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Cine Virtual: Cem Graus Celsius ou a Garota da Pole Dance

Conto de Rô Arruda
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Sinopse: Silvana é uma garota bonita que trabalha em uma boate fazendo pole dance. É nesse ambiente que ela conhece Bruno, um homem ainda jovem, bem-sucedido que assedia Silvana. De início, ela se sente ameaçada, mas aos poucos vai cedendo, chegando mesmo a ir morar no apartamento dele. Nesse período, a pandemia chega ao Brasil e os dois passam a ter que conviver intensamente na quarentena.


Cem Graus Celsius ou a Garota da Pole Dance
de Rô Arruda

  

Quando despertei na penumbra do quarto, sentia todo o rosto latejando, a adrenalina ainda era alta e eu tremia como se sentisse frio. No silêncio da noite, só ouvia a minha respiração entrecortada, olhei procurando por ele, estava inerte e parecia dormir. Tentei me levantar, mas senti uma dor profunda na costela, então, precisei deitar-me novamente e encontrar um apoio para me erguer. Passei sobre ele devagar e com cuidado para que não acordasse. Saí do quarto deixando a porta trancada, já na cozinha, acendi a luz. O meu rosto continuava a latejar, principalmente, o olho direito, então, joguei um bocado de água e vi o sangue diluído descer pelo ralo.

Eu queria gritar, chorar, quebrar tudo, mas meu corpo mal conseguia respirar. Ouvia meu coração aos pulos prestes a explodir no peito. Eu precisava me controlar, não iria continuar ali depois de tudo. Como chegamos a esse ponto? Se não fossem a dor e o sangue, talvez eu até achasse que tudo era um pesadelo. As imagens me vinham em flashes, como o trailer de um filme a que eu não desejava assistir. Respire, apenas respire. Tente se acalmar, você precisa se controlar para fazer aquilo que deve ser feito. Respire. Além da dor, inúmeros sentimentos me invadiam e dilaceravam minha alma ou o que restava dela. Ódio era o mais recorrente, mágoa, decepção, o medo, porém, era o mais fácil de superar.

Era tudo tão intenso que eu não conseguia organizar meus pensamentos, só queria planejar o que precisava fazer e que se danasse tudo depois. Não importava o que viria a acontecer. Nunca tive muita coisa mesmo, a vida inteira eu tinha sido uma ferrada. A infância de casa em casa, da adolescência no abrigo para o trabalho de camareira no programa de jovem aprendiz de um hotel de luxo, onde consegui continuar como funcionária.

No último ano, ter dois empregos foi o melhor que me aconteceu até hoje. De dez da manhã às sete: hotel; de dez da noite às quatro: boate. Assim, pude alugar um apezinho no Centro o que foi bom, pois não dividia mais quarto com ninguém. Pela primeira vez na vida, tive um lugar só pra mim. Ali era um mundo só meu. Uma cama, uma mesinha com duas cadeiras, um sofá, tv, geladeira e fogão. Pendurava minhas roupas numa arara e jogava os sapatos num canto do quarto. Nenhuma colega dizendo que tomou minha bolsa emprestada. Nada sumia, porque somente eu entrava ali. Não deveria ter aceitado o convite de Bruno pra vir morar aqui, nem paixão era, foi só mesmo para saber como era viver num apartamento bem decorado, num bairro nobre. O conforto e a beleza me seduziram e agora estou aqui.

Eu precisava de uma panela, mesmo que o som da água enchendo a vasilha pudesse acordá-lo. Deixe Bruno Accioly continuar a dormir como um príncipe encantado. Poderia ter sido mesmo, mas, desde o início, eu vi nele aquele olhar superior e arrogante de quem se acha muito melhor que os outros. Ainda podia me lembrar da primeira vez que nossos olhares se cruzaram na boate há uns seis meses. Como sempre, eu estava lá na pole dancing e percebi o cliente me admirando, o desejo estava em seus olhos, nas pálpebras quase imóveis e nas pupilas dilatadas. Ele acompanhava cada movimento e eu sabia que nem precisava de muito esforço para ganhar uma boa gorjeta de um cara como esse. De fato, quando girei e me pus de ponta a cabeça, suspensa apenas por uma perna agarrada à barra, vi seu braço esticar-se e com um movimento rápido lançar a nota de cem, enquanto fitava meus seios. Fixei o olhar no seu rosto até que os olhos verdes dele encontrassem os meus, foi quando percebi que havia escondido ali um sentido de desprezo, como se o que eu fizesse fosse algo vulgar, apesar de excitá-lo. Ele voltou outras noites e a primeira impressão que tive passou à certeza: ele gostava, mas desprezava. Isso, porém, não me constrangia, eu já estava acostumada e ele não era o primeiro a agir assim. Desde que não se aproximasse ou verbalizasse seu preconceito, não fazia a menor diferença para mim. Afinal, eu trabalhava para arranjar uma grana e pagar meus pequenos desejos. Tinha que me sustentar, fazer a pole dance naquele lugar era só mais um meio para me manter.

A panela já estava cheia e eu me sentia um pouco mais calma, meus pensamentos também começavam a se ordenar, até respirava melhor apesar do incômodo causado pela dor na costela. Acendi o fogo para esquentar a água e o calor emanado do fogão parecia atenuar o rosto que continuava a latejar. Decidi, então, tomar um banho quente enquanto a água esquentava. No banheiro, olhando-me no espelho pude ver os lábios bem inchados e o olho direito arroxeado com um corte no supercílio. Pensei novamente em chorar ou quebrar o espelho, mas agora eu tinha um plano e não queria estragar tudo. Senti novamente meu coração acelerar junto com a respiração. Calma. Respire. Tome seu banho. Isso vai ajudar. Tirar a roupa foi quase impossível por causa das dores, houve, inclusive, um momento em que eu cheguei a gritar e temi que meu príncipe encantado tivesse acordado. Felizmente, não ouvi barulho algum, abri o chuveiro e a água parecia agulhas furando meu rosto, mas o calor aquecia o corpo e os tremores iam diminuindo.

 Depois de escolher uma roupa suja no cesto para não ter de entrar no quarto, penteie os cabelos ainda molhados e o que eu via no espelho não era nem a sombra da mulher jovem, de corpo atlético com formas bem definidas e um rosto bonito emoldurado pelos longos cabelos castanhos. Por isso, tinha ido trabalhar naquela boate ou clube, como alguns preferiam. Minha beleza. O lugar não era dos piores, nem a clientela, pelo contrário, o ambiente poderia ser considerado vip, a maioria dos homens iam ali para curtir com os amigos ou para aliviar a tensão. Quando queriam algo mais, havia as meninas que estavam lá aguardando a vez. O meu trabalho era só entreter, hipnotizar pra fazê-los beber e passar o maior tempo possível ali gastando.

Bruno parecia mais jovem que a média dos homens que frequentavam o clube, bonito e até atraente, mas a arrogância travava o sorriso, era uma beleza marmórea. Certa noite, quando saía do clube, um carro veio em minha direção com os faróis acesos me impedindo de manter os olhos totalmente abertos, ouvi a porta abrir, os passos já estavam bastante próximos quando o reconheci. “Vamos beber alguma coisa?” Sua mão já tocava meu braço me direcionando para o carro. Parei. Senti uma onda fria percorrer meu corpo. Infelizmente não dá. Tenho compromisso. Outro dia, quem sabe. “Bancando a difícil?” Repeti o que já tinha dito e acrescentei que ele poderia ter escolhido qualquer menina, menos as que dançavam, pois, estavam ali só para entreter. Ele esboçou um esgar de escárnio e se afastou quando outras pessoas também saíam do clube. Aproveitei para me misturar a elas e ir embora. Passaram-se algumas semanas sem que ele aparecesse até que no final de novembro ele chegou muito cedo, sendo um dos primeiros clientes. Eu ainda estava terminando de me arrumar, quando alguém bateu à porta, embora outras meninas estivessem ali comigo, ele entrou trazendo em uma das mãos um cartão com um endereço, dia e hora escritos no verso; na frente, o nome dele Bruno Accioly. “Não me faça esperar” e saiu.

Apesar de minha razão dizer para ignorar aquilo e não ir ao encontro, minha curiosidade foi maior. Havia a frieza e a arrogância que emanavam dele, mas havia também uma aura de mistério que me despertava a atenção e de certa maneira me excitava. Fui. Cheguei ao local às oito horas, era um restaurante sóbrio e metido a elegante com algumas pessoas no salão. Lá fora, o movimento era grande, muita gente se dirigindo para a estação do metrô próxima dali. Não havia o que temer. Ele não poderia me fazer mal naquele lugar. Lá estava ele, sentado a um canto, tomando uma bebida qualquer, me aproximei, ele apenas disse: “Pontual”. Dei um olá tímido e ficamos em silêncio por um tempo. Até que não aguentei mais e fui bastante direta: “O que você quer de mim?” Ele me olhou por um instante e de imediato me arrependi daquela pergunta. “Você sabe o que quero, Silvana”. Ouvir meu nome ser enunciado por ele fez meu sangue gelar nas veias, pois nunca havíamos nos apresentado. Eu sabia o nome dele por causa do cartão, mas nem imaginava que ele soubesse o meu! É certo que bastava ele ter perguntado no clube e provavelmente o fez. Não sei explicar, senti-me inquieta como se ele tivesse descoberto um grande segredo meu. “Já expliquei que meu trabalho é apenas dançar.” Então, ele exibiu um sorriso debochado que anulava a sinceridade de suas palavras: “Claro! É por isso que te convidei para sair. Digamos que eu esteja te cortejando. Você entende, é outro tipo de tratamento. Vamos nos conhecer um pouco e ver no que dá.”

Tentei relaxar, mas a frieza em suas palavras e a forma como tudo soava banal me assustavam. Mesmo assim, continuei ali e fui me deixando hipnotizar pelo verde dos seus olhos. Em certo momento ele se sentou ao meu lado e esticou o braço sobre o espaldar da cadeira, inevitavelmente, a manga da camisa roçava minhas costas nuas. No início me incomodei um pouco, mas, à medida que a conversa avançava vencendo os silêncios, fui me deixando ficar e encontrei, bem lá no fundo, um calor sutil que atravessava o tecido da camisa aquecendo minha pele. Dali saímos e fomos a um motel, o sexo não foi assim tão excitante, mas também não deixou a desejar. Encontramo-nos por mais algumas semanas até que ele me levou a seu apartamento, era bem decorado, com cores que iam do azul ao preto, passando pelo cinza. Era algo bem masculino. Ele era administrador de uma empresa pública, pelo jeito tinha um bom salário e podia manter um apartamento daqueles na zona nobre da cidade.

O fato é que, em poucos dias, ele quis que eu levasse minhas roupas para lá, assim nos veríamos todos os dias no período em que ele chegava do trabalho até a hora em que eu saía para o clube. Aceitei e me mudei. Sentia-me lisonjeada por estar com um cara bem-sucedido e que nutria um forte desejo por mim. Sim, essa altura, o desejo era bem maior que a arrogância e o desprezo por mulheres que se sustentavam com um trabalho como o meu. De minha parte, eu não o temia mais e me deixava levar pela boa situação em que me encontrava. Continuava trabalhando, embora ele insistisse para que eu largasse a pole dance, na verdade, eu ia enrolando, tentando ganhar tempo, enquanto ele repetia: “É que eu sou possessivo, não gosto de imaginar você dançando para outros caras”.

Então, veio a quarentena, nós dois ficamos em casa, não tínhamos hora pra nada. Dia ou noite, tanto fazia, no início aproveitei para descansar, ter dois empregos era desgastante. Ele parecia satisfeito em me ter ali, seus olhos estavam em mim o tempo inteiro, onde quer que eu estivesse, ele também estava. O que eu fizesse, ele também fazia só para ficar perto. Às vezes, eu me sentia meio cercada, como um animal prestes a ser devorado; outras, me sentia como um objeto valioso sendo vigiado. Mesmo assim, eu tentava me convencer que eram os efeitos da quarentena e procurava não dar crédito a esses sentimentos. Para escapar dessa rotina, decidi ir ao meu apartamento para ver como estavam as coisas e ele, é claro, quis ir comigo. Lembro que fiquei contrariada e deixei claro que preferia ir sozinha; subitamente, ele mudou, começou a gritar. “Vadia! Você quer se encontrar com alguém.” A palavra gritada por ele derramou todo o desprezo represado pelo desejo. “Vadia”. Eu negava e, quanto mais eu falava, mais transtornado ele ficava.

Comecei a sentir novamente o sangue gelar como quando o conheci. De pronto, toda aquela sensação de estar correndo perigo invadiu meu corpo. Peguei minha bolsa e me dirigi para a porta, ele segurou meu braço, torcendo-o e me arrastou até o quarto. Abriu a porta e me jogou na cama, dizendo que eu não sairia dali. Desde o início, eu soube que ele me faria mal, eu vi em seus olhos que ele não hesitaria em me aniquilar, caso eu deixasse de ser seu objeto exclusivo. Como um escravo dos próprios caprichos, ele não titubearia em destruir algo que não pudesse mais lhe pertencer. Levantei-me nervosa e também gritando, avancei para porta, mas ele, não só impediu, como me deu safanão, caí no chão, mas me levantei. Precisava me livrar dele, precisava reagir, concentrar a força obtida no pole dance para escapar daquele cara descontrolado e agressivo. Puta da vida, consegui acertar um chute na sua canela, ele me xingou novamente e me socou o olho. Caí mais uma vez e ele aproveitou para me acertar mais um golpe, agora, em minha boca. Senti o gosto do sangue descer pela garganta, livrei-me dele e corri na direção da porta para pegar um cabideiro e acertá-lo, mas ele pensou que eu ia sair e deu um salto nessa direção, nesse momento, ele tropeçou e bateu a cabeça na porta. Caiu. Rapidamente, ergui o cabideiro, mas ele agarrou minha perna, tombei e ele chutou fortemente a minha costela. Quase desmaiei ao sentir o ar deixar meus pulmões. Quando pude respirar, vi que ele segurava a cabeça com as mãos, mais uma vez peguei o cabideiro. Levantei-me e, dessa vez, não errei, ele caiu batendo de novo a cabeça na quina do criado mudo. Desmaiou. Eu me deixei cair, atordoada. Como tudo aconteceu tão rápido! A única certeza que eu tinha era que eu estava certa: ele era uma ameaça.

Finalmente, a água estava fervendo, apaguei o fogo, fui até o quarto, destranquei a porta, ele continuava largado no chão. Minha bolsa estava jogada do outro lado, entrei para apanhá-la com cuidado para que ele não despertasse. Retornei à cozinha para pegar a panela com a água fervente. Esse filho da puta ia pagar caro por essa agressão. Ter me machucado desse jeito era como roubar a minha riqueza: um rosto bonito e um corpo desejável, as únicas garantias que eu tinha para me sustentar. Entrei no quarto pela última vez com o calor da panela me obrigando a concluir logo o meu plano, então, despejei o líquido borbulhante sobre o peito e fui descendo em direção às pernas. Seus olhos se abriram e vi quando ele percebeu sua pele queimando; gritou com a dor. Acendi a luz e deixei que ele me visse. Ele urrava. Talvez me desse mal por isso, mas não me importei. Larguei a panela, peguei minha bolsa e saí, fechando a porta atrás de mim.

 


Conto escrito por
Rô Arruda

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Eliane Rodrigues
Márcio André Silva Garcia
Ney Doyle
Pedro Panhoca da Silva
Rossidê Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO



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