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Antologia Lua Negra: 3x06 - Hécate e Lilith

Conto de Heron Teixeira
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Sinopse: Um encontro de duas amantes desperta um conexão sobrenatural. Existe alguma força capaz de superar o tempo? Em Lilith e Hécate, vestimos as peles de duas jovens indefesas perante o pavor dos planos do mundo para os humanos. O que temos em comum com as duas além disso? Talvez seja o fato de que há sempre algo adormecido em nosso interior e a qualquer momento, este algo pode despertar.


Hécate e Lilith
de Heron Teixeira

  

– Você é como Hécate, meu amor – Disse minha amada Amanda olhando no fundo de meus olhos, deixando seus cabelos recaírem sobre meu rosto.

Acampávamos em uma zona de barracas para aventureiros próxima à praia, em mais uma noite escura a desfrutar o fim de semana só para nós. Desgastávamos nossas vistas lendo, com o suporte de uma ínfima lanterna, alguns livros dos nossos temas favoritos. Cultos impopulares, entidades desvalorizadas pela história e mulheres cuja sabedoria foi vandalizada pela forma tola como a sociedade construiu suas crenças. Essas problemáticas normalmente nos tirariam a tranquilidade se as pensássemos sozinhas, mas em momentos como aqueles, onde nos reconfortávamos na presença uma da outra, tudo era mais confortável e doce.

– E o que eu tenho em semelhança com uma Deusa de três faces? Quer dizer que me acha bipolar? – ri, provocando-a.

­Você é tripolar! – rebateu-me, também rindo e beijando suavemente minha testa. – Mas não foi o que quis dizer. Assim como Hécate você tem essa ligação com a vontade de ser mãe, não é? E esse lado seu protetor de quem quer salvar alguém que passa por um território selvagem. ­– Beijou-me agora com um pouco mais de força a pressionar nossos lábios por longos segundos.

­– Se você pensa assim, então sou como Hécate. Agora você... deixe-me ver... Está mais para Lilith! – Quis surpreendê-la – Quando lemos sobre ela, vimos que representava a impetuosidade. Você é bem impetuosa, sabia? Mas a principal característica que eu vejo em comum é a certeza de que ninguém pode te inferiorizar. – toda sua convicção me fascinava – Ah! Você tem mais uma coisa em comum com a Lilith – Já falei com uma expressão de deboche.

– E o que seria? – perguntou – Somos duas gostosas? Diabinhas? – Completou provocantemente.

­­– Isso também – respondi atendendo à provocação com segundas intenções – Mas a outra coisa em comum é que vocês têm um péssimo gosto para homem – Gargalhei, ciente de que a havia irritado.

Antes mesmo de que ela tentasse devolver-me com uma resposta à altura da afronta, larguei a lanterna ainda ligada ao chão e tirei o livro de mitologia que estava em suas mãos. Virei-me e me pus sentado ao seu lado. Começamos a nos beijar tão fortemente quanto no nosso primeiro encontro em fevereiro de 2018. Mesmo mais de um ano depois, naquela noite de sexta-feira, estávamos com a paixão ainda à flor da pele.

­– Amanhã é 31 de agosto, meu amor – disse eu, em uma pausa – o que você quer fazer no seu aniversário?­

– Não sei, mas acho que quero passar o dia com você – e novamente partimos para nossa troca de afetos.

Neste último ato nos distraímos intensamente. Tão profundo o transe que não notávamos o mundo ao nosso redor. Nem o frio noturno que ficava ainda mais agudo, nem o passar das horas. Quando nos demos por si, uma gélida garoa lançava seus chuviscos sobre nós e fomos forçadas a juntar as coisas às pressas e nos jogarmos para dentro da pequena barraca que levamos parra passar o fim de semana juntas.

Na zona de camping, estranhamente não havia mais ninguém. Ainda que fosse um agosto corriqueiro, sem férias de verão ou feriados prolongados, esperávamos que a sexta-feira atraísse mais alguns campistas. O lado bom era que teríamos ainda mais liberdade. Já cogitávamos correr nuas para o banho de mar durante o amanhecer, caso ninguém mais surgisse.

 Cientes, não havia quem nos inibisse. Estávamos prontas para aquecer nossas intimidades. Ansiávamos, com aquela avidez da juventude, por mais uma noite de amor e liberdade. Dentro da pequena barraca estávamos à salvo da chuva e do frio devido à lona acima de nós e livres da invasão da água abaixo que porventura viesse devido ao tablado de madeira que trouxemos justamente para elevar a barraca do chão em caso de torrente.

Estávamos prestes a intensificar aquela noite quando um clarão varou a noite acompanhado do forte estrondo do trovão. Amanda gritou e apertou apertou-me com força tamanho o susto. Eu mesma segurei forte o travesseiro, amedrontada. Fora muito próximo, pensei. Olhamo-nos rapidamente e rimos das nossas expressões assustadas, prontas para retornarmos de onde havíamos parado. Infelizmente, não tivemos a chance.

Tão repentino quando o primeiro, uma segunda descarga estrondou, despertando em nós a mesma reação de antes. Para nosso pavor, um terceiro deu-se em sequência com um intervalo ainda menor. E, então, incontáveis descargas caíram sobre a terra desencadeando uma ensurdecedora sinfonia de trovões. Mais do que pânico sentíamos pelo iminente risco de sermos atingidas pelo pandemônio de raio que devia estar a se passar fora de nossa barraca. Os estrondos podiam ser sentidos em ondas de impacto em nossos corpos. Estávamos abraçadas completamente entregues ao medo primitivo e intraduzível.

Durante pouco mais de um minuto estivemos no centro de um caos de descargas elétricas sem precedentes. Tudo cessou, no entanto, deixando um ruído altíssimo em minha audição. Amanda parecia estar de modo igual. Não ouvíamos as vozes uma da outra. Aparentemente, estávamos temporariamente surdas. Assustadas, choramos por alguns minutos agarradas a buscar força em nossa própria ligação. E, assim, conseguimos nos acalmar o suficiente.

E se aquilo voltar a acontecer, pensei. Tínhamos que sair dali o quanto antes. Gesticulando e movendo os lábios, tentei convidá-la para irmos para longe, buscar um abrigo mais seguro para o caso de uma segunda rodada de pesadelo. Botei o braço para fora e a chuva parecia pouco intensa. Conseguiríamos chegar à vila próxima rapidamente se corrêssemos, mas Amanda estava em choque. Queria protegê-la, então puxei-a para fora, apesar de seus protestos. Com as duas mãos em seu braço, fiz força para tirá-la de dentro da barraca. Ela resistiu com a força de um louco.

Com meu corpo quase todo sob a chuva, tive as mãos encharcadas. Seu braço deslizou de minha pegada e, pela força que fazia, caí desatinada dando alguns passos para trás. Por um segundo, senti profunda raiva e indignação, mas não tive tempo de processar estes sentimentos. Quase a me cegar e estourar meus tímpanos, um raio caiu bem sobre a barraca à minha gente. Lancei um grito sobrenatural em desespero. Amanda fora pega pela descarga. Ninguém sobreviveria àquilo.

Corri para socorrê-la. Estava estirada, enrijecida sobre o colchonete que se queimara e grudara em sua pele. Mesmo a lona da barraca havia caído e derretido sobre seu belo rosto. Chamava por seu nome, mas não havia resposta. Não pude testar seu pulso em meio a tanto pavor. Corri com ela em meus braços. Minha força era pouca e sequer suportei erguê-la. Nossos celulares estavam na barraca, não havia forma de contato remoto. Decidi que correria à vila para clamar por socorro, mas então percebi que numa longa extensão, de o que me parecia quilômetros ao redor, a terra estava arrasada e com aspecto de incendiada, mesmo sob a chuva.

Compreendi que o pandemônio de raios havia feito aquilo. Perdi completamente a esperança e cai aos prantos. Queria fazer como minha avó e pedir pela ajuda e proteção de Deus, mas nunca acreditei neles. Em minha mente veio apenas Amanda e nossa recente conversa sobre Hécate e Lilith. Então fiz aquela que seria a minha única oração sincera de toda a vida:

- Lilith, por favor. Se você existe e teve a força para confrontar os primeiros e mais impiedosos homens, eu te peço, por tudo que há de mais precioso no universo. Salva a minha amada! Uma mulher tão admirável quanto você neste mudo cruel e selvagem. – disse ainda mais alto – Eu te dou qualquer coisa, socorro! – desejei que houvesse algo de sobrenatural naquele mundo sem cores que tanto me fizera sofrer. Que este algo fosse capaz de salvar Amanda e trouxesse novamente cor à minha vida.  Estava prostrada, quando ouvi, vindo da direção da barraca a voz de minha amada e de outra mulher, sobrepostas.

Não me ofereça nada, minha criança. Os homens desse mundo já nos privaram de muito, não é mesmo? – As vozes vinham de Amanda ­­- eu já ouvia o chamado de todas as minhas filhas há muito tempo. E por todas vocês eu começo agora o verdadeiro apocalipse da renovação. Despertarei as novas avatares do divino.

­ Por favor, apenas devolva minha Amanda para mim, eu a amo!

– Ela será meu receptáculo para a purificação deste mundo sujo. Você se juntará a ela, recipiente. Suas mãos proféticas ergueram uma pura utopia. – veio em minha direção e tocou meus lábios pode me ouvir, Hécate?

Perdi minha consciência.


Conto escrito por
Heron Teixeira

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Alex Xela Lima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rosside Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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