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Antologia Romance à Vista: 1x04 - O Homem, a Mulher e a Mulher do Vestido Amarelo

Conto de Pedro Franco
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Sinopse: O conto traz o amor, a paixão, o anti-amor e outras temáticas românticas por meio de uma história de mistério combinada a fluxo de consciência.


O Homem, a Mulher e a Mulher do Vestido Amarelo
de Pedro Franco

As situações imaginadas não se comparam às vividas, assim como as revividas não se comparam às inicialmente vividas. Um livro, relido anos depois, serve para exemplificar a segunda situação e, em muitos casos, o encanto se vai. A não realização de uma situação longamente imaginada, é o que me preocupa no momento, agora que os anos começam a pesar.

Quando comecei a interessar-me por sexo, julgava que a maior alegria da vida era ter uma mulher ao dispor. Tínhamos um vizinho na vila, de quem todos zombavam. Era baixo, gordinho, risonho e falante. Sem dizer nada, invejava-o. A mulher não era bonita, percebi com o correr dos anos. Na adolescência me encantava e como! Pernas fortes, torneadas, seios fartos e cabelos claros compridos, possivelmente pintados. Falava muito, risos de lábios carnudos e usava decotes ousados para os costumes do bairro. Deixei de ir jogar bola em tardes, para vê-la lavar sua calçadinha. E por lembrar da vizinha, vale contar que era mandado à Praça Sanz Peña de ônibus, para levar encomenda de mamãe, que bordava. Dinheiro justo para as passagens.

Sentei-me naquele dia ao lado de mulher, como sempre procurava fazer. O ônibus fez uma curva e ela se encostou. Não tirei minha perna, apesar do medo da reprimenda. Senti a coxa dela na minha. Curva após curva. Coxa dura e macia ao mesmo tempo. Não percebeu, ou não se importou. Parecia-se com a mulher do vendedor. Não me olhou uma única vez, continuando a ler revista de histórias de amor, que minha mãe lia. Assim podia apreciá-la bem, fingindo que olhava a paisagem pela janela, onde ela estava encostada. Muitas das relações sexuais, que tive vida à fora, não foram tão agradáveis e excitantes como aquela ida de ônibus! A Mulher era casada, conforme mostrava o anular esquerdo. Pousado na janela, ou virando as páginas, era mais bonita que a vizinha.

O ônibus, mais depressa do que desejava, chegou à praça. Não tive coragem de saltar. Voltaria a pé, mesmo que ela fosse até o Centro da Cidade. O ônibus ficou com passageiros em pé. Uma senhora se postou ao lado do nosso banco e me olhou, como se eu tivesse obrigação de dar-lhe meu lugar. “– Segura meu embrulho? – Seguro, sim Senhora”. Não dei meu lugar. Cada vez me afastava mais da praça. A encomenda de mamãe e o embrulho da Senhora não me deixavam passar vexame.

Dez pontos depois da praça a mulher fechou a revista, puxou o cordão da campainha, pediu licença e ganhou o corredor do ônibus. Passou com o traseiro bem junto do meu rosto. Estava de amarelo e tinha um corpo bem feito. Sentei no seu lugar, que estava morninho. A senhora do embrulho se aboletou do meu lado e me tomou o embrulho. Tudo aconteceu ao mesmo tempo e não deu para ver a mulher na rua. A porta do ônibus era do outro lado. Ainda pensei em saltar atrás dela. Tinha treze anos e usava calças curtas, para meu desespero. Um ponto depois toquei a campainha e saltei. Voltei correndo até a praça.

Durante um mês não olhei para a vizinha, nem para a menina mais bonita da turma. Depois voltei a ter inveja do meu vizinho gordinho e, logo depois, do carteiro. Enquanto o vizinho vendia, sei-lá o quê e ficava fora de casa, o carteiro entrava na varandinha da casa dele, para entregar cartas. Pedia um copo d´água. Ficava cada vez mais tempo. E, quando ninguém olhava, entrava na casa. Uma vez, marquei no relógio: ficou de dez para uma até às quatro horas. As quatro e meia o vizinho voltou com aquela mala pesada, suarento e risonho. Aí eu invejava o vizinho e o carteiro. De repente trocaram o carteiro, e o novo, velhote, mal parava nas casas para deixar as cartas.

Fui crescendo e com o mesmo interesse pelas mulheres. Conheci na adolescência o quarto de várias empregadas, quando os patrões estavam fora. Era assim que se portavam todos os rapazes corajosos do bairro. Depois fui à Rua Mem de Sá, onde paguei por sexo. Tive namoradas e os namoros eram controlados por mães, avós e tias. Passei para noivados e fui noivo duas vezes, até que casei. Lua-de-mel em Petrópolis e ficaram o casamento, as responsabilidades de pai de família, vieram os filhos, as aporrinhações na firma, até que cheguei a gerente geral.

Meu pai, que era um homem inculto e esperto, operário qualificado da indústria química, dizia para tristeza de minha mãe que a vida se resumia em comida e sexo e que todas as pessoas bem formadas viviam para ter boa cama e boa mesa. O resto eram filigranas. Revendo minha vida, percebo que minha mulher e a maioria das minhas amantes, pois, tive várias, ainda que de forma discreta e sem prejudicar a vida da família, seguiram o modelo físico da vizinha e da mulher do vestido amarelo, que estava sentada ao meu lado. Os que têm gosto, preservam um padrão fixo de mulher.

Há grande diferença entre minhas relações com o sexo e a dos garotos de hoje. Não parece que decorreram rápidos quarenta anos, e sim séculos. Aquele sonho do garoto de ter uma mulher às noites só para ele, para matar sua luxúria, quando bem quisesse, ficou mesmo no sonho. Serei taxado de machista, tudo bem. Sou representante do meu tempo. Com mulheres há que haver amor, ou paixão, ou no mínimo romance fugaz. Em maioria elas são muito complicadas, sensíveis, mandonas, cheias de vontades, quando deixamos. Agora então com o feminismo e as igualdades de sexos! Pior é que elas não estão mais felizes que antes com estes progressos aparentes e agora com os “empoderamentos”. São sempre complicadas. Querem mais do que recebem e pagam quando e como querem, se é que querem. Cada vez a convivência fica mais difícil ainda, percebo pelo que vivo e principalmente ouço, embora tudo pareça mais fácil para os homens. E há a AIDS.

Casamentos acabam com piscar de olhos e ao invés de cama e sexo, há divã de psiquiatra. Já tenho duas filhas divorciadas. Uma é psicóloga e outra engenheira eletrônica. São bonitas, emancipadas e parecia que faziam bons casamentos, só que saíram com a ambição da mãe, que sempre soube me cobrar atitudes.

Sei que ainda guardo muito do garoto, que saltou onze pontos depois da praça, para coxear a mulher de amarelo, que lia "Grande Hotel" no ônibus. Já adulto estudei inglês nos fins de semana, fiz curso noturno de administração, depois de informática, aprendi a dançar, entrei, oh maçada, para um clube de ricos e várias vezes, muito mais do que desejava, enverguei traje a rigor. E trabalhei feito um condenado sempre. Paguei para minha mulher e eu sairmos em colunas sociais, comprei casa em Angra dos Reis e me mudei da Tijuca para o Jardim Botânico. E o que queria mesmo, era ter uma mulher que gostasse de ficar à noite comigo, quando eu quisesse. Talvez o vizinho gordo e tolo, apesar do carteiro de bigodinho, tenha sido mais feliz do que eu neste aspecto.

Durante uma curta fase tive a ilusão que as amantes cobririam minhas necessidades básicas. As amantes, do tipo que tive, são venais. Culpa minha sei. Idem do meu machismo. Não há o dinheiro na hora, como nas minhas experiências na Rua Mem de Sá. Sempre há pagamentos permanentemente. Tenho trocado e trocado de amantes e sem ser descortês, ou tratá-las mal.

 

Agora, que vou ficando mais velho, parece-me ouvir o pai dizer a um compadre, metido a conquistar jovens: “– Compadre, velhos só fazem papéis tristes nas mãos de moças, não se tente enganar!”. Meu pai também nunca gostou de minha mulher e disse, quando avisei que ia ficar noivo. “– Filho, cuidado! Esta menina é bonita, mimada, foi criada aqui na vila e quis fazer curso na Socila e aprender francês. Cuidado com mulheres que falam francês”. O velho era pior que eu em conservadorismo.

Minha mulher sempre e com graça dá a palavra final, sei. Cuidados tive. Nunca me enganou com outro, ou outra, como está na moda. E não foi por falta de oportunidade. Ela manobrava pela família com jeito e perseverança. Recebi muita negativa velada. Ia deitar-se bocejando, “estou tão cansada”, ou tinha dores de cabeça noturnas. Que dia horrível! Ou ficava vendo um filme tolo, já visto, que começava às onze da noite, quando eu ia me deitar e precisava acordar cedo. E que menstruações demoradas! Quando as regras cessaram e vieram os netos, é que o barco afundou de vez.

Agora já vou com muita tristeza ficando menos interessado. Minha atual amante, vinte e cinco anos mais nova que eu, caríssima, como é ambiciosa, como vende favores, com cara de inocência! Assim é ruim. Será que a mulher de amarelo percebeu minha perna colada na dela? Uma hora, como estava de calças curtas, minha perna roçou na dela. Pele na pele. Na hora em que a senhora me passou o embrulho. Acho que vou largar essa atual amante. Quer um carro esporte novo, vermelho. E na cama é muito fingimento, muito músculo, muita acrobacia, técnica. Falta um mínimo de sentimento. E amor é parceria, reciprocidade. Não é monólogo, é diálogo. Estou de olho em mocinha que entrou para a firma há poucos meses. Mora no bairro, onde me criei, diz sua ficha de admissão. Quem sabe dá certo? Bem queimada, pernas fortes, busto generoso, cabelos claros. Na sexta-feira foi levar um memorando à Gerência e estava de amarelo. O flerte e a conquista ainda me parecem fases muito excitantes. Agora... a mulher.

Minha filha, deixe disto. Estou muito velha para tomar atitudes extremadas. Seu pai não vai dar carro esporte novo a esta moça. Vai é trocar de amante. Conheço bem seu pai. Moldei-o com muita paciência e jeito. Engoli alguns sapinhos, ainda que seu pai fosse discretíssimo com seus casos. E não vai ser agora, que está se cansando de aventuras, que vou colocar tudo a perder. O garoto da vila nunca cresceu de todo e tem lá suas ilusões sobre o sexo. Já lhe contou a história da mulher de vestido amarelo, que era parecida comigo? Só que nos deu tudo que temos, esforçou-se ao máximo, fez muita coisa que não queria e trabalhou sempre. Merece algumas poucas recompensas. Deixe-o divertir-se, pois falta pouco. Infelizmente o garoto desajeitado está envelhecendo e ficará quieto em pouco tempo. Não se afobe, tenha calma. Nada de muito do seu vai ser retirado do seu, nem do meu. Diga à sua amiga fofoqueira, que a amiga dela não vai ganhar o carro vermelho esporte. Vai ganhar um belo pé no traseiro, que, pelo que vi de relance, é bem provido.


Conto escrito por
Pedro Franco

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO

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