Era o velho do saco. Mas ele estava do outro lado da rua, como viera parar ali em sua frente?

            — Desculpa, senhor. Eu estava no mundo da lua. — Desculpou-se Janice.

            O senhor não respondeu. Ela deu mais um passo para trás quando percebeu que o senhor não tinha um rosto. Era tudo liso. Um punhado de massa lisa e brilhante. Mesmo assim ela pensou ver um vislumbre de um sorriso naquele rosto sem nada.

            Janice balançou a cabeça porque só poderia estar delirando. O senhor não estava mais na sua frente, continuava do outro lado da rua gritando sua canção eterna: “chapéu, sapatos ou roupa usada, quem tem?”  

            Ao chegar em casa, Janice deixou os pães na cozinha e pensou no que tinha acontecido. Nunca tivera um medo tão grande em sua vida. Precisava se acalmar para continuar com seus afazeres.

            — Joãozinho, venha jantar.

            — Não vou, para de encher o saco! — Gritou o menino. — Agora eu estou jogando DBZ e depois vou jogar CDZ. Não vou ter tempo para comer agora. Eu quero mesmo é ficar jogando pra upar bem muito.

            Janice não estava em condições de brigar com o menino. Também não iria adiantar nada. Quando o pai dele chegasse naquela noite ele resolveria, ela estava cansada demais. E depois do susto que levara mais cedo, só queria mesmo dormir.

            Naquela noite seu marido chegou em casa. Márcio também chegara cansado do trabalho. Janice contou o que tinha acontecido. A parte da desobediência de Joãozinho, não a parte do velho do saco. Ela não compartilhava mais nada pessoal com o marido. Márcio mudou depois que a criança nasceu. Na cabeça dele, o serviço de criar um filho é da mulher.

Ainda assim ele disse que na manhã seguinte, que seria sábado e estaria de folga, levaria Joãozinho para acampar por um dia ou dois.

            Enquanto Joãozinho dormia, apenas percebeu um barulho no fundo de sua mente. Estava sonhando com seu personagem do videogame quando, de repente, abriu os olhos. Ela viu que um homem estava dentro do seu quarto. Um homem que segurava um saco nas costas e gritava “chapéu, sapatos ou roupa usada, quem tem?”. Mas Joãozinho não conseguia se mexer. Queria gritar, mas também não conseguia. Apenas as lágrimas minavam de seus olhos.

            O velho não tinha rosto. Apenas uma massa lisa. Mas o menino sabia, não sabe como, que o velho estava sorrindo. Ele tirou o saco das costas e quando o abriu um odor horrível de putrefação fez o menino chorar ainda mais. Ele não sabia que cheiro era aquele, mas sabia que não era nada bom.

            O velho levantou as pernas de Joãozinho e começou a colocá-lo dentro do saco enquanto cantarolava. O menino sentiu um frio terrível tomar conta de seus pés. Parecia que estava tudo congelando. Metade de seu corpo já estava dentro do saco. Ele sentiu a mão ossuda do velho puxando seu ombro e, momentos depois, ele estava totalmente coberto.

            Ele se viu em outro lugar. Não era mais o seu quarto. Parecia que ele estava flutuando e, na parte de baixo, a qual ele não conseguia encostar os pés, havia um rio com vários corpos. Pessoas mortas. Despedaçadas. Todas gritavam: “chapéu, sapatos ou roupa usada, quem tem?”.

            Joãozinho agora conseguia se mexer. Tentava sair do lugar, voar para outro canto, mas seu corpo apenas descia lentamente. E em algum momento ele encostaria naquele rio de corpos.

            Dentro de sua cabeça uma voz monstruosa falava:

            “Você gostaria de ser trocado por algumas dessas peças, meu garoto? Aqui nós temos de tudo. E uma criança como você parece que não faria falta lá em cima, não é mesmo? Não se faça de bobo que você entende muito bem do que estou falando.”

            O menino começou a gritar. Tentava subir. Lá em cima ele conseguia ver, na penumbra, a sua cama pela boca do saco aberto. E, um pouco para o lado, a cabeça do velho sem rosto o observando.

            Uma cabeça usando um chapéu começou a levitar do lado de Joãozinho. Era a cabeça de Márcio, seu pai. O menino deu outro grito e já estava ficando rouco.

            — Joãozinho, meu filho! — Falou a cabeça de Márcio. — O que você está fazendo aqui. Saia daqui!

            — Eu estou com medo, pai! — Gritou o menino.

            “Você merece outra chance, Márcio?” A pergunta ressoou em todo aquele espaço escuro. “Geralmente eu só mato crianças, mas você nunca deixou de ser um moleque, não é mesmo?”

            Pai e filho começaram a gritar. Um par de sapatos com pernas decepadas corriam de um lado para o outro na margem do rio. Enquanto isso, Márcio percebeu que suas roupas antigas estavam jogadas por todos os lados.

            “Vocês precisavam fazer uma limpeza na vida de vocês. A criança seguindo os passos do imprestável do pai. Você não tinha tempo para criar o seu filho, mas agora vai ter todo o tempo do mundo”

            O rio começou a borbulhar. O odor de putrefação aumentou ainda mais. Os corpos despedaçados se agitaram e as cabeças começaram a gritar. Joãozinho e Márcio gritaram juntos.

            Na manhã seguinte Janice acordou e percebeu que nem Márcio nem Joãozinho estavam em casa. No guarda-roupa ela também percebeu que havia menos roupas tanto do pai quanto no guarda-roupa do filho. A primeira coisa que ela pensou foi que teria um pouco de paz naquele dia, a segunda coisa foi que talvez Márcio tivesse, finalmente, levado o filho para acampar como tinha prometido há muito tempo.

            O dia tinha passado de forma leve e tranquila. Havia muito tempo que Janice não passava um dia tão bom em casa. Conseguiu fazer seu crochê de que tanto gostava e colocou o papo em dia com suas amigas pelo telefone. Ela ainda era uma das poucas pessoas que ainda utilizava um telefone dentro de casa e não um celular.

Pela noite, ao ir comprar pão, o velho do saco passava do outro lado da rua cantando sua música eterna “chapéu, sapatos ou roupa usada, quem tem?”, mas desta vez o saco estava bem mais cheio. 


Conto escrito por
José Júnior

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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