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Cine Virtual: Carnavália

Filme de Jade Brum
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Sinopse: Em uma viagem para o Rio de Janeiro, Henrique conhece Alaor. O que nenhum dos dois esperavam é que o simples momento fosse levá-los a um destino inesperado.

Carnavália
de Jade Brum
   
Sérgio Malheiros como Henrique
Raphael Sander como Alaor
Juliana Paiva como Alfradique
Cassia Kiss como Zita
Tatiana Tibúrcio como Janaína

Música: Carnavália – Tribalhistas).

Eu definitivamente não queria ir, não sei porque minha mãe insistia tanto na minha ida para o Rio de Janeiro, eu detestava carnaval, cinco dias de pura inutilidade, não via sentido de um feriado apenas para as pessoas se embriagarem, aprontar loucuras que não tinham coragem de fazer no resto do ano e ter relações sexuais como se fossem coelhos.

Aquela rodoviária já estava lotada, e eu não gostava daquilo. Ok. Não estava tão cheia. Mas eu me irritava da mesma forma, quando não queremos fazer algo tudo se torna entediante. Passei a mão na cabeça e respirei fundo, essa era a vantagem de cortar o cabelo na máquina, nunca suava, não sei como as pessoas aguentavam ter cabelo longo no Brasil.

Não via a hora de me mandar desse país, não que eu achasse ruim. Ok. Eu achava. Mas não era culpa da geografia, do clima ou da natureza, mas as pessoas eram desnecessárias, os governantes eram completos boçais e a população às vezes – corrigindo, na maioria das vezes – parecia não ter nada dentro da caixa craniana.

E pra completar eu tinha nascido numa cidade do interior, não podia nem usar a expressão todo castigo pra corno é pouco, pois, é, como digo isso? Dizendo besta! Enfim, eu não havia namorado ninguém. Ok. Pelo menos tinha beijado, e não tinha sido só uma pessoa. Três. Grandes coisas! Eu tinha vinte e um anos e três pessoas na minha lista, considerando que eu tinha dado meu primeiro beijo aos dezoito até que não era uma média tão ruim. Eu acho. E sim. Eu achava ruim.

Resolvi colocar meu fone do ouvido e cair na delícia que eram os fones de ouvido. Meu celular era meu lugar secreto, meu Jardim Secreto da Babilônia, meu oásis no deserto. Tocava Shallow, que por mim Lady Gaga poderia ter colocado o nome de Slalom, pois aquela era minha oração diária, perdi a conta de quantas vezes gritei a música com a cara enfiada no travesseiro, pois como minha casa era de madeira dava pra ouvir até a respiração do cômodo ao lado.

Minha playlist me livrou de ter que ficar ouvindo as músicas internacionais que tocavam nos autofalantes da rodoviária, que a transformava numa boate de conceito reinventado, ou algo parecido. Isso quando não tocava “hits pop brasileiros”. Ranço.

Ok. Falando assim pareço uma velha, ou a Tatiana da segunda temporada de Rupauls Drag Race. Mas eu não tinha culpa de ser inteligente ou ter gostos diferentes da maioria das pessoas, principalmente dos jovens. Fiquei ali sentado. Alheio a tudo. Analisando que eu queria uma calça jeans nova, embora aquela não tivesse nem dois meses de uso, pelo menos eu estava com a camisa que eu queria. Louvado seja quem inventou a malha.

Começou a dar a hora do ônibus, eu teria que encarar umas quinze horas de viagem, só de pensar nisso cada célula do meu corpo desejava entrar em lise (morte), mas esse é o preço a se pagar por ter boa educação e não discutir com sua mãe de cinquenta e seis anos de idade.

Graças a quem quer que fosse ela não me levou na rodoviária, teria que resolver algumas coisas com as moças da igreja. Minha mãe era católica, e isso acarretou na minha primeira comunhão, ensaios pra ser coroinha, trabalhos nas pastorais e tudo mais que aparecesse. Essa era a vantagem de estar no ensino superior, agora tudo era desculpa, ela respirava diferente e eu dizia: mãe não posso tenho trabalho pra fazer.

- Passagem e identidade – O motorista pediu parado na porta do transporte. Era um tanto velho. Mas eu não me importava, contando que chegássemos ao Rio de Janeiro no horário previsto eu ficaria muito feliz!

Entreguei tudo e ele conferiu, já havia colocado minha mala no bagageiro, além da mochila que eu carregava. A situação me obrigava a ir preparado com muita coisa. Eu sabia que o Rio era o lugar mais quente do planeta, um estágio para o sol. A dengue era real. Como estávamos no ápice do verão levei protetor, repelente e tudo mais que podia.

Senti a veia do meu pescoço inchar e meu corpo ficar quente. Raiva. Nada Ok. Já não bastava ter que ir de ônibus. Quinze horas de viagem. Só ter conseguido passagem no último lugar. De frente pro banheiro. Tinha uma pessoa sentada na minha poltrona! Sim. Minha! Quando eu compro uma passagem eu alugo aquela cadeira pelo tempo da viagem. Ou seja, periodicamente minha!

- Desculpa moço, já to saindo, eu só sentei porque achei que ninguém viria, e eu fiquei nessa ponta e minha filha na ponta de lá – Ela disse constrangida.

Ok. Eu entendia o fato da menina ter que ir em outro banco, mas era do lado, eu tinha pego aquele lugar, e não, não ia trocar! Era um direito meu. Coloquei minha mochila no pequeno bagageiro que tem em cima dos bancos, sentei, coloquei meu cinto de segurança. Acomodei minhas panturrilhas sobre o suporte, coloquei meu fone e fechei as cortinas. Paz!

- Desculpa minha tia, to só passando – Ouvi uma voz transpassar a música calma que tocava no meu celular.

- Tudo bem – Ouvi a moça dizer.

- Da licença, licença, uma licencinha aqui amigo, brigado – A voz do masculina ia ficando mais próxima, mas eu estava seguro de olhos fechados, a mãe da menina já estava ao meu lado – Opa, é aqui, oi, eu vou do seu lado? – Ouvi a pergunta e abri os olhos, vi um rapaz de costas.

- Sim – A menininha de uns seis anos falou sorrindo.

- Ah que legal – Ele esticou a mão – Prazer Robin – Ela apertou a mão dele e deu risada.

- Robin que nem o do Batman? – A garotinha estranhou o nome.

- Não, que nem o Robin Hood, você não conhece né? – Ele perguntou e ela negou – É um herói que vive na floresta que nem os amigos.

- Que nem o Peter Pan? – Ela parecia animada.

- Isso! Esse é meu segundo nome: Robin Peter Pan – O garoto estufou o peito e pôs a mão na cintura.

Legal, temos um animador de festa infantil!

- Você é legal! – Ela sorriu e olhou pra mãe.

- Ele é legal né filha? – A mulher disse e a menina chegava a bater as pernas rapidamente de tão animadinha.

- Você é a mãe dela? – O cara perguntou.

- Sim – A mulher que aparentava ter uns trinta e cinco anos.

- Ué, pode ir do lado dela então, peguei a poltrona da janela, sabe como é né? Pra ver a vista, o verde, a estrada, mas pode ir – Ele disse se virando pela primeira vez.

O rapaz era alto, se eu tinha um metro e setenta e sete dele devia ter uns cinco centímetros a mais, o que já fazia bastante diferente, e eu era um tanto magro, não muito, mas ele tinha um corpo mais esbelto, e tinha cabelos loiros até a altura da nuca. Louco! Naquele calor? Louco.

- Você vai do meu lado? – Perguntei quando ele começou a falar comigo. Eu detestava ser indesejável, mas não tinha culpa se me pegaram num mal dia.

- Vou sim parceiro – Ele disse sorrindo e tirando a mochila? Parceiro quem tem é policial, bandido e super-herói, tudo bem ele ser o Robin Wood, mas eu não pertencia ao seu bando. Não mesmo.

- Affs – Bufei.

- Algum problema cara? – Ele perguntava sorrindo enquanto sentava largado sobre o cinto de segurança.

- Aqui não é o seu lugar – Falei irritado.

- Fica de boas, olha só, a moça ali tem que ir do lado da filha, não custa eu vir aqui, custa? – Indagou de um jeito convincente. Mas eu não era a garotinha de seis anos pra me encantar com um super-herói fajuto.

- Custa sim, e quando o motorista vir eu vou dizer que esse não é o seu lugar – Retruquei mostrando que eu não o queria ao meu lado.

- Ah para! Não acredito, mas po, que tentar vai lá – Ele disse todo divertido.

- Você quer trocar o lugar? – A mãe da menina pareceu preocupada com ele.

- Fica tranquila, pode deixar, vou bem tranquilo aqui – O abusado devolveu.

- Isso mesmo, foi lindo você trocar de lugar, a gente ajuda a te defender se precisar – A moça que estava na nossa frente falou.

Legal, o super-herói de teatro infantil tem fãs agora, e advinha quem é o vilão? Eu mesmo! Ok. Se esse é meu papel vou querer meu Oscar por ele! Sei que devem estar pensando em parar de ler agora porque eu sou idiota, chato, insuportável e metido. Mas não parem!

- Nossa ta muito calor né? E eu ainda vim com esse blusão de manga curta por cima da minha camisa – Ele disse e o ignorei – Ta grilado comigo? – Ele indagou e eu revirei os olhos.

Logo o motorista veio conferir os passageiros e tudo mais. Aquela era a minha deixa.

- Boa tarde motorista, esse rapaz sentou ao meu lado, sendo que aqui não é o lugar dele – Falei e o loiro olhou pra minha cara sorrindo.

- Ele está lhe incomodando senhor? – O condutor do ônibus falou.

- Ele está fora do lugar dele – Retruquei.

- Boa tarde meu bom – O afrontoso esticou a mão pro motorista – É assim motora, a moça ali veio com a filha, uma de cada lado, a menina tem seis anos, que mãe vai ter sossego durante a viagem com a filha longe e ainda do lado de um cara que ela nunca viu na vida? Só fiz um favor, imagino que não seja nada tão grave.

- Verdade motorista, o menino foi super querido! – A moça do banco da frente, advogada do implicante que estava ao meu lado, falou.

- Tudo bem então – O condutor disse – Se o senhor se sentir muito incomodado – Ele disse com certo sarcasmo – Me avise, verei o que posso fazer – Disse pondo a mão no ombro do que estava do meu lado e sorriu pro ridículo.

- Viu, eu te falei – Disse como uma criança de oito anos.

- Se você me provocar eu chamo o motorista – Retruquei.

Ele repetiu o que eu disse com voz de criança, me deu língua e disse que tudo eu tinha que correr pra mamãe. Ignorei e coloquei meu fone. Daqui a pouco vejo seus braços passarem pela minha frente e ele abri a cortina. Toda!

- Ei! Deixa fechada – Pedi.

- Não, estamos os dois aqui, eu quero aberta – Ele disse.

- Primeiro que seu lugar nem é aqui, segundo que eu que estou na janela – Me posicionei.

- I daí? – Deu de ombros – Eu quero ver a vista.

- É paisagem! – Devolvi.

- Olha, paisagem, que chique! – Ele disse com aquele sotaque.

- Da onde você é? – Indaguei.

- Da minha casa – Retrucou sorrindo e eu fiquei sério – Brinks, sou da cidade mais linda do Brasil, cidade maravilha purgatório da beleza e do caos, capital turística do Brasil, dona do maior carnaval do mundo, conhece? Rio de Janeiro!

- Ah, tinha que ser, com esse sotaque chato – Alfinetei.

- E o barriga-verde ta se achando o dono do mundo por ter nascido em Santa Catarina e falar tudo com “s” – O loiro rebateu.

- Melhor do que falar com xis – Me defendi.

- Tudo isso é porque eu estou aqui? Nesse lugar? – Indagou.

- Lugares em ônibus são propriedades alugadas, entende? – Expliquei.

- Nada é próprio, nada é de ninguém, tudo pertence ao capital privado e ele te concede uso, somos só engrenagens do estado e do capital, entende? – Ele disse e minha cabeça deu um nó. Mas não ignoro que entendi.

- Você é muito chato – Rebati.

- Até que enfim algo em comum entre nós – Disse com a cara mais lavada – Mas quem viaja de calça jeans?

- Quem viaja de tênis, bermuda clara, blusa e camisa social de manga curta por cima? Você parece um mochileiro que toma banho com regularidade e se cuida basicamente – Critiquei.

- Estilo o nome disso – Se gabou.

- Simplicidade o nome disso – Devolvi.

A viagem seguiu e tive meia hora de sossego enquanto ele revirava a mochila atrás de alguma coisa, que demorou horas pra encontrar.

- Ta ouvindo o que? – Ele perguntou tirando meu fone do meu ouvido.

- Você é um escroto! – Eu disse ele gargalhou.

- Conta logo vai – Pediu.

- Buzina, da Pablo Vittar – Falei já imaginando as piadas que viriam.

- Legal, Pablo é muito gostosa né? – Ele disse e me esforcei pra não arregalar os olhos.

- E você ta ouvindo o que? – Perguntei.

- Olha, até que enfim você falou uma frase sem me dar uma facada – Falei.

- Idiota! – Ataquei.

- Ele voltou – Sorriu e me controlei pra não fazer o mesmo – To ouvindo Geni e o Zepelim.

- É uma música legal, e bem, mostra como as mulheres sempre foram vistas – Falei.

- Sim, e vale lembrar que Geni era uma travesti, que fique claro – Ele disse.

- O que? – Indaguei.

- Geni era uma travesti – Repetiu sereno.

- Claro que não – Rebati.

- Sr. Inteligência, ouça a música de novo e pense bem – O loiro falou e fiquei perturbado com a ideia, mas não a ignorei. Nunca havia pensado daquela forma. Talvez ele não fosse tão idiota.

- Som maneiro – Ele colocou meu fone no ouvido dele.

- Sai daqui! – Esbravejei baixinho.

- Qual teu nome? – Ele perguntou.

- Por que eu deveria falar? – Devolvi.

- I ah lá – Ele riu – Só perguntei cara.

- Você pode me matar, me sequestrar, me assaltar, clonar meus dados – Impliquei.

- Ta bom “garotinho do interior” – Ok. Ele também era bom em implicar.

- Henrique – Falei calmo.

- Legal – Ele sorriu.

Mais trinta minutos de paz.

- Ei, toma – Esticou um pacote de biscoito doce na minha cara.

- Eu não gosto, obrigado – Falei.

- Pega logo cara! Ta envenenado não – Ele disse soltando uns quatro na minha mão.

- Não precisava tantos, você vai ficar com fome – Respondi.

- Fome? Com meio pacote de biscoito na mão? – Ele pareceu pensar longe – Sei bem o que é fome, fica tranquilo, não tem nada melhor que dividir.

Como ele conseguia? Parecia ser um cara legal, e era um idiota, implicante e abusado, mas parecia ser uma pessoa boa. E por que eu estava me importando?

- Por que você não coloca essa mochila lá em cima? – Perguntei.

- Gosto dela aqui embaixo, perto de mim, de boas – Sorriu.

- Aí você tem que ficar com as pernas bem mais abertas – Falei só por falar.

- Posso abrir muito mais – Ele disse fazendo elas encostarem na minha e me deixou imprensado – Bom agora.

- Você é um diabo! – Falei bufando e ele sorriu.

- Obrigado.

A viagem seguiu, fizemos a primeira parada. Eu fui no banheiro e ele ficou falando com os idosos que sempre ficam ao redor do ônibus quando ele para. Vai entender.

Fui pra dentro do restaurante pegar algum lanche pra comer na viagem e fiz um pequeno prato pra comer, o quilo era cinquenta reais, mas minha mãe tinha me dado dinheiro. E eu também não comia um quilo.

- O que é isso? – Perguntei quando ele sentou na minha frente.

- Ketchup – Ele disse chupando o condimento direto do sachê.

- Puro? Vocês cariocas são loucos! – Falei.

- Falou o que toma chimarrão, uma água fervendo jogada numa erva e puxada por um canudo do metal – Ele disse e tive vontade de rir – To vazando – Disse levantando.

- Já? – Já? Ta louco?! Deixa esse chato ir. Por que eu disse isso?

- Não vou comer nada, to de boas – Fez uns gestos com as mãos.

Liguei pra minha mãe, avisei que estávamos no Paraná, que comi, estava tudo bem, ela estava preocupada. Minha mãe me sufocava, mas desde meus dez anos era eu e ela, meu pai tinha falecido, então eu entendia o medo dela de me perder.

Voltamos pro ônibus, escovei os dentes dentro daquele minúsculo banheiro, ele deu risada quando saí todo molhado, eu não sabia como ele aguentava aquele cheiro de bueiro toda vez que a porta do banheiro abria.

- Toma – Coloquei no colo dele, ia por com carinho, mas fiz com força pra ele pensar que eu estava com raiva.

- Que isso? – Indagou abrindo o saco – Po, salgado, que delícia! Valeuzão irmão! – Disse passando a mão pelo meu curtíssimo cabelo.

Ele comia e eu fiquei pensando como éramos diferentes, eu moreno, cabelo curto, olhos escuros, corpo magro e catarinense, ele, loiro, cabelo médio, olhos castanhos claro, esbelto, carioca, éramos o oposto dos estereótipos dos locais que morávamos.

A viagem seguia, e como ele não estava com cinto de segurança, às vezes seu peso vinha todo pra cima de mim, eu instantaneamente o empurrava, o loiro ria. Diabo!

Às vezes eu estava lá ouvindo minha música quando olhava por lado via que ele estava me olhando, mas logo ele olhava pra outra direção, eu só olhava quando o bebezão ficava se mexendo e isso acarretava em sua bermuda descendo por sua perna, como alguém era tão relaxado?

Era de madrugada e meu sono não vinha, e acho que por conta do calor e do pouco espaço nossos braços acabavam roçando, quando acontecia um de nós sempre nos afastávamos, mas na maioria das vezes era eu.

Música: (Nada Sei – Kid Abelha).

Acabei conseguindo adormecer por alguns minutos e quando acordei o corpo dele estava colado o meu, principalmente nossas pernas, me encolhi um pouco e virei de costas pra ele. Minutos depois adormeci novamente, despertei uma hora depois, eu estava com a cabeça no ombro dele.

Me ajeitei depressa e vi que ele estava acordado e sorrindo, deviam ser umas quatro horas da manhã. O que ele estava fazendo acordado? Porque não dormiu? Estava me vigiando?

- Desculpa – Eu falei.

- Não – Ele retrucou.

- Por quê? – Indaguei.

- Porque eu estava gostando – Ele disse.

- Robin – Comecei a falar e vi ele levantar o apoio de braço que tinha entre nós.

- Shiiiu! – Tem gente dormindo – Ele sussurrou.

O vidro do ônibus estava molhado por conta do orvalho que caía. O ônibus todo apagado. Tudo sereno. Nenhuma sombra. Nenhum som. Tudo sóbrio. Tudo um pouco solto. Ok. Será?

Eu via sua silhueta se mover no escuro. Sentia sua respiração. Seu leve ofegar. Assim como o meu. Que além disso tinha o transpirar. Era uma tragédia anunciada. Mas se eu iria parar? Não! Por quê? Não faço ideia! Uma parte de mim achava surreal! O ônibus! A situação! Um desconhecido! Ele!! Um chato! Um implicante! Lindo! Atraente. Não domesticado. Selvagem. Sem modos. Sem elegância. Mas eu queria!

Suas mãos tocaram meu rosto com cautela. Carinho. E cuidado. Cada toque curto arrastado pela minha pele parecia um convite. Minha mente parecia já conhecer aquele roteiro e queria atuar junto com o rapaz, mas meu corpo havia entrado em transe. Mas ao sentir sua respiração perto do meu nariz meu corpo reagiu e toquei sua cintura.

Como um carimbo num passaporte ele apenas colou nossos lábios. Correspondi. Abri a boca e deixei que ele conduzisse. Como Bela dançando pelo meio do salão do castelo eu me sentia, e ele uma fera. Mas nem um pouco bruto ou assustador. Jamais. Ali eu o vi além do que meus olhos e minha mente chata ilustravam. Eu lhe vi.

E o beijo continuou. Eu não fazia questão de parar. Sentia seus lábios estabelecendo uma conexão com os meus. Como um cadeado fechando. Como uma aranha que envolve algo entre suas oito patas. Sua boca era firme e tinha um gosto bom. Sua língua. Por vezes pedia passagem entre meus dentes. E de repente encontrou a minha. Fazendo um feixe elétrico percorrer meu corpo.

Suas mãos estavam em minhas costas e no meu quadril. Eu me sentia cada vez mais atrelado naquela situação. E ficava pensando como aquilo aconteceu. Qual foi o momento que eu deixei de odiá-lo pra sentir atração por ele. E espera. Ele era gay? Não falamos sobre isso. Bom, eu sabia que era desde meus dezessete anos. Mas e ele? Aquilo estava ficando confuso e eu precisava parar.

(Fim da Música).

- Que foi? – Perguntou baixinho quando paramos o beijo.

- Você acabou de comer um salgado de chocolate, não vou te beijar – Falei tentando ignorar o volume que havia em minha calça. E na bermuda dele também!

- E tu levou quase dez minutos pra perceber isso? – Indagou.

- Eu estava envolvido no beijo, mas agora não mais – Retruquei.

- Henrique! – Ele me chamou e apertou minha cintura.

- Que foi Robin Wood? – Devolvi.

- Ah cala a boca – Ele disse e me beijou de novo.

- Robin se você me beijar à força de novo eu vou gritar! – Falei.

- Essa vez foi, mas a primeira não – Ok. Eu não tinha o que dizer – Deixa eu pedir então, eu poderia beijar a sua boca doce e macia? – Fez carinho no meu rosto.

Santo Deus! O que aquele diabo tinha no corpo? Que copo de lascívia ele tinha consumido? Eu apenas respirei e fechei os olhos, e sim, demos um beijo. Que durou uns vinte minutos. Ou mais. Mas não muito mais. Quando terminamos de nos beijar ele quis me abraçar.

- Qual foi? – Perguntou quando tirei o braço dele.

- Eu quero dormir – Retruquei. Havia uma parcela pequena de verdade naquela afirmação.

- Bora dormir junto então – Sorriu. Que sorriso! Que vontade de quebrar os dentes dele. Havia uma parcela muito grande de mentira nessa afirmação.

- Não, Robin eu não sou seu namorado. Entenda. Você é um estranho que sentou do meu lado, me incomodou a viagem toda e agora me beijou. Ok? É isso! – Falei e virei pro lado.

- Dorme bem, gatinho – Disse e me deu um beijinho no rosto.

Demônio!

- O que é isso? – Perguntei dois minutos depois.

- Que? – Tirou o fone de ouvido.

- Eu estou ouvindo daqui esse funk altíssimo – Reclamei.

- Não posso fazer nada, to de fone – Ele disse sorrindo.

- Mas ta de madrugada – Me indignei.

- Se tivesse me beijando não ia precisar reclamar gatinho – Falou com aquele jeito malandro.

- Vocês cariocas são muito convencidos e marrentos – Afirmei.

- Obrigado! Mas não é convencido, é confiante, e não é marrento, é estiloso! – Se gabou.

Virei pro lado e tentei dormir. Consegui. Percebi que ele abaixou o volume. Dormi aqueles sonos rápidos de viagem, sonhei com umas loucas e ele me acordou.

- Que foi? – Perguntei.

- Parou pra a gente descer pra comer – Ele disse soltando meu cinto.

- Quem disse que eu vou descer? – Retruquei.

- Eu. Deixa de ser teimoso e vem logo – Me estendeu a mão e segurei.

Logo estávamos lá embaixo. Peguei o que eu ia comer, uma fatia de pizza. Cortei na metade. Dei a outra parte pra ele.

- Você ta bem? – Indagou.

- Não – Falei com sinceridade. E calma.

- Que foi? Ta passando mal? – Ele se preocupou. Foi fofo até.

- Não, eu to bem, só to confuso Robin – Confessei olhando pra baixo. Ele ergueu meu queixo.

- É comigo? – Perguntou.

- Sim. Mas não se sinta mal – Por que diabos eu estava me preocupando com ele? – É que realmente foi tudo de repente, e eu te conheço a pouco tempo, e nem sei se terminei de te odiar – Falei e ele riu.

- Ta tudo bem. Vamos lá, tenho vinte e dois anos, fiz aniversário no dia vinte e cinco de fevereiro, carioca, moro em Florianópolis, gosto de capoeira, violão e fazer cordão, mas trabalho vendendo roupa numa loja – Ele disse como se tudo fosse simples – E meu nome é Alaor.

- Você mentiu seu nome? – Perguntei chateado.

- Eu não gosto do meu nome, parece de velho ou de cantor sertanejo ou peão de rodeio, e não sou nenhum dos três, e eu adoro o Robin Wood – Sorriu.

- E você é gay? – Indaguei.

- Se ficar mais simples pra você entender sim, mas eu não ligo se é homem, mulher, travesti, trans, se vão me chamar de hétero, gay, bi, quando alguém é legal e me da tesão eu me jogo – Falou mordendo a pizza enquanto eu cortava a minha.

Robin Wood não. Tarzan e Jane!

- Se arrependeu de me beijar? – Ele perguntou.

- Não – Me segurei pra não sorrir – Eu gostei – Olhei pra ele.

- Cara – Segurou minha mão – Aproveita o momento, só isso, curte – Disse isso e me deu um selinho.

Abusado! Sim. Minha vida estava organizada e de repente aparece um vândalo jogando tudo pro alto. Como um trem que entra numa floresta e sai destruindo tudo. Mas era bom. Não nego.

- Vem – Segurei a mão dele e o puxei para o ônibus.

- Ah, vai me dar a mão é? – Perguntou.

- Quer que eu solte? – Disparei. Ele segurou com mais força. Eu sorri. Mas ele não viu.

- Nossa – Ele disse quando o empurrei no meu lugar.

Sentei no lugar dele e comecei a beijá-lo. Só queria fazer aquilo. Idiota. Safado. Abusado. Sem modos. Porém tudo o que eu queria. Parei de beijá-lo quando as pessoas entraram no ônibus.

- Por que parou? – Pediu.

- Porque tem gente entrando – Falei com calma.

- Mas... – Ele nem terminou. Só pus a mão na barriga dele. Sentindo sua pele e o arrepiando com meu toque. Ele só ficou quieto e me olhou.

Passamos o resto da viagem juntos. Alaor era um rapaz incrível. Tinha um coração enorme. Nos divertimos muito dentro do ônibus. Ele me fazia rir o tempo todo. Tinha as histórias mais loucas e divertidas. E me olhava de um jeito que me fazia sentir...Completo. Era estranho. Mas bom.

Dormi nos braços dele. Briguei tanto pra ele trocar de lugar. Pra por o cinto. E agora eu estava ali. No lugar dele. Sem cinto. Com as costas no peito dele. Dormindo. Ouvindo a música que vinha do fone de ouvido dele.

- Ta descarregado? Eu tinha que pegar um táxi pra casa dela – Falei.

- Onde ela mora? – Perguntou.

- Vila Isabel – Retruquei.

- Um táxi vai dar uns quarenta, cinquenta reais. Faz o seguinte. Bora pra casa da minha amiga, você carrega o telefone e depois vamos pra lá – Disse sorrindo.

- Alaor! – O adverti – Ela vai me matar se souber que fui pra casa de um estranho. Não que você seja pra mim, mas pra ela você é.

- Tudo nesse mundo é estranho! – Ele disse me abraçando – Vem.

- Mas – Falei.

- O que você quer fazer? Você! Seja sincero com você – Disse e saiu andando em direção a saída.

Idiota! Idiota! Idiota! Gênio! Me espera que eu vou junto.

- Ei, vou com você – Falei encontrando ele na calçada.

- Você disse que não sabe se não/Mas também não tem certeza que sim/Quer saber?/Quando é assim/Deixa vir do coração – Cantou com uma voz ainda mais bonita da que ele tinha – Se, do Djavan, vem gatinho.

- Você não tem medo que eu possa ser um farsante, alguém que te faça mal, sie lá – Falei.

- Cara – Disse andando pelo meio dos carros parados – Carioca não tem medo de nada, a gente vive no meio do tiro, enfrenta violência, mas não deixa de ter fé na vida, de sorrir, de ser gente boa, de confiar nas pessoas, esse é o jeitão do carioca.

Tapa.na.minha.cara.mp3

Foi a gente pegar o ônibus e começar. No fundo do ônibus um grupo de sete jovens. Meninos e meninas. Ouvindo um funk bem alto no fundo do coletivo. Ele apenas ria. Da cena comum pra ele. E da minha cara. Outra coisa legal foi o jeito dele de falar com o motorista. Primeiro chamando o cara de piloto. Depois pediu pro homem abrir a porta de trás por conta das malas. Tratava o homem como se fosse seu colega de infância.

- Meus senhores e senhora, desculpa atrapalhar o conforto sossego e tranquilidade da sua viagem, mas...

- O que é isso? – Perguntei.

- Vendedor de bala no ônibus? Quer alguma coisa? – Perguntou e eu disse que não – Aê amigo, me vê um desse de paçoca – Um real? Beleza! Toma – Me deu uma. Confesso que adorei. Era salgadíssimo!

- O que é aquilo Alaor? – Perguntei quando vi umas esculturas enormes,

- As escolas arrumando os carros pro desfile de mais tarde – Ele disse e fiquei perplexo com o tamanho.

- Mas cedo assim? – São uma da tarde. Na televisão só passa à noite – Não entendi.

- Isso é um trabalho de todo um ano Henrique. Tipo, os carnavalescos desenham os carros, criam as esculturas, os carros, decoram, tem um batalhão de gente ajudando, aí os carros vêm pra cá agora cedo, eles montam as últimas coisas, pra quando for dez horas da noite começar. E tem escola de samba que ta aqui e só vai desfilar cinco da manhã – Explicou.

- Nunca que eu aguentaria. Meu Deus quanto trabalho! Eu não gosto de carnaval – Falei e recebi uns olhares tortos.

- Tem gente que não gosta. Mas o desfile é lindo! – Falou encantado.

- Acho sem graça – Falei e ele me olhou surpreso.

Música: (Peguei um Ita no Norte – GRES Salgueiro 1993).

Descemos na Lapa. Eu sabia por conta dos arcos. Realmente era bem bonito. Enorme. Pedi pra ele pra tirar uma foto. Tiramos várias. A mando dele é claro. Pra mim uma já estava ótima. Por onde passávamos tinha um samba tocado. Desses que tocam no desfile. Parecia algo importante pra eles.

- Alfradique cadê você? Cheguei porra – Ele disse. Parecia uma briga.

- Que foi garoto? Já chegou esse mala! Até que enfim! Demorou pra caralho filho da mãe – Gente. Aquilo era uma conversa? – Ih, quem é esse? Namorado? Tu ta namorando filho da puta?

- Esse é um brother que encontrei no ônibus, sei lá, tamo ficando – Sorriu – Ele precisa ligar pra tia pra ir pra casa.

- Agora não, estamos indo pro bloco, vamos todo mundo! – A menina parda de cabelos escuros falou.

- Olá, tudo bem? – Perguntei pra garota que parecia ter uns vinte anos.

- Tudo sim, seja bem-vindo à Santa Teresa mano! – Ela disse.

- Obrigado, eu preciso ligar pra minha tia, se não ela vai ficar preocupada – Eu disse.

- Diz pra ela que seu ônibus atrasou, pronto, tudo certo – A garota disse entrando pra casa.

- Fica tranquilo, vamos ligar pra ela ta? – Alaor me disse. Fiquei mais calmo.

(Fim da Música).

Falei pra minha tia que ia pra um bloco. Ela se preocupou com as malas e comigo. Mas falei que estava bem. Que não tinha problema. Contei que conheci umas pessoas legais na viagem. E que ia com eles. Ela falou que tudo bem. Pra eu ir avisando.

Foi a maior folia. Pelo que entendi aquele bairro ficava na região central da cidade. Eu via todas as imagens que às vezes passavam na televisão. E não acreditei que estava ali. Minha mãe ia me matar. Eu nem sabia que tinha bloco à noite. Mas estava me divertindo. As ruas tinham cheiro de cerveja, chuva e festa. Ou seja, carnaval.

- Que ritmo é esse? – Perguntei no ouvido dele.

- Marchinha! – Ele disse dançando.

Alaor estava de tutu branco, camiseta branca da amiga e tênis. Eu coloquei uma bermuda, tênis e camisa de manga. A maioria estava vestido como ele. A roupa dos homens eram as melhores. E por falar em homens. Um mais lindo que o outro. Eu já tinha ouvido que carioca tinha uma cor linda dourada. Mas de perto era ainda melhor.

Aquele era o sábado de carnaval. Estava sendo muito legal. Saímos do bloco eram nove horas da noite. E fomos pra Lapa. Mas não pense que pra casa. Estava todo mundo com fome. E descobri uma enorme feirinha armada. Tinha de tudo. A única coisa que eu conhecia era hambúrguer e espertinho. De resto. Tudo novidade.

- Quer o que? Tem caldo, acarajé, x-tudo, batida, tapioca, crepe – Ele me perguntava. Eu não sabia o que escolher – Boa noite minha tia, me vê um crepe de morango e chocolate – Olhei pra ele. O abusado que escolheu por mim apenas piscou um dos olhos.

- Crem! Isso é muito bom! – Eu mordia a massa! Adorei.

Ficamos loucos pela lapa. Quer dizer. Eu tomei um pouco de vodca. E fiquei louco. Vergonha! Mas lembro de nós chegarmos na casa da amiga dele. Ainda fizemos festa lá. Ele estava batucando numa panela. E tinham umas dez pessoas com a gente.

- Sério? – Perguntei. De manhã. Com ele agachado na minha frente.

Ele disse que minha tia ligado. Ele atendeu. Dizendo que eu estava bem. Mas que tinha bebido um pouco. Disse que falou que eu estava em Santa Tereza. Que já nos conhecíamos e tudo mais. Ela ficou mais tranquila.

- Desculpa – Falei. Dei um beijo nele.

Ficamos nos beijando. Por quarenta minutos. Eu só de bermuda. E ele também. Levantamos. Tomamos banho. Comi meu café da manhã. Me diverti pra caramba. Resolvemos ir pra praia. Avisei minha tia. Ela disse que tudo bem. Minha mãe me ligou. Mas ignorei a chamada.

- A paixão me pegou/Tentei escapar, não consegui/Nas grades do meu coração/Sem querer eu te prendi (Música: Revelação - Grades Do Coração) – Eles cantavam enquanto alguém batucava. No metrô. Mais da metade do vagão cantava com eles.

- Ta gostando? – Ele perguntou sorrindo.

- Muito – Beijei ele rapidamente. Ele pareceu surpreso – Desculpa.

- Tudo bem – Ele disse. Me deu um selinho – Explode coração/Na maior felicidade/É lindo o meu Salgueiro/Contagiando e sacudindo essa cidade. (Música: Explode Coração Na Maior Felicidade - Salgueiro).

Ele puxou. Todo mundo começou a cantar. E sambar. Com o metrô em movimento. Era a minha primeira vez naquele tipo de transporte. Que ia por baixo da terra. Me diverti com aquilo. A julgar pelo transporte a cidade estava lotada.

O dia na praia foi maravilhoso. Levei vários ataques das ondas. Que eles chamavam de caldo ou caixote. Eu preferi falar capote. Porque era o que acontecia comigo. Meu cabelo era bem curto. E mesmo assim eu sentia que tinha areia até no meu intestino!

Ele era lindo! Tão bonito! O sol batia em seu corpo. E ele ficava dourado. E olha que era mais claro que eu. Mas parecia que os cariocas mantinham uma estranha conexão com o astro rei. Seus amigos. Eram superdivertidos. Todos queridos. Gentis. E boca-sujas. Era uma palavra a cada nove palavrões. Mas parecia comum.

- Ah porra, eu avisei que essa merda desse ônibus não passa aqui – Um deles. Bem negão. Falou.

- Cala a boca Jorge! Passa sim. É que é carnaval. Aí agora ta lá na casa do caralho. Ou melhor. Na Barata Ribeiro. Duas ruas acima filho da mãe – Alfradique falou ajeitando seu curto short branco.

- Tu não vai embora hoje né? – Alaor perguntou quando pegamos o ônibus.

- Não tenho mais desculpa pra dar a ela – Falei.

- Fala a verdade – Ele disse. Como diria Alfradique: Filho da mãe. Ele me pegou desprevenido.

- Quer que eu fique? – Devolvi.

- Preciso responder? – Rebateu.

Relaxei a cabeça no ombro dele. Eu estava no lado da janela. E fiquei vendo a vista daquela cidade. Que realmente. Era linda. O mar. A areia. O céu. As montanhas. As casas nos morros. Os apartamentos de luxo na orla. O centro. Que parecia intacto. Como se tivesse acabado de ser mil e novecentos. Mas as pessoas pareciam cinquenta anos na frente. Talvez luz.

- Ta chovendo muito tia – Falei enquanto esperávamos a chuva passar.

Descemos do ônibus. Os amigos dele foram pra casa. Ele quis dar uma volta comigo. O que não esperávamos era aquele temporal. Ele fez a gente pular pra dentro de um bar que estava fechado. Mas dava pra ficar na sacada de concreto.

Logo a chuva começou a subir. Ele só me segurou pela mão. E me puxou. Ainda bem que estávamos de chinelo. Caminhamos pela água por alguns metros. Depois ficamos numa parte da rua que era mais alta. Mas não tinha proteção. Ele falou pra ficarmos agachados

- Alaor, a gente ta na chuva! – Reclamei.

- Sim, mas quando chove não pode ficar na água, o corpo conduz energia, e nem embaixo de árvore, e olha em volta – Era tudo arborizado – Você é gatinho demais pra morrer!

- Você é inteligente sabia – Falei e ele me abraçou.

Conseguimos chegar na casa da amiga dele. Nove da noite. Ela nos secou e de lá fomos pra casa da mãe dele. No morro da Providência. Que segundo ele. Foi o primeiro morro do Rio de Janeiro. E tinham muitos!

(Música: O Samba da Minha Terra – Novos Baianos).

Alfradique e mais um amigo foi conosco. Fizemos uns dez minutos de subida. Não parecia ter perigo. Não até onde eu vi. Só era chocante ver as casas de tijolo. Algumas sem o concreto cobrindo. Casas com telhas. Tudo muito simples. E saber que. Naquela mesma cidade haviam apartamentos milionários como os da praia.

- Ah, meu filho, meu bombom, meu docinho de coco, coisa mais linda da minha vida, que bom que você chegou coisa mais linda da minha vida! – Ela abraçou o filho.

- Calma Dona Janaína – Ele disse abraçando a mulher, que devia ser uns quinze centímetros menor que ele. Tínhamos a mesma cor. Mas seu cabelo médio e crespo estava muito bem preso num prendedor.

- Suellen vem falar com seu irmão, chama Babi, José e Vivi – A mulher disse emocionada – Ué, quem é esse? A meu deus, até que enfim tomou juízo, é o crush? É assim que fala? – Ele riu da mãe – Ri de mim não filho de uma égua.

- Olá – Acenei.

- É educado ele, que bom – A mulher disse – Tudo bom meu filho, fez boa viagem? Ta com fome? Ta magrinho, meu filho não ta cuidando de você direito não é? Alaor, vem aqui!

- Que foi mãe? – Ele gritou de longe.

- Ele é um querido, nos conhecemos vindo pro Rio, e desde então estamos ficando – Falei. Ele me olhou sorrindo.

- Ah sim, seja muito bem-vindo meu amor – Me abraçou – Tira essa mochila, tem uma sopa de ervilha bem gostosa pronta, estamos fritando uns salgadinhos, você come né?

Perfeita. Sonho de sogra. Que mulher maravilhosa. Janaína providenciou tudo pra nós. Quarto. Colchão. Roupa de cama. Comida. Bebida. Não precisávamos fazer nada.

Ela parecia muito feliz de ter o filho ali. Ele não tinha ido no fim do ano. Alaor foi com uns amigos pra Salvador. Ele parecia muito livre e muito querido. Todo mundo falava muito bem dele. E eu? Uma bruxa. Na minha cidade pelo menos sim. Sozinho. Sem amigo. Sem graça.

Eu fui dormir eram uma da manhã. Ele ficou com a mãe e a família. Na sala. Assistindo o desfile das escolas de samba. Disse que não podia perder o Salgueiro de jeito nenhum. A única coisa que eu reconheci foi o nome Viviane Araújo. Fora isso não sabia nada.

(Fim da Música).

No dia seguinte. Ficamos ajudando a família dele. Fomos no mercado. Compramos Gás. E ele carregou brilhantemente. Ajudei a mãe dele com o almoço. Fizemos churrasco. E confesso. Era tão gostoso quanto o dos gaúchos. Eu só fazia comer. Todas as comidas eram boas. Logo eu. Que sempre tive frescuras a vida toda.

Também não tinha usado nenhum dos meus protetores. Muito mal o solar. Sei lá. Parecia não precisar. Eu só aproveitava. A diversão não tinha fim. De tarde ficamos na piscina de plástico que tinha no quintal. Toda hora aparecia um vizinho diferente. Um conhecido que veio visitar. Alguém que apareceu no feriado e foi dar um oi.

Era como se todo mundo se conhecesse há anos. E isso até comigo. Eu era tratado como todos. Não me perguntavam de onde eu era. Ou meu sobrenome. Quem era minha família. O que eu fazia. Eu apenas era uma pessoa. Que estava ali. E era tratado como os demais.

- Não tem lugar nenhum pra você levar esse menino não Alaor, tadinho, saiu de Santa Catarina pra ficar aqui sentado – A mulher parecia inconformada.

- Vi uma mulher vendendo dois ingressos na frisa pro desfile de hoje por cem reais, mas ta salgado mãe – Ele disse. Devia ser caro.

- Salgado vai ta tua goela depois que eu por sal grosso menino! Barato desse jeito! Você que ta sem dinheiro! Também, tadinho, caro à beça vir de lá, e você trabalha tanto! Andem vão se arrumar! Babi pega minha bolsa aí! – A mulher disse tudo. Num tom de voz que beirava o grito.

- Vai pagar pra a gente coroa? – O bonitão pulou no colo da mãe.

- Coroa é a tua avó! Anda logo! – Ela sorria – Você também menino se arruma.

Música: (História pra Ninar Gente Grande – GRES Estação Primeira de Mangueira 2019).

E lá fomos nós. Íamos assistir ao desfile. Na Sapucaí. Como eles chamavam. Todos os dias choveram. Eu ia ficar chateado se chovesse. Eu não sambava. Não gostava de desfile. Achava um tédio. Mas não queria ser mal-educado.

Porém. Qualquer coisa que eu pudesse pensar. Sumiu! Evaporou! Se dissipou! Quando ouvi o samba saindo das caixas de som! Primeiro aqueles bailarinos dançando, muito coreografados. Depois a porta-bandeira! O que era aquela saia? O sorriso! As penas! Plumas! Ela parecia uma rainha! Uma princesa! Era surreal!

Os carros! O que eram aquelas coisas. Lindas. Luxuosas. Opulentas. Coloridas. Cheias de gente em cima. Esculturas; Algumas mexendo. Aí veio um mar de gente. Fantasia de todas as cores. Uma mais linda que a outra. Mulheres lindas sambando. E que samba!

Eis que vem a bateria. Com uma linda mulher na frente. Uma fantasia linda de morrer. Parecia uma majestade. Não dava pra descrever. E na minha frente a bateria passando. Eu podia tocar nas pessoas que passavam. Eles sorriam. Pareciam feitos pra aquilo. Pareciam ter se preparado muito. Me arrepiei todo. Quando eu vi eu estava cantando o samba, pulando e quase chorando. Batendo palma.

- Que lindo! É perfeito! Eu amei demais – Beijei ele.

- Que bom meu amor! – Ele disse. Fiquei chocado com a palavra.

- Você é um príncipe! – Beijei ele de novo.

(Fim da Música).

Seis horas da manhã! Fomos embora. Foi maravilhoso. Eu estava quase sem voz. Exausto. De tanto que pulei. Foi maravilhoso demais. Encantador! Tanta cor. Cultura. Música. Beleza. Arte. Som. Era um festival encantador. Era sim. O maior carnaval do mundo!

- Minha mãe ta ligando – Falei. Quando estávamos na rua.

- Quer atender? – Perguntou.

- Sim – Falei. Ele me levou pra de baixo de um toldo. De um restaurante. Que estava fechado.

- Vai fundo – Ele disse. Sorriu.

- Alô – Atendi.

- Oi meu filho, mas que saudade de você piá! Por onde você anda que não atende esse troço? – Ela disse. Tive vontade de sorrir.

- Ah mãe. Eu estive ocupado esses dias, saindo com uns amigos – Olhei pra ele – E umas pessoas que conheci.

- Que pessoas? Cuidado nessa cidade. Não se pode confiar em ninguém nessa vida – Errado! Bem errado! Completamente errado.

- Ah mãe. Não sei. Tenho me divertido bastante com as pessoas que conheci – Retruquei.

- Olha a resposta Henrique! Mãe sabe de tudo! E porque até agora tu não deu as caras na casa de sua tia? – Indagou.

- Duvido que ela tenha dito isso mãe – Falei.

- Nem precisa. Conheço minha irmã. Onde tu ta menino? – Perguntou.

- Mãe, eu to bem, to vivo, tenho falado com a tia todos os dias, fica tranquila, eu cheguei bem da viagem, fui num bloco, na praia, assisti o desfile na Sapucaí, comi várias coisas legais, conheci gente muito legal e querida! – Falei e senti as mãos dele ao redor do meu corpo, assim, sem ponto final mesmo, só vírgula pra continuar tudo, com ele parecia nunca acabar.

- Mas olhe só essa. Tenha modos Henrique, nada de ser abusado, você mal conhece as coisas da vida, quem não escuta cuidado escuta coitado, depois vai ficar que nem um próximo por essa cidade. Quero que pegue tudo que é teu e vá pra casa de sua tia – Mandou.

- Eu não vou – Retruquei.

- Como é? – Indagou e eu sabia que ela tinha colocado a mão na cintura.

- Isso mesmo Dona Zita, eu não vou, estou feliz onde estou – Falei.

- Você está é perdido! Ermo! Pegue já tudo que é teu e te mande pra casa de sua tia Henrique, não falarei de novo, vou lhe dar uma tunga de laço – Disse ameaçando me bater.

- Eu não vou! – Falei alto e ele me apertou.

- Com quem você está? Ta nas esbornias? Nos bordéis e bordejos dessa cidade? – Falou com asco.

- Como se aí não tivesse. Não! Não estou, eu estou com um rapaz que conheci na viagem, ele é lindo! Meu Deus como ele é lindo – Falei me afastando dele. Ficamos frente a frente – Me trata bem, cuida de mim, me levou pra passear, me trata como eu mereço, e olha que eu nem sabia disso, o nome dele é Robin – Falei e ele sorria de ponta a ponta com a mão na boca – Um super-herói!

- Eu não acredito nisso meu deus! O que essa cidade fez com você?! O que é isso?! – Ela estava chocada. Mas não surpresa.

- É isso mesmo! – Retruquei.

- Eu só queria que você fosse pra casa de sua tia, que se divertisse, que ficasse bem, seu menino ingrato, faça bom proveito do seu novo rapaz, e quando quiser, o caminho de casa lhe estará aberto – Ela disse – Que Deus lhe cubra e lhe dê luz, que o Rosário de Maria guie seus passos, tchau – Ela disse.

- Tchau mãe – Falei bem calmo e ela desligou.

Me agarrei nele e fiquei assim algum tempo. Nossa. Eu fui muito duro com ela. Não me arrependo de ter contado. Nunca falei pra ela que eu era gay. Acreditava que assumir você só fazia com crimes, mesmo assim confessar era um termo mais adequado. No caso de orientação sexual você comunicava a pessoas próximas. Caso achasse necessário. Mesma coisa pra filhos. Ninguém assumia. E sim registrava. É obrigação!

- Calma, calma – Ele dizia fazendo carinho em meu cabelo. Sentir suas mãos na minha cabeça era maravilhoso.

- Não me arrependo do que eu falei. Aliás, tudo sobre você é verdade – Confessei.

- Eu sei, gatinho briguento – Ele disse.

- Pra onde a gente vai agora – Indaguei.

- Vem comigo – Me deu a mão.

Reconheci o caminho pra casa de Alfradique. A amiga dele. Passamos a Lapa. Subimos aquelas ruas. Ladeiras na verdade. Chegamos na casa. Ele pôs a mão por cima do muro. E quando voltou estava com as chaves entre os dedos. Sorriu pra mim. Entramos na casa. Não tinha ninguém.

Ele começou a me beijar. Fiz o mesmo. Mas com muito mais força. E desejo. Eu fazia questão de deixar meus dedos em sua pele. Sentir sua boca na minha estava me fazendo ir as estrelas. Viajar num foguete encantado. Cheio de sensações maravilhosas. Brilho. Magia. E poder.

Eu passava a mão pelo rosto dele. Sentia sua pele lisa. Tão diferente da minha. Como podia ser daquele jeito? Como podia mexer tanto comigo sendo tão diferente! Ele era simplesmente perfeito! Encantador! E uma delícia.

Estávamos no colhão que haviam colocado no chão pra que dormíssemos na primeira noite. Tudo era maravilhoso. Eu via as coisas com um filtro brilhoso e colorido nos olhos. Seu toque. Seus gestos. Suas expressões. Era tão cativante. Tão marcante. Lentamente fomos tirando nossas camisas. Era como se ele me pedisse autorização pra tudo. Mas na minha vida ele já tinha Green Card.

Nos embolávamos. Como dois felinos brincando. Sua língua percorria meu corpo. Minhas mãos vorazes e curiosas queriam explorar tudo. Tudo! Não iria me contentar com nada menos. Alaor tinha uma forma estranha de me fazer sentir a pessoa mais feliz e realizada do mundo! Assim mesmo sem vírgula!

Eu estava nadando numa maré. Tão contínua. Um mar sem graça. Que dentro de alguns semestres. Me levaria a ser chamado de matemático. Mas eu apenas seguia a maré. Ou melhor. Ela me levava. Me deparei com aquela tempestade em alto mar. E ela tinha cabelos médios. Corpo liso. Definido. Olhos castanhos claros. Dentes perfeitos. Sorriso encantador. E alma singela.

Eu não sabia mais. Quando era dor. Quando era prazer. Era novo. Mas era perfeito. Incrível. Eu me sentia literalmente preenchido. Completo. Minhas unhas já faziam morada na pele dele. O quarto tinha um cheiro diferente. Os olhos dele faiscavam. Igual aos meus. Não sei quando comecei a dormir. Porque aquilo era um sonho.

No Monte Olimpo. Alaor. Esse era o nome do meu deus favorito. Rio de Janeiro era o meu paraíso. Todos eram divindades. Todos os sorrisos encantadores. O desfile das escolas de samba era um baile sagrado e divino. Uma verdadeira festa. Um banquete. Os foliões eram seres encantados daquele lugar. O mar era puramente mágico. O sol alimentava. As comidas. Verdadeiros manjares. Era mais que o céu.

Perdi a conta de quantas vezes pisquei. De forma longa e demorada. Eu não queria que aquilo acabasse. O momento com ele. E todos os momentos com ele. Aquele garoto carioca. Um ano mais velho que eu. Pegava todas as minhas barreiras. Físicas. Emocionais. Culturais. Tradicionais. E as transformava em pó. Migalhas. Farelo.

- Foi perfeito – Falei dando um beijo nele quando terminamos.

- Uau! Foi ótimo! Eu adorei! Você é demais – Ele disse sorrindo.

- Você também é demaix – Imitei seu sotaque.

- Ih ah lá! – Disse me beijando.

Passamos aquele dia todo junto. Agarrados naquela casa. Só nós dois. Eu tendo minha lua-de-mel. Mas espera! Eu estava casado? Não. Sim. Talvez tivesse colocado a aliança quando aceitei ir pra casa da amiga dele. O vestido de noiva devia ter sido a roupa pro Baile. Casamos quando assistimos o desfile juntos na Sapucaí.

Tudo era muito metafórico. Mas real. Ok. Eu sabia que não estávamos casados. Mas tinha algo ali. Alguma coisa estava acontecendo. Ao passo que eu também não sabia o que. Porque. De que. Quem. Hã? O que eu estava dizendo?

Eu voltava pra casa no dia seguinte. E não me pergunte porquê passei a noite chorando. Sim. Nem eu sei explicar. Mas sabia muito bem definir aquilo que queimava no meu peito. Aquele sentimento ruim. De ir embora. O sentimento forte. De querer ficar. Coisas que eu jamais. Nunca. Admiti. Saudades, carinho, atração, desejo.

Ele me levou pra laje da casa. Sentamos lá. Às onze da noite. E ficamos olhando o céu. Admirando as estrelas. Eu entre as pernas dele. Nós dois falando do carnaval. Dos nossos planos. Da nossa vida. Dos sonhos. Das coisas passadas. Do que estávamos sentindo.

Como éramos diferentes. Alaor: filho mais velho de três irmãos, crescido na comunidade, já tinha trabalhado com muita coisa, aliás, começou a trabalhar com onze anos. Já tinha namorado várias vezes. Tinha raízes com as religiões de matrizes africanas. Mesmo não sendo pertencente. Era do mundo. Era plural. Sabia das coisas da vida.

Eu. Um mauricinho. Como ele dizia dos caras mimados da parte boa da cidade. E pior. Eu era um mauricinho do interior. Eu nem tinha nada. Sabia de ABNT. Conceitos técnicos. Fatorações. Cálculos diferenciais. E tangentes. Mas por fórmula nenhuma conseguiria saber tudo que ele me mostrou. Nunca tinha trabalhado. Sempre tive tudo. Filho único. Garoto de igreja. Católica. Eu era um bebê.

- Valeu a pena – Falei olhando pra ele.

- As palavras de um livro, sem final – Ele disse sorrindo e me deu a mão.

Fomos pra casa da mãe dele. E foi maravilhoso. Aquela hora da noite rolou uma festinha de espedida. Todo mundo animado, estava fazendo calor, eu me diverti tanto, ganhei até uns presentinhos, coisa simples, mas muito especial, que eu jamais esqueceria.

Eu queria chorar o tempo todo, o que aquele menino colocou na minha alma? Cebola? Eu estava sensível, frágil, aberto, vulnerável, e advinha? Eu estava adorando, ou como ele dizia: eu tava adorando, cada minuto que eu passava eu me sentia mais como a Cinderela próxima do baile da meia noite. Queria que minha fada madrinha prolongasse meu encanto.

- É por isso que chamam de quarta-feira de Cinzas? – Perguntei com os olhos molhados.

- Calma anjo – Ele sorriu e me abraçou.

- Talvez isso tenha sido só um sonho e talvez eu esteja tendo um delírio com o mala sem alça que entrou naquele ônibus falando alto e mudando de lugar – Ele sorriu ainda mais lindo – Mas foi perfeito, mesmo que um sonho, uma alucinação, eu nunca – Respirei fundo – Nunca me senti tão bem e nunca vou te esquecer.

- Eu também não quero te esquecer, e por isso não vou – Ele disse.

- Você cantou um pedacinho de uma música pra mim, eu queria fazer o mesmo com você, uma que meu pai cantava pra mim – Deixei a lágrima cair – Quase toda noite, antes de dormir, antes dele morrer – Falei - Eu desço dessa solidão/Espalho coisas/Sobre um Chão de Giz/ Eu vou te jogar/Num pano de guardar confetes/ No mais, estou indo embora/ No mais, estou indo embora! (Música: Chão de Giz – Zé Ramalho).

Nos beijamos, ignorando qualquer coisa, momento e lugar, eu só queria que ele visse o quanto ele foi especial, o quanto nos fragmentamos, como uma horcrux, talvez o melhor pedaço, a melhor parte.

Falamos coisas lindas, que só o tempo e nossas mentes guardarão, eu voltava pra casa, bronzeado, feliz, desconstruído, experimentado, maduro, encantado, e, sim, apaixonado, olhando a vista, e me divertindo, pensando como a vida era mágica, o quanto uma pessoa pode ser boa, o quanto tantas pessoas podem te dar o melhor sorriso, o quanto eu não conhecia do mesmo Brasil que eu morava, o quanto de preconceito eu tinha. Eu voltava, mas não voltava o mesmo Eu. Quando a Alaor, Robin, meu Robin Wood, meu herói favorito, bom, além de lembranças, sinceras verdades, talvez chinesas, bem, naquela vida dele, sem planos, sem traços, sem mapas, ficamos com a certeza do nosso carnaval fora de época. O Salgueiro dele não havia ganho, mas eu ganhei. Ganhei tudo de bom. E agora com a cabeça encostada no vidro pensava em voltar pra aquela cidade, que não era como eu dizia antes: minha cidade. Não, eu havia sido tragado pelo planeta Rio de Janeiro, fiz morada em seus satélites, conheci seus habitantes e, me apaixonei, por tudo quanto pude.

E agora, eu seguia, feliz e realizado, e surpreso, pois não esperava me realizar, vai ver essa é a magia do carnaval, alegrar e trazer festa e cor aos corações mais cinzas, tudo assim, direto, sem ponto final, assim, um carnaval!

FILME LITERÁRIO CRIADO POR
Jade Brum

ELENCO
Sérgio Malheiros como Henrique
Raphael Sander como Alaor
Juliana Paiva como Alfradique
Cassia Kiss como Zita
Tatiana Tibúrcio como Janaína

MÚSICAS
Carnavália - Tribalhistas
Shallow – Lady Gaga
Buzina – Pablo Vittar
Nada Sei – Kid Abelha
Se – Djavan
Peguei um Ita no Norte – GRES Salgueiro 1993
Revelação - Grades Do Coração
Explode Coração Na Maior Felicidade - Salgueiro
O Samba da Minha Terra – Novos Baianos
História pra ninar gente grande – GRES Estação Primeira de Mangueira 2019
Chão de Giz – Zé Ramalho

PRODUÇÃO
Bruno Olsen
Cristina Ravela
   
Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.



REALIZAÇÃO



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