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Antologia Lua Negra: 2x07 - A Dama Pálida

Conto de Julius
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Sinopse: Em uma noite de sexta-feira e lua negra, um homem segue seu patrão até os confins da mata atlântica. Lá encontra uma mulher de pele pálida que promete grandes tesouros àquele que a libertar.


A Dama Pálida
de Julius

           

            Eu era só um garoto quando recebi essa moeda, veja bem! Eu acreditei por muito tempo que ela era falsa, acredite teria pagado algumas contas vendendo uma moeda de dez Cruzados. Uma moeda de ouro puro que só o peso dela já vale pelo menos um mês de aluguel.

            Mas hoje passados mais de vinte anos desde que eu a ganhei tenho certeza absoluta que não irei vendê-la. Espero que caso eu morra ou decida passar para frente esse pedaço de ouro quem o receba tome a mesma decisão. Sabe de uma coisa: Pouca gente conhece os segredos das grutas e caminhos atlânticos de São Paulo. Eu mesmo pouco caminhei por lá e a história que vou te contar trata de alguém que teve um breve vislumbre dessas paisagens pouco convencionais para um Estado feito de concreto e vidro, pelo menos para nós que somos da capital.

            Assim como você, eu tinha o sonho de ficar rico, ter o mundo aos meus pés e consumia vorazmente todas essas estúpidas dicas para ficar milionário. Adorava os caras do meu tempo: Rockfeller, os Matarazzo e toda essa corja rica. Nasci pobre e acredite, era bem mais difícil ser pobre na década de 80. As coisas só mudaram quando ganhei essa moeda! Quem a me deu foi um homem que encontrei, ele era um datilógrafo aposentado e estava prestes a retornar para a sua antiga cidade próxima ao litoral. Eu sempre o via ali, apoiado na janela, fumando um cachimbo e baforando colunas de fumaça por trás de um grosso bigode já amarelado pelo alcatrão. Se não fosse a mudança seria só mais uma figura anônima sem qualquer importância. Naquele dia ele precisava de ajuda para carregar uma pesada mala pelas escadas e prontamente o ajudei. O homem tinha um problema no braço direito que o impedia de carregar peso e levar as sacolas de roupa era uma tarefa impossível. Já era bem de noite e demoraria até a chegada do ônibus e por isso conseguimos conversar bastante.

            Ele começou a contar a história quando percebeu que eu carregava um livro, como esses que você lê, que pretensamente ensinam qualquer idiota a enriquecer fácil. Rapidamente me repreendeu quando viu o título, respondi que desejava ficar rico e conseguiria se fosse obediente ao gerente da fábrica e me esforça-se para ser um bom advogado. Ele disse com desdém -Garoto, nunca confie num milionário! E nem queria ser um lixo humano como um desses.

            Ri da sua posição e ele então irritado puxou do bolso a moeda de ouro, me entregou em mãos e continuou -Confia em mim, vou te contar a minha história. Essa moeda é para você acreditar no que estou te dizendo. Se tem dúvida, corre atrás e vai ver que ela é de ouro puro.

            Disse sem perder a pose -Tá bem! Me convença-  Seu nome era Pedro, nascerá em um povoado que cresceu com o café logo no final do XIX. Ali moravam barões que fizeram fortuna vendendo o pequeno fruto vermelho torrado para a Europa e assim como eu queria ser um magnata da indústria e das finanças ele na juventude desejava ser um grande barão do café.

 

            A fim de suprir o seu sonho, Pedro desde jovem embrenhou-se nos cargos de adulação a um dos fazendeiros locais. Um homem rico, que despontava no começo da década de 30 como também um poderoso industrial. O datilógrafo nunca me revelou o seu nome e por isso o chamarei de Leonardo.

            O coronel era um homem antiquado até para o seu tempo, ainda que muito atento aos investimentos que lhe rendessem um bom lucro. Vestia-se com roupas finas, botas de cano longo e um chapéu de abas largas tal qual os poderosos do século anterior. Tinha postura altiva, voz firme e um sorriso carismático. A mão estendida erguia-se para os miseráveis que lhe vendiam a produção e aceitavam sua ajuda. Ficou um tanto recluso quando a primeira esposa, consumida pela loucura, arremessou-se em um rio e afogou-se quando já seus asseclas ocupavam a câmara da cidade. Foram dias de luto oficial e novenas rezadas pela cidade inteira. Todos o amavam e todos o temiam. Tinha tudo que desejava e a todos conquistava. Era isso que almejava o ex-datilógrafo que o via como um pai.

            Pedro também caiu nas graças de Leandro, que com ele formou uma sólida amizade. Como muito bem alfabetizado apesar de só dezesseis, trabalhava com o livro caixa da fazenda, sabia de cor os valores de cada saca e remessa, conseguia redigir contratos e aprendia rápido todos os segredos do comércio. Sempre acompanhado como escudeiro do senhor do café, já se aproximara dos altos círculos citadinos e conhecera pessoalmente importadores dos lucrativos mercados da França, Inglaterra e Estados Unidos. Tudo indicava que se um dia Pedro tivesse acesso a um lote de terra relativamente grande, e não ao pequeno punhado que o deixava a clientela do coronel, seria ele um grande empresário assim como era o seu barão.

            Um dia, já próximo à virada para o para o seu décimo sétimo ano de vida, Leandro o convocou para uma reunião particular. Era uma quinta feira, se lembrava bem disso, no final de uma tarde ensolarada.

            A noite era quente e flutuava no ar as lucilias brilhando em tons de azul e verde entre os ramos de café. Eram servidos pelas empregadas vestidas de branco xícaras do líquido escuro, broa de milho e geleias de goiaba e marmelo. Não era incomum que o jovem sentasse junto ao senhor no final de um dia de trabalho, era até comum frente à sua eficiência e lealdade bem recompensadas por um homem que considerava justo e nobre. Por vezes o coronel o perguntava -Ei garoto, tem interesse por política?- confuso Pedro o perguntava -Um pouco senhor- o coronel sorridente o advertia -Se continuar assim, será um ótimo vereador!- Mas aquele final de tarde o barão não estava interessado em debater política. Outro assunto parecia perturbá-lo, olhava sempre as anotações em uma caderneta e batia a ponta do lápis na folha. Uma hora, olhando para a extensa plantação, perguntou para o subordinado:

            -Meu caro, posso lhe fazer uma pergunta? Mas já adianto que é muito pessoal.

            -Claro, coronel! Não tenha problemas com isso -Respondeu condescendente.

            -Bem! Vamos lá então. Você já...Se deitou com alguma mulher?

            O rosto de Pedro ficou enrubescido com a pergunta e tentou responder da forma mais direta que conseguia -É que…bem…não. Eu...Nunca tive a oportunidade. Tenho me ocupado...demais com o trabalho e não consegui ainda…

            -Não precisa falar mais nada- Sorriu o cafeicultor -Veja bem, eu sei que essa é uma pergunta deverás complicada para ser respondida por um homem. Alguns diriam que é inclusive uma vergonha um homem não ter se deitado com mulher alguma, mas eu não acredito. Tenho uma proposta para lhe fazer -Pedro olhou desconfiado para o superior que logo percebeu a estranheza na postura do funcionário- Não, não é nada disso que você está pensando- sorriu- É que preciso de alguém para me ajudar numa coisa, não nessas imundices meu amigo, eu preciso de você assim. Puro.

            -Como assim?

            -Bem! Já ouviu falar da mulher da gruta?

            -Não, nunca ouvi falar. -Continuava olhando desconfiado para o seu mestre.

            -Pois bem! Dizem que no interior dessas matas -Disse apontando o charuto para uma serra não muito distante dali que ainda hoje é coberta por um trecho da mata original -Há uma mulher meio serpente meio dama que se alguém puro lhe deitar sangue aos pés pode levar os tesouros que ela carrega.

            Pedro gargalhou em desdém da história contada pelo superior -Coronel! O senhor por acaso enlouqueceu? Mulher cobra! Que ideia absurda- O barão o olhou sério e continuou -Ora, acreditei que você não me levaria a sério. Mas tenho algo para lhe provar -Então retirou do bolso uma pesada moeda de ouro e um rubi os colocando sobre a mesa onde eram servidos os quitutes– Há muito tempo, fui pobre, porém fui esforçado como você. Eu e minha finada esposa fomos até lá com nossa amada filha, que Deus cuide bem delas, e carregamos todo ouro que conseguimos. Foi assim que consegui comprar as minhas terras e ter dinheiro para investir na tinturaria em São Paulo -Dizia com firmeza e seriedade típicas da sua pessoa

            Avaliando compulsivamente a moeda de ouro, que dissiparam metade da descrença do contador, Pedro o inqueriu -Mas Por que não voltou lá?

            -Ela não aparece sempre meu bom amigo. Ela só aparece quando a segunda lua nova de um mês surge numa sexta-feira. Algo que acontece quase nunca. Nessa hora ela aparece na gruta, brilhante como uma estrela e cercada de tesouros. Se você deitar sangue sobre o ouro pode levá-lo para si. Só não podemos cometer erros ou tomá-lo levianamente.

            -Se não o que acontece?

            -A dama se torna em cobra grande e devora aquele que erra. Por isso é importante que leve um animal grande e gordo. Se formos lá enriqueceremos juntos! Ficaremos com meio a meio de tudo que ela pode dar. Aceita?

            Hipnotizado pelo ouro e a joia oferecidos de bom grado pelo barão, Pedro o olhou aterrado e acenou com a cabeça.

            -Pois bem! Na sexta-feira venha aqui e partiremos logo no final da tarde.

            Chegado o dia, partiram em um Ford T guiado por um motorista particular até os pés do morro. Pedro abraçava firme o maior porco das suas terras, pesando quase 15 quilos, que logo foi amarrado nas suas costas enquanto o seu patrão levava consigo um lampião e um facão para abrir a trilha.

            -Vamos! Temos muito o que seguir -Dizia animado o barão- Ela surge na hora grande! Temos que chegar logo.

            A caminhada foi árdua. O terreno era íngreme e escorregadio. As temperaturas do verão faziam os mosquitos e outros animais daninhos tornarem-se mais ativos e devorarem os dois conforme adentravam na floresta. À noite, sem lua brilhando no céu, era tão escura que Pedro mal conseguia ver além de dois palmos do seu nariz e seguia confuso o brilho da chama do lampião do patrão que bruxuleava na mata como um fogo-fátuo dançando entre os galhos.

            Quando pensava em desistir, Leandro gritava -Vamos! Ande e será mais rico do que será numa vida inteira!

            Sentido-se incapaz de continuar, Pedro gritou para o barão a quase uma dezena de metros à frente -Senhor! Eu não estou mais conseguindo respirar. Mal consigo dar um passo. Preciso parar, pelo menos, meia hora para retomar o fôlego.

            Leandro revoltado desceu do barranco com o facão em mãos e o colocou no pescoço do subordinado -Você já não tem mais opção, entendeu bem! Estamos só nós dois aqui e já não tem para onde correr. Ou você vem comigo ou irei sozinho e você já não vai mais a lugar algum, entendeu bem?

            Pedro engoliu seco. Pensou em puxar a faca amolada na cintura, pronta para o abate do porco, mas tremeu diante a possibilidade de assassinar alguém e estava cansado demais para uma reação mais rápida do que um movimento ágil do patrão com a lâmina já em mãos. Coube só aceitar a ordem que seguiu-se com um imperativo

            -Vá na frente. Agora você dita a caminhada eu estarei logo atrás iluminando o caminho.

            O contador seguiu carregando o porco nas costas, quase sempre caindo de cansaço, mas sempre quando pensava em parar o barão lhe encostava a ponta do facão nas costelas e gritava -Anda! Temos que chegar logo.

            Após horas de trilha chegaram em uma grande boca aberta entre as rochas. Era próximo ao pico da serra. Dos dentes calcários de estalactites no alto da caverna podia ouvir o som das gotas escorrendo até um lago no interior da gruta -Chegamos!- Disse animado Leandro para o jovem Pedro -Entre, temos que encontrá-la -Apontou com o facão para o interior da caverna.

            Descendo na escuridão com o porco agitado pendurado nas costas, Pedro quase escorregou pela superfície lisa e úmida do solo subterrâneo, mas por fim conseguiu chegar ao fundo da caverna. Caiu de joelhos depois de deixar o leitão de lado, arrastou-se até o lago formado pela infiltração que escorria entre as pedras e tomou um gole d’água. Leandro desceu pouco depois iluminando as profundezas da caverna que se afunilava até infinitos despenhadeiros no interior da escarpa. O barão ergueu o lampião para o alto e sorriu -Agora é só esperar! Pedrinho, seremos ricos – Disse o agitando pelo colarinho -Você será mais rico do que jamais sonhou em ser.

            As horas se passaram. Pedro já duvidava da sanidade do mestre, pensava em uma forma de fugir, mas como? Ele o atacaria caso decidisse escapar subindo a escadaria de pedras e deixou claro que a lâmina o esperava ao menor sinal de dúvida. Pensou em esfaqueá-lo pelas costas mas percebeu que o coronel o observava atentamente, ainda que sorridente, a fim de simular a inexistência de qualquer animosidade entre os dois.

            -Estamos aqui a horas coronel. Acho melhor a gente voltar, não me sinto muito seguro aqui -Respondia preocupado.

            -Espera garoto. As coisas acontecem no seu tempo.

            Passado mais alguns minutos o barão correu para as margens quebrando o olhar atento no subordinado e o chamou -Vem garoto! Está na hora! Venha.

            Pedro caminhou para próximo a margem e pode ouvir na distância o som sibilante de uma serpente e o desenho de escamas no fundo da caverna. A luz refletida na água dobrava-se com as ondulações subaquáticas no pequeno lago formado dentro da gruta. Um vento forte soprou apagando a chama do lampião, mas de forma alguma a caverna ficou mais escura. Um brilho pálido surgiu das águas e rastejou até próximo às margens como se um anjo se estive prestes a se libertar.

            Emergiu dali uma figura etérea. De pele tão alva como a lua e cabelos e olhos prateados. Vestia só joias de prata, diamantes e pérolas, pendurado em colares, brincos e pulseiras que adornavam a beleza sublime surgida diante dos dois homens. Pedro assustado pensou primeiro em correr até a olhar, caindo perdidamente apaixonado pela visão divina que os agraciava com um sútil contorno dos lábios. O barão caiu de joelhos e derramou lágrimas de felicidade ao vê-la de braços abertos e com um sorriso emocionado aos seus dois salvadores.

            -Bravos os cavaleiros que vem ao meu resgate -Disse a aparição lunar estendendo o braço aos dois com voz doce e gentil -Vós de sangue puro que se entrega de corpo e alma. Doarei aos seus os tesouros que junto a mim foram encantados -E com um suave gesto um véu brilhante caiu sobre as águas revelando pilhas de ouro e joia deixados aos delicados pés da musa pálida -Venha a mim aquele que ainda não caiu no pecado de amar e entregue-se para que para sempre possamos viver em eterna paixão.

            Pedro levou o porco aos pés da dama branca cercando-se das joias e moedas que tanto ambicionava e ergueu o punhal. A dama de prata expressou tristeza e com uma lágrima rolando como pérola sussurrou -Não!- Ele olhou no fundo das órbitas vazias da beldade e viu sua expressão mudar quando ela mirou emocionada para além dele. Curioso, olhou sobre o ombro. Pode só jogar o corpo para o lado impedindo um golpe letal contra o pescoço. O sangue esguichou pelo tesouro e respingou sobre a dama da caverna que regojizou em volúpia ao ter as gotas rubras roçando a pele porcelana. Leandro havia talhado um golpe profundo no braço e o olhava com ódio -Por quê? - perguntou assustado para o mestre. Leandro riu e correu em sua direção com a lâmina no alto. A dama branca assistia anestesiada pelo prazer do sangue, palpitando e suspirando emocionada enquanto deliciava o sangue o esfregando pelo corpo.

            O contador enfiou a faca amolada no estômago do coronel e gotas de sangue ímpio escorreram pelas mãos do barão. A pálida caiu de joelhos puxando os cabelos, o rosto contorceu-se em uma carranca e ela rastejou pelo lago com brados de ódio. Tudo escureceu-se quando a luz prateada afundou nas águas do lago. Pedro teve tempo de pegar um punhado de moedas tocadas pelo próprio sangue e correu. Leandro com o facão erguido e pressionando a ferida o seguia.  Atrás dele pode ouvir um sibilar de serpente e quando se virou para trás curioso a única coisa que pode ver foi Leandro sendo erguido por uma coluna de sombras e engalfinhado por um braço de mais completa escuridão. Dois olhos flamejantes o seguiram rastejando pela mata enquanto ele rolava morro abaixo e por fim desmaiou.

            Quando acordou fugiu por um dia inteiro até chegar em um povoado próximo. Pedro usou o punhado de moedas para tratar do ferimento infeccionado, comprar uma passagem para a capital e desapareceu por mais de cinquenta anos. 


Conto escrito por
Julius

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Alex Xela Lima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rosside Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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