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Antologia A Magia do Natal: 4x12 - Um Natal Quase sem Pisca-Pisca

Conto de Marinaldo Lima
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Sinopse: Um Natal quase sem pisca-pisca é a estória de Pedrinho, um garoto pobre, de onze anos, que já tem a responsabilidade de ajudar o pai no sustendo da família. Está atrasado nos estudos por passar boa parte do tempo puxando uma carroça pelas ruas da cidade, em busca de materiais recicláveis. Porém, ele deseja ter uma árvore de Natal com pisca-pisca. E depois de um acidente e de um sonho, ele tem uma surpresa maravilhosa.  


Um Natal Quase sem Pisca-Pisca
de Marinaldo Lima

 

Pedrinho não gostava muito do seu nome. Era apenas Pedro Souza da Silva. Ele achava bonito o nome do pai: Pedro Lucas. Contudo, seu pai já havia lhe dito:

- Quando tu tava pra nascer, eu disse à tua mãe que ia assentar teu nome no livro do cartório, de Pedro Lucas da Silva Filho. Tu ia ter meu nome. Mas, aquela braba disse que se eu fizesse isso, ela ia fugi contigo e nunca mais eu ia vê o menino. Ela bateu o pé e disse que se carregou o menino nove mês na barriga, tinha que tê o Souza dela também. Ela é Maria Rita de Souza e tu tinha que tê o Souza.  

De tanto ouvir o pai falar, Pedrinho já estava conformado. Aliás, ele era muito conformado, apesar de viver em um casebre de tábua às margens de um canal e trabalhar carregando carroças, catando latas, garrafas, papelão e outras coisas do lixo.  Ele tinha onze anos e morava com o pai, a mãe e mais cinco irmãos:  Joãozinho, Zezinha, Ritinha e Cosme e Damião.   

Pedrinho estava novamente na 2ª série do ensino fundamental. Passara dois anos matriculado na 2ª série à tarde e faltava muitas aulas porque estava pelas ruas puxando carroça. Terminou sendo reprovado por faltas.  Contudo, naquele ano fora matriculado pela manhã e saia cedo de casa, já pensando na merenda da hora do recreio. Estava contente devido ao fato de a professora ter lhe dito que ele ia passar para 3ª-série. Já soletrava as palavras, conhecia os números e fazia contas simples. Ele esforçava-se para aprender a tal da matemática e sonhava em ser professor. Também estava aprendendo a contar dinheiro para vender picolé na praia. Todavia, o que ele gostava mesmo era das aulas de geografia. Ficava olhando o mapa do Brasil e sonhando em um dia viajar pelo país e conhecer as praias, os rios e outros lugares bonitos que  via pela televisão.    

Pedrinho ia para a escola pela manhã e à tarde saía com o pai. Era o filho mais velho e já tinha a responsabilidade do sustento da família. Não reclamava, pois via que o pai e a mãe eram muito trabalhadores. 

Puxando a carroça pelas ruas, às vezes com o pai, às vezes sozinho, Pedrinho já tinha visto muita maldade. Já havia presenciado brigas e mortes e já encontrara um corpo dentro do canal. Sua mente assustava-se e ao mesmo tempo acostumava-se com toda aquela pobreza e violência. Prestava bem atenção quando seu pai lhe dizia:

- Menino, a vida é dura. Tu ainda não visse nada! 

Ele morava em uma favela próxima à uma avenida que ligava as zonas norte e sul da cidade e passava próximo do centro.  Percebera desde cedo que existem pessoas muito pobres e outras que vivem muito bem, tendo carros e morando em casas e prédios bonitos. Muitas vezes parava a carroça em frente a um restaurante bacana e ficava olhando pelo vidro e sentindo aquele cheiro delicioso, até ser enxotado pelo segurança. Com a barriga roncando de fome, só podia mesmo catar os restos de comida que jogavam nas lixeiras. 

Havia chegado dezembro e o Natal aproximava-se. Pedrinho ficava encantado com as árvores de Natal nas lojas e os piscas-piscas nas casas, nas lojas e nos prédios. Ficava horas andando pela cidade, admirando aquelas luzes piscando e ouvindo as músicas de Natal nas lojas. Particularmente gostava de ver a decoração que a Prefeitura instalava nas pontes sobre o rio que cortava a cidade.  Para ele, as cores e as luzes do Natal representavam a alegria e enchiam-no de esperanças.   

Naquele ano, o sonho de Pedrinho era ter uma árvore de Natal em casa. Contudo, sabia que seu pai não podia comprar e nem se interessava por nada que lembrasse o Natal.  Lembrou-se de outros Natais, quando ele ia para igreja com a mãe e os irmãos e o pai ia beber com os amigos da cooperativa de reciclagem e do time de futebol da comunidade. E depois que a mãe começou a ir para à igreja dos crentes, foi que o pai ficou revoltado mesmo.  Relembrou que no Natal do ano anterior, seu pai não queria que sua mãe o levasse para igreja.  Quando chegaram em casa, seu Pedro Lucas estava bêbado e gritou muito, dizendo:

- Quando os filho macho ficarem grande, vão beber comigo. Não vou deixar que eles virem carola. Que negócio é esse de ir pra igreja o tempo todo? Vocês parece que não se cansam de ouvir sermão de pastor?  Vou ensinar os menino a aproveitarem a vida! 

 Dona Maria Rita respirou fundo e calmamente respondeu:

- Ora Pedro, deixe de suas zangas. É melhor ir pra igreja do que ficá pelo mundo aprendendo o que não presta. Você mesmo, por que não vai com a gente? Bebe que só um gambá! Não sei onde vai parar! Vá à igreja ou ao grupo do AA. Vário amigos seus, pinguços, livraram-se da marvada e hoje vive bem.   

Pedrinho lembrava-se que muitas vezes seu pai havia bebido tanto que dormira pelas calçadas. Outras vezes chegara em casa bêbado e batera em sua mãe. Durante muito tempo o menino pedira orações na igreja para que o pai parasse de beber. E estava feliz por que finalmente seu Pedro Lucas tinha vencido o alcoolismo.    

Naquele ano parecia que as coisas estavam melhores para todo mundo. Os catadores comentavam que havia mais lixo na rua e o próprio Pedrinho percebia isto. Percebeu que o pai estava com mais dinheiro e comprava mais comida. Seu Pedro Lucas havia parado de beber e duas vezes por semana frequentava as reuniões do AA. Também, de vez em quando ia à igreja e tinha aconselhado os filhos a não aceitarem bebida alcoólica.

- Não quero que vocês passe o que passei. Muita vez dormi nas calçada. De tão bêbado, nem conseguia chegar em casa! 

Pedrinho ficava olhando o calendário todos os dias e via o Natal aproximar-se. No dia 19, uma sexta-feira, ficou de férias e estava muito feliz, pois no outro ano ia para a 3ª-série.  Porém, as férias escolares, não representaram descanso. Pelo contrário, aumentou o seu trabalho.  Seu pai passou a acordá-lo cedo para puxarem as carroças. 

Na terça-feira, dia 23, Pedrinho saiu cedo de casa. Foi para o centro da cidade e passou a manhã colhendo papelão, latinhas e garrafas de plástico. Na falta da merenda da escola comeu uns restos de sanduíche que encontrou.  Na hora do almoço estava com fome e ficou olhando os restaurantes.  O cheiro agradável daquelas comidas chegava ao seu nariz e ele ficou com água na boca. Porém, sentou-se resignadamente no meio-fio e ficou esperando. Ele sabia que por volta das duas horas da tarde começavam a colocar restos de comida em um lixeiro na esquina onde ele estava. Sempre que estava no centro da cidade, ele ficava naquela esquina na hora do almoço. Era uma esquina de duas ruas com muitos restaurantes e sempre dava para encontrar uma boa refeição no lixo.  

Após almoçar, o garoto continuou sua peregrinação pelas ruas da cidade. Estava cansado daquela vida e já tinha falado para o pai que preferia vender picolé na praia. Mas, seu Pedro Lucas disse-lhe que não tinha dinheiro para comprar uma caixa de isopor. No seu trabalho diário Pedrinho ficava procurando uma caixa de isopor grande e com tampa. Imaginava-se com uma roupa limpa, um boné e um tênis confortável, andando pela praia e gritando:

- Olha o picolé, olha o picolé! Tem de coco, morango, goiaba, graviola, limão, acerola e amendoim! Olha o picolé! Vai querer um picolé senhora? Neste calor é bom refrescar a garganta das criança. E é picolé da fruta! Olha o picolé! 

Ficava imaginando que ia ganhar muito dinheiro vendendo picolé e poderia comprar iogurte para comer em casa. E foi pensando nisto e procurando uma caixa de isopor que nem viu o tempo passar.  Quando deu por si, já tinha escurecido completamente. 

Pedrinho estava voltando para casa e parou em frente a um prédio bonito e todo iluminado. Havia uma árvore de Natal enorme e ao redor muitos, muitos presentes. Chegavam carros bonitos e pessoas desciam para deixar mais presentes. Um senhor de paletó e gravata desceu do carro com a filha e encaminhou-se para a árvore de Natal. Pedrinho ouviu quando o pai disse à menina:

- Filha, deixe este presente aí. Tudo isto é para crianças carentes, que vivem nos orfanatos.

Pedrinho tentou aproximar-se dos presentes, mas um guarda pegou-o pelo braço e disse:

- Vá embora moleque. Só pode entrar aí quem traz um presente. E tire aquela carroça dali que está atrapalhando o trânsito. 

Pedrinho correu para a carroça e foi embora. Contudo, logo depois parou. É que um coral de crianças começou a cantar o conhecido hino Noite Feliz. Era o hino de Natal mais bonito que o menino conhecia. Ele viu meninos e meninas bem vestidos e sorridentes cantando com muita alegria em um palanque armado em frente ao prédio iluminado. Sentiu vontade de estar cantando com eles. Todavia, olhou para suas roupas, pensou em sua vida miserável e viu o quanto isto era impossível. E naquele momento, seus olhos marejaram.      

Depois de ouvir o coral cantar outras músicas, Pedrinho pegou novamente sua carroça e começou a empurrá-la em direção à sua casa. Uma chuva fina começou a cair e ele sentiu frio. Embora gostasse de dias frios, Pedrinho temia que chovesse muito. Todas as vezes que ocorria isto, o canal transbordava e o barraco onde morava ficava inundado. 

Quando ele estava chegando perto de casa viu um carro parar e uma senhora sacudiu uma grande sacola em um monturo de lixo à beira do canal. Pedrinho correu e viu a sacola rolar para dentro da água. Ele desceu a encosta do canal, com os pés dentro da lama, e rapidamente abriu a sacola. Mal pôde acreditar: eram os galhos de uma árvore de Natal. As peças de plástico estavam gastas, mas ele imaginou que se fossem lavadas e montadas direito ficariam boas. Contudo, ao sair do canal e jogar a sacola na carroça, sentiu uma dor aguda no solado do pé e caiu. Levara um corte profundo ao pisar em um caco de vidro. 

Pedrinho viu que seu pé estava sangrando muito. Sentiu uma dor lancinante e começou a gritar. Seu Pedro Lucas o viu de longe e correu para acudi-lo. Colocou-o em uma carroça desocupada que estava ali por perto e levou-o à policlínica.  O menino chegou desmaiado. 

A sorte foi justamente o desmaio. Em meio a uma grande quantidade de pessoas, Pedrinho foi logo atendido. Havia sido um corte profundo e o caco de vidro estava alojado. Levado para a sala de curativos, foi feito o estancamento da hemorragia e em seguida o caco de vidro foi arrancado. Neste momento, Pedrinho sentiu uma contração e deu um grito. A enfermeira falou:

- Calma menino. Fique quieto para terminarmos isto. 

Mesmo gemendo, Pedrinho aguardou resignado. Foi feita uma sutura e em seguida seu pé foi enfaixado. Depois foi levado para casa na carroça.  

No dia 24 de dezembro Pedrinho ficou em casa. Só mesmo com aquele pé perfurado ele livrou-se de passar o dia empurrando carroça. Mesmo sentindo dores, ele pegou a sacola com as peças da árvore de Natal, lavou-as e montou a árvore em um canto do vão que servia de sala e cozinha. Só ficou triste por que não tinha o pisca-pisca. 

No final da manhã Pedrinho passou mal e vomitou. Sua mãe verificou que ele estava com muita febre e levou-o novamente à policlínica. Lá lhe deram uma injeção antitetânica e comprimidos analgésicos. Pedrinho almoçou em casa e depois ficou vendo televisão. Olhava para a árvore de Natal e ficava triste. Seu Natal não teria pisca-pisca. No final da tarde começou a chover e fazer muito frio. Pedrinho estava com muito sono e deitou-se. Dormiu profundamente, como há muito tempo não fazia. E sonhou. 

Pedrinho sonhou que sua família morava em uma casa grande e bonita, com uma linda árvore de Natal com pisca-pisca. Na mesa da sala de jantar havia uma ceia de Natal com muitas comidas gostosas. Todos estavam com roupas novas e muito felizes durante o jantar. No sonho Pedrinho olhava pela janela e via a cidade toda iluminada e os piscas-piscas brilhando nos grandes edifícios. Em uma igreja próxima cantava-se o hino Noite Feliz. E foi ouvindo este hino que Pedrinho aos poucos foi se acordando. Levantou-se com o corpo relaxado e um sorriso na alma. 

E quando ele saiu do quarto teve uma grande e alegre surpresa: a sua árvore de Natal estava com um lindo pisca-pisca. E junto dela havia um presépio. Sua alegria foi tão grande que nem ouviu a mãe falar direito:

- Pedrinho, são quase dez horas da noite e já chegamo da igreja. Eu não lhe acordei por causa da febre. Veja que presente a professora trouxe! Eu contei pra ela que tu havia se cortado quando entrou no canal pra pegar esta árvore de Natal. Disse também que tu tava triste por que não tinha pisca-pisca. Ela foi em casa e trouxe esse. E trouxe também o presépio. 

Foi então que Pedrinho percebeu que sua professora estava na porta de sua casa, já indo embora. Correu para ela e deu-lhe um abraço. A professora Alzeni era sempre bondosa com seus alunos, que a chamavam de Titia Ternura. Ela abraçou o garoto e disse-lhe:

- Pedrinho, sua mãe falou na igreja sobre o que tinha acontecido contigo e sobre teu desejo de um pisca-pisca. Fiquei preocupada com você e vim lhe fazer uma visita. Mas como você estava dormindo, já estava indo embora. Trouxe o pisca-pisca e este presépio. Veja como o conjunto ficou harmonioso, com o brilho das luzes coloridas refletindo nas figuras de José, de Maria, do menino Jesus, dos pastores, dos reis magos e dos animais. Agora, vou lhe dizer uma coisa: foi uma trela muito grande entrar no canal, já à noite e ainda por cima descalço! Dona Rita disse que você perdeu muito sangue e hoje teve febre devido ao fato de ter infeccionado. Pedrinho, tome cuidado! Todavia, por outro lado, achei bonito o seu gesto de tirar a árvore de Natal da lama, limpar todas as peças e montá-la. E o Natal é realmente isto! Para transformar desejos em realidade. É este momento de sonharmos e desejarmos luz e brilho para nossas vidas! Você é um garoto esforçado, que por viver trabalhando pelas ruas, está um pouco atrasado nos estudos. E sobre isto, já conversei com sua mãe. Vou pedir à assistente social do CRAS para vir conversar com seu Pedro. Juntos vamos encontrar uma solução para no próximo ano você ter o direito de dedicar-se somente aos estudos, como toda criança merece. Você é persistente e inteligente e por esta razão vai desenvolver-se nos estudos e  brilhar muito na vida. Estamos comemorando o Natal, que é o nascimento de Jesus, a luz que deve brilhar em nossas vidas. O pisca-pisca da árvore de Natal é apenas um ornamento da luz que deve brilhar em nós. Estude, seja honesto e obediente a seus pais. Cresça brilhando em sua vida. Eu não quero que sua vida seja uma vida sem brilho. Desejo que você brilhe sempre! Boa noite Pedrinho e que Deus te abençoe!

A professora afastou-se da porta, já indo embora. Entretanto, com um lindo sorriso voltou e falou efusivamente para seu aluno:

- Eu ia esquecendo Pedrinho. Feliz Natal, meu querido! E Natal com pisca-pisca! 


Conto escrito por
Marinaldo Lima

Desenho
Areli Duarte Lima

CAL - Comissão de Autores Literários Agnes Izumi Nagashima Eliane Rodrigues
Francisco Caetano
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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