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Antologia Contos Contemporâneos da Violência Urbana: 2x15 - Dois Coelhos (Season Finale)

Conto de Alex Rosa
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Sinopse: Um jovem policial tenta manter sua integridade perante à corrupção, ao mesmo tempo, que teme pela vida de sua família. Com a esposa grávida e a constante sensação de perseguição, o policial tenta enfrentar seus inimigos, externos e internos, em meio a crises de pânico.


2x15 - Dois Coelhos (Season Finale)
de Alex Rosa

 

            Rafael andava segundo a índole herdada de seus pais. Tinha um forte senso de justiça, constantemente colocado à prova. O destino lhe reservara o peso severo de uma farda, a mesma que lhe ofertava autoridade e cobrava insegurança, e aquela ainda que lhe impunha o respeito e retira a paz. Dividia-se entre o receio e a admiração – um solo fértil para os monstros internos. Há alguns meses seus medos aumentaram sob a paranoia de que estava sendo vigiado, Rafael vivia cercado por fantasmas – abstratos e reais –, espectros alimentados pelo próprio temor. A batalha interna, o estresse do trabalho e a premissa de mudança drástica em sua vida faziam-no rezar com mais fé antes de sair de casa. Sua esposa estava grávida.

            Toda a tensão que o escoltava, desde o dia em que vestiu aquele uniforme, só aumentava com o passar do tempo. Caminhava exposto aos tiros da incerteza. Não apenas era julgado pela má fama de alguns policiais corruptos como também carregava a vulnerabilidade daquele distintivo reduzido a fácil poder. Tudo isso, junto ao motivo de se manter vivo, concebido no ventre de sua amada, irrompia em conflitos contra a constante sombra da morte. Como um vapor inofensivo que gera uma tempestade.

            Rafael estava com uma sensação estranha quando se despediu de sua esposa pela manhã. Penetrou-a com um olhar sem alma, na esperança de que ela o resgatasse do abismo em que se encontrava. Sua esposa era um dos únicos motivos que ainda o sustentavam em pé, o sonho de uma vida ao seu lado fazia com que lutasse por um futuro melhor. Despido de paz, fingiu-se sereno. Queria ser força, mas as aparências não se sobressaem ao espírito. O beijo do adeus não foi o suficiente para encorajá-lo. Sentia-se acuado. O coração acelerado. Uma sensação de morte pairava sobre sua cabeça a caminho do trabalho. Os ataques de ansiedade viraram rotina, despertando vários sintomas hostis no jovem policial. Um inimigo que o perseguia, dia e noite, sem descanso.

            Na delegacia, um funcionário pediu para ver a arma de Rafael, alegando uma conferência no número de série do revólver, a pedido do SINARM PF (Sistema Nacional de Armas). O policial ficou apreensivo. Há um mês havia apertado o gatilho de forma equivocada. Mais pelo instinto de sobrevivência do que pelo próprio caráter. O pequeno contratempo da arma fora o suficiente para desencadear outros sintomas.

            De súbito, uma descarga de pavor o fez afugentar-se no banheiro. Preciso conhecer meu filho, pensou. Era possível ver a farda palpitando com as batidas de seu coração. Os braços dormentes e a forte pressão na cabeça retratavam a crença do fim. Lembrou-se dos conselhos da psicóloga “Você está no controle. É apenas uma síndrome do pânico. Você não vai morrer. Mantenha-se calmo.” Rafael lutava contra seus próprios demônios, sem dividir seu fardo com ninguém além da terapeuta. Sozinho, enfrentara a face da morte, já que o temor era pouco plausível aos olhos de seus colegas e poupava sua amada que, segundo ele, tinha muito mais com o que se preocupar à espera do bebê.

            Mesmo sujeito às terapias nos momentos de crise, o desespero, a certeza da morte e a sensação de que nada mais importava eram angustiantes. Rafael começou a controlar a respiração. Lembrou-se daquela que poderia dispersar a aflição de sua alma; lembrou-se da felicidade vindoura gerada em um novo ser; lembrou-se dos motivos que o fizeram se tornar um policial… Banhou a cara, devagar, com as duas mãos, enquanto lavava o rosto tentava tirar o peso, a aflição. Respirou fundo. Negou a instabilidade refletida no espelho, certo de que não poderia esperar, fez como tantos outros. Ignorou os sinais.

            Rafael ainda carregava um desespero no olhar quando saiu do banheiro. Sustentava um autocontrole que não possuía, fingia serenidade. Sentiu-se mais aliviado quando o delegado falou que estava tudo certo com sua arma, assustara-se sem motivos. Sorriu ironicamente para si mesmo. Seu próprio algoz. Guardou o revólver no coldre e saiu para fazer a ronda na rua. 

            Os sintomas passaram; os motivos não.

            Ainda assim, o turno começou. Mesmo querendo ter permanecido em casa, Rafael prezava por cumprir com suas responsabilidades. Aos poucos, as batidas de seu coração foram diminuindo. A dormência diluindo com o sangue e a tensão se dissipando com o cheiro de asfalto. Sentia-se melhor.

            O bom dia contido e a falta das costumeiras reclamações de seu parceiro não lhe causaram estranheza o bastante para questionar. Preferia o silêncio. Ainda mais depois do transtorno que foi a última ronda.

            O jovem policial causara alguns desvios de rota desde que entrara para polícia. Munido de ideais e com ímpeto de fazer justiça à flor da pele, Rafael tinha sede de prisão, fome de uma cidade melhor, mais segura. Não percebia que atrapalhava alguns esquemas entres bandidos e policiais, organizações que não tinha conhecimento, viria a conhecer quando prendeu, no dia anterior, graças à astúcia de uma investigação pessoal, um poderoso empresário que era envolvido com tráfico, trabalho escravo e corrupção entre políticos. Rafael sonhou seu momento de glória e reconhecimento, abastecido do orgulho e ego presente em cada ser humano, o policial se sentia contente por seu grande feito. Deixou sua importância ampliar-se. Honraria sua família. 

            Contudo, ao invés das previstas condecorações, o jovem policial viu a viatura que levava o criminoso à delegacia, consequentemente ele, mudando o percurso no meio do caminho. Duas outras viaturas os seguiram. Ao todo, havia sete policiais. Rafael sabia o que estava acontecendo, temia por sua vida.

            Em um galpão, frio e deserto, Rafael ficou sabendo de toda a engrenagem que movia a cidade. De como aquele corrupto empresário bancava os políticos em um sistema de troca de favores, qual financiava as campanhas políticas e depois recebia o dinheiro de volta em obras superfaturadas. Soube do dinheiro que molhava as mãos dos policiais corrompidos e de todo o sistema que sustentava muitas pessoas dependentes de um círculo vicioso. Soube ainda de muitas pessoas poderosas envolvidas. Sua vida ficara exposta demais com a descoberta. Quanto mais pessoas importantes, maior o perigo.

            Rafael recebera o convite para participar da manobra desonesta, negou veementemente. Sabedor do perigo que corriam – ele e sua família –, aceitou silenciar o caso. Fora para casa, inconsolado. Cada vez mais se tornava um pessimista. Cada vez mais, refugiava-se em seu mundo. A honra de se tornar um policial – sonho de criança – se dissipava aos poucos. Rafael nunca desistira de lutar pelo certo; agora, se calava.

            Contudo, ainda sonhava com um mundo mais justo, mais honesto. Sonho esse seguro apenas por um fio de esperança ao saber que nem todos os policiais estavam envolvidos nesse esquema podre. Entretanto, já não era o bastante.

            O banco do carro parecia estar desconfortável, Rafael se mexia o tempo todo. A ausência de ocorrências em nada assemelhava com caos em sua mente. Não sabia em quem confiar. Uma incômoda companhia se instalava no silêncio inquietante da viatura. O policial contava os minutos do interminável dia para correr para os braços de sua mulher e acampar em seus carinhos. Mais uma hora e seu desejo se realizaria, abriu um sorriso, com acanhada alegria.

            Desde que ficou sabendo que sua esposa estava esperando um menino, Rafael imaginava por várias vezes ao longo do dia como seria o momento em que segurasse seu primogênito pela primeira vez em suas mãos. Enquanto observava a paisagem urbana vista através da janela da viatura, visualizava seu filho crescendo em cada cena; meninos brincando; indo para escola, jogando bola pelos terrenos baldios…

            O outro policial – motorista da viatura – dirigiu em direção a um bairro mais afastado da cidade, Rafael continuava perdido em seus devaneios. O motorista conduzia devagar pelas estreitas ruas, sob os olhares desconfiados dos habitantes, quando resolveu quebrar o silêncio.

            — Olha, parceiro, sobre o que descobriu ontem, não queria que soubesse daquela forma, quero que saiba que não tive escolhas – Rafael fez menção de interrompê-lo, mas o policial continuou: — no começo, eu também era igual a você, tinha sede de justiça, queria ser herói. Com o passar do tempo, desisti. É bem mais fácil aceitar as coisas como elas são; além do mais, precisava de uma grana extra para minha família. Minha filha entrou na faculdade, vai ser médica!  – Os olhos do motorista pareciam emblemáticos, suas palavras continham, paradoxalmente, orgulho e vergonha.

            Rafael abaixou a cabeça, pensou por um instante. Havia muitas coisas para falar. Muitas coisas por brigar. Coisas que o policial provavelmente já havia escutado, até mesmo pela sua própria consciência. Não se calaria desta vez, colocaria para fora tudo que tinha guardado durante a noite; durante o trabalho, os anos. Antes que pudesse falar algo, a poucos minutos de acabar o turno, Rafael avistou um suspeito assaltando uma mulher e entrando em uma viela. Sem hesitar, e com uma atitude que não lhe era própria, o parceiro de Rafael parou o carro, enquanto falava:

            — Estou cansado desses vagabundos.

            O policial saiu do carro quase ainda em movimento, seguido por Rafael.

            Assustada, a vítima fugiu do local. Os dois adentraram a pequena rua em busca do delinquente.

            A estreita viela dava em um beco sem saída. O ladrão estava encurralado. Armado, esperou os policiais para um confronto. Quando Rafael e seu parceiro chegaram ao local se depararam com um indivíduo obstinado e com uma frieza apavorante. Arma em punho, e decidido a matar ou morrer.

             — Você está preso! – falou Rafael, apontando a arma para o ladrão.

            — Eu…

            — Cala a boca! – decretou o policial.

Ele estava no comando e só queria que aquilo acabasse o mais rápido possível para ir para casa.

            — Calma, xerife! Por que tanta pressa para morrer?

            — Coloque a arma no chão e as mãos sobre a cabeça – gritou Rafael, ignorando as palavras do homem.

            O marginal apenas sorriu, abaixou a arma lentamente e, encarando Rafael com um sorriso desafiador, começou a falar:

            — Você deveria ter ficado em casa hoje, rato!

            Havia algo errado. O jovem policial se congelou com a ousadia do bandido. Engatilhou a arma. O bandido sorriu, olhou ligeiramente para o parceiro de Rafael e levantou a arma em direção ao policial enquanto gritava:       

— Vá para o inferno…

Rafael disparou dois tiros. Dois sons secos de disparos. O bandido continuara intacto, as balas não saíram. Rafael ficou pasmo. Lembrou-se de quando entregou a arma ao funcionário pela manhã para ser verificada. Olhou assustado para seu parceiro. Distraiu-se. Três tiros ensurdecedores foram disparados. O olhar do policial era impassível. Sentiu o sangue esquentar sua farda. Incrédulo, com os olhos arregalados, ignorou o ardor causado pelas balas, retirou-se no cálice de seu maior medo sendo consolidado.

            O bandido havia disparado três tiros impetuosos sobre o peito do jovem policial. Tinha cumprido seu papel. O parceiro de Rafael, cuja ética extinguira-se com o tempo, apontou a arma para o bandido, o marginal arregalou os olhos e antes que pudesse falar alguma coisa, sentiu uma bala atravessando seu corpo. O policial só descansou quando disparou o último tiro. O mal tinha similar eficácia sobre os dois. Olhou para os dois corpos, abaixou a cabeça. Fechou os olhos por um instante em um arrependimento planejado. Maquiavélico e dotado de um carisma desleal, respirou aliviado; dois coelhos.





Conto escrito por
Alex Rosa

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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