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Funerária Dois Irmãos: Capítulo 04

Novela de Marcelo Caronesi
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FUNERÁRIA DOIS IRMÃOS - CAPÍTULO 04




 

            Eurico Prates está sentado à sua mesa. Sobre ela, alguns papéis, pastas, um porta-retratos com a fotografia dele e de sua família: uma mulher de uns 50 anos, dois homens com menos de 30 anos, uma moça de seus 23 anos, e sete crianças. Eurico é um homem obeso, de seus 55 anos. Há duas cadeiras à frente de sua mesa; atrás, uma grande estante tem livros, enfeites. Num canto, há uma bandeira com o brasão e as cores da cidade: o vermelho, o branco e o azul. A porta se abre e Adelaide, sua jovem e elegante secretária, anuncia que os irmãos chegaram.

         – Senhor prefeito, os dois irmãos da capital tão aqui. Eles já podem entrar?

         Eurico Prates fez um sinal positivo. Logo que Odilon e Odílio entram, Eurico se levanta e cumprimenta-os.

         – Vamo, vamo. Se sentem, meus amigos. Fiquem à vontade – recepciona Eurico Prates.

         Todos se ajeitam em seus lugares.

         – É um prazer rever o senhor, Odilon. E é uma grande satisfação conhecer o senhor, seu Odílio.

         – O prazer é meu seu Eurico Prates – responde Odílio.

         – Espero que cêis tejam gostando de São Pedro. É uma cidade sossegada, não tem aquela agitação toda que a gente vê em São Paulo... É um lugarzinho gostoso de se viver.

         – A gente procurava por tranquilidade mesmo – afirma Odilon.

         – Às vezes eu preciso ir resolver umas coisas, em Taubaté, em São José, ou em São Paulo, mas eu só fico tranquilo quando volto pra cá. Aquele negócio do assalto do banco em São Paulo. Eu achava que a gente só via essas coisas nos filme americano – confessa o prefeito.

         Sem que os outros dois percebam, Odílio leva a mão até a sua cintura. O seu coldre tem um revólver calibre 38. Ele destrava o coldre e mantém a mão sobre a arma. Eurico completa.

         – Eu entendo o porquê docêis resorvê ir embora de lá. Ainda mais depois do que cêis passaram com o falecimento da amada mãe de vocês. Que Deus à tenha.

         – A gente já tava decidido a ir embora mesmo seu Eurico. Infelizmente a criminalidade das cidades grandes estão fazendo com que muita gente decida ir pra cidades menores em busca de sossego – explica Odilon.

         – Aqui em São Pedro o povo é muito bom. E a gente tem as cachoeira, os rios pra pescar, tem essa pracinha aconchegante, os barzinho de comida e bebida boa. Tem os alambique espaiado por aí; não sei se cêis gostam duma pinguinha. Tem a festa da padroeira, as festas juninas. Vocês vão se acostumar rápido aqui. Quem sabe até arranjem casamento, não, seu Odílio?

         Odílio olha para o prefeito sem prestar atenção em nada do que acontece no diálogo. Ele já estava preparado para fazer Eurico refém, caso a polícia invadisse o gabinete; calculava a melhor maneira de dar o bote.

         – Hein, seu Odílio? – repete o prefeito.

         Odilon cutuca Odílio, que parecia sonhar acordado. Ele ergue as sobrancelhas, questionando o que havia perdido do assunto.

         – O prefeito tá dizendo que aqui quem sabe a gente até arranje casamento – diz Odilon.

         Odílio ri, enquanto retira a mão do coldre, baixando a camisa e escondendo a arma.

         – Olha, quem sabe, né? Mas eu sou um homem que vive bem sozinho. Eu sou um lobo solitário – diz Odílio, sorrindo.

         – Mas vamos ao que interessa – fala o prefeito. Tem uns papéis que faltam só o registro do cartório, mas como aqui não tem, vamo esperar chegar de Taubaté, né? O local já foi adequado, de acordo com as normas da prefeitura. O Odilon já assinou, eu já assinei, o Odílio também assinou. Tá tudo praticamente pronto. Logo que a papelada chegar, a casa funerária docêis já pode começar a funcionar.

         Batidas na porta. Odílio se mexe na cadeira, levando a mão novamente ao coldre. Ele se acomoda do melhor jeito para tomar o prefeito refém, caso note a presença de policiais. A porta se abre e a charmosa Adelaide reaparece.

         – Senhor Eurico, o secretário chegou. Eu peço pra ele esperar?

         – Que nada. Mande ele entrar pra conhecer os irmão Batista – responde Eurico Prates.

         Odílio se ajeita tão logo percebe que não há nenhuma ameaça policial. Logo, um homem franzino, jovem, mas um pouco calvo, vestindo um paletó de linho e usando óculos redondos, entra no gabinete. O secretário Fagundes tem seus 40 anos. Atrás dele, Adelaide traz uma cadeira, onde ele se senta. Ela sai em seguida.

         – Fagundes, esses são os irmãos Odilon e Odílio Batista – apresenta o prefeito.

         Todos se cumprimentam.

         – Odilon e Odílio, esse é Fagundes, o nosso secretário de saúde da prefeitura.

         – É uma grande satisfação conhecer os jovens que irão montar a primeira casa funerária de São Pedro da Cachoeira. Realmente o empreendimento de vocês é o assunto mais falado da cidade – elogia o secretário, sorrindo.

         – Nós que somos gratos pela hospitalidade do povo daqui, secretário Fagundes – agradece Odilon.

         – Sim. As pessoas daqui são bastante boas e hospitaleiras. Não temos do que reclamar – completa Odílio.

         Fagundes ajeita os óculos no rosto e incha o peito.

         – Mas as pessoas daqui não se comparam às pessoas das grandes cidades. Entendam bem, não é preconceito de minha parte, mas gente do Rio, de São Paulo, de Belo Horizonte é diferente. São pessoas bem mais educadas. As pessoas daqui são boas, mas são caipiras; é gente simplória. Eu estudei medicina em São Paulo. Lógico, não quero que vocês imaginem que cuspindo no prato em que comi, afinal sou filho de São Pedro da Cachoeira também, mas a vinda de gente da capital pra cá traz um pouco de civilidade pra essa gente tão capiau. Os contatos de gente de cidades grandes, de capitais, com o povo daqui ensinam nossa gente a ter um pouco de compostura e educação; a se comportarem e terem boas maneiras.

         – Acho que todas as cidades têm suas vantagens e desvantagens, Fagundes. Eu andei por várias cidades do interior, visando a que reunisse melhores atrativos pro nosso comércio, e não tenho dúvidas que São Pedro foi a melhor escolha. Não é mesmo, Odílio? – ressalta Odilon.

         – É. É um bom lugar. Foi uma ótima escolha, Odilon.

         – Realmente São Pedro mudou muito nas últimas décadas. São Pedro da Cachoeira teve um desenvolvimento bastante significativo. Por muito tempo foi um povoado de passagem de tropeiros. Mas desde a emancipação, o avô, o pai, e o próprio prefeito Eurico Prates, trouxeram muitas melhorias pro lugar. Toda a família dele sempre se preocupou com o povo, e sempre trabalhou muito duro para que a população tivesse dignidade – explica o secretário.

         Eurico Prates sorri. Fagundes prossegue.

         – É verdade, o Eurico é um homem modesto, não gosta de se gabar, mas nós estamos adotando práticas na área de saúde que está colocando nossa cidade com as melhores estatísticas da região. Temos índices melhores até do que muitas cidades do Vale.

         Fagundes levanta uma das mãos, fechando os dedos, mas mantendo o indicador para o alto. 

         – Técnicas europeias de política de saúde pública. Visitações, vistorias feitas por mim mesmo e por nossa equipe. Campanhas de vacinações; melhor prevenir do que remediar, não é mesmo? – explica Fagundes, rindo e orgulhoso. Praticamente erradicamos doenças como varíola e sarampo.

         Neste momento Odílio olha para Odilon, que desvia o olhar. Eurico não se contém e fala sorrindo:

         – Meus amigos, quando completamos um ano sem nenhuma morte de varíola na cidade, organizamos uma festa enorme. Trouxemos até a Aracy de Almeida pra fazer um show. Foi um momento histórico pra cidade.

         – Bom, acho que já tomamos demais o tempo dos senhores. Acho que vamos andando – diz Odílio.

         Ele se levanta e puxa Odilon pelo braço para se levantar também. E todos se cumprimentam. Os dois “irmãos” tomam o caminho da porta e saem. Na recepção veem um homem bastante nervoso e agitado falando com Adelaide. Irineu é um homem robusto, com cerca de 60 anos e um grosso bigode grisalho; ele usa roupas grosseiras e um chapéu sertanejo de couro. Ele é um fazendeiro, um dos homens mais ricos de São Pedro da Cachoeira. Adelaide tenta acalmá-lo.

         – Tenha calma, seu Irineu. O prefeito já vai atender o senhor.

         – Mais carma que eu já tenho? Como? – responde Irineu com seu forte sotaque caipira.

         Odílio e Odilon se sentam em duas das cadeiras que estão encostadas na parede e é inevitável não prestarem atenção na discussão de Irineu com Adelaide.

         – Garanto que o doutor Eurico vai resolver tudo da melhor maneira possível – afirma Adelaide.

         – não tá entendendo, criatura. Eu já pedi uma porção de vezes pra ele tomar providências, mas esse homem não fez nada até agora. Vou na delegacia, falo co delegado Ferreira, e ele também não faz nada. Aí eu tento resorvê do meu jeito e eu recebo uma visita duma merda dum fiscal ambiental! – contesta o fazendeiro.

         – Deixa o secretário Fagundes sair, você entra e conversa direitinho com ele. Eu não posso fazer nada, seu Irineu – justifica Adelaide.

         Irineu se vira para Odílio e Odilon.

         – Ei. Viu, ô. Cêis tão morando aqui em São Pedro ou tão só de passagem?

         – Tamo morando – responde Odílio.

         – Onde?

         – No final da Rua do Sino, já perto da estrada – completa Odílio.

         – Então não é muito longe de onde começa a minha fazenda. Óia, não fiquem andando de noite por aquela estrada e nem pela mata à noite não, viu, ô.

         – Por quê? – questiona Odilon.

         – Essas terras são da minha família desde que aqui é só parada de tropeiros. Nós sempre vivemos aqui. Eu vivo aqui desde criança e nunca saí daqui. Nós sempre criamo bovinos, caprinos e umas avezinhas. E desde sempre tem suçuarana que frequenta essas mata. E às veiz elas entram na fazenda, matam galinha, bezerro, e a gente sempre tenta espantar. Mas quando elas não vão, a gente tem que matar, né. Aí agora o pessoar da prefeitura inventou que não pode mais matar, fica mandando esses fiscal de bosta na minha casa. Essas onça ataca até gente; se pegar uma criança, pode inté matar.

         – Entendo – diz Odílio.

         Irineu continua:

         – Aí eu resorvi colocar uns rapazes armados nuns pontos estratégicos da minha fazenda, nas divisas com a mata. E agora fica esse pessoar indo me atormentar. Respondam: eu não certo em proteger os meus bichos?

         – O senhor certo. Mas é perigoso ir até a cachoeira do Jaú? – questiona Odilon.

         – Óia. É bom cêis evitar ir lá à noite. De dia ela fica escondidinha, mas à noite ela sai.

         Adelaide intervém:

         – O mais perigoso da cachoeira do Jaú é o caminho, a trilha estreita e intrincada em precipícios.

         A cachoeira do Jaú não estava entre as mais procuradas, nem por turistas e nem por “cachoeirenses”. Além de muito distante, o caminho era bem perigoso, com trilha estreitas em terrenos acidentados. Várias cachoeiras mais próximas do núcleo urbano e mais bonitas atraíam os visitantes de fora e gente da cidade, para piqueniques e lazer nos finais de semana. Pouquíssimas pessoas tinham o costume de frequentar a cachoeira do Jaú. Na verdade quase ninguém tinha interesse em ir para um lugar tão distante, nadar, comer, beber, e ter que voltar no suplício.

         A porta do gabinete se abre. Irineu se vira de repente e segue para lá, trombando com o secretário Fagundes e falando alto com o prefeito. De tão nervoso, nem se despediu dos dois “irmãos”.

         – Mas, Irineu, comé que ocê faz um negócio desse comigo, rapaz? Nós somos como irmãos, nos se conhece desde criança.

         A porta se fecha. Fagundes acena para os dois e sai. De sua mesa, Adelaide fala com os dois “irmãos”.

         – Vocês não reparem o comportamento dele não. Mas não deem muita atenção pra o que ele fala, viu. Ele é uma pessoa muito exagerada. Essas suçuaranas aparecem de vez em quando, e quase nunca entram na cidade, elas ficam só pela mata mesmo; elas têm medo de gente. Lá tem outros bichos que elas se alimentam, água, tudo que elas precisam. E sobre atacar gente, é exagero dele. Nunca uma suçuarana atacou ninguém na cidade.

         – Tudo bem, dona Adelaide. Não precisa se preocupar. A gente só queria agendar uma reunião com o prefeito semana que vem. Pode ser? – diz Odilon.

         Adelaide abre uma agenda. Folheia algumas páginas.

         – Pode ser na quarta? Às 3:30?

escrita por
Marcelo Caronesi

elenco
Odilon
Odílio
Tereza
delegado Ferreira
Onça-parda

tema
Canções de Assassinato 

intérprete
Confraria da Costa

direção
Carlos Mota

produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela

Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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